quarta-feira, 24 de julho de 2024

A conformação


Na Palestina, depois que Jesus fora executado e as coisas pareciam retornar à antiga normalidade, um dos seus apóstolos, de nome João, não se aquietava, a procurar canto, qual dizem dos que lutam e nada conseguem para se adaptar às situações difíceis.

Durante as semanas posteriores, sua vida era só amargura, sofrimento por cima de sofrimento. A ferida aberta com tamanha perda parecia crescer cada dia um pouco mais. Aonde seguisse, levava consigo a presença do Mestre divino, fugindo-lhe do ânimo o gosto de viver. Pelejava, pelejava, e ninguém conseguia consolá-lo. Tornara-se, por isso, a maior preocupação de amigos e familiares.

Alguém lembrou, então, de uma pessoa, Maria de Nazaré, a quem devesse procurar, na busca de palavras de conforto, pois se revelara exemplo perfeito de resignação face à inominável tragédia que também a vitimara.

Destarte, João viajou ao lugar em que vivia a mãe de Jesus. Numa demorada conversação dos dois, a santa mulher indicou a João que chegasse até o Mar da Galiléia, porquanto, nas suas margens, acharia motivo suficiente a recobrar forças e firmeza de tocar a vida.

João aceitou o conselho e aproximou-se das praias daquele mar, em que permaneceu algum tempo. Relembrava os passeios felizes de vezes anteriores, absorto nos incertos pensamentos da dor. Certa tarde, preso à beleza das águas azuis, se deixava inundar de gratas recordações, quando avistou, deslizando em sua direção, no fino espelho das ondas, o vulto magnânimo de Jesus.

Um perfume de raro incenso, nessa hora, emanava pelo ar, idêntico àquele experimentado junto da cova sagrada, cercanias de Jerusalém, em que deixaram o corpo do Mestre.

Perante o inesperado, quis fraquejar sob o peso das sentidas emoções. Fechou os olhos, na mais fervorosa contrição, e ouviu, nos refolhos da alma lacerada, translúcido, o falar do verbo de Deus:

- Estimado João, jamais queira imaginar que habito longínquas paragens, afastado de quem amo. Saiba, no entanto e sempre, que quando alguém chamar com sinceridade, ao seu lado me acharei, na eternidade dos sentimentos verdadeiros, contra qualquer obstáculo; pois não há distância entre os que se amam.

Dali em diante, tocado pelos eflúvios da inesquecível revelação, o apóstolo se rendeu ao abençoado reencontro e entregou-se à força da conformação para realizar o trabalho evangélico a que viera na Terra.

Nota: História ouvida de Raimundo Pereira da Paixão.

(Ilustração: Reprodução (Aldeia de Nakba (Palestina).

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