sábado, 29 de dezembro de 2018

Cultura popular

Durante esse tempo de tecnologia, quando as expressões artísticas utilizam meios avançados de perpetuar manifestações dos grupamentos sociais, espécie de matéria prima da cultura, ainda existem os que resistem a todo custo tais influências. Heroicas reações ao desaparecimento das memórias originais de famílias, raças, credos, persistem os registros das culturas. Ainda que, no entanto, a fúria dos bens industriais fira por vezes a ponto de eliminar as inspirações, porém a força dessas ações persiste no transcorrer das mudanças inevitáveis daqui do Chão.

Culturas arcaicas que trouxeram ao milênio gestos derradeiros das luzes de antigamente sumiram nalgumas guerras pelos bens de raiz, à gana do petróleo, dos mercados, das águas. Países desfeitos a título de ceder recursos aos mais poderosos veem eliminados das tradições desses valores espirituais da música, das artes plásticas, monumentos, cidades históricas, literatura e sonhos, largados nas ondas do impossível de reviver e de saudades que ninguém vive.

Nisso a importância transcendente das manifestações das pessoas, nascidas do seio dos corações em festa. Verdade que as máquinas guardam e reproduzem páginas e páginas do que antes havia, contudo a fonte primeira seguirá no fruir das produções em série dos meios atuais da comunicação, isto sem a força das presenças, dos momentos, dos sentimento das priscas eras, tudo sob a velocidade dos restos artificiais que sobraram.

Admitimos, todavia, ser assim qual devesse acontecer, vez que as leis do Universo jamais cessam de determinar movimentos e acontecimentos. As lâminas dos dias prosseguem pois; os pássaros insistem continuar trilando nas matas; o Sol a nascer; a Lua nos céus; a existência das criaturas humanas, suas testemunhas, andam face a face com o instinto de sobreviver. Essa extrema disposição dos humanos reflete bem o quanto de verdade há que alimentar os tempos e veremos, um dia, a intensidade do poder absoluto da vida em forma de novas criações e alegria definitiva no rosto do povo.  

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Linhas do tempo

Assim quais mudassem de nome e personalidade a todo novo momento, ontem teremos sido o que jamais voltaremos a ser; agora porém já fomos e o seremos novamente... Outros eus que, deste modo, vêm e vão à medida que o tempo troca suas fichas nas teclas de segundo, detrás das cortinas dos dias, e nós aqui a viver essas mudanças feitos nós mesmos no passado e desfeitos agora, contudo cheios de confiança de nunca mais ser iguais ao que ontem fomos, porquanto sabemos dessa capacidade infinita de nos desfazer pela dança incontrolável dos dias, sombras de nós próprios que algures, nalgum inevitável, Alguém ir sempre conduzir. 


São essas as tais linhas do tempo de que falam pesquisadores da personalidade. Variações intermináveis de valores, humores, sonhos, ideias, desejos, intenções, interesses e práticas, que andam à nossa frente feitos mentores desses nós, invés de nós sermos senhores delas. Tais barcos voltados a ler o passado, isto na velocidade estonteante do viver, marcamos no tempo nossas metas imaginárias, e tangemos essas criaturas do ser que somos e fomos, à busca do destino através das consciências, elas que oferecem meios parciais de acompanhar o processo, entretanto submetidos ao mar dos acontecimentos indomáveis. Às vezes, lampejos e lembranças de haver passado ali naqueles lugares e vivido aquelas situações, o que deixa entrever as possibilidades de lá um dia descobrir de vez as linhas que conduzem as cenas, ainda que de forma hoje nebulosa e, desde então, dominar o eterno e conter o fugidio. 

Quando pudermos, pois, chegar a tanto, o processo da compreensão, a lucidez que impera nos bastidores daquelas memórias, seremos parceiros do Desconhecido e senhores desses nós que hoje apenas parecemos ser e que deslizam assustados nas correntezas do Universo, sujeitos de tremores e temores, pequenos seres que, trazidos a dia sem maiores explicações, contudo dependem absolutos da própria evolução e crescimento. Nalguns menos, noutros mais claros, os instantes de percepção dormem, todavia, restritos a fatores climáticos, históricos, sociais, culturais e afins, que gradualmente, pausadamente, invadem o ser de aonde iremos sobreviver.

Viajantes do tempo, átomos da Eternidade e das luzes nas consciências, singramos a trilha dos destinos feitos ramos da árvore do firmamento, e sofremos, e sorrimos, em sonhos ou de olhos abertos, depositários dos segredos demonstrados nas estrelas e desvendados no abismo sagrado das nossas frágeis mãos.

(Ilustração: http://despertarcoletivo.com/geometria-sagrada-o-significado-da-espiral).

sábado, 22 de dezembro de 2018

Da ocidental praia lusitana

Quantos e quantos que ainda carregaram os feixes de lenha às costas e depois de tudo nem usufruem do banquete homérico do mundo, deuses batidos que foram no furor da procela. E aqui todos de novo a transportar, às estações do Infinito, essas naus dos verdes mares de acender as luzes dos corações em festa. Querer é poder; dominar, pois, as mazelas e sorrir de certeza que dias melhores sempre vêm.

Nos ossos da lua cheia há disso, de imaginar que portas abertas assim permanecem diante da vontade extrema de achar sinais que irão determinar a realização dos versículos e das orações das seitas. Marujos de séculos sem fim, tocar o barco até que parece bem simples, no correr dos anos. As considerações de ordem prática no amor de compreender os hemisférios mostra o tanto de vontade que a raça tem demonstrado no passar dos calendários. Daí o momento de que hoje parece viver só de marasmo de proporções monumentais, com a predominância dos interesses individuais sobre os da coletividade. Uma fase de excessos, ânsias maiores sobre a saciedade dos instintos, invés de buscas que sejam no âmbito espiritual.

Nisso a milenar interrogação entre a morte da matéria e os valores da beleza, o aprimoramento do ser versus a fome do prazer, dias de ira da carne sobre o espírito, numa farra descomunal dos trópicos pós a descoberta de um Novo Mundo. Isto também por dentro de nós, entes experimentais da evolução da consciência desde o comum da matéria a fim de revelar o exercício do sufoco.

Bem, tais experiências em tempo de viver passam fugazes ao circular do Sol de longas descobertas. Senhores das sombras presos ao deserto das torpezas são as quimeras dos mares. Tontos de vertigem, no entanto, seguiremos o trilho dos sonhos e mergulhamos na busca de sentido no que reservam as palavras; elas querem dizer quanto queremos ouvir e logo dever pôr em prática. Nunca nada estará perdido para sempre.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A solidão gelada dos alpinistas

No espelho dessas encostas mais íngremes defronte dos rochedos da sorte, face a face com o abismo das nuvens, eles desperdiçam, centímetro a centímetro, carcaça e emoções, tudo no rumo de coisa alguma, quimeras e agruras. São alpinistas, salteadores do impossível, amantes do inesperado e fagulhas ao vento da sorte caprichosa. Expostos às ânsias entre a culpa e o medo, vagueiam soltos pelos silêncios, nas horas feitas nas ausências e nos sonhos.

Autores das tragédias de si mesmos, sobem trilhas rumo do sol intenso lá em cima nos céus intransponíveis. Contemplam a certeza da solidão em que mergulham sem ambição, e descem ao penhasco das consciências na busca do silêncio absoluto, porém sercientes da ilusão a que trocam sacrifícios por sustos.

Assim aqui também diante dos dias os demais mortais... Mourejam pelas estradas da vida em aleatórios movimentos de sobrevivência aos fatores da destruição, contudo de almas pendentes nos amores e nas dúvidas. Pedaços de matéria que pensam e desejam, blocos de madeira de lei da humanidade e suaves flores do jardim das existências, estamos nas mesmas subidas dessa Babel de interrogações, picos nevados de questionamentos à frente e seres das paixões desenfreadas, mãos e pés atados nas gretas do mistério; às vezes doces, às vezes amargos, no entanto em lua de mel com o inevitável.

Quantos e tantos, bem neste momento, esvaziam a carga no limiar das novas vidas e choram e riem e superam a inutilidade faceira dos segundos impacientes?!... No instinto metálico de conter esse rio de tempo, descobrem entretantos nas praias deliciosas de saber que não sabem o que pensavam saber, e aceitam continuar, presas da revelação em qualquer dia. 

Contudo, pois, a solenidade gritante deve prosseguir nos braços dos que procuram os monstros dos limites, pássaros irreverentes que só sobrevoam os astros na esperança dos outros ninhos de semelhantes aventuras. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Histórias alheias VIII

Outro dia, no endereço de web pt.chabad.org, li história digna de ser também conhecida dos leitores. Conta episódio da vida do rabi Moshê Meisels, de Vilna, que afirmou: O alef da Chassidut (No livro Tanya, obra máxima do chassidismo de Chabad, Rabi Schneur Zalman de Liadi declara: "Pela sua própria natureza, a mente governa o coração." Este axioma, conhecido como o alef da Chassidut, é a pedra fundamental da abordagem chassídica de Chabad à vida.) salvou-me da morte certa.

O rabi Moshê Meisels conhecia outros idiomas e durante as guerras napoleônicas serviria de tradutor junto do Alto Comando francês na frente russa. Ele seria encarregariam de buscar, junto aos oficiais inimigos, informações privilegiadas que pudessem beneficiar o Exército Russo.

Rabi Moshê obteve êxito na difícil empreitada, caindo nas graças dos comandantes chefes do exército de Napoleão, e estava ciente dos seus planos mais secretos. Foi ele, Rabi Moshê, que salvou o arsenal russo em Vilna da sina que se abateu sobre o arsenal em Schvintzian. Ele alertou o comandante russo encarregado, e aqueles que tentaram explodir o arsenal foram apanhados no ato.

Antes do dia previsto do ataque, o religioso compareceu aos debates dos franceses quanto ao modo como desenvolveriam a batalha nas redondezas de Vilna; quais manobras seriam encetadas; quais arranjos de campo, mobilização das tropas e transportes; examinando as vias de acesso e os meios necessários. Mapas largados ao chão, dúvidas atrozes e preocupações, sem aflorar, contudo, as urgentes decisões da peleja imediata.

Inesperao, então, quem resolveu chegar no Comando, o próprio Napoleão que apareceu à porta. A face do Imperador estava escurecida pela fúria. Irrompeu no aposento e urrou: ‘A batalha foi planejada? As ordens para guarnecer os flancos foram enviadas?’ ‘E quem é este estranho?!’ - continuou ele, apontando para mim.

De pronto veio na minha direção. ‘Você é um espião da Rússia’, afirmou, pondo a mão sobre o meu peito a fim de sentir o coração sobressaltado de quem fora flagrado num ato extremo.

De acordo com o depoimento do Rabi Moshê, exato nesse momento o alef da Chassidut (aquela afirmação mística acima) lhe ofereceria forças de reagir sem denunciar a missão que desempenhava: Minha mente comandou meu coração para que não desse sequer uma batida fora do compasso. Numa voz sem emoção, repliquei: “Os comandantes de Sua Alteza o Imperador tomaram-me como intérprete, pois conheço os idiomas cruciais para o desempenho de seus deveres...”

(Ilustração: Jean Baptiste Edouard Detaille; Sputnik).

sábado, 15 de dezembro de 2018

As fronteiras do inútil

Ao abrir a janela e ver o sol da manhã em cores e formas luminosas, e ouvir pássaros e cigarras em festa, logo vem o transcorrer dos tempos nos dias atuais de tanta ansiedade e correria, a busca de sobreviver aos fatores da história. Desde lá dos inícios que assim vem a correnteza das vidas. Sobreviver, viver além, mais dias menos dias, à cata de trabalho e acomodação, no desgaste natural de tudo quanto cabe na imaginação. 

A certeza de procurar meios positivos de observar isso e aceitar as peripécias, no entanto tratar de fazer uma avaliação nos modos de operar deste chão. A perseguição insana de juntar fortunas, só garantir o passado a qualquer custo, o que virou mania sórdida de perseguição da geração de cobaias do Destino. Perseguir os dias nos dias, arrancar da coletividade o sustento, longe dos frutos podres que deixam a estrada perdida. Lobos famintos de ideias, ética e moralidade; que viram elementos de praticas indecentes; turba de bichos racionais irracionais, que manipulam fórmulas esdrúxulas de superar a troco de propinas e uma consciência largada ao lixo, imundos restos de banquetes impuros.

Daí chegar a isso de examinar que estamos aqui cuidando; feras feridas nos próprios laços que enxameiam desassossego a título de sucesso sórdido; toupeiras num mar de lama; ardilosos vadios do egoísmo. E peças encenadas a título de ganhar os prêmios da inutilidade.

Bom, essa gincana de humanoides à toa no pretexto da ignorância, que virou a corrida de tanta coragem e tanto esforço no mercado das almas e adquirir culpa, medo, fama, que há nisso, bem claro, a ausência de sentimento e coerência de propósitos, eu sei. Mas o que fazem doutro modo os que sabem que não deve ser? Eis uma pergunta aos senhores da liberdade que exterminam e exercitam sem responsabilidade o dom da sebedoria. 

Quase ao final da cena, tangemos o rebanho quais esquecidos aos sonhos e passageiros da agonia, dos motivos e das escolhas que sujeitam levar a nada, dourados e vazios, contudo sempre na busca da Paz.

(Ilustração: Colagem de Emerson Monteiro).

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Música da visão

Escrever é bem isso, transmitir à visão o sentido da percepção que isso traz e conduzir pelos caminhos da consciência pensamentos; letras e palavras, e sentidos que talvez toquem um dia o sentimento. Tudo suspenso no ar das horas do mistério, nas palavras conduzem a imaginação através da alma. Sons que existem desde quando a luz se fez, assim são as palavras que hoje formam soltas na liberdade individual a literatura. 

Num enlace prodigioso, as visões permitem que nos encontremos conosco próprios no formato das letras e no senso imediato que elas constroem dentro da gente, porquanto quem lê a si mesmo o faz; se permite deixar que conceitos nascessem das palavras e ofereçam à consciência valores e significados; deixa que o silêncio da visão conceda ao instante o inédito da compreensão há pouco inexistente. Mundo vasto a si que preenche novos universos naquele espaço exclusivo da individualidade, e mergulha no outro, no leitor, qual quem refaz a presença dos que antes havia e deixara que a existência revertesse em códigos as cores e as formas que nunca voltariam a existir, porquanto nem os autores refarão o que viveram ao momento de escrever caso não os gravem para sempre.

Bem isso de trabalhar nas palavras os fragmentos da ilusão ou da compreensão do que habitara, dalgum modo, a consciência do escritor. Horas mágicas de arte e cultura, sentir e passar em frente, dividir os frutos de pensar e produzir com os leitores um viver partilhado, em muitos ou nenhum. Daí serem solitárias as chances de escrever, quais garrafas lançadas ao oceano das impossibilidades possíveis, mensagens isoladas que silenciaram nas letras angústias e alegrias, no sonhar no aberto das ocasiões fugazes. 

Foram e serão muitos esses tais escafandristas da alma na busca de partilhar o entendimento por meio das incompreensões humanas. Aventureiros da razão inevitável, que correm o risco de jamais descobrir as trilhas dessa floresta exótica das condições deste século sem fim.  

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Os pardais da Praça da Sé

Esse logradouro reflete bem a vida em Crato, isto a considerar as dimensões da praça, a arborização privilegiada e as tradições de que é símbolo desde seus primeiros tempos. Quando os colonizadores se resolveram pelas margens do Rio Grangeiro invés das do Riacho do Miranda, onde haviam instalado a missão original quando aqui chegavam, viram nesse novo sítio o ponto ideal para desenvolver o aldeamento e fixar as raízes europeias no Cariri. 

As extensões da Praça da Sé oferecem meios suficientes às grandes solenidades, aos eventos maiores do povo e das instituições. Em sua volta os proprietários construíram belas casas residenciais, a Casa da Câmara, a Cadeia Pública, grupo escolar e a Sé Catedral, destacando aos católicos o palco dos seus louvores por vezes entrecortados de acontecidos históricos, tais a declaração da primeira república nacional, lá nos idos de 03 de maio de 1817, cúmulos da Revolução Pernambucana de infaustas lembranças, em que sucumbiria o herói maior Tristão Araripe.

Nesse respiradouro típico da população do lugar eu estudei na década de 60, no Ginásio São Pio X, prédio que ora sedia a Irmandade de São Vicente de Paulo, lado nascente; via dali o imenso quadro da matriz ainda de chão batido, espaço ideal às partidas de futebol dos desocupados nos intervalos do almoço à sombra dos oitis em crescimento. 

Mais adiante, em face de nela passarem as estudantes do Colégio Santa Teresa ao término das aulas, no meio-dia apareciam também os alunos do Colégio Diocesano e ocupavam os bancos e as imediações, no intuito de apreciar a beleza da juventude em desfile, num instante de descontração e enlevo. 

Já na década de 70, aos finais do dia, com as árvores de copas frondosas o ano inteiro, nelas se instalavam os pardais, nuvens e nuvens deles, a chilrear em uníssono melodia ímpar e festiva, clima inigualável de propiciar os instantes fervorosos da Ave-Maria, secundados ao ritmo do metal dos sinos e dos cânticos saídos da Catedral defronte.  Cheios de emoção, presenciávamos absortos a religiosidade daquelas ocasiões, talvez enlevados no doce mistério das luzes espirituais da natureza viva. 

Histórias alheias VII

Das narrativas a propósito dalguns místicos judeus, escritas por Martin Buber no livro Histórias do Rabi, dentre outras histórias vamos encontrar um episódio sob o título Saber quando o rabi Baal Schem Tov dissera:

- Quando atinjo o mais alto degrau do saber, sei que nem uma letra dos ensinamentos está em mim, e que ainda não dei nem um só passo no serviço de Deus.

Essas palavras de Baal Schem o rabi Mosché de Kobrin as transmitia a um outro rabi, e este lhe indagou:

- Mas está no Midrasch (dos livros sagrados judaicos): “Adquiriste o saber. Que mais te falta?”

Diante daquela consideração do religioso face ao que dissera, de Kobrim lhe respondeu: 

- Em verdade, é assim. Tendo adquirido o saber, saberás então o que te falta.

...

E logo em seguida, no mesmo livro, Martin Buber traz outra história de Baal Schem Tov, místico bem conceituado no Judaísmo desde séculos. Esse outro episódio tem por título Sem o Mundo Vindouro, e narra de ocasião em que o religioso, certa hora se sentindo em desânimo e qual notasse em crise sua fé, quis admitir lhe faltar merecimento de que já possuísse a felicidade em um mundo vindouro; nessa hora dissera a si mesmo, segundo conta Buber:

- Se eu amo a Deus, para que preciso de um mundo vindouro? 

...

São momentos assim de lucidez e espiritualidade que refletem o nível de compreensão de cada um diante do infinito mistério da Eternidade a nos tocar suavemente e indicar oportunidades da percepção da grandeza do Poder, tudo através da consciência em aprimoramento constante por meio dos desafios da Sabedoria. Todas as religiões possuem seus místicos, os quais sejam dignos de tocar as abas do Céu e conhecer tanto mais da beleza e da divina perfeição.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Imaginação ativa

Outro dia falávamos da imprevisibilidade quanto aos dias futuros, nem sempre a realidade real daquilo que se espera diante das limitações de todos nós. Isso, no entanto, passível de alguns acertos, face ao que conhecemos das filosofias e artes divinatórias, do esforço dos tantos que gastam tempo a fazer elucubrações e largas considerações dos dias porvindouros; decerto arriscam vaticinar e correr o risco de cumprir papéis proféticos sem fundamento, que a isto lhes cabem as circunstâncias, os reinos onde habitam, as cortes que frequentam. Mas, grosso modo, ganham fama, preenchem o espaço entre o juízo e as gerações, acalmam as rimas dos poetas e vencem a monotonia das horas que se aproximam.

Há, contudo, noutro campo, os avatares messiânicos dos povos, que, estes, sim, chegam previstos nas escrituras sagradas e detêm a força das revelações, os quais trazem consigo a função de nortear a multidão nos séculos, carente de consciência a fim de posicionar as civilizações pelos dias seguintes. Nessas personalidades predomina o místico na forma e na prática do Absoluto. Bem mais do que apenas humanos, significam a plenitude dos seres iluminados e parceiros da Eternidade. 

A distância, entretanto, desses e nós demanda infinitas transformações morais, nada que seja de todo impossível, todavia exigem renúncia através da caridade e da humildade, visando, sobremodo, vencer a matéria bruta e nos aproximar do divino aprimoramento, domar o egoísmo e o orgulho, e crescer nos passos continuados das vidas sucessivas. Eis, em suma, uma transação interior das criaturas humanas, o seguimento de transcender a matéria e galgar padrões espirituais, na busca da felicidade perene; a isto nos encontramos aqui, face a face conosco mesmos, mentores do que resta cumprir nas existências. Conquanto vivamos ainda as limitações deste chão, já dispomos do direito fundamental de reger o destino e desvendar a luz que em nós existe, razão de tocarmos adiante esta longa caminhada e construir um novo Ser que vive em nós. 

domingo, 9 de dezembro de 2018

Dois irmãos e um caminho

Dois brigam quando dois querem. Em havendo disposição de paz em um dos lados, há paciência, há perdão. Dominar esse instinto agressivo importa nos resultados de harmonia de que tanto carece este chão das almas. 

Assim, nós dois que somos todos a trabalhar o afeto pomo-nos a seguir ainda feitos feras, enquanto um morde, o outro se magoa e sofre, abafa, reprime, revolta, impõe justificativas na agressividade contida, no entanto amargurada, espécie de roupa suja guardada lá dentro nos refolhos da comum inutilidade. Eles dois, nós dois, estrada afora tangemos duas feras, uma que lança farpas em cima da carne seca, no vulgar desespero de sofrer, contrapeso que arrasta de mesma carroça de sucatas que, agarradas, somos aqui no Planeta. Dois perdidos e a noite suja de Plínio Marcos do passado. 

Feras largadas ao velho picadeiro das contradições, roçadeiras amoladas nas pedras toscas do desgosto, impõem contradições, amigos em forma de lados agudos, num, o sujeito da razão; no outro, as costas moídas de chicotadas e dos escravos jogados nas sarjetas. Isto em relação a quase tudo, senão tudo, burros de cargas que transportam as malas da ignorância, que buscam escola nas malhas do sofrimento.

Poderemos crescer unidos, a história contará novidades ainda longe de preencher o espaço de horas tontas, na peleja do pesadelo ilusório da divisão das classes. 

Esses dois irmãos, talvez até amigos, e no caminho viverão prudentes os objetivos da ordem mundial que anseiam desde que mundo é mundo. Próximos uns dos outros, outros irmãos que seremos em um só sem distância regulamentar de conservar objetos quais proprietários definitivos, e de próprio nada temos. A matéria que transportamos apenas servirá de empréstimo da Natureza, a quem devolveremos lá certo dia, cedo ou tarde, à luz do Tempo inabalável. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Limites do inesperado II

Isto de saber até onde irão as certezas que transportamos vida afora. De conhecer o que, na verdade, conhecêssemos, se é que conhecemos algo puro a propósito dos dias vindouros. Mesmo assim agimos quais donatários do absoluto futuro, quando quase nada, ou nada, dominamos dos acontecimentos posteriores. Daí a fome desesperadora de desvendar o inesperado, assenhorear-se das marcas seguintes dos nossos passos neste chão.

Na realidade, somos meros detentores do direito de existir ainda sem saber, com plenitude, o que significa existir. Espécies de alimárias dos depois, vagamos soltos pelas matas virgens sob o crivo dos elementos originais. Atores de peças que nem escrevemos, e, tantas vezes, sabemos pouco da firmeza das existências do Autor de tudo quanto há sob o Sol. Seríamos, talvez, livres aves nos céus do Invisível. Querer, pois, julgar a nós e aos outros representa atitude temerária diante da Perfeição que a tudo rege no dizer das religiões. Explorar os demais quais superiores fóssemos, eis outra providência que produz frutos amargos, porquanto o equilíbrio universal a isto determina face ao nível do exato funcionamento das esferas. 

Portanto, aventureiros do acaso, balançamos nas ondas deste mar de inevitável a que fomos submetidos desde quando persistem os pensadores e os mestres à busca de explicar o inexplicável. Máscaras de si próprios trocamos os pés nos dias que restam de sobreviver ao eterno, máquinas de forjar o sentimento, e instrumentos de organização da sociedade humana. 

Grandioso o desejo de interpretar os ritos da Natureza, contudo somos só meios falhos das escolas desta vida. Que lição maior de humildade sobraria além de aceitar, se não baixar a cabeça e orar com força ao desconhecido no senso do Bem, do Amor, da Paz. Nenhuma dúvida, por isso, de que alguém regressou a transmitir a sabedoria que descobrirá no tempo certo. 

O chão da alma

No piso dessa realidade interna, caminha o ser diante das trevas, sempre só, às vezes vacilante... Olha tudo querendo a todo custo esquecer o que deixara de fora lá no ontem dos rochedos. É esse o pouso das criaturas aonde queiram chegar. Deixar de lado os eus externos que, durante desencantos sucessivos, largam desejos mal contidos de liberdade, no entanto ainda presos nos tentáculos ferrenhos da ilusão, amante e vilã dos lenitivos. 

Longe, um dia, todos alçarão voo e restarão laivos de saudades de nem sabe por quê perdidos foram pelos jardins do imaginário. Isto de andar aqui tem surpresas, largar ao desconhecido pedaços das ansiedades que trouxemos, contudo inconsistentes, de vencer o inevitável. Tempos enquanto o furor nos triturava a quatro dentes, feito cães famintos no terreiro da paixão. 

Mas há isto, esse lugar bem dentro do amor das gentes. Nele as ondas glaciais do Infinito batem forte e correm soltas pelas praias do Destino. Outras vezes bem aqui estaremos à procura do instante eterno, vagando de olhos fundos nas dobras dessas histórias antigas que transportamos no coração.

...

Fora, longos meses de expectativa a contemplar o horizonte donde virá o Sol. Aqui, onde as almas, em frangalhos ou quietas, esperam sinais do entendimento através dos sentimentos. Nisso ninguém está sozinho apesar da enorme solidão dos trópicos das horas calmas no mar da humanidade. A braços, pois, com dificuldades naturais de quem aprende no fragor das aparentes contradições, todos são os heróis de si no chão da alma que nutre a certeza de tudo que vem ficará melhor no sentido da obrigação. 

Livre das ameaças e das dores, eles já constroem as naves da salvação que lhes permitirão realizar seus sonhos em manhãs que se avizinham penhes de verdade. Há um chão na vala comum das criaturas humanas.

domingo, 2 de dezembro de 2018

Doidos atuais

Tal qual quem viaja numa estrada desconhecida altas horas, quase sem visão nem movimento, e acompanha os sinais rodoviários, quando, de supetão, avista nas placas da margem uma contendo enorme interrogação amarela em fundo preto; assim é o futuro, a vida. Que haverá, que mudará, que trazem as próximas horas ao silêncio das estradas apenas rompido pelo croaxar intermitente dos pneus no asfalto e sons da ventania de encontro aos vidros e flandagem do veículo.

Assim tem sido. Assim será por longos anos. Há pouco, presente em momentos noturnos das baladas desta época, observava os doidos de hoje e os comparava com os doidos de antigamente. Quanto parecem, muito, muito. Cabelos longos, barbados, olhos assustados, fugindo de outros olhos quais desconfiassem de serem vigiados, mesmas neuras dos guerreiros arcaicos daquelas outras aventuras. Acossados pela sina das noites, crianças vagam soltas nas ondas do mar das ruas, vadias sombras que as levam consigo aonde forem, nos tetos invisíveis do destino. 

Velhas saudades, aventuras errantes; o inesperado à busca de tudo que restara nos cestos largados fora na porta das lojas, dos bares, becos escuros, solitários.

De novo só o apego de revelar a paz nas telas do instante; tocatas da valsa das décadas na alma da gente; fomes de amor; sede de sobreviver a todo custo. Pessoas-improviso, cigarros em punho, garrafas dançando entre as mãos impacientes; ansiedades mil deslizando nas praças e calçadas; atores de histórias impossíveis, porém idênticas à dos parceiros que o tempo levara e caprichosamente traz de volta repetidas vezes nas veredas e nos filmes. Pistas molhadas, escorregadias, parceiros próximos, cúmplices nas jornadas e leitores dos sinais à beira do abismo, quando de súbito aquela placa de interrogação do que virá logo ali adiante. Os ídolos, os ícones, emblemas que balançam nas nuvens de esperança guardadas a sete capas nos escombros deste chão... 

São ritmos recentes das velhas músicas, ânsias de liberdade tornadas aos pedaços, senhoras de sonhos, e amores, e desejos. Luzes que se apagam. Luzes que se acendem.

(Ilustração: Hippies).

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

As cigarras da serra

Sim, esse poder consistente que há na música e chega bem longe por entre as crateras das almas nas dimensões da tarde; cenas audíveis de horas distantes, infinitas, remotas, e inquietas eras que circulam à volta do sabor dos silvos de cigarras lá perdidas entre as árvores, que acalmam os deuses na amplidão e envolvem o oceano das nuvens arrancadas do ser que nós somos fieis testemunhas. Matrizes das filosofias, dos poemas, das músicas, zona neutra ali permanece escondida, olhos, ouvidos e sonhos. Ruídos que escorrem nas veias do instante até pulsar no coração do silêncio.

Nisso, imensa vontade pede conhecer o segredo que circula as consciências mortais na busca de Si, salutar esperança de permanecer diante das ruínas  deixadas pelo Tempo, senhor das eras. Portos distantes, pois, deste mar das existências, sons invadem os vazios de finais do dia. Avançam céleres rumo a desconhecidos, ocasião das noites inesgotáveis, fontes grandiosas do mistério de que tanto carecemos.

O som, os sonhos, sede do viver das criaturas gritam de perfeição no seio do Inconsciente. Nós, seres imprudentes e ambiciosas criaturas de dominar o Destino, heróis dos próprios dentes, donatários da Promessa, apenas deslizamos silhuetas nas paredes sombrias do escuro, pulsações de fantasmas que somem sorrateiros.

Com elas regressa o calor, sinal de novas chuvas neste verão intenso. Linguagem dos que significam a história secreta do Sol, sublimes vozes, falas e religiosidade compõem o presente nas cigarras que invisíveis ritmam o século das dores e das angústias, certezas ainda implumes, revelações do quanto avançar na face do perigo e afagar os desejos da humana felicidade. Amar, amar além da sobrevivência e do viver. As falas dos sentimentos soltas, assim, fibras resistentes da solidão e respondem ao cicio das cigarras, enquanto sorriem feitas almas penadas vagando pelos céus.

O rio imóvel

Dia 12 de novembro de 2018, à noite, tivemos no Instituto Cultural do Cariri, em Crato, o lançamento festivo desse livro, O rio imóvel, romance da autoria de Maércio Lopes de Figueirêdo Siqueira, Maércio Siqueira, natural de Santana do Cariri, Ceará, lugar onde nasceu aos 21 de novembro de 1977. Ainda criança veio estudar em Crato, graduando-se em Letras pela Universidade Regional do Cariri, sendo, também, mestre em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba. 

Houvesse de usar um único adjetivo a considerar o livro de Maércio, diríamos tão só que distingo a obra qual “consistente”, pela força do conteúdo e da forma de encaminhar a história que contém. Visivelmente dotado da verve literária, de fácil percepção, nisso desenvolve enredo no mínimo bem conduzido, mostrando segurança naquilo a que se propõe no decorrer de sua produção de 218 páginas.

Qual diz logo na apresentação, o livro foi escrito há 13 anos e só agora traz a lume em uma edição do próprio autor, de tiragem limitada, com ilustrações de Arievaldo Vianna. Destarte, aos 30 anos, obtém esse resultado de já autor amadurecido no trato do gênero difícil que escolheu estrear na prosa. Narra com espontaneidade a vida de Lucas Rocha, personagem que, depois de galgar sucesso noutras paragens, decide regressar ao seu lugar de origem, de onde havia fugido para esquecer uma experiência dolorosa.

Em uma exatidão dos que dominam o estilo, o escritor executa com maestria e nuances suficientes o desenrolar dos acontecimentos, que prendem o leitor e demonstram clareza nos objetivos colimados. Bom observador, descreve cenas sob crivo eficiente, característica dos romancistas vocacionados. 

É esta, portanto, a minha satisfação de ver em campo o cordelista e xilógrafo Maércio Siqueira agora sustentando a batuta de prosador, o que enriquece tanto mais as benquistas letras caririenses. 

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Explicações

A sede intensa de conhecer, de descobrir o mistério da existência, perguntas perdidas no vazio de respostas desencontradas, isto bem que significa o valimento das filosofias e das civilizações. Alguns dos que mostram alguma sabedoria expendem assim o desejo de saber mais e considerar aonde vão os limites dos raciocínios ansiosos. Tratados se sucedem, pois, no trilho dos deuses e das suas versões desencontradas. Eles plantam nisso o futuro das sementes e dos pensamentos e rendem às tecnologias os poderes materiais da indústria. Somam lucros e armam países. Destroem e constroem à medida do que obtêm no passar da teoria à prática, pouco importando danos em termos dos resultados antinaturais na vida vegetal do Planeta.

Horas a fio elaboram explicações do quanto poderia ser houvesse consistência nos conceitos que formaram. Cavam longos e profundos túneis à buscam de fugir da penitenciária da história, nas soltas dos humanos. Ficções bem elaboradas do ponto de vista das literaturas querem, com isso, a todo custo, justificar os investimentos que nelas fazem os donos do capital junto da Natureza. São vidas, muitas vidas, largadas ao vento dos milênios tornadas escombros, fantasias, ilusões, dores e prejuízos. 

Doutro lado, no entanto, há os místicos, que praticam o senso da observação através do que chamam meditação, contemplação, ioga. Silenciam às asas de descobrir na simplicidade pura, e avançam por meio do ser, invés das avaliações unicamente da inteligência física. Acalmam o desespero, a angústia das interrogações, o fastio da ignorância. Numa espécie de rendição às impossibilidades e das considerações que pudessem ter lá de fora, varrem no sentimento o desejo dos desertos. Vagam perdidos pelas entregas do anonimato e repousam nos oásis das almas em flor. 

Duas posições antagônicas que, igualmente, buscariam tocar o Infinito; cientistas e santos. Relatórios imensos de palavras abrem as portas dessa busca por vezes de frutos bons, sadios, contudo reais só na experiência dos seus autores, porquanto depois apenas propagam alternativas e exemplos ao dispor da tradição de novos atores e sobejos entre Tudo e Nada. 

sábado, 24 de novembro de 2018

Signos

Década de 70. Durante alguns meses eu funcionaria como assessor do inspetor Mário Jofre, da CACEX do Banco nos seus trabalhos em Salvador, auxiliando nos relatórios que ele encaminhava a Brasília. Aos intervalos, íamos ao 9.º andar, onde fazíamos as refeições. Ele, um mineiro que, inclusive, fora vereador em Belo Horizonte; encetamos bons papos nos assuntos mais diversos. 

Dessa vez, sentados à mesa, após fazermos os pedidos, aguardávamos ser servidos, quando veio até nós um colega da agência e conversamos sobre signos astrológicos, de que tratáramos noutra ocasião. E o inspetor ouviu toda conversa. Saíra o interlocutor exato quando chegavam nossos pedidos; Mário Jofre se volta em minha direção e observa:

- Sim, senhor, seu menino. Então o senhor conhece os signos... Pois diga lá qual é o meu signo. 

Colhido de surpresa, busquei terra nos pés, sem querer decepcionar o meu superior, nisso observando que o prato que lhe viera servido continha pura carne, um enorme bife sangrado. Daí pelos indícios, cogitei:

- Bom, inspetor, pelo visto do senhor gostar tanto de carne meio crua, o senhor dever ser Leão.

Com a resposta, o homem se entusiasmou e falou até mais alto, a ser ouvido também nas outras mesas; o restaurante estava quase lotado; elogiava o meu desempenho. Foi quando vinha chegando no almoço um dos gerentes adjuntos da agência, Brito, carioca autoritário, cara fechada, que, naquela época, recebera a missão de botar ordem na casa em relação ao pessoal, respeitado só o tanto entre os funcionários. Ao ouvir do inspetor que eu conhecia de signos, que acabara de acertar o seu signo, e outros elogios, na mesma hora, sisudo, Brito olha e consulta:

- Pois diga qual o meu signo?

Que houvesse ainda mais terra debaixo dos pés; corri a vista pela memória; recorri aos céus; e sem demorar sustentei:

- Sim, deve ser Gêmeos ou Balança. (Nunca passara por isso, nem nas brincadeiras de salão, e duma vez enfrentava logo duas paradas frontais). Dava por perdido, fizera apenas de mera apelação. Quando, na hora, o administrador olhou de cara assustada e considerou:

- Por que Balança? Por que Balança? – Acertara outra vez o palpite.

- É que o senhor é pessoa ponderada, equilibrada... – Com isto, tratei de terminara de comer, e me despedir dos dois, avisando que havia compromisso naquele momento, saindo fora antes de aparecer novo desafio astrológico. Graças a Deus minha experiência no assunto fora bem sucedida.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

As razões de ser assim

Resultados disso que sustenta estar aqui diante de existir, motivos incessantes desse relógio de andar nos trilhos da inexistência na matéria logo ali defronte, sentido único de viver, quais razões de tudo isto, causas e consequências de envolver tantas cabeças no projeto preponderante dos humanos? E haja interrogações de fugas, insatisfações e justificativas... 

Alguns, senão muitos, querem andar em defesa da Lei. Apresentam teses mirabolantes e testemunham revelações que a própria história impõe. Puxam daqui, estiram dali, quais necessários e sapientes, na face deste abismo tenebroso das razões tais que preenchem o teto dos vestígios deixados pelo movimento. Mas qual, a que se destina o processo universal da criação enquanto só assistimos de olhos vidrados o desenrolar de cenas inevitáveis?

Largas respostas ofertadas pelos credos, filosofias, criatividades em forma de versos e prosa, discursos, sermões, livros em profusão, são setas, porquanto das respostas no favo de mel das virtudes e do sentimento escondido. Livres dos pensamentos sórdidos, seguem eles o trilho dos contentes nalgumas ocasiões. Aceitam o que lhes indicam as tiradas geniais e passam de geração a geração de mão em mão.

Foram, serão, muitos desses arautos do mistério a desvendar os códigos da ciência, técnicos de bem dizer, de bem querer. Superam as bibliotecas, os sucessos de bilheteria e alimentam sonhos e visões do Paraíso. No entanto quanto a quê, aonde morar em caráter definitivo? Sabedores dos mapas, onde persistirá o território dos céus? Luzes, luzes, luzes...

Querer ouvir o silêncio dos infinitos e da solidão, abrir as portas da liberdade e ser por demais quanto ouvir o grito suave das horas... Aceitar as condições impostas pela determinação do Ser. Rever heranças da Civilização e deixar transcender o burburinho das ilusões. Abandonar ao vazio o eco das atualidades durante o tropel dos animais. A entrega, o corredor das decisões individuais, vem dormir no seio da Paz dos tempos à luz das interrogações.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Noites impávidas

Esses tempos só de luta, horas mil de aflições e dúvidas, mais de ficção de horror que das doces comédias dos antigamente quando a humanidade atravessava turnos de egoísmo, interesses exclusivos de poderosos, diante dos sóis menos quentes. Horas de incertezas, águas turvas e feras assustadas, no entanto das largas perguntas quanto aos motivos de aandar aqui, cidadãos do Infinito. - Senhores de longas histórias, a quê viver tudo isso face ao desconhecido?

Estradas abertas a todas as possibilidades, nos resta o sentido de aonde chegar perante as ásperas montanhas lá dos céus. Somos eles, os argonautas, caçadores da arca perdida, conquistadores de mares abertos em nós, a alma da consciência, detentores da Criação maravilhosa. A própria resposta viva dos séculos, eles, os gladiadores do depois.


Sequiosos, pois, do encontro consigo mesmos, a nau sem rumo parece viajar na deriva, contudo plena de razões de ser, mostra das cores do futuro e sinais de salvação. Horas mil de ficções inevitáveis, certezas da pura incerteza, a significar a razão principal de andarmos no frio invisível das horas ao som do silêncio absoluto. Sujeitos das visões do Paraíso, assim tangemos o rebanho dos dias feitos abandonados dos esquecimentos.

Bem isto, a existência dos humanos, indagações em forma de alimárias do destino. Sacudidos pelas águas turvas do furor das gerações, meras fagulhas dos pulsares e quasares, arrastamos pés na lama e na poeira da jornada ocasional da vida, e chorar e rir e preservar o nada ao sabor dos acontecimentos. Indagações abertas do esquecimento, escafrunchamos a lata do lixo cotidiano e nutrimos de sobrevivência os trapos que, farrapos, passam ao vento. 

Centremos nisso, nessa interrogação, de porta em porta, os planos das civilizações, e daí cuidemos de achar no coração a resposta definitivamente. Perlustrar a securas dos calores e o drama dos insetos da forma clássica de viver com honra e seguir o mistério da fé soberana. Tenhamos paz, alimentemos amor na trilha dos bárbaros e sejamos Um enquanto as luas se sucedem no íntimo das pessoas.

sábado, 17 de novembro de 2018

Meu Tio Quinco

Joaquim Bezerra Monteiro, eis o seu nome inteiro, o mesmo do avô. Irmão de minha mãe e meu padrinho de batismo, foi companhia próxima de minha família desde o tempo em que morávamos no sítio em Lavras da Mangabeira, aonde ia sempre nos ver e passar conosco alguns dos dias sertanejos. À época, possuía um jipe e fazia viagens com Dr. Jefferson Albuquerque, nas suas vistorias para a Carteira Agrícola do Banco do Brasil. Lembro que, numa dessas vezes, quando lá passaram, fins de 1954, pouco tempo antes de nos mudarmos para o Crato. Na ocasião, Dr. Jefferson levou e distribuiu com os meninos moedas de 20 centavos com a efígie de Getúlio Vargas. Abriu cartucho de moedas novinhas em folha, douradas, motivo da satisfação da garotada que as recebia.

Meu pai desenvolvia providências para iniciar atividades profissionais ao lado de meu tio Quinco, sócios numa serraria que instalaram. Compraram terreno e máquinas, e trabalharam com sucesso. No começo, deixava a família no sítio e só retornava aos finais de semana, até o dia em que nos transferimos de vez para o Crato.

Ficamos instalados na sua casa, na Rua José de Alencar, enquanto meu pai alugava a nossa, na Rua Padre Ibiapina, Bairro Pinto Madeira, vizinha da serraria. Dinâmico e incansável, cuidava da propriedade que seu pai deixara ao morrer, em 1946. O Monte Alegre, sítio dos brejos da Batareira, com engenho de rapadura e alambique de cachaça, que administrava para a manutenção dos irmãos, os quais orientou e custeou os estudos, Vanice, Neide, Nailée, Nertan, Nairon, Neidje-ieb, Neimann, Nairton e Nirson. Com a perda do meu avô, por ser o mais velho dos filhos homens, lhe coubera, pois, zelar pelo patrimônio da família e fazer render o suficiente para a manutenção de todos. Eles eram pessoas que se destacaram pela inteligência e dedicação dos livros, lutadores; devido à liderança dele, encontraram desiderato e acharam os meios de trabalhar, formando suas famílias e crescendo nas profissões escolhidas. Enquanto isso, Quinco fornecia os recursos financeiros, nessa primeira fase dos empreendimentos.

Mais adiante, veio morar conosco, na casa da Padre Ibiapina, um bangalô de dois pavimentos e ampla área em volta, cercado de mangueiras. Ia com frequência ao Rio e a São Paulo, na segunda metade da década dos anos 50, a fim de comprar carros, que os revendia no Cariri. 

Ele sempre me distinguia com suas atenções, devido ser meu padrinho e estarmos sempre próximos. Nos seus retornos do Sudeste, por diversas vezes trazia presentes, que hoje me aparecem como lembranças felizes da infância. Recebi, certa vez, um dragãozinho a corda, que, ao andar, soltava faíscas pela boca; um helicóptero, que rodava girando a hélice; roupas diferentes; e outros mimos que tocavam o meu afeto.

Depois casou com Tia Lisieux e vieram os filhos, Marco Antônio, Dante, Alana e Monteiro Junior. Moraram algum tempo no Crato e seguiram para Fortaleza, onde viveram em torno de uma década ou mais um pouco. Víamo-nos constantemente nas suas vindas ao Cariri. Aqui dispunha de uma propriedade no município de Juazeiro do Norte, o Sítio Coité, nas imediações do distrito da Palmeirinha, com engenho que manteve após vender o Monte Alegre, no Crato. Retornava com assiduidade o ano todo, e mais nos períodos de moagem, e administrava rebanhos bovinos que também preservou em uma área de serra para as bandas do Pernambuco.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Essas lembranças vagas

Fragmentos do tempo espalhados no sol da manhã que canta alto as canções e refaz os sentimentos. Espécies de montanhas de recordações, a melodia toca os silêncios da gente. Então, regressam horas que sumiram entre horas outras, tralhas e momentos. Todos as temos flutuando o íntimo desses espaços reais guardados de infinitos. Pessoas. Ocasiões. Lugares. Luas. Enquanto a fita do instante percorrerá as catracas do firmamento. Quanto de vontade que ficassem eternas nos estios daqueles destinos alegres que logo iriam embora vadios, na ingratidão de nem permanecer ou explicar motivos de esquecer.

Chances outras e bons fluidos, abraços apertados, beleza de tantas e perfumadas flores. Livros saborosos, filmes inigualáveis, passeios, amigos. Quanta gargalhada em cavernas longínquas do espírito humano. As baladas dos Beatles, as ruas largas abertas aos ventos da liberdade. Promessas de paz durante a Guerra do Vietnam. Ideais intensos de possibilidades que ainda persistem de a imaginação um dia chegar ao poder...

Os corações, a pulsar forte no transcorrer das velhas ilusões, viram pedra tosca, contudo em forma de novos desejos. Luzes. Palavras. Sonhos. Nisso, os rios correm lentos nos amores que permaneceram dentro das pessoas, pois prosseguem aonde formos e teremos, outras vezes, que descobrir a razão de ser, estar e permanecer. Tais pedaços de nós mesmos, a luz do dia rebrilhará nas entranhas das nossas consciências à procura de céus.

Eram os anos 60, no calendário de séculos. Assustados pelas notícias, andávamos à busca do tom das fantasias, atores de dramas e senhores das lendas. Épocas que deslizaram soltas no mecanismo da existência e formaram as nuvens do panorama visto da ponte desta vida. Sós, donos de si, percorremos o trilho das visões e sustentamos o dever continuar a qualquer custo, livres do desaparecimento. São elas, as florestas do inesperado em que, imortalidade à parte, as receberemos a troco de quase tudo, ou nada...

domingo, 11 de novembro de 2018

Francisco José de Brito

No âmbito das comemorações dos 65.° aniversário do Instituto Cultural do Cariri, recebemos em Crato a visita de Francisco José de Brito, filho natural do município e repórter da Rede Globo de Televisão. Filho do Cel. Francisco José de Brito (Chico de Brito), um ilustre personagem da história regional, Chico José nasceu nos brejos da Batateira, próximo do núcleo urbano, aqui permaneceu até dez anos de idade, indo desenvolver formação na cidade do Recife, em Pernambuco. (Em Crato estudara no vetusto Seminário São José durante dois anos, nas séries do Curso Primário).

Hoje Francisco José representa um olimpiano na classificação dos tempos atuais quanto aos que estabelecem forte imagem pessoal através dos meios de comunicação de massa e participam cotidianamente no dia-a-dia das populações, espécie de entes mágicos e platinados. Exerce há mais de 40 anos destacada figuração através de reportagens notáveis da Rede Globo de larga audiência. Inteligente, carismático, audaz, conhece como poucos o mundo inteiro. Visita em atividades lugares de todos os continentes a destacá-los em brilhantes documentários pela mídia televisiva, coberturas inéditas e arriscadas. Sem sombra de dúvidas, exímio jornalista e competente no que desenvolve em sucesso reconhecido décadas a fio.

Porém o que veio evidenciar junto aos seus conterrâneos, nesta visitação de três dias, foram características de uma personalidade humana afetuosa, agradável, simples, espontânea, o que demonstrou nos momentos a quantos puderam privar da sua presença nessa hora.

À noite da sexta-feira, dia 09 de novembro, no calendário das festividades do aniversário do ICC, no qual preenche cadeira na Seção de Artes e Ofícios, juntamente com os ex-membros Manoel Patrício de Aquino e José de Paula Bantim, estes in memoriam, o jornalista viu-se agraciado pela Comenda Irineu Pinheiro, do órgão de cultura. Isto ocorreu logo na abertura de festa dançante adrede promovida no Crato Tênis Clube. Francisco José de Brito recebeu a comenda diretamente das mãos de Jales Figueiredo, filho de José de Figueiredo Filho, um dos fundadores do Instituto Cultural do Cariri.

Assim, registramos este que consideramos ponto alto das nossas homenagens ao primeiro sodalício cultural da Região caririense que demonstra vitalidade e cumpre a missão de preservar os feitos históricos desta heroica coletividade.

Grato, Francisco José, pelo carinho de sua presença entre os que preservam a nossa cultura. 


sábado, 10 de novembro de 2018

O silêncio das flores

Tardes assim, mornas, silenciosas, enquanto, sobranceiro, ele, o tempo, percorrer tudo quanto habita os mundos em volta. Que paz em corações ansiosos, no entanto. Amor de braços dados circula pelas entranhas do Universo e indica o sentido absoluto à alma da gente. De algum lugar, de todos os lugares, pousos e jornadas intermináveis. 

Um senso de plena beleza e essa luz das existências na consciência calma à força da necessidade; à imposição dos destinos. Palavras quietas depois de conhecer a razão que tudo rege. Só um silêncio forte grita mais alto e pede leveza às nuvens lá longe vagando pelos céus. Vontade imensa de permanecer ajoelhado diante dos santuários da verdade mais pura e poder exercitar esse equilíbrio que principia dominar o espaço e sustentar a fragilidade dos elementos em festa.

São só pensamentos, as angústias que ainda doem por dentro, contudo nada além disso, que permite desvendar e viver. Por que, então, se render na perdição dos sofrimentos, das saudades e insatisfações, vez existir a firmeza de sonhar o céu e amar o Sol?!

Vez ser de tal maneira as aflições do desespero, há de haver meios de salvação a todo instante... Agir no âmbito das individualidades e crescer ao prumo das possibilidades, matriz das religiões e braços do mistério e das revelações.

...

Pois bem, é isto o silêncio das flores. Admitir as certezas inevitáveis do tempo e suas atitudes sem par. Buscar conhecer a si mesmo e ler nas entrelinhas dos dias, feitos autores dos planos da humana felicidade. Traçar os argumentos de séculos perdidos e acender a luz Realização do ser. Senhor das estações também dos corações, Ele transita entre nós e abraça o momento das histórias que hão de vir nas malhas da esperança. E saber que plantar guarda esta convicção, de todas as respostas exatas da eterna Justiça. 

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A dança das horas

Pequeninas partículas de infinito eis que circulam soltas neste mar de circunstâncias, isto que significam os seres diante do eterno que vem e logo desaparece a olhos vistos. Eles, meros acasos suspensos no ar feitos faíscas e pétalas. Folhas esquecidas ao vento. Tempo. Ausências de permanência definitiva. Vazios. Só o estridente senso de antes nas curvas de depois, e nunca mais. Balanço de horas bem guardadas na barriga do impossível no passado inexistente. E nisso, nesse palco de proporções invisíveis, os elementos em queda livre vagam no vácuo; sonhos deixados sob as camadas de matéria orgânica do que foi e o sabor das existências findas.

Meros senhores do inútil, protagonistas circulam de olhos presos nas saudades de ontem que ainda persistem na memória de amanhã, nem existem no entanto, se é que existiram lá um dia qualquer. Vaidades desfeitas nas ilusões e máquinas de incertezas certas, portas abertas ao teto do desconhecimento que permanecerá junto da alma dos que se forem.

Nesses desenhos de giz no azul do céu, vamos nós as alimárias da desconstrução, seguindo a festa da felicidade impermanente sob os passos firmes da Natureza. Mesmo assim, há que trabalhar sempre, aprender, elaborar as palmas da dança do Tempo, pai e criador, escultor das encruzilhadas, dos momentos e acontecimentos, normas e contradições, na escola do único aprimoramento humano.

Autores da consciência de si, dormem debaixo da glória do que viveram e aceitam as aventuras e os jogos, enquanto passa o nada em flor e tudo permanecerá durante a presença dos atores, milenária sinfonia das multidões, ação e mecanismo das possibilidades individuais. Ora são palavras; outras, emoções de não caber dentro nessas pessoas que assistem filmes da existência, e admitem flutuar nas ondas do firmamento. A orquestra executa suas partículas de mistério e adormece suavemente ao carinho dos filhos entre estrelas e naves longes pelo espaço inevitável de estar aqui.

domingo, 4 de novembro de 2018

As luzes do caminho

Que outro ser seremos nós diante do todo imenso que descortina os dias? Pequenas fagulhas em processo de libertação, isto somos já agora ainda menores do que preveem as pretensões humanas. Restos, pois, de natureza que conduzimos vida afora, farnéis de ansiosos sonhos e repasto de gigantes em desafio, olhos abertos ao tudo em constante movimento, tão só observamos os raios de sol que iluminam a estrada de infinitas surpresas e prósperas realizações. Seres consequentes, isto somos, há destinação no que agimos, sempre. Entes dos ideais da Existência, tangemos nossos próprios rebanhos, os pedaços de si e os destinos. 

Tais viajores das ondas do tempo, deslizamos pela história que ultrapassa limites e valores, e queremos usufruir das condições intransponíveis de conhecer a que viemos e sustentar a barca nos terreiros do céu esplendoroso. 


Alguns lançam corpos inteiros na sede do prazer, o que satisfazem de imediato os sentidos. Apreciam excessos e disso têm alternativa. Largam a herança de tempo a que se sujeitam tão só no apego dos instintos. E quem pode julgar, conquanto a isto possuem força de fazer? A quem dizer que ajam diferente, que plantar é colher a pátria do futuro? E o que disséssemos, quem ouviria sem querer ouvir?!

Vez pisar nas leiras do sacrifício e conter os apetites do chão, o que dói e judia, poucos sabem quando a tanto experimentam fazer dessa opção. No entanto veem assim o prêmio das vitórias e as flores da estação daqui a pouco. Raros, contudo, aceitam pagar de bom grado esse preço que lhes ensinam os santos nas suas doações de tudo ao senso único da Iluminação definitiva. Olham de lado, adiam as decisões de vencer a si e dominar o fugidio. Oportunidades as temos, entretanto. Nisto andamos à busca do Sol.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Acalma o meu coração

Esta força exterior e superior a nossas forças, a quem tantos pedimos durante as aflições, e a ela nos dirigimos e imploramos na grande mudança de hábitos desta vida. Ao que tantos, no transcorrer das existências e gerações, dedicam seu tempo por meio das crenças, nos rituais das horas e envolvimento com o mistério, este a quem pedimos de superar os limites aqui do Chão.

Por mais sejam prepotentes, avassaladores, os humanos baixam a cabeça diante do impossível. Naqueles instantes de contrição, revivem as lembranças dos antepassados e oram a seu modo de agora. Quais infiéis arrependidos, confrangem almas sob o peso dos destinos ocasionais, e erguem olhos aos Céus num gesto de humildade por vezes tardia. 

Almas contritas, pedem a Deus que lhes resgatem do que fizeram de aberrações face à liberdade e anseiam desarvoradamente um jeito de transformar os resultados que houveram plantaram. O arrependimento nunca, pois, será fora de hora. A presença de novas esperanças cresce nos horizontes, numa vontade férrea de nascer de novo e usufruir a sorte dos eleitos.

Eis a razão fundamental das religiões e dos sonhos, perspectiva de regressar a construir, desde sempre, as chances perdidas nos eitos da ilusão. E oram, e renunciam, imploram... Desses gestos nasce o fervor de crescer espiritualmente. Pois ninguém aceita o desânimo de só viver e em seguida desaparecer. Há o senso de preservação particular dos que pensam, bichos racionais, os humanos.

E resistir sem luta significaria desistir. Resistir na inteligência, na memória, que representa a faceta honrosa da natureza humana. Daí a busca incessante pelos princípios da sobrevivência além da morte de quantas seitas religiosas. A disposição em nortear os valores morais sob tais conotações e vivências. Preservar o conceito da Lei do Retorno, a quem merece o que receber. Por isso, valor essencial de evitar a desistência e o desespero, a consciência reclama evolução nos conceitos individuais. Sustentar a perseverança dos amores, e distinguir entre sofrer e amar.

domingo, 28 de outubro de 2018

O silêncio do tempo

Das grandes ansiedades humanas, por demais enigmáticas, uma delas é desvendar o futuro. Ao movimento constante de esferas harmoniosas, o tempo transcorre inevitavelmente força descomunal, silenciosa, energia de proporções inigualáveis, e pulsa em tudo, desde as estações do ano ao canto melodioso dos pássaros nas matas. Por vezes em síncopes inevitáveis, surpreende expectativas e acontecimentos, e reverte histórias, condições e valores sólidos. O Tempo, este senhor da Razão, ente respeitado de qualquer cultura, deus poderoso, pastor e dono das prendas e marés, que pare e devora as próprias crias; Cronos, dos gregos; o Sol, a percorrer os céus; Shiva, dos hindus.

Enquanto que recebe e devolve as ações dos indivíduos, exerce seu papel principal no reino da Criação, mecanismo de ação e reação, da Justiça e da Fortuna. Assim, espectadores privilegiados das maquinações do Tempo, dotados de visão e percepção, os humanos tão só transitam diante dos antigos passos, tais atores secundários e obedientes, parceiros desse pai que, da calma aparente dos bastidores, rege dali o tropel cadenciado das horas.

Nisso, resta atender aos ditames do mecanismo ao qual pertencemos, figuras da paisagem, mesmo dotados do furor das imaginações e do desejo, na febre dos frágeis domínios. Poucas interpretações chegam a compreender verdadeiramente o mistério desse autor maravilhoso que a tudo contém. Saberes muitos e os instintos da investigação olham de lado sua presença que significa o propulsor das existências e dos seres. Apenas um solene e suave deslizar de eras, sujeitos e objetos, perpassa o cenário numa espécie de luz que alumia e apaga, a fluir intermitente nas frações, durante o que anotamos  qualidades do que ele deixa existir a cada momento.  

Tempo de que somos parcela e nem disso percebemos com uma total clareza, dele dependentes e repasto; escravos e senhores; moléculas e fragmentos. Luz das almas, pois, o Tempo, de que somos visão e audição, na paz do silêncio contundente e da condição sob que vemo-nos submetidos bem de longe, a ele reverenciamos através das nuvens que cumprem os desígnios da sorte nos painéis do Infinito.