segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Padre Alzir Sampaio


Década de 60, inícios. Eu passaria em Lavras da Mangabeira as férias do meio do ano, época de alegria depois das chuvas sertanejas. Criança, e brincava na praça junto das movimentações de noitadas alegres, algo que lembra felicidade. A energia elétrica durava só até as 21h, se é que a memória permanecer fiel aos acontecimentos relacionados. Ainda assim, após chegar o escuro da noite, postávamos cadeiras em frente da casa de meu Tio Jorge, próxima da Igreja, e ficávamos até mais tarde, quando chegava o sono. A duas casas, na mesma calçada, estava a Casa Paroquial, onde morava o Padre Alzir.

Naquele ano, também passavam férias em Lavras sobrinhos seus, filhos do Prof. Filgueiras Sampaio, vindos de Fortaleza. Esse mestre, irmão do Padre Alzir, era autor dos nossos livros de História e Geografia, no Curso Primário.

Observava com atenção as atividades da casa, administrada por senhora que gostava da gente, e nas noites trazia suco de laranja temperado com pedacinhos de maçã, para mim motivo de satisfação, que desconhecia a nova receita. Vez em quando, surgia o Padre Alzir, figura austera, solene, que demorava um pouco e brincava conosco.

Só depois, já adulto, ao conhecer mais quanto minhas origens, aprofundaria conhecimentos desse sacerdote virtuoso, que deixou marca indelével junto ao povo da paróquia.

Alzir Ferreira Sampaio nascera em Barbalha, região do Cariri, no Ceará, e desempenhara funções de pároco de Lavras durante mais de três décadas, desde 08 de maio de 1938. Nesse período, eu fora batizado na lá Paróquia de São Vicente Ferrer, idos de 1949, nascido em fazenda do município, o Sítio Tatu.

As notícias quanto ao zeloso sacerdote pelos seus paroquianos raiam as margens da legenda, em ricas páginas dos nossos historiógrafos, qual personalidade virtuosa, homem de trabalho e zelo aos seres humanos, integrado na lides religiosa. Realizou melhorias estruturais nos próprios da Igreja Romana a ele entregues. Além disso, participou ativamente da vida administrativa de Lavras da Mangabeira, concluindo o prédio da Igreja Matriz, dando as características arquitetônicas de rara beleza que hoje se mantêm. Já o prédio da Casa Paroquial, de que comentei, adquirira e promovera a reforma física.

Através de dados obtidos junto ao Blog de Lavras, na internet, nas realizações do Padre Alzir constam a criação do Círculo dos Trabalhadores Cristãos, a construção da gruta de Nossa Senhora de Lourdes, a fundação do Patronato São Vicente Ferrer (atual Colégio São Vicente), fundação da Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância, que seria o Hospital São Vicente Ferrer, isto para elencar alguns feitos da liderança evangelizadora que lhe consagraram no seio daquela população.

domingo, 30 de dezembro de 2012

O labirinto de si mesmo


Pelas entranhas desses corredores internos anda o caminheiro. Às vezes, tenso; outras, distendido aos ventos, soberano pavilhão drapejando ao Sol da liberdade dos sonhos. Contempla portas imensas de possibilidades, e desfaz os lençóis de toda noite, na busca dos mistérios escondidos. Cheio de paredes ásperas, pedras toscas, porém arborizado, que contém pomos, pepitas e preciosas gemas das raras cores de brilhantes minerais. Fotografias e paisagens luminosas espalham raios nas árvores cinzentas do sertão. Sons que repercutem solidão dessas paragens longas, tristes, suaves.

Bom, mas achar esse caminho de sair da essência equer continuidade e coragem, frutos da mais extrema ausência de prazeres pedidos que clamem origens do Ser. Urgência afetiva dos amores remexe lá por dentro os arbustos da alma, nessa busca através das noites da alma que surpreenderá aventureiros quais normas ocultas de segredos enormes, monstros de dentes afiados, princesas divinas e caminhos que se bifurcam todo momento.

Qual na história da onça e da raposa, um foge do outro entre as expectativas de achar o caminho de volta diante das circunstâncias insistentes. Olhares desconfiados com relação ao futuro enchem as ocasiões de surpresas por vezes ricas de oportunidade. Viagem longa, contudo deliciosa, nessa escalada constante entre nuvens que circulam o firmamento, mostra de riquezas mil na forma de emoções inigualáveis, à espera dos dois unirem o Ser.

Pois as pessoas precisam dos líderes para seguir adiante. Noutras horas, não aqui nesse labirinto de esperança, mas lá adiante, jornada de encontrar a fronteira entre matéria e espírito. Entre a sombra e a luz. Nesse encontro de proporções do nada ao infinito. Andar batendo as telhas em pedido de retribuição que representa uma parte, a parte maior, do alvéolo da existência, hora neutra de cruzar a terra de ninguém, situada no meio das duas extremidades. Pisar maneiro, seguir a trilha do coração, onde só existirá um modo soberano de levar consigo as certezas próprias.

Chegar à porta leva tempo.

Ver na claridade da consciência, quando será dado ao homem morrer uma só vez para nascer na vida eterna (Hebreus, 9:27). Nascimento e acontecimento maior da Natureza. Quando a porta se abrirá e vem a Salvação, libertação absoluta que deriva do processo vida no labirinto de si, quando inicia o transe da nitidez infinita de todos os destinos. 

sábado, 29 de dezembro de 2012

Apetite


Ele, seu Francisco, era negociante próspero da cidade de Crato, pai de prole numerosa, homem de origem rude, porém a se destacar pela facilidade no comércio de material de construção, dominando com êxito a concorrência graças ao preço de venda de seus produtos, adquiridos direto de fornecedores pernambucanos e até paulistas, mesmo tendo para isso que fazer longas e exaustivas viagens.

Outro aspecto merecia destaque nessa personalidade: ser garfo imprudente como poucos; ganhara fama nas cercanias pela disposição no comer, a ponto de se muito difícil de achar alguém que pelo menos pudesse igualar tal propensão digestiva.

A época dos anos 50, primeira metade, apenas oferecia precárias condições de deslocamento, em fatigantes estradas de chão poeirentas. Chegar ao Sul gastava de oito a dez dias, percurso interrompido para dormida, dificultado ou bloqueado nas épocas invernosas de maior rigor.

Homem laborioso, resolveu seguir outra vez a São Paulo por dever de ofício, a fim de abastecer a sua atividade. 

O ônibus em que seguia pernoitava nas costumeiras pensões de estrada, ponto certo dos motoristas e tradicionais usuários, servidas por gente honesta e afetuosa, tudo nos moldes daquela época.

Jantar dos melhores, pratos fartos e variados. Todos comeram bem, depois das agruras do percurso. Entretanto Chico Higino ultrapassou o limite, no cálculo das testemunhas. A dona do lugar, além de impressionada pelo excesso, preocupou-se também visto o avançado da hora.

Deu ao hóspede, por isso, tratamento particular. Armou sua rede num local de mais fácil observação, para qualquer providência, o que na verdade veio de acontecer. Os roncos que se escutavam mais pareciam estertores de agonia.

De pronto, a bondosa senhora chamou seus empregados e, em equipe, buscou oferecer socorro ao pretenso necessitado: - Seu Chico, seu Chico, o senhor está bem? Quer um chazinho para facilitar a digestão? - falou apreensiva.

- Só se for acompanhados de umas bolachinhas cream craker, - entre dormindo e acordado, respondeu o hóspede, deveras interessado na oferta que lhe faziam.                                         

Apólogo tradicional


Numa bela manhã do inverno sertanejo, eis que sapo dorminhoco se viu atolado na lama, debaixo do peso das patas de touro descuidado, gordo e indiferente, que se deliciava no pasto da represa de um açude cheio.

Aflitosos bocados atravessava o pobre cururu, debatendo-se desesperado no firme propósito de, primeiro, salvar a vida, para, depois, reaver a inestimável liberdade. Ali debaixo da força bruta daquele monstro bovino, reconhecia, no entanto, as restritas possibilidades do esforço que empreendia, querendo, ainda assim, guardar a qualquer custo os benefícios raros de permanecer inteiro e sadio na face deste chão, desejo partilhado pela grande maioria dos muitos que aqui vivem por vezes indiferentes com as facilidades que encontram. 

Via-se empenhado aos limites da força no trabalho, quando, na mesma ocasião (quem aparece?!), uma sariema fagueira descia para beber água no reservatório e na mesma vazante. Passou pelas imediações e percebeu o aperreio daquela situação experimentada pelo infeliz batráquio, debaixo do corpanzil do touro, momento ímpar de prestar solidariedade ao amigo, outro irmão da natureza. A ave pernalta cuidou logo de tomar chegada e descobrir o jeito próprio de fazer o benefício. Nisso, dirigiu a palavra ao sapo esmagado, analisando as chances que haviam de auxiliar:

- Camarada Sapo - falou prestativa a sariema, - que fazes nessas condições tão desconfortáveis, debaixo do corpo descomunal desse touro gigante e impiedoso?

- Ah, Dona Sariema, nada não - respondeu o sapo, que, se esforçando ao máximo para demonstrar sinal de tranquilidade, ainda teve fôlego para acrescentar:

- É que estou apoiando seu Touro, cuidando de prevenir que ele não venha a escorregar e cair neste traiçoeiro lodaçal. Aí, sim, caso não conseguisse, me veria a sofrer muito mais, além da conta.   

Os três irmãos


Era uma vez reinado em mandavam três irmãos, cada qual administrando os principais setores da nação. Viviam unidos e obtinha êxito no seguimento daquele povo. Certo dia, um dois dos três irmãos sonharam com um tesouro milionário em outro país bem distante. Juntos, resolveram mandar o mais jovem deles para trazer aquela riqueza de ouro e pedras preciosas, querendo com isso desenvolver o reinado e aumentar o conforto dos súditos.

O mais jovem dos três, disposto e inteligente, logo partiu na missão que possuía seus riscos e dificuldades. Iria com o propósito de reunir os bens oferecidos no sonho, localizados em gruta escondidas em que se achavam guardados no tempo, e voltaria são e salvo.

Ele seguiu acompanhado de alguns fiéis serviçais; não demoraria a concretizar a tarefa especial.

Já de posse dos dotes da fortuna, o irmão cresceu as vistas. Resolveu pensar em manter só consigo tudo aquilo. Nisso, mandou de volta os companheiros de viagem, justificando que pretendia ficar e conhecer pessoas, e fazer amigos no outro reinado onde estava.

Ali permaneceu longo prazo. Cuidou de angariar a confiança dos cidadãos e dos poderosos do lugar. Não tardaria vencer as resistências encontradas, face às facilidades da riqueza que transportava. Terminou por chegar ao trono do outro reinado.

Passado tanto tempo, os dois irmãos desconfiaram da traição e buscaram descobrir tudo o que se passara. Sofreram com a decepção. Sentiram a ganância que invadira o coração do irmão infeliz, mas buscariam diminuir as consequências das suas ações pretensiosas.

Um deles argumentou que deveriam agir para conter a tirania que o irmão cometera em prejuízo das pessoas que nele confiaram. Nenhuma pena deveria pagar o outro povo, já que a responsabilidade a eles pertencia em mandá-lo na missão ao estrangeiro.

Aceita a sua argumentação, esse irmão partiu na direção do outro reinado, visando limpar a maldade ocasionada pelo mais jovem. Reconquistaria o país, aos poucos criando condições de reaver o trono usurpado.

Anos e anos transcorrem, até que seria descoberto e preso pelos seguidores do irmão inimigo. Depois de julgamento sumário, receberia condenação à morte, a acontecer sem demora.

Viu que o desejo de liberdade sumira da alma daquela gente. Ainda assim, notou, contudo, diante da dor, um clima de amena expiação a lhe dominar a alma. Experimentou o arrependimento eficaz, pois lavara a alma da culpa de haver permitido a viagem do outro, erro em que a vaidade se interpusera. No sacrifício do corpo limpou a culpa original e resgatou a calma perdida, se eximindo para sempre da responsabilidade da ação deles três, dos três irmãos. 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Evolução coletiva


Por mais que andem apressados os vagões desse comboio, no esforço de transpor estradas, semanas e calendários, só um trilho resplandece no rosto da multidão, o brilho da luz do dia, por vezes inconsistente do valor de caminhar numa única igual direção. Pensamentos crescem aos olhos dos passageiros espalhados pelas estações fervilhantes, feitos água em córregos que descem para o oceano, na hora dos temporais. Mandar no destino alheio desses mil olhos ainda fechados, porém, nascem daí as folhas das árvores secas do verão intenso e retornam em festa de outono, nas cores da primavera. Imaginar que o vento levaria nos braços o sofrer e a esperança das coisas desnecessárias, sofridas, em manhã esplendorosa, nada menos inconsequente, porquanto viver é lutar, trabalhar, organizar, diz o povo nos seus benditos.

Diante do fio amolado de invernos rigorosos, marcas felizes demonstram o quanto de amor existe em quem acredita no amor. Risos desenham no tempo a luz acesa das noites misteriosas de perguntas e respostas. E dizer que da tempestade vem bonança parece assunto fora propósito, no entanto coerente com princípios eternos da melhor felicidade, na luz do merecimento.

O tom laranja da aurora clareia os espaços íntimos, no amor de todo dia que chega através das atitudes, palavras, feitos, fases religiosas de canteiro e construção. Há quanto tempo livros, mestres, serões, contam nas praças de viver transformações no bloco da consciência, na forma de fazer acontecer, todavia raros, de corpo inteiro, acreditam que o recriar da criação, na alma dentro de si, no foco das irmandades, promove definitiva a luta de todos nós, nas praias deste mar revolto de gestos incontidos.

Amemos com suficiente amplitude e as ações da humanidade modificarão a seqüência do momento e um presente valioso indicará a realização do ser interno. Quanta vitória falará disso na ausência absoluta de propósitos maus largados, jogados fora, em oportunidades perdidas ao fragor das vaidades. Querer palavras limpas, valores novos, eis o sentido de andar adiante, no bem-querer possível da vontade, em festa de pessoas reanimadas.

Conquanto existam demasiados conceitos, modificar o panorama deste lugar em que habitamos, entretanto, depende apenas de cada particular indivíduo, soberana justiça, que ensina plantar a semente boa no solo da humanidade, repetir as outras chances de encontrar o caminho certo e o motor da verdade, nas moendas de várias vidas. Unir as forças em prol das fraternas direções, renunciar a tanto de trastes inúteis, trabalho de limpeza, de vencer as ilusões a modo e turno, querer construir horizonte de justo peso, saúde, constância, otimismo, firmeza e posição, aulas de coragem e virtude. 

Ano bom que se aproxima


A mais clara das intenções revela ampla riqueza de buscar o que de melhor exista, tanto dentro de nós, quanto nas circunstâncias ocasionais, total iniciativa de transformar a mania que azedava o mundo em volta nos velhos calendários. Acertar as portas boas durante a existência, disso todos já possuem o dom. Caminhar em solo seguro, firmes em propósitos de construir história sadia em si, descobrindo possibilidades incríveis nas soluções gerais.

No corredor imenso das inovações de consciência, exercitar o sentimento de amar, permitir que nasçam crenças honestas no coração da gente. Abrir as portas e janelas dos sentimentos positivos, qual revolução esperada de há muito. Adiar para quê, depois do quanto se perdeu nas temporadas que ficaram lá atrás? Acreditar do íntimo de si mesmo, na força poderosa da mudança favorável, sempre. Vamos logo com isso...
.
Fôssemos repassar as cláusulas anteriores, na escada de tempos que sumiram nas dobras esquecidas, lá desvendaríamos séculos de oportunidades abandonadas e saudosas. As chances de acertar que restaram presas nas sementes ainda vivem amáveis no pulsar das horas eternas. Porém o momento demonstra outra vontade de vencer além de tudo as molezas do corpo coletivo. Agir disposto, nos mínimos detalhes. Tomar a pulso a história, e vencer as intemperanças. Vibrar positivamente, com gana e entusiasmo jamais visto, diante dos dias novos que surgirem no horizonte.

Na política internacional, somar gostosas inspirações de gentileza em práticas justas, no universo dos países deste chão. Selecionar e trazer para a luz do Sol as conferências de paz, porquanto o resultado significa soma das partes rompidas, e essas partes somos nós. Chega de jogar fora as oportunidades maravilhosas das manhãs da esperança; imaginar o sucesso a cada passo para si e para todos.

Ano novo de plena felicidade, no correr das semanas e dos meses, concentrados na verdade maior do bom humor entre as pessoas, pois quanta virtude germinará de dentro do ser inteligente desta raça humana cheia do direito de crescer. Uma página em branco, pois, de promover atitudes harmonizadas no concerto das nações. Marés cheias de saúde, alimentação equilibrada, leveza nos relacionamentos, no seio das famílias; tranquilidade e progresso nos negócios, com chances de engajamento das gerações no trabalho; reconhecimento entre filhos e pais, numa festa de concórdia; paciência e zelo no trânsito; conformação nos imprevistos; força nas iniciativas de poder, nas amizades; cuidado com ações arriscadas para com a segurança; olhos abertos no fazer o que é bom para merecer o que é bom, no decorrer do Ano Novo sob as asas da solidariedade; assim desejo a todos meus irmãos de humanidade nestes prenúncios de 2013.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A estética do feio


Primeiro, começaram a trabalhar o mau gosto como a alternativa de sujar paredes e preencher os vazios nos finais de semana de porres e descontração. Aos poucos, dominariam as paradas de sucessos no lugar das composições estrangeiras, despejo industrial internacional jogado nos países atrasados a fim cobrir as cotas de exportação das nações que carregavam as matérias primas de baixo custo do pobre Terceiro ao rico Primeiro Mundo. Praticamente acabaram com o rádio poderoso, dono de prestígio adquirido quando auxiliou na vitória aliada na Segunda Grande Guerra.

Depois, vieram as ondas de música e outros efeitos elaborados na televisão de massa, dona quase absoluta dos horários nobres. Os ritmos baianos, as duplas sertanejas, sucatas de botecos e baladas, mistura cavalar de barulho com falta de inspiração, em shows agressivos alimentados pelo excesso de volume dos paredões de som espalhados e incentivados nesse Brasil inteiro sob a conivência de autoridades complacentes.

Resultado, arte mesma que mereça este nome anda voando baixo nas paralelas e na clandestinidade, submetida à onda de estética do lixo que prevalece de modo destrutivo.

Ainda bem que o registro eletrônico das lembranças, nas gravações, no cinema, nos livros e na fotografia, preserva anteriores momentos ricos da cultura humana, acima da senha avassaladora dos caretas dessa fome antropofágica ora efervescente.

Há um livro do escritor americano Ray Bradbury, denominado Fahrenheit 451, transformado em filme pelo diretor francês François Truffaut, que, na década de 60, previu a queima dos livros pela dominação política. Daí, os amantes das letras tratavam de memorizar as obras perseguidas e fugir para regiões distantes, onde formavam comunidades identificadas na herança futura da Civilização, que voltará a apreciar o belo em toda intensidade. Segundo a Wikipédia, o romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido.

Na atualidade, salvas exceções honrosas e cada vez mais raras, o instinto bárbaro domina a grande mídia qual microrganismo corrosivo, infectando as possibilidades criativas, ameaça virulenta e sem controle.

O que antes significava Cultura perdeu em qualidade, espécie de artigo dispensável, inútil. Isto mexe, sim, na certeza de melhores proveitos das atividades do Espírito evoluído, causando preocupações quanto às sonhadas transformações da experiência humana pelo bom gosto da Estética renovadora.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

As debutantes


Diz o pesquisador Joseph Campbell, norte americano dedicado ao estudo das mitologias, que os trovadores mantinham muitos debates sobre qual seria a definição de amor. Um dos mais interessantes e preciosos afirma que os olhos são os vigias do coração e que os olhos procuram uma imagem para recomendar ao coração.

Quando li esse texto, lembrei de certo modelo de acontecimento que animava a crônica social, sobretudo, nas décadas de 60 e 70, as denominadas Festas de Debutantes. Elas revelam à sociedade o porte elegante das jovens que inteiram 15 anos. Flores primorosas da mocidade feminina desfilavam nas passarelas das agremiações sociais, num desabrochar da fina estampa das famílias, aos olhos galantes dos futuros genros.

Maquiadas, penteadas e perfumadas, trajando longos vestidos de tafetá ou seda pura, super elegantes, olhos tremeluzindo de felicidade, e à meia noite dançavam com seus padrinhos fatiotados nos paletós costurados pelos melhores alfaiates do lugar, valsando as músicas vianenses de Strauss, instantes jamais esquecidas para os emocionados corações. E depois, o baile seguiria madrugada adentro dos salões repletos de doces amabilidades.

Há notícias iguais também noutras comunidades, mundo afora, nas datas atuais, através dos registros dos costumes, transição inesquecível das idades, quando a nova geração prepara a sucessão dos quadros. Tal inocência original, do seguir das belas debutantes virá namoro, noivado, casamento, a ordem natural das famílias.

Enquanto isso, os corpos primam pela riqueza das fisionomias em grande estilo, nos saraus festivos, satisfação de mães e pais entusiasmados, felizes diante das solenidades típicas desses calendários anuais.

Ali trabalhavam fotógrafos, orquestras, ateliês, garçons, que desempenhavam o máximo para conduzir a grande noite de brilho intenso e radiante, modos semelhantes do raiar das manhãs primaveris. Quem viveu a fase pode reviver o sabor dos velhos retratos que contam, no silêncio de imagens amarelecidas, cada detalhe importante, em tantos e tantos álbuns das relíquias pessoais de quem desempenhou o gosto do papel principal nas esperadas ocasiões da mocidade.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Alacoque Bezerra


Soube, hoje, que Alacoque Bezerra seguiu ao mundo espiritual. Ano passado, escrevi este texto a seu respeito.  

Ela perfaz, neste dia 10 de fevereiro de 2011, 90 anos bem vividos de uma existência inteira dedicada ao próximo, através da maternidade, do magistério e da liderança familiar, comunitária e política, o que promove com lhaneza sob a égide dadivosa do jeito agradável e amigo característico de inesquecível personalidade.

Nascida em Juazeiro do Norte, Ceará, Maria Alacoque Bezerra de Figueiredo, filha de José Bezerra de Menezes e Maria Amélia Bezerra de Menezes, empresária e professora de exercício e vocação, chegou ao mandato de Senadora durante a legislatura a que compreendeu o período de 18/10/1989 a 15/02/1990, pugnando pelos interesses do Ceará junto ao Congresso Nacional, na vaga do, então, senador José Afonso Sancho, suplente do qual fora eleita em 15 de novembro de 1982, pela legenda do Partido Democrático Social - PDS, lavrando um tento de ser a primeira mulher cearense a ocupar tão graduado nível da representação nacional.

O jornalista Blanchard Girão foi quem escreveu a história dessa vida votada sobremodo à educação em terras juazeirenses, educadora de qualidades reconhecidas, inclusive através das instituições estaduais, quando veio titular o posto de Delegada Regional do Ensino no Cariri. Educada desde Juazeiro do Norte, estudou depois no tradicional Colégio Santa Teresa de Jesus, em Crato, para seguir até Fortaleza, quando se formaria normalista, no Colégio das Dorotéias, daquela capital. Voltaria ao seu natural, Juazeiro, para o pleno vigor do magistério. Professora e diretora do Grupo Escolar Padre Cícero, trabalhou com zelo visando o progresso da cultura e da educação como poucos outros, neste propósito assinalando vitórias sucessivas.

Também escritora, produziu o livro José Bezerra, o pacificador, biografia do seu genitor e importante esteio do clã dos Bezerra de Menezes no Cariri.

Dentre as características que lhe adornam o caráter, mantém lúcida e profícua a disposição firme de amar o próximo, de quem vale destacar o preito de reconhecimento, diante da disposição de servir, obedecendo aos ditames da natureza religiosa de um espírito conciliador por excelência, conceitos admitidos pelos que privam da harmonia do lar e da bela família que constitui.

Pessoa dotada de inteligência pródiga, sabe sempre respeitar o valor dos amigos e companheiros de trabalho, maneira carinhosa de galvanizar as equipes com que cumpre as tarefas a ela atinentes. Nos seus méritos pessoais, a habilidade quando ao senso do justo, nos modos de aquinhoar o próximo, resume o primor e a grandeza desta personagem ímpar do tempo presente, nas plagas do Cariri.

Por isto, nossos melhores votos de saúde, paz e felicidade à Madrinha do Juazeiro, qual a denominam os concidadãos, em gesto de afetuoso agradecimento por tudo o que lhes presenteia ao longo dos dias.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Cangaceiros

Conta Leonardo Mota, no livro No Tempo de Lampião, que Sabino Gomes, lugar-tenente do Rei do Cangaço, andava na pista de Favela, o responsável pela morte de seu irmão Gregório, vítima de emboscada nos caminhos traiçoeiros daqueles idos sertanejos.

Um dia, se topou com ele de modo casual, quando o bando chegava na casa de fazendeiro amigo dos dois. Favela, desarmado, trazido ao plano limpo do terreiro, por fim purgaria os efeitos do crime nefando.

Antes, porém, Sabino quis conhecer as causas que haviam motivado a eliminação de Gregório, rapaz de si pacato e benquisto. Enquanto pelo meio se metia, a pedir de todos os santos, a dona da casa, com gritos lastimosos de clemência, de braços erguidos aos céus, reclamava mais tempo de sobrevivência para o prisioneiro. Deixasse-o viver. Alegava a amizade, dela, do marido, ao cangaceiro, porquanto sempre lhe ofereceram as portas do acolhimento, sigilo, proteção, etc.

Nisso, Sabino parou nalguns instantes e falou:

- Cabra, tu vai me dizer uma coisa: por que foi que tu matou meu irmão!

Segundo Mota, nessas bases se tratavam os facínoras:

- Seu Sabino, eu matei seu irmão enganado.

- Enganado como, cabra mentiroso?

- Cabra mentiroso, não, seu Sabino! Eu matei seu irmão enganado! Matei ele enganado, porque eu ia matar era o senhor!

A grave confissão de Favela colheu de chofre o cangaceiro, dada a franqueza de que se revestiu, pondo ainda maior risco na vida do seu autor, condenação visível nas trocas de olhar entre o grupo, ligado no interrogatório.

- Me matar por quê, cabra, se eu nunca te fiz mal?

O infeliz considerou, então, que fora pago por Joaquim Manduca, da Boa Esperança, ao preço de quinhentos contos de réis, para que promovesse a ação criminosa em que se confundira ao eliminar Gregório invés do irmão.

As palavras do homem tocaram qualquer dobra interna na alma do cangaceiro, pondo-o a estudar as direções que poderiam lhe levar até ao lugar Boa Esperança, transferindo os instintos perversos a outro endereço vingativo, quando achasse Joaquim Manduca, aquele contratante da morte.

Para resumir esse episódio, Sabino Gomes, naquela hora, terminou por libertar Favela, sob as vistas de moradores e bandoleiros escurecidos pelas nuvens fumacentas dos cigarros brabos, enquanto o chefe dos celerados ainda resmungava:

- Um cabra destes não se mata! Deixa isso viver pra tirar raça! 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A mente seletiva


Há uma tendência natural de retornarem à memória ocorrências do passado que marcaram com maior intensidade os sentimentos. No carrossel das oportunidades e vivências, o que permanece apenas diz respeito aos acontecimentos de relevância, numa função separativa da mente, a defender de sobrecargas a consciência. Caso ninguém esquecesse o que lhe fosse indiferente, jamais existiria memória suficiente a guardar todas as situações experimentadas. Tal função compete aos aspectos seletivos do sistema racional, a preservar o pensamento desses excessos indiferentes.

Aquelas ocorrências relevantes, por sua vez retidas pela sua voltagem sentimental das emoções, quando retornam ao eu do momento, no entanto, de imediato podem ser classificadas em relação aos níveis de qualidades negativas ou positivas. De comum, a força das emoções traz momentos vividos na intensidade antipática ou simpática, parâmetro de seleção.

Quando vêm lembradas tais ocasiões das agruras do passado, experimentadas com desgosto, essas recordações permanecem marcadas na dor. O que também ocorre, porém no sentido inverso, das oportunidades vividas ao sabor dos prazeres de outras vivências. O forte de cada aspecto fica bem guardado nos armários dos sentimentos, pois.

Quem escreve lida de perto com tais pedaços ruins ou bons da própria história. Ao transcrever em palavras e frases essas fatias de memórias, refletem nos textos os humores daquelas situações, registrando conteúdos acumulados em picos de emocionalidade.

A literatura sobrevive à custa da força seletiva das mentes dos seus redatores, que trabalham, sobretudo, planos fortes das inspirações, porquanto houvesse só textos racionais, trabalhados pelo cálculo, e a literatura perderia o aspecto artístico da originalidade, virando objetos mecânicos vomitados de máquinas frias. 
Com isso, o escritor detém potencial de elaboração suficiente a transmitir cargas informativas suficientes a reelaborar além dos pensamentos os sentimentos originais do processo criativo, desde a mais remota criação, numa capacidade rica e transcendente da linguagem oral na forma escrita.

Estas considerações ganham corpo, inclusive, diante dos textos sagrados, a permanecer consistentes no passar das gerações, submersos em mistério, a mover povos nos milênios, revelações sagradas que sustêm a força da Civilização humana sob o aspecto da Crença.  

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A distorção do dinheiro


O que, nos princípios das eras, apenas simbolizava as trocas dos bens físicos passou a dominar o mundo. Pelo dinheiro pessoas matam e morrem. Vendem  honras, dignidade, família; o crédito, a paz, a alma... Andam girando no turbilhão metálico das histórias tortas, na lama do pouco pudor ético. Usam os outros e acham meios de impor instintos com as transações monetárias. Prevalece a fome do ouro acima de tudo, nas sociedades contemporâneas. Apostam na fama fácil, nos prazeres vulgares, guerras fratricidas, mercados do vício e da infelicidade alheia, em nome da prevalência dos interesses particulares.

Dramas atrozes sujeitam as ações escandalosas nos vários ramos da aventura coletiva do dinheiro. Flutuações das bolsas de valores sacodem países e existências, sob o poder de fogo dos acionistas ferozes, presas fixas nas conquistas, lobos sanguinários e perversos que avançam sobre as presas diárias, longe de quaisquer princípios humanitários ou religiosos.

Aquele símbolo de permuta de riqueza dominou a civilização envilecida na trama dos estados embrutecidos de ganância. A invenção que parecia inteligente e necessária virou pedra de tropeço de multidões e hábitos permitidos, legalizados.

A mesma política desenvolvida para administrar as sociedades pariu monstros deformados, corruptos quais faustos de índoles vadias, transformando metal precioso em metal vulgar, num abrir e fechar de mãos. Espécies de personagens adversas do trilho do progresso humano, frívolas sombras das trevas arrastam consigo a sina da perdição.

Antes, a moeda só permanecia em bancos ou nos ourives, visando preservar e conservar depósitos. Agora, no entanto, cartões plásticos a conduzem com extrema facilidade, multiplicando seu efeito e circulação.

Já as narrativas bíblicas reservam momento da vida de Jesus quando lhe consultam quanto ao pagamento dos impostos, ao que responde: Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus, referência perfeita aos mundos material e espiritual, e a prioridade desta vida. Ao dinheiro, os padrões terrenos. Aos conceitos eternos, a leveza das infinitas virtudes.

E a instituição material do dinheiro, que deverá promover a Salvação dos seres espirituais, sujeita anular, a grosso modo, ótima oportunidade evolutiva da espécie humana. 

A vitrola


 Minhas primeiras lembranças musicais vêm do tempo em que vivia na fazenda do meu avô paterno, Amâncio Lacerda Leite, em Lavras da Mangabeira, pelos inícios dos anos 50. Ele possuía uma vitrola que ganhara das filhas que moravam no Rio de Janeiro. A novidade funcionava com sucessivas voltas da manivela de corda, repetida a operação para cada novo disco. Eram agulhas no tamanho de quase  polegada, super amoladas, que tocavam discos de cera de 78 rotações, uma para cada um.

Caixa feita em acabamento primoroso, envolta de percalina azul marinho intenso, vindo lá dos Estados Unidos. Lembro a marca, RCA Victor, por causa do símbolo daquele cachorro escutando música, parado na frente de gramofone ainda mais antigo.
O braço da vitrola donde provinha o som deveria pesar coisa de meio quilo, talvez mais. Seu peso correspondia ao atrito necessário de manter a agulha encostada no disco, causando chiado característico quase na mesma intensidade do acorde das músicas. Gastava que era uma beleza, estava rombuda ao fim das execuções. Por demais primitivo o processo se comparado aos recursos da leitura ótica de hoje.

Como dissera, nesse raro equipamento ouvi as primeiras músicas que tenho notícia, na minha infância. Delas algumas resistem nas entranhas da memória, alicerces das coisas que chegaram depois, nessa estrada de existir.

Asa Branca, Cigarro de Paia, Xote das Meninas, Paraíba Masculina e A Volta da Asa Branca, de Luiz Gonzaga, que atendiam em cheio o gosto dos da fazenda, temas daquele mundo rural das nossas vidas. Santa Teresinha e A Pequenina Cruz do Teu Rosário, de Carlos Galhardo. Dez Anos, de Emilinha Borba, que vibrava comigo acordes do amor romântico da saudade. Além de outras, de Augusto Calheiros, Orlando Silva, Vicente Celestino, Sílvio Caldas, Nelson Gonçalves, principais sucessos da época.

Havia algo de mágico, pois eu desconhecia rádio, carro, avião, telefone, televisão, luz elétrica, cinema, dinheiro, cidade. Pães de padaria chamavam pão do reino, raro de pouquíssimas vezes no nosso cardápio, quando vinha de Lavras ou de Crato. Meu mundo se resumia no universo do engenho, dos três açudes, curral, vazante sempre verde, vacas, ovelhas, roçados, noitadas alumiadas de lamparina, casa grande e seu chão de cimento queimando, rodeado de retratos grandes de santos e dos parentes austeros pelas paredes; dos leilões que minha avó promovia todo ano, a fim de limpar a capela com o apurado. Comboeiros passavam de vez em quando, no tempo das moagens, quebrando a rotina da estrada principal que cruzava a bagaceira, indo para as Caraíbas de Sancho Rodrigues.

Nossa casa ficava em um alto no lado nascente, defronte a frondoso pé de oiticica. Minha mãe, professora, passava horas costurando de uma máquina Singer instalada na varanda, enquanto cantava canções da época e tomava as lições dos filhos; dali  administrava os afazeres da casa e da família.

À noite, reservava-nos a vitrola esses momentos especiais. Com pessoas reunidas no claro sombrio dos fifós, meu avô, cara fechada de coronel dos matos, regia a festa. Escolhia os discos, e ouvíamos esses acordes distantes na poeira do tempo.

Desde quando os avós desapareceram, na década de 70, minha prima Lisieux levou consigo essa relíquia tecnológica do pós-guerra mundial. Espero que ainda mantenha sob os mesmos cuidados com que eles a conservavam.  

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Venda Grande D'Aurora


Sob esse título, João Tavares Calixto Junior reúne em livro dos mais significativos o propósito de enfocar o município cearense de Aurora, encravado no Vale do Cariri. Obra para consulta e aprofundamento da sua história, seus costumes, etnologia, personalidades e perspectivas, eis uma edição de 300 páginas a ser lançada no próximo dia 22 de dezembro de 2012 (sábado), às 19h, no Arco Íris Magia, situado na Vila Paulo Gonçalves, daquele município.

Ganha nisto o mundo literário caririense, com produção de fôlego e estruturada nos valores da historiografia científica, totalizando trabalho que enriquecerá as letras interioranas, conduzido no nível da formação acadêmica do autor, professor aurorense vinculado profissionalmente à Secretaria de Saúde do Ceará, área da graduação do escritor.

O empenho dos autores resulta bem sucedido ao vir a lume. Nisso, horas de produção chegam a público e preenche buscas talvez improdutivas se levadas através das fontes insuficientes. Os escritores pesquisadores oferecem, destarte, meios necessários aos leitores para atender ao conteúdo e à forma. João Calixto propicia, no que tangem suas origens, a feliz concretização da presente obra, vinda a leitura e sabedoria o privilégio de poucos, de um jovem de texto acessível e pródigo.

Sou entusiasta das produções cultas do Sertão, responsáveis pela civilização do lado silencioso desta Nação. Desde as primeiras presenças humanas, esse grau de maturação cultural reserva surpresas tais esta que ora comentamos nesse momento das letras caririenses.

Qual resposta ao que andava em aberto naquilo de ler o que conta a gente, Venda Grande D’Aurora vem referenciando conteúdos úteis ao povo do lugar e ao dos demais lugares, que propõe palmilhar os territórios da Fazenda Logradouro e chegar aos páramos interpretativos logo em breve nas nossas mãos.

De novo de parabéns o universo intelectual do Sul do Ceará com este próximo lançamento.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Alegria de viver


Descobrir o jeito de alimentar, todo tempo, a alegria de viver, eis a fórmula exata da Felicidade. Aonde olhar, enxergar motivos de satisfação na existência. Presenciar as maravilhas da Criação e admitir que o meio de realizar o projeto da jornada humana pede um mínimo de coerência da alegria que habita os refolhos da alma, isso livre da opinião dos rabugentos e infelizes. Conquanto a perfeição da Natureza imponha disciplina, esta significa o método ideal de coordenar as ações diárias no sentido de encontrar a paz no coração da gente.

Os exemplos bem sucedidos da obediência indicam necessidade urgente das práticas de viver com alegria. Preservar as amizades, cuidar dos instrumentos perto da mão e levar adiante esta força do organismo, através de alimentação orientada na saúde, zelar pelo trabalho da sobrevivência e manter a consciência em dia no que é bom.

Quando olhar os fenômenos naturais, respeitar a presença constante dos mistérios essenciais além das rotinas e dos abusos verificados. Inteligência Maior toca em frente a origem desse Tudo ainda desconhecido totalmente, calma que dominará as coisas e os seres, inclusive dentro de nós próprios.

Alegria, qual peça fundamental da coerência do Universo, princípio de todos os princípios. Fonte de força vital e ajustamento das partes, no tabuleiro da história vivida e contada em momentos infinitos que circulam em volta do Tempo constante. Prudência, beleza, entrosamento. Amor acima das circunstâncias passageiras. Condição por isso honesta de promover nossa tranquilidade, a alegria nutre esperança e fé nos valores justos da harmonia.

Quiséssemos validar razões de aceitar com naturalidade os dons da existência, lá cresceria, no mais íntimo coração da alegria, o rico bom humor, satisfação perene e vontade férrea de continuar esse direito monumental à individualidade sadia e positiva.

Ser alegre pede organização dos pensamentos e das ações. Ver o horizonte de olhos limpos de dores e preocupações. Esquecer o peso da véspera e seus problemas antigos. Elevar o nível das aspirações ao ponto de equilibrar as ânsias impossíveis com os objetivos da realidade.

Trazer conosco o desejo das vitórias, porém resistir ao ímpeto bruto da ambição desmedida; gostar de si com desvelo e justiça; viver sonhos bons e sorrir diante dos limites e das insatisfações. Receber as palavras boas de conforto quais pérolas de luz, suavidade e carinho. Apreciar viver e viver o bem da alegria sempre; e partilhar o conforto desta certeza com os irmãos de Humanidade. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Artes da memória sonhada


Algo bem mais expressivo do Inconsciente humano acontecerá quando inventarmos a máquina de gravar os sonhos. Nessa hora ansiada, cairá de vez a barreira dos símbolos ocultos. Sumirão de vez os atravessadores que produzem os bens simbólicos. Chegar-se-á de todo ao território dos contos, filmes, livros. As histórias das lendas, as fábulas, os mistérios das faixas sombrias do Ser desfarão a névoa que os encobrem, cairá a empanada e o teatro será uma coisa só, única, indivisível, atores e plateia reunidos em peça integral. Mergulhar-se-á nas profundezas das interrogações e, de volta, as pérolas preciosas revelarão segredos antes insondáveis da imaginação.

Isto porque há milhões, bilhões, de produtos vendidos nas calçadas, nos vídeos e nas estantes, que oferecem de modo ainda precário esse gosto de ouvir narrativas do rio vivo dos sonhos, porém depois que escorrem nas goteiras das mentes e dos autores.

As gravações dos sonhos virão diretamente da fonte de água limpa das florestas internas da pessoa, força viva do coração da montanha original. Ninguém duvidará das verdades nascidas autênticas, ofertadas bem cedo, de manhã, pãozinho quente na porta de casa ao sabor das fornalhas acesas e lençóis mornos da madrugada.

Contudo guarda apreensão naqueles que sonhem talvez pesadelos... Nisso mora o perigo nalguns. Os sonhos virem recorrentes, melados nos remorsos, nas mágoas acumuladas nos postos de observação de algumas criaturas. Aquelas ações desencontradas que puseram cascalho no âmbito das relações humanas, as ingratidões por desventura cometidas, os gestos torpes, as culpas, as intenções malévolas que sujam a túnica da consciência, sujeitam querer vir a lume e voltar trazendo sonhos em forma de intranquilidade, no meio das noites intranquilas.

Bom, isso, contudo jamais justificaria deixaremos pesquisadores apreensivos para desenvolver a máquina magistral de gravar os sonhos através das ondas e vibrações emitidas pelo cérebro nas caladas dos sinais até então obscuros no recôndito da alguma, enquanto dormimos e sonhamos. Conquanto falemos tantas inconveniências através dos telefones e transportemos amarguras e incertezas através dos automóveis apressados, nem por isso ignoramos o valor de tais invenções apreciáveis e úteis na atual civilização movida a máquinas.

As artes da memória crescerão de importância, pois, quando nas esquinas ofertarem seus recentes sonhos camelôs até hoje artistas desconhecidos, grandes estetas, no entanto que viajaram a estrelas distantes, na véspera, e já disponibilizam primorosos filmes sonhados a preços módicos. Quero crer logo, logo, juntaremos essas máquinas eletroeletrônicas ao estoque das criações maravilhosas dos geniais espíritos daqui desse chão de raras belezas.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Souza Filho, o ciclista


Ali pelos anos 60, em Crato, ele cumprira, na Praça da Sé, uma maratona de sete dias ininterruptos pedalando bicicleta convencional, aos olhares vigilantes da população da cidade. Dia e noite, esteve isolado por cordas, no setor central da praça, às vezes rápido, às vezes lento quase parado, buscando a sombra das árvores, nos horários do calor mais intenso. Viera de Petrolina e praticava esse desafio nas cidades interioranas do Nordeste.

A gente saía do colégio na hora do lanche e passava alguns momentos observando o atleta corajoso, magro, altura mediana, de pele morenada, camisa regatas, calção e boné, em cima das duas rodas, em movimentação constante; monitorado a promoção os promotores do evento, loja de materiais ciclísticos do lugar. Nos picos do sol, lhe jogava água, querendo com isso amenizar a temperatura e ativar os músculos. Souza Filho exerceu, assim, o papel de ídolo daquela mocidade.

Quando, hoje, procurei na internet pelo seu nome, coincidência ou não o encontrei batizando travessa da sua cidade natal, no centro do comércio de Petrolina, inclusive ali, no número 279, existe loja de materiais de ciclismo, a Casa do Ciclista, que desconheço possua qualquer vinculação com o próprio que comentamos.

No sentido de resistir à rude prova de superação, adotava injeções fortificantes e alimentos líquidos. Atendia às necessidades fisiológicas sobre o transporte em que pedalava sem parar hora nenhuma, pois mesmo enquanto o enfermeiro ministrava as injeções continuava girando os pedais.

Desde as aglomerações medievais, há registros dos heróis de rua, depois transpostos ao teatro, aos livros, revistas e filmes. Li um conto do escritor tcheco Franz Kafka, Um artista da fome, no qual o personagem cumpre a desafiadora função de permanecer de estômago vazio, perante ávido e atencioso público, durante semanas inteiras. Nas últimas décadas, o interesse pelos artistas da fome diminuiu bastante. Se antes compensava promover, por conta própria, grandes apresentações desse gênero, hoje isso é completamente impossível. Os tempos eram outros.

Após cumprir os dias previstos da façanha sobre-humana, Souza Filho recebeu, em solenidade com a presença da multidão, o prêmio a que concorrera, moderna bicicleta Monark faixa dourada, bem apreciada na época. Ao lado da praça, já aguardava uma ambulância que, terminando a cerimônia, iria conduzi-lo ao Hospital São Francisco, onde permaneceu algum tempo em recuperação face ao esforço despendido.

sábado, 1 de dezembro de 2012

As primeiras chuvas


Tempo esse em que ocorrem variados tipos de fala quanto ao clima futuro. Uns preveem mais estiagem, depois dos dois anos meio irregulares, ainda que em 28 de janeiro de 2010 ocorresse tromba d’água de causar espanto, destruindo parte do Canal do Rio Grangeiro e levando prejuízos a comerciantes e moradores da zona urbana de Crato. O andamento dos invernos, nessa fase, apresenta irregularidade, sem registros normais dos ideais para a agricultura e o abastecimento.

Este ano, aos primeiros meses, vieram chuvas, sim, porém insuficientes e espaçadas, abaixo da média histórica, somando redução das reservas nos açudes. Ninguém garante como virá o turno invernoso. Profetas ainda existem, acrescentados das previsões oficiais. Certeza segura, todos ficam devendo.

De real, contudo, é que, há pouco, nas madrugadas de 30 de novembro e 1.º de dezembro de 2012, após dias nublados e quentes, chegaram as primeiras pancadas de chuva. Caso consideremos as estações do Planeta, nossas chuvas ocorrem no Verão, com base nos padrões estabelecidos no calendário. Estas duas ocorrências de chuva molharam bem as matas já ressequidas pela soalheira dos seis meses de estio que trouxera ondas fortes de calor.

As mangueiras e os cajueiros estão mais floridos que no ano anterior, enquanto os sabiás cantam desde finais de outubro. Graças a Deus nenhum incêndio de proporção ocorreu na floresta, diferentemente de anos passados.

Mediante o desejo dos sertanejos de que venham boas chuvas de encher reservatórios, nutrir a lavoura e criar o pasto dos rebanhos, eles principiam olhar o Nascente. Buscam a raiz das nuvens, os torreões. Vigiam as luas, os sinais da natureza, os passarinhos, as formigas, o movimento dos animais. Quando o relâmpago começa a cortar os céus, então, nasce nas almas o gosto pela vida, ainda que agora rezem e morem mais nas cidades, abafadas de prédios e carros, do que no tempo bucólico dos sítios e vilas. Precisam da água preciosa, a lhes satisfazer necessidades e privações.      

De agora até o meio do novo ano, haverá o alimento da esperança em chuvas fartas no coração de todos os viventes, pois assim a alegria vem.