Na Palestina, depois que Jesus fora executado e as coisas pareciam retornar à antiga normalidade, um dos seus apóstolos, de nome João, não se aquietava, a procurar canto, qual dizem dos que lutam e nada conseguem para se adaptar às situações difíceis.
Durante as semanas posteriores, sua vida era só amargura,
sofrimento por cima de sofrimento. A ferida aberta com tamanha perda parecia
crescer cada dia um pouco mais. Aonde seguisse, levava consigo a presença do Mestre
divino, fugindo-lhe do ânimo o gosto de viver. Pelejava, pelejava, e ninguém
conseguia consolá-lo. Tornara-se, por isso, a maior preocupação de amigos e
familiares.
Alguém lembrou, então, de uma
pessoa, Maria de Nazaré, a quem devesse procurar, na busca de palavras de
conforto, pois se revelara exemplo perfeito de resignação face à inominável
tragédia que também a vitimara.
Destarte, João viajou ao lugar em
que vivia a mãe de Jesus. Numa demorada conversação dos dois, a santa mulher
indicou a João que chegasse até o Mar da Galiléia, porquanto, nas suas margens,
acharia motivo suficiente a recobrar forças e firmeza de tocar a vida.
João aceitou o conselho e aproximou-se das praias daquele
mar, em que permaneceu algum tempo. Relembrava os passeios felizes de vezes
anteriores, absorto nos incertos pensamentos da dor. Certa tarde, preso à
beleza das águas azuis, se deixava inundar de gratas recordações, quando
avistou, deslizando em sua direção, no fino espelho das ondas, o vulto
magnânimo de Jesus.
Um perfume de raro incenso, nessa hora, emanava pelo ar,
idêntico àquele experimentado junto da cova sagrada, cercanias de Jerusalém, em
que deixaram o corpo do Mestre.
Perante o inesperado, quis
fraquejar sob o peso das sentidas emoções. Fechou os olhos, na mais fervorosa
contrição, e ouviu, nos refolhos da alma lacerada, translúcido, o falar do
verbo de Deus:
- Estimado João, jamais queira
imaginar que habito longínquas paragens, afastado de quem amo. Saiba, no
entanto e sempre, que quando alguém chamar com sinceridade, ao seu lado me
acharei, na eternidade dos sentimentos verdadeiros, contra qualquer obstáculo;
pois não há distância entre os que se amam.
Dali em diante, tocado pelos eflúvios da inesquecível
revelação, o apóstolo se rendeu ao abençoado reencontro e entregou-se à força
da conformação para realizar o trabalho evangélico a que viera na Terra.
Nota: História ouvida de Raimundo Pereira da Paixão.
(Ilustração: Reprodução (Aldeia de Nakba (Palestina).
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