quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Os autores


De uns tempos até agora veio à tona essa urgência de comunicação. Antes havia qual que apenas uma conformação junto das cartas, dos papiros e livros guardados nas estantes mais inacessíveis à multidão, talvez (quem sabe?) em face da velocidade menor dos acontecimentos da época. Nisso, vieram guerras centralizadas na Europa. Estragos generalizados daquilo que chamavam cultura. Os que salvaram seus livros, tudo bem, os carregavam consigo em pastas e baús, à busca de achar a paz outra vez e, bucolicamente, sentarem a ler e olhar as figuras das publicações que restaram.

Depois disto, e só então, a raça passou a sentir a importância de mergulhar na própria consciência e revisar os valores essenciais. Nesse mal-estar da civilização, são povos inteiros a desaparecer num abrir e fechar de olhos, pois impérios invadem suas nações milenares abocanhando os minérios combustíveis, na intenção de preservar esse crescimento bárbaro do prazer pelo prazer, que adotam na Era de Massa.

Resultado: Sobram os entulhos nas periferias das grandes cidades. O mais são bólides metálicas a troco de preservação da espécie, edifícios gigantescos a cobrir o cenário. Carros mil lançados às ruas e avenidas sem destino claro, chapas contorcidas, tintadas e reluzentes, vagando ao léu pelas antigas histórias abandonadas pelo tempo. Seres quase racionais. Frieza degenerativa. Ausência de calor humano. Meros zumbis da sorte no itinerário constante de comer, dormir e trabalhar, a fim de comer, dormir e trabalhar. Algo assustador por demais.

Conquanto quem escreva pretende dizer do que lhes vem ao sentimento, nisto dotados de máquinas supereficientes, padecem, no entanto à cata das razões de estar aqui, o que delinear das palavras e dos temas, a quem contar dessa procura. Sabe-se de existir esses olhos no escuro que catam do que restou dos derradeiros pedaços. Quais fantasmas, tateiam essa penumbra. Tocam as paredes frias do túnel da alma, certos de haver, nalgum momento, nalgum lugar, a certeza da Paz em que tanto creem e nela sobrevivem na solidão deste silêncio.    

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Cativos ou senhores


O Tempo deixa claro o caminho à frente na medida em que avalia os frutos. E nós seremos sempre essa folha em branco onde ficam registradas as sentenças de nossos atos. Num resumo bem elementar, o mapa de nossa consciência resta nos resultados das ações de todo tempo. Vidas e vidas que sucedem quais safras de mundos inevitáveis, nas páginas de nossas histórias individuais e coletivas.

Independente, pois, de quem queira ou não questionar, é assim. Ninguém foge ao seu destino. Mesmo porque nem teria aonde fugir. Somos matéria prima da evolução e dos mundos. Quanta seriedade há nisso, de sermos as raízes da Natureza. Seres sofisticados por demais, exercitamos a existência  em meio a nós próprios. O plantio é livre; a colheita, obrigatória.

Dentro de tal simplicidade, seremos os escravos de nossas más ações ou os senhores dos bons praticados perante a Eternidade em movimento.

Quantos imaginam absurdos outros, ao cogitar de um espaço neutro, talvez livres das determinações além da culpa. Perrengues impossíveis. Têm que se render face ao Tempo, o senhor da Razão. Pequenos, ínfimos quiçá, descemos pelas estradas do silêncio universal, a receber aquilo que dermos e colher o que plantarmos nessa jornada sem fim.

E saber que nisso persiste a suprema perfeição, longe de outras visões que sejam a concorrer no Infinito do senso do que haverá de ser assim ou doutro modo. Enquanto isto, cada um, dotado da humana condição, será artífice da perfeição. Tão simples que dói de compreender. Conquanto a estrada possa chegar mais cedo à Paz da consciência, isso depende única e exclusivamente de nossas atitudes no exercício da liberdade a que nos ligamos desde que aqui viemos.

Bom, nalgumas horas quer-se contar um pouco do que seja adquirir a plenitude que em nós habita, porém matematicamente restritos ao poder da justa coerência do quanto de exatidão nela construirmos nesta sonhada felicidade lá um dia.

sábado, 26 de novembro de 2022

Memórias de um futuro distante


Desde lá de onde vem essa máquina de pensar que nos transporta nos ombros do Destino. Donde chega a vontade extrema de rever a verdade que rebrilha intensamente no meio de ferragens que sacodem nossas entranhas e permitem só ao longe contemplar os traços do Universo em formação, ainda invisível aos nossos olhos secos. Lá, de onde vêm os sons metálicos das estrelas, entre galáxias e nebulosas, rastros profundos das longas madrugadas insones, já agora ausentes. Riscos de naves. Meteoros que cruzam o espaço na velocidade estonteante das paixões. Luzes. Letras. Poeira de séculos largados ao firmamento quais sinais de sabidas existências silenciosas. Nisto, um céu sem fim, símbolo de pura perfeição, que circula de células o quanto existe, ao ritmo dos acordes de festas monumentais deste infinito maior que bem aqui significamos. Algo das impossíveis eras que regressam ao ventre das cores e mergulham no mais absoluto das dobras da Consciência. Fragmentos, pois, de tempos esquecidos, chegam numa velocidade intermitente e escondem o mistério de notas mil da mesma peça que cresce e explode em tudo quanto há, sob o trilho do Sol de todo momento. Nós, esses entes abstratos em formação e desparecimento, faces abertas de quem rege a sinfonia da Criação adormecida no olhar de todos. Isto tão somente, bólides iluminados e furor dessa presença firmada dentro da alma da gente, que nasce e se contorce no trabalho de parto das presenças humanas. Enquanto isto, lembranças outras invadem de solidão a saudade que os dias trouxeram consigo e desmancham pouco a pouco a crosta enrijecida dos calendários inexistentes. Isso durante falas e silêncios, e adormecem nas eras no seio imenso do coração da Eternidade. Tudo enfim que fala, grita, cala, face às encostas do total desparecimento de todas as formas, o que será solenemente, objetos da realidade de uma raça entontecida à busca do conhecimento. Eis o pouco do que ainda resta de percorrer até quando dias e dias sumirão de vez triturados pelo fogo da memória inesgotável da Certeza.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

As portas da remissão


O senso comum adormece logo depois que rever os índices do crescimento humano, e pronto. Aquieta as apreensões quanto ao seguimento de tudo quanto há. Aceita de bom grado as condições inevitáveis da vida que vive, sonha e adormece tantas vezes quanto necessário seja de dominar os instintos de salvação e persistir na luta de continuar pelos monturos das próprias aventuras. No entanto, ainda assim, remexe lá de dentro essa força insistente da fome do novo, das repercussões do processo face aos percalços inevitáveis. Seres humanos e sua história de sobrevivência, longa noite de espera do que virá, fora dos vaticínios e desejos nunca realizados. Entes de proporção reduzida, porém dotados das medidas do Universo em suas viagens internas, máquinas de tecer maravilhas no continente das dúvidas, são as nuvens em movimento no mar da imaginação.

Todos têm isso, a possibilidade infinita de resgatar a si próprio através dos meios de que dispõem. Isso de rever os caminhos donde vem e aonde irão sem sombra de alternativa. Vasculham o lixo dos dramas dessa condição material, batem asas com insistência, até refazem os valores que trazem às mãos, porém cônscios do pouco que representam de tudo quanto lhes cerca. O que leva a receber prejuízos e lucros das ações dotados de compreensão de ser assim. Presas, pois, desse fastio que lhes aguarda de braços aberto nas esquinas do Destino, fazem de conta não ser consigo o roteiro que tão bem  representam todo momento.

Afinal, se esconder de quem?! Das luzes da existência de certeza não será. Admitir as poucas e nenhuma chance, a quem reclamar?! Com isso tangem o barco nos mares do Tempo, senhores de si e fruto das consequências em queda livre.

(Ilustração: Cristo no Limbo, de Hieronymus Bosch).

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

De onde vêm os sentimentos

 


Ainda que presos às palavras, eles alimentam a fornalha desta vida. Eles, os sentimentos, blocos que se desprendem todo momento da Luz, vivem soltos na consciência individual. Adicionam verdades a quem procura, porém de modo livre, sem qualquer compromisso de memórias ou resultados. Quais seres independentes, rastejam lugares mais distantes na ânsia de,  lá um dia, trazer respostas que alimentem a vontade extrema de amar, ser feliz, alegrar a vida. Porquanto sejam, a bem dizer, tais selvagens animais, prolongam as fases da riqueza inigualável das paixões. Nutrem os pássaros da sede absoluta de voar e sumir para sempre na vastidão dos oceanos. Passeiam, pois, nas raias do destino, beirando quiçá o mistério das profundidades abissais de Si  em Si Mesmo.

Sentimentos, horas vazias de meras imaginações. Força que impõe valores e sobrevive a tudo na alma das humanas criaturas, ao lado deles vagam insones pelas normas ingratas das aparentes sabedorias, filosofias e dos apegos desesperados  às ilusões deste chão. Quisera domá-los e guardar comigo a presença das angústias que lavram o solo das reais finalidades. Entes, por isso, senhores de si e dos demais, impulsos e chamas vivas de credos e contrições, antes de tudo existem, eles que deslizavam a superfície do Infinito de olhos postos às visões do impossível. Com isto, doem despois de tanto e nutrem de luminosidade o raiar dos dias. Houvesse quem e deixariam de exercitar esse senhor de liberdade que ferve nas existências. A ninguém pertenceriam, e, no entanto, pertencem a todos, razão do existir e do Cosmos que persistem no íntimo dos amores imortais.

Todavia significam, sem limites, o senso das presenças, das cores, das formas, dos pensamentos e palavras, das causas e consequências do único motivo de estarmos aqui, ou de desaparecer na bruma que sumiu desde o primeiro brilho do Sol. Padrão, modelo exclusivo das perenes histórias que seguem à busca do Amor, os sentimentos transportam na sua essência a Verdade em forma original. E, com isso, dormem eternamente no âmago do Universo de que somos nós.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A sequência natural de tudo II


Quem mais conversa diz isso das previsões face ao que se planta e colheita. Independente do jeito que a gente encara o tempo e as histórias, somos pouco a fim de compreender o quanto existe. Querer caprichosamente dominar os acontecimentos virou mania no juízo de muitos. Acontece, no entanto, que nem de longe ainda conquistamos a noção absoluta de tudo. Mesmo assim dá de se contar o andamento do que anda acontecendo. Isso por conta das próprias vivências e observação. Tantos que são felizes ao descobrir um jeito menos errado de agir e fazer. Outros invadem o território das experiências funestas e recebem a rodo os frutos do plantio adverso.

Hoje, dalguma sorte, já observo melhor o tanto de fazer que pudesse ter permitido melhores resultados daquilo que pratiquei. Analiso com clareza o motivo de haver jogado fora bons momentos de acertar. Creio ser de tal maneira com relação à autocrítica de todos. Eis o instrumento de iniciar logo novos plantios e usar novas sementes.

Essa ciência do bem viver representa a chance de ter paz, ser leve na consciência e admitir dias plenos de harmonia em nossas vidas de irmãos de humanidade. Somos, igualmente, os autores da nossa evolução moral, dotados da inteligência de que carecemos no uso das leis dessa natureza de que fazemos parte. Trabalhar o encaminhamento do que virá, vejo ser o real sentido de aqui nos achar.

Reavivar as esperanças de ser a grande família humana unida em um único corpo, a exercitar o domínio da fraternidade justa, pretensão de todos nós. Só então, de olhos limpos na honesta decisão de evoluir em favor do Bem maior, obteremos as bases reais em que sonham desde há muito. Fazes por ti que os Céus te ajudarão!

(Ilustração: 2001 Uma odisseia no espaço, de Staley Kubrick).


terça-feira, 8 de novembro de 2022

A aranha vive do que tece


Tal tem sido a luta da sobrevivência de nós humanidade na face deste chão. Viver. Às vezes só viver por viver, no entanto sustentar a tese de que há uma razão precípua de haver entrado em cena quais heróis da sobrevivência. Depois de tudo, todavia, ainda ser feliz. Que justificativa, pois?! Uns correm atrás do sustento, enquanto outros dilapidam o patrimônio da natureza em nome da fama, da festa, do prazer puro e simples, e da ignorância.

Porém estar aqui, qual disse, preenche todos os claros de resposta àquilo que compõe nossa real finalidade. Uns soalheiros das luzes e dos mistérios. Sábios na conta de encontrar, lá um dia, o cetro da sabedoria. Máquinas de laminar o mundo. Orgulho dos pais. Livres até um tanto. Arcabouços de destinos largados às ondas do Infinito. Nós, todos, vinculados entre si. Nós que sustentam a humana felicidade em aberto.

Bom, tais derivações de pensamento chegam assim dizendo de dentro as formas de ver o mundo e suas movimentações, todas previstas nalgum lugar, escritas do Poder de quem somos originários. São inúmeras filosofias à disposição, hoje no ontem, portas abertas aos dias seguintes. Tão pequenos que nalgumas horas quase que sumimos na face do horizonte de nós mesmos, apocalipses e desejos soltos pelo ar.

Contudo há que seguir, vez inexistir rota de fuga. Ser ou ser, eis a questão. Aceitemos ou não, será sem sombra de dúvidas de um único jeito, o futuro. Pouco ou nada importam as versões do definitivo contadas em prosa e verso. Preços módicos, criamos justificativas ao sabor da compreensão imediata dos aprendizes em ação. Outrossim insustentáveis. Eis, com clareza, a humana existência. Pretensos detentores do Eterno que desconhecem de tudo o Absoluto de quem é fruto.

Submissos aos esquadrões do Tempo, levas e levas passam ligeiras nas mesmas águas do firmamento, senhoras de expectativas e sonhos. Em resumo, queiram ou não, há leis que fervilham o Universo a considerar, que aceitemos, por isso, o prêmio maior de existir. 

(Ilustração: A dança camponesa, de Pieter Bruegel, o Velho).


segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Nosso bairro


Isso de escrever possui natureza própria. A gente é levado a, invés de apenas querer fazer o que seja. Um exemplo aconteceu hoje, quando algumas lembranças insistiram de vir à tona e oferece motivos até a minha vontade de senão obedecer ao impulso de escrevê-las. São presenças dos que habitavam lá o Bairro Pinto Madeira, décadas de 50 e 60, tempo de chegar a Crato com minha família. Fomos morar numa casa ampla, construída por Seu Pergentino Silva, que ficava logo ao lado de uma serraria iniciada por meu pai e Tio Quinco, um dos irmãos de minha mãe e meu padrinho de batismo. Ali vivemos em torno de uma década, indo depois residir no mesmo quarteirão, na esquina da Rua Vicente Tavares Bezerra e Rua São Francisco, numa casa que meu pai construiu.

Vieram à memória, com nitidez, os principais jovens daquele tempo. Everardo, meu irmão mais velho; Jorge Ney, um primo que viveu conosco uma fase; Francisco José (Chico); Aglézio; Roberto (Beto); Junival; Flávio (Tota); Francisco Antônio (Chico Antônio); Assis Brito; Valdir Filho (Fela); Aroldo; Jaime; Lindolfo; e José Roberto (Zé Roberto). Algo assim qual fôssemos uma só família; no avistávamos constantemente.

Defronte da minha casa havia um espaço debaixo de nove mangueira, em que sempre nos encontrávamos para jogar bola, conversar, chupar manga, jogar triângulo, pião, bila, festa de congraçamento constante, troca de opiniões e às vezes desentendimentos; ali sabíamos dos filmes, das notícias, das políticas; nunca virava monotonia aquilo tudo. Nos inícios, dada a energia de pouca potência que alumiava a cidade, vinda de uma subestação construída por Alexandre Arraes no Rio Batateiras, instalações hoje abandonadas (no distrito do Lameiro, na Nascente). As lâmpadas eram apenas tochas a marcar pelos postes o sentido das ruas, isto até nove da noite, quando ficava tudo no escuro. As noitadas, quando nos reuníamos na calçada do Abrigo, na Rua Padre Ibiapina, foram memoráveis, à luz da Lua e das estrelas.

Tenho comigo que todos esses que usufruíram daquele tempo abençoado guardam fielmente as felizes vivências que marcaram de alegrias nossa adolescência, deixando as melhores saudades de que possamos usufruir hoje em dia onde estejamos.

E eu aqui na praça dando milho aos pombos


Nalgumas horas, acho de me lembrar de pessoas e situações que preenchem a minha história, onde vivo, com quem convivo, leio, escrevo, ouço, assisto, e seguem os verbos de formar as fases das recordações desse itinerário que justifica de estar aqui e contar em parcelas o roteiro percorrido.

Esse título, por exemplo, traz um tempo inteiro de momentos da nossa existência das vanguardas, dos festivais, militâncias, revivescências que fertilizam o solo úmido de saudade da nossa geração. Esperanças mil, ansiedades, contradições, lutas e viagens neste chão de tantas epopeias.

A cada conflito mais escombros / Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça /

Dando milho aos pombos, de composição de Zé Geraldo, que agora regressa aos meus pensamentos, a encontrar, de novo, aqueles acontecimentos vividos. Isto quando vemos que somos pequenos em relação às determinações do mistério, ele que tudo pode fazer acontecer, inclusive nada, qual diz Caetano Veloso, noutra composição, isto por meio dos personagens que formam o tempo das vestimentas humanas largadas aqui.

São tantos os nossos ídolos vagando soltos nas lembranças, que ferverão para sempre o caldeirão de todos nós, de todo instante e suas facetas multiplicadas de sentimentos, cicatrizes e condições, gravadas ferozes em nossos seres.

Em 1971, iríamos ao Rio de Janeiro, Tiago Araripe, José Esmeraldo Gonçalves, Pedro Ernesto Alencar e eu. Havíamos estado alguns dias no Festival de Inverno de Ouro Preto, onde nos reuníramos. Daí, Rio de Janeiro alguns dias. Nesse período, conhecemos o compositor Sérgio Ricardo, em um show no Teatro Opinião. Ele sendo outro dos músicos de nossa admiração, e que ocasionara, em um dos festivais da época, dada sua composição Beto bom de bola, o incidente de haver causado reação negativa do público, aficionado às músicas de protesto, em moda e adoção, a rejeitar o conteúdo da letra. Por isso, vaiou com extrema intensidade, em quase o teatro inteiro. Sérgio Ricardo perderia a paciência e, em revide, jogaria o violão contra a plateia efurecida, abandonando o palco em seguida.

Daí, o acontecido ganhou as manchetes dos jornais cariocas. Notícias Populares, sensacionalista e apelativo, registrou aquela atitude intempestiva numa frase: VIOLADA NA MULTIDÃO, e que ficaria consagrada e analisada nos anos posteriores tal modelo de apelação da mídia, que recorre a quase tudo na intenção de cativar sua clientela.

domingo, 6 de novembro de 2022

Na floresta da alma


Quantas vezes a percorrer tantos lugares, viagem que não acaba mais. São trilhas batidas, estradas longas, largas, roteiros sombrios nos escombros das gentes. Paragens arriscadas, abismos profundos, alamedas de perdidas esperanças. Tocas escuras de saudades insistentes. Armadilhas, clareiras imensas de alegria, luzes intensas de entusiasmo. Animais ariscos, feras perigosas, aves multicoloridas. Árvores frondosas, de troncos ajaezados quais santuários escondidos nos séculos distantes que se foram e deixaram suas imagens sagradas. Sussurros. Vozes acaloradas de multidões enfurecidas. Luares que projetam silhuetas de vultos esquivos. Olhares atentos de selvagens afoitos. Narrativas de folhagens vagando ao vento das tardes de julho. Amores mil ali abandonados ao primeiro desespero. Casinha de portas fechadas de duendes adormecidos. Seres mágicos, místicos, poderosos. Telas tecidas a ferro e fogo nas esquinas dos pecados. Pisadas macias nas folhas secas das estações anteriores. Céus misteriosos de nuvens multicores. Busca desesperada aos derradeiros raios de sol. Falas que se sucedem nos paredões afogueados das madeiras. Personagens eternos guardados no sentimento das flores. Em nós as marcas deixadas pelo passado dolente. O zumbido de insetos que rugem no pensamento. Lembranças. Gemidos. Clamores. Na música dessa festa, réstias de vida que sobrevive a todo custo na alma da gente. Nem de longe imaginávamos pudessem lá um dia resistissem e quisessem permanecer onde antes só nós havíamos habitado. Enquanto isto, muitos eus ali reunidos alimentam as comportas da consciência e digere o quanto de sonhar vidas afora. Aromas exóticos. Companhias agradáveis. Ruídos e sinais de felicidade a todo o momento. Acalmar o senso de si e mergulhar nos lagos da distância mais longínqua na certeza de regressar aos pagos da justiça. Das horas. Da Verdade. Dos tempos. No caule das dores, essas marcas de cicatrizes deixadas pelas fadas que fogem sem outro jeito. Longe das revisões do que escrevo, aguardo aqui palavras que sustentem o desejo de continuar, e pronto.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O Essencialismo


Eis palavra, inclusive, que a gente precisa adicionar aos editores de texto... Essencialismo, uma redução de custos a praticar e viver em harmonia com exigências desses tempos de consumo exacerbado. Tempos de velocidade, ansiedade, pressa...

Ao ouvi-la pela primeira vez, lembrei outra palavra, devido suas parecenças: Existencialismo. Daí, logo armei paralelo entre elas duas. Enquanto no Existencialismo nasceríamos livres, sem maiores registros quais lousas em branco, no que imaginei sejamos, no Essencialismo, que já viemos trazendo reservas a serem reduzidas e encaixadas nos devidos lugares da vasta Eternidade.

Quando o existencialista preencherá sua vida com aquilo que resolva a ser, quais objetivos a conquistar, escolhas fazer, o essencialista há que admitir posse de natureza interior a ser descoberta no passo-a-passo do tempo. Durante essas práticas, o primeiro deterá consigo a válvula do ser que haverá de ser, revelar e desaparecer; e o segundo, a seu modo, tenderá desenvolver história prevista na conscientização mística, transformadora do princípio que carregará em si desde origem consequente.

Num senso prático, no primeiro conceito seríamos apenas matéria em decomposição, mesmo que seres vivendo aqui e para si, no breve tempo deste chão e das gerações. O segundo, por sua vez, perfaz uma essência divinatória, perene, de infinitas possibilidades ao nível de uma evolução espiritual.

Destarte, no que tange às práticas atuais, o escritor Greg McKeown, no livro Essencialismo: A disciplinada busca por menos, traz ao cenário dos negócios tal conceito, chamando atenção ao desapego dos trastes em excesso desse universo de agora, quando se deverá aprender reduzir, simplificar e manter o foco em objetivos essenciais.

Longe de outros aspectos da existência real, a concretização dos valores essenciais propicia encontro do mistério da Consciência; viventes a meio dos tantos enigmas em fase de revelação nas criaturas inteligentes, entes dotados de um princípio original: - Sois deuses e não o sabeis, dirá Jesus. Mais que perdidas quimeras na busca única de satisfação pessoal, somos, assim, autores e senhores de uma nova história a construir através de nossas próprias mãos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O silêncio da palavra escrita

Da impaciência dos humanos veio isso, a imprensa, lá com os tipos móveis de Gutenberg, em finais do século XV. Isto já utilizando uma criação que havia, no Oriente. O primeiro livro impresso seria uma Bíblia de 62 linhas, em substituição aos exemplares escritos à mão pelos copistas, nos mosteiros de antigamente. Antes eram as cartas que viajavam em lombo de animais ou pelos mares afora. E eles, os escribas, nessa vontade intensa de chegar mais longe, dizer o que, senão, ficaria perdido para sempre. Na sequência, os outros meios de transporte, até o correio aéreo, desenvolveram a fala na distância.

Daí então, o que restaria na imaginação hoje ganha movimentação extraordinária e viaja a penetrar os lugares mais incríveis através da comunicação eletrônica. Tudo sem, no entanto, a não perder o fio de buscar romper o silêncio que dorme na intenção de todos. Silêncio tardio. Calmaria dos ventos dentro da alma da gente. Vontade inigualável de tocar não só o pensamento, mas o sentimento. Reviver aquela intenção original do Verbo, que se fez carne e habitou entre nós.

Quem, de sã consciência, conseguiria vencer a distância intransponível entre  as criaturas, dizer o tanto do que pretende e tocar as dobras da fala, enchendo de sol o âmbito das vidas? Mesmo porque haveria de haver essa estranha capacidade a que fizéssemos jus do som vencer a história e se espalhar pelo mundo?

Nessa vontade extrema de contar o que desaparece no tempo logo em seguida pôs no juízo de todos pela ânsia de romper o desaparecimento das memórias e controlar os outros. Vencer a dor da ausência e viver outras dimensões que sejam.

Contudo as palavras insistem dizer o que alimentamos e sobreviver à essência de sentido nas ilusões que se esvaem e vencer o silêncio dos dias em nós próprios, até encontrar a luz da Verdade no seio do coração.