sexta-feira, 31 de março de 2017

Um milagre do Padre Cícero

Seu Chico (Francisco Pereira da Silva), natural de Monte Horebe, na Paraíba, que chegou ao Cariri ainda criança, nos idos de 1944, e com ele trabalhei na Empresa Gráfica Ltda., em Crato. E dia desses, me contou a história seguinte, que tempos atrás presenciou em Juazeiro do Norte.

Morava na Rua Santa Rosa. Logo abaixo, na mesma rua, moravam dois senhores, Zé Ferreira e outro do qual não recorda o nome. Os dois tinham sérias dificuldades de relacionamento. 
Certo dia, o filho desse senhor entrou na casa de Zé Ferreira e fez desmandos, quebrando e espalhando objetos. A mulher de Zé, então, saiu e foi dar parte no Quartel da Polícia, no centro da cidade, onde encontrou o marido e contou o ocorrido.

Zé Ferreira retornou em casa, pegou um pedaço de madeira fornida, veio ao meio da rua e gritava impropérios desafiando o vizinho de quem o filho praticara as badernas. E Seu Chico, de onde estava, observava aquilo tudo.

Nisso, o homem se apresenta de dentro da casa com uma das mãos escondida atrás do corpo. Invés dele vir com a faca pra frente, vinha por trás, para Zé não saber o que ele trazia, pois estava armado.

Ao chegar no meio da rua, quando Zé Ferreira levantou o pau para atingi-lo; naquela hora o velho tratou de lhe feriu de peixeira à altura do umbigo. Na ocasião, embora ferido, Zé obteve tomar a arma do desafeto, e ficou com o pedaço de pau numa mão e a faca na outra. De pronto daria pancada vigorosa no velho, que caiu de quatro bem na sua frente. Sem alternativas, entregue, foi quando ouvi ele gritar:

- Valei-me, meu Padre Cícero!   

Nessa hora, e isso é que achei incrível, Zé, com o pau e a faca nas mãos, sangrando, olhar o velho, que pra matar bastava uma cacetada e aí parar, dar meia volta e subir pela rua. Quando chegava na frente de minha casa, soltou o pau, dobrou a esquina, direção da Rua São José, e ao chegar no meio do quarteirão caiu.

Isto é que impressiona Seu Chico. Diante do calor da refrega, transido
pelo ferimento de que fora vítima, Zé Ferreira haver dominado o instinto de vingança perante o brado desesperado a clamar valimento, o que Seu Chico considera um verdadeiro milagre de Cícero Romão Batista.

quinta-feira, 30 de março de 2017

A vez do gado leiteiro

Valem aqui algumas considerações iniciais de ordem prática sobre a situação dos humanos, que por vezes querem negar. Espécie de pecado que carregam, eles deduzem, quase sempre, que pertencem a um reino independente da Natureza. Que vieram depois apenas administrar o patrimônio criado na sua intenção. Primeiros seres inteligentes, donos de imaginação prodigiosa, ricos em artimanhas, ocupam lugar de evidência perante as forças vivas que comandam e retiram dos fenômenos a melhor parte, isto é, fazem e acontecem acima das melhores considerações, quais senhores absoluto da Criação.


Sim, daí as conseqüências diárias dos desmontes que esses animais pensantes praticam a título de sobreviver e mandar em tudo. Exemplo atual dessa atitude pecaminosa ver-se-á no solo brasileiro. 

A título de abrir espaço e a fim de criar animais bovinos, desde a década de 60 do século XX que desmatam a Amazônia. Ora só, num golpe de aparente racionalidade, aquela geração reduziria a fome que esperava a Humanidade futura. Se tínhamos a vastidão continental de florestas indefesas, sem dono ou tradição, todas elas posses de índios despreparados para lutar contra o ferro e a pólvora, que coisa mais simples seria ocupar o território, comer a madeira das árvores a preço de banana e jogar na terra sementes de capim branquearia, aguardar alguns invernos e produzir carne a ser vendida ao resto dos povos que nem têm mangas de gado?!

Isso assim se fez em cinco décadas. Brasil, celeiro do Universo temporal! A ponto de os bifes de carne vermelha custar na Europa menos até do que em Manaus AM.

Porém também nós, apesar do quanto pesa em nosso lombo, pertencermos aos reinos da velha Natureza mãe, que reclama o preço das imbecilidades vindas de quaisquer âmbitos. Além da pouca finalidade humana que tem a carne vermelha no organismo das pessoas, hoje nos vemos cara a cara com os riscos da indiferença dos mercados em relação à resposta genial da passada geração dos 70. A carne estraga sem conservantes químicos e sujeita os consumidores a usar matéria orgânica estragada.

Há de acharmos solução menos dolorosa e mais consciente, tais os indianos, invés de matar o bicho boi por que não criar a maior bacia leiteira do Planeta?! 

quarta-feira, 29 de março de 2017

Vidas vulgares

Feito rastilho de pólvora aceso dentro da noite escura, o irmão mais velho, em correria de ponta a ponta do bairro afastado, saiu a anunciar que acabara de nascer o novo sonho da família, messias da solidão do povo desconhecido, filho das agruras de pobre, neto de pobre, bisneto de pobre, no entanto dito por Dona Maria Lavadeira que trazia acontecidos inesperados, que daquela vez alguém viria no meio dos humildes de jeito inocente e promissor, esperança nova, porém desejo bem antigo da gente humilde, simples, sem força, de que, consigo, no ímpeto dos heróis, conduziria força suficiente de reviver o amor do povo pela vida.

Igual a tantas e tantas outras crianças, encheu de alegria o lar apreensivo e, um dia pela frente, sabe Deus quando, ao toque inevitável da trombeta da liberação, cobriria dos sinais dos séculos o clamor da salvação dos sofredores...


Tal qual naquele dia daquela noite bem festejada todo ano, cheios de júbilo, parentes e vizinhos alimentaram com vontade a chance de relembrar a tradição, e acalentou bem no íntimo o advento das luzes aos eleitos por intermédio de quem chegava junto deles cercado de carinho e extrema confiança.

...

Nada disso, contudo, outros lembrariam ao retirar o corpo jovem, ainda arquejante, cravejado de balas, do meio das águas do rio turvo, às 22h da crua noite lá duas décadas depois. Olhares eletrônicos dos equipamentos fotográficos disparavam o indiscreto testemunho de registrar a ocorrência policial de rotina. Olhos fitos no absurdo da escuridão, o mesmo menino radiante das histórias alegres estava ali, que agora só carregava consigo herança trágica dos perdidos e das vidas provisórias, interrompido de chofre nos enquadramentos de tráfico das drogas, tentativas de homicídio, entradas na lei Maria de Penha, porte ilegal de armas, etc. Caricatura das inocências sonhadas em dias felizes, lacrava agora a esperança nova, porém desejo antigo de sua gente distante, assustada.  

terça-feira, 28 de março de 2017

Um tempo de máquinas

Nas vezes em que me pego querendo consertar o mundo, a primeira atitude que vem é perguntar se já estou praticando o que desejo que outros o façam. Existem muitos engenheiros de obras prontas, qual dizem. Olham o erro alheio e trazem respostas geniais, porém longe de haver oferecido o exemplo. De receita todos estão de saco cheio. A dissimulação caracteriza o estágio atual da raça, e sobram malandros a entrar no jogo com segundas intenções. No entanto existe limite pra tudo, porquanto ninguém foge da Lei. Impera o poder supremo do Universo, de que duvidam os incautos a pretexto de levar a melhor e enganar os outros.


Desde instrumentos mais simples ao engenho mais sofisticado, em todos os lugares e objetos impera a perfeição interna. Diz o Evangelho cristão que não cai um cabelo de nossa cabeça, ou uma folha de uma árvore, sem o consentimento do Poder Superior. Precisa que exercitemos a consciência maior face ao mistério que envolve os acontecimentos, de tal modo que aceitemos a ordem soberana que tudo rege e domina. 

Na sequencia dos desígnios impostos, doentes de caráter invadem a sociedade com maus costumes e ofendem o funcionamento do sistema, prejudicando a grande humanidade. Entretanto houve alguém que abriu a porta aos vândalos da Ética. Elegeram ou deixam eleger os piores que controlam as instituições e resultados infames tocam dos simples aos doutores. 

Peças de manobras dos crápulas de plantão, as conseqüências significam esse tempo de máquinas que constrange o momento em qualquer lugar da Terra. A preguiça que invadiu o exercício da política, por isso, larga rastros de inutilidade. Endividados sob o peso dos carrões de luxo e construções desnecessárias, os humanos restam agora perdidos nesse mar de ilusão. Diagnóstico no mínimo preocupante em relação ao andamento dos acontecimentos exige providências urgentes da consciência, patrimônio comum de todos nós. 

O voto, valor sem preço, que seria direito sagrado diante dos modos perversos pleiteados por interesse escusos, está agora, no Parlamento brasileiro, sob a ameaça de manipulações e atentados à santa democracia tão duramente conquistada. 

segunda-feira, 27 de março de 2017

Respeito

Um dia, quando o rabino Baal Schem, místico de santidade e reverência entre os judeus hassidistas, convocou Samael, rei dos demônios, a fim de que este cumprisse parte do exercício de certo fenômeno da Natureza, fora indagado:

- Por que me chamas, se sou chamado só nas horas extremas e graves?! E dessas, em apenas três vezes tive de comparecer a fim de cumprir determinações superiores?! Primeiro, na Árvore do Conhecimento; segundo, no levante do Bezerro de Ouro; e, depois, na destruição do Templo de Jerusalém?!...

Naquele instante, o rabi Schem pediu que ele contemplasse a fronte dos discípulos ali presentes, aos quais ordenou que descobrissem a cabeça. 

O rei dos demônios, em seguida, após realizar a função determinada pelo sacerdote, logo tratou de voltar ao refúgio das sombras.

Mas antes de se ausentar, no entanto, solicitaria a Baal Schem que lhe deixasse permanecer durante um pouco mais de tempo a observar a fronte de Deus presente nos seus filhos reunidos diante do místico.

Nisso, foi atendido e se sentiu gratificado com tamanha deferência.


(Nas minhas palavras uma história que achei no livro Histórias do Rabi, de autoria de Martin Buber, Editora Perspectiva, São Paulo, 1995).

sexta-feira, 24 de março de 2017

A luz dos fins de tarde

Quanta beleza! E a força da natureza a tocar de vontade viva o coração da gente. Horas de poesia e sonho, novidades boas de dominar o século, desejos de paz e esperança neste mundo afora. Sentimentos em forma de calma, quando os animais retornam aos apriscos, pássaros aos ninhos e há pura calma no horizonte interminável. Tantos momentos de orientação de revelar o caminho a que raros resolvem seguir. Firmamento em festa acende a luz de fogo nas cores amarelo queimado, melhores quadros das mãos do artista universal. São músicas de amor que invadem lentamente os cristais dos ouvidos, acordes semelhantes ao perfume das flores do poente e das matas.


Instante mais que perfeito de refletir a possibilidade infinita de transformar o roteiro das humanidades depois de quantos equívocos, espécie de descrença filosófica das gerações, no entanto a deixar de fora o poder renovador do instinto de conservação por meio das ações equivocadas. Houvesse agora plena consciência do potencial próprio de todos, e a verdade dominaria o panorama do Planeta tão maltratado. Existisse o mínimo que fosse de sinceridade, os habitantes daqui seriam irmãos e viveriam de jeito igual ao sabor das potencialidades humanas. 

Prova provada do valor da claridade desta ocasião, as pessoas haveriam de imaginar sementes boas neste solo fértil de infinitas oportunidades. Quantos, contudo, olham a si e esquecem os demais, quais inimigos na mesma família, a fugir do dever da solidariedade inevitável.

Nisso ninguém pisaria ninguém. O abraço desta formosura dos nascentes e poentes envolveria de alegria imensa a alma das criaturas e o amor dominaria tudo em volta, abraço de esperança e felicidade. Busca, pois, o diamante da ternura dos derradeiros raios de Sol que aquecem a festa no primor do Bem. Saber ser livre das sombras e manter aceso o clarão dos olhos de Deus que nunca esquecem a perfeição dos dias, pai amigo que assiste silencioso ao espetáculo do mistério. 

quarta-feira, 22 de março de 2017

O pintor grego Apeles

Noite dessas e fomos, Lydia, Sônia e eu, visitar Dulcilene e Landim, na sua residência da Praça da Sé, em Crato. Conversa vai, conversa vem, e ouvi de Landim episódio grego que reflete o quanto é importante o respeito àquilo que diga respeito ao tamanho das capacidades individuais. Cada macaco no seu galho, no dizer do povo.

Em certa ocasião, o pintor grego Apeles expunha suas pinturas, quando delas se aproximou um sapateiro, a observar detalhes mínimos de cada tela. Numa dessas, viu defeitos ligados ao que conhecia através da profissão de sapateiro. Notou que as sandálias de um dos modelos retratados apresentavam deficiências só percebidas por quem conhecesse de perto a arte de confeccioná-las. 

Havia defeitos quanto às proporções de tiras e fivelas, fácil de reconhecer por quem, qual aquele sapateiro, dominasse o ofício do couro. E comentou, mostrando diante dos presentes aspectos deficientes, o que também escutara o autor da obra. Colocava assim uma série de impropriedades nas sandálias pintadas num dos quadros.

Reconhecendo o acerto das críticas, à noite mesmo Apeles voltou ao local dos quadros e tratou de corrigir as falhas consideradas pelo homem. Com zelo, retocou as pinturas, expostas também no dia seguinte.

Ao observar agora que o artista refizera a obra por conta do que dissera, o sapateiro restou eufórico, satisfeito de haver acrescentado sua opinião aos trabalhos. Nisso, de bola cheia, prosseguiu analisando os quadros e foi achando outros detalhes que, na sua visão, poderiam ser modificados, pois lhe desagradavam. Fisionomias, proporções, cores, etc.

Resultado: Apeles cresceu nos cascos e desconsiderou as outras manifestações do sapateiro, vindo daí um brocardo ainda hoje citado nas situações semelhantes, e foi taxativo: 

- Não suba o sapateiro além das suas sandálias. (Que ninguém queira dar palpite naquilo de que não conhece...).

segunda-feira, 20 de março de 2017

Essas crianças

Vontade pura de criar um mundo certo, vagam pelos dias na busca de afirmar a que vieram as crianças. Achar isso tudo fora do lugar já contava na programação dos experimentos da evolução. Rever os quadros e afastar as mazelas se torna dever de quem quer algo novo, novos tempos. Iluminam os lares, ruas e mares. Filmes de super-heróis também somam o direito de transformar. Elas transportam dentro de si o fator determinante do futuro em festa que despontam nos lábios do horizonte. Marcas outras, o que há de mostrar a fisionomia desta Terra da amizade e dos sonhos dos séculos.

No que pesem olhos preocupados dos que deixaram de cumprir a obrigação de oferecer espaço sadio aos jovens de hoje, podem deixar no vão das estradas perdidas ilusões e criar atos que vençam o mal estar da civilização esdrúxula desses malfadados senhores de negócio que só pensaram em si. Agora cabem métodos eficazes de realizar o projeto da história em termos de perfeição. Esquecer o desânimo daqueles outros se torna dever de obrigação. A essas crianças o destino reserva o compromisso de refazer os edifícios da real felicidade.

Chegou o momento de transmitir o cetro de concretizar a bondade neste chão de tantas oportunidades até agora levadas na conversa. Em tese é isto. Os coroas e os mais atuais que preenchem as lideranças quase nada têm o que oferecer em resultados práticos. Dada esta razão, e na firme disposição de não dar por perdida toda a experiência humana, seja no Brasil ou no exterior, eis o motivo de a gente acreditar nas novas gerações. A maré não está pra peixe, é notório. Aonde se virar, existe uma bronca a resolver, com a maioria só pensando ocupar o lugar de mando e querer dominar o pedaço. Então resta crer nas crianças, na intenção de redesenhar o rosto do Planeta e revelar meios de reverter o quadro que as gerações anteriores deixaram, sob pena de mais nada acontecer. E isto ficaria fora de quaisquer cogitações dos que admitem os fins úteis da Criação divina.

As idades

De acordo com Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês, a existência se resume a três fases distintas, sendo estas o itinerário da libertação da pessoa face ao desespero humano. Primeira destas, a fase estética, período em que depara com a beleza e a força da natureza. Época da energia viva dos instintos, usufrui de tudo com o ânimo de aproveitar ao máximo o ímpeto da juventude. Barcos a todo mastro, as ações correspondem desfrutar das oportunidades apresentadas quais senhores absolutos da situação.

Segundo momento, e surge a primeira maturidade, a fase ética, de quando principia compreender a importância dos valores que balizem movimentos pessoais diante do todo social. Estabelece metas de realização profissional, cuidados de sobrevivência e o mínimo de providências no formato das instituições que estabelece: família, grupos, atividades. Já nem tudo poderá ser visto quais meras simples da experiência de viver por viver. Há de firmar postulados que atendam aos desejos, porém sob normas rígidas que lhe garantam a preservação das conquistas obtidas.

E terceiro nível de adequação perante o tempo das gerações, que daí revela a fase mística, consequência dos limites às respostas anteriores. Nem liberdade total do pássaro solto nos ares, nem domínio dos acontecimentos, tais ordenadores dos padrões, na segunda fase. Agora depara incerto o destino que lhe aguarda na próxima volta do parafuso. Nisto, face a face com o desconhecido das horas, apela aos sentimentos de fé e esperança, sentido natural do quanto lhe reservaram as fases anteriores. Eram tão só indicativas do que o impossível mostraria adiante, olhos postos às conseqüências de existir.

Portanto, fases estas fazem referência nítida ao enigma da Esfinge, do decifra-me ou te devoro: Que animal, nos inícios da existência anda de quatro patas, em seguida, em duas, e por fim em três patas? Ele, o ser humano, que engatinhava na primeira infância; pisava nos dois pés num segundo instante; e utilizará de uma bengala a fim de equilibrar o corpo, na fase mística, ou terceira idade.

sexta-feira, 17 de março de 2017

O último reduto da vaidade humana

Pouso de todas as eventualidades, bem ali quando os viajantes extenuados põem piquais abaixo e olham em volta na busca de algum refrigério mais. Enxugam a testa, passam a língua nos lábios ressequidos e estendem vistas ao horizonte que desaparece pouco a pouco nos derradeiros clarões do dia. Chegara sim à estação final do processo vida... Numa total ausência de possibilidades futuras, enfim o repouso em paz, isto é, a vinda de quem viria na certeza de buscar o passageiro do Desconhecido. Ela, a indesejada abra os braços de par em par.


Naquele instante, grau absoluto das relatividades do Chão, aonde foram os dilemas da espécie dos homens mornos? Tanta correria e pouca essência, tanto adiamento e vastas ilusões. Bom, mexe, nalguns juízos ela mexe, pois esqueciam de alimentar a certeza do desaparecimento lá adiante. Gostavam das falcatruas, das enganações de si e dos outros, quais vitoriosos, perfeitos, intocáveis, quando viam passar os despojos dos inimigos e riam felizes, só que vítimas da inevitabilidade. Quais vacinados da eterna dama, no entanto, pareciam imunes a todos os abusos deles praticados. Deixavam de lado o senso da realidade e amarravam a si coleções, apegos de carne, e deitavam e rolavam na cama da ingratidão. 

Claro que, nisto, fustigam a comodidade dos anos de se imaginar sem fim, amém. Contudo o tempo mantém viva a verdade ao pano solto no mastro principal das existências e se engana quem quer, ou pensa que quer esconder-se de quem a que final? Assunto meio de adulto, todavia inevitável. Olhe de frente, meu amigo, minha amiga, que haverá momento de chamar o garçom e pedir a conta. Bebeu, comeu, então aceite o preço do único cardápio.

Escolherá talvez os trajes, ternos, camisolas, ou fitas, da viagem de regresso, e erguerá nos ombros o peso da cruz que carrega, ou joga nos ombros alheios, e subirá a ladeira do Calvário no transporte da imortalidade, talvez ainda preocupado com os frutos e os negócios que armou, ou super alegre diante daquilo que semeou aos atores da mesma comédia. Abraços de paz naquela hora, que ninguém aqui ficará de semente. Examine com carinho e veja o seu merecimento já hoje.

(Ilustração: Angelus, de Jean-François Millet).

quinta-feira, 16 de março de 2017

Notícias daqui de dentro

Reencontrar pessoas oferece meios de reunir os pedaços da gente que ficaram largados pela estrada do tempo. O passado já existira no presente, e hoje virou matéria de memória. Há quem diga que domar o pensamento é controlar o passado. Só que tarefa por demais difícil, mas não impossível. Dominar o desejo significa dominar o pensamento, se não ele nos domina. Então, qual dizíamos, reencontrar pessoas representa isto de escavar a lama do que ficou atrás e trazer às malhas do presente e, quem sabe?, limpar, reaproveitar, organizar, compreender. Por vezes esquecemos as peças deixadas no espaço sem a devida compreensão. Errar vem a ser isso, interpretar de jeito equivocado os méritos, ou enlamear as virtudes. Houvesse o mínimo de bom senso, seríamos autores de outras histórias produtivas, felizes.

Nesse passo, visto corresponder a única existência que somos, e desejar usufruir daquilo que não nos cabe, perdemos direito a concentrar individualidade no sentido da harmonia. Pisamos as costas dos parceiros e viramos o barco da paz. A inveja, o ciúme, os recalques, o medo, sujeitam tomar o comando e jogar a carga da energia de uma vida inteira no abismo da perdição. Precisa de pulso forte, firmeza, a fim de frear os desejos equivocados e nunca romper a ordem de onde estamos situados.

Sofrimento, pois, na visão budista, equivale à irrealização do desejo. O pensamento cria necessidades abstratas e pretende, a todo custo, que estas venham à realidade. O ser pensante, contudo, existe abaixo da ordem universal. Seu desejo conta pouco, ou nem conta. Assim, invés de ver a concretização daquilo que deseja, deve obedecer e aceitar o que lhe aconteça. O que deseja, por isso, equivale à matriz da irrealização. E sofre a consequência dos caprichos irrealizados.Aceitar e amar, eis os instrumentos através de que descobre a realização de Si, portal das melhores alegrias.

Um amigo meu bem que me disse: - Encontrar um amigo nosso do passado e dar-lhe um abraço abre essas perspectivas a novas possibilidades.  

(Ilustração: Paul Klee).

quarta-feira, 15 de março de 2017

Presos numa cápsula

Durante bom tempo privávamos de autores de ficção científica em alerta ao que viria adiante. Era mais uma fase literária. O mundo começava a cores de impossibilidades galopantes. Ainda que houvesse boa vontade naquela geração bronzeada, pesavam-nos as decisões de guerras e desmandos desses líderes à toa que preenchem o lugar de chefes de países sem a menor competência. Sustentam apenas o desastre constante das máquinas e ainda pousam de poderosos, a destruir esperanças através do mercado financeiro. Bom, a gente buscava um jeito qualquer de não perder o sono. Eram músicas, livros, praias, amores, bebidas, drogas, vontade de sonhar intensamente.


A televisão e os celulares jamais anunciavam que eles dominariam o pedaço. Mas queimavam por baixo. A cibernética chegava às cavernas e academias, e invadia os chãos das fábricas. Lojas eram menos do que pontos turísticos dos hoje shoppings alienados. No entanto passávamos pelo tempo quais esses filmes de fotografia que transformam idade em velocidade. A aceleração nem de longe imaginávamos fosse tão veloz. 20 séculos em um minuto.

E hoje cá estamos amarrados por cabos metálicos nesta nave esquisita; de capacetes, máscaras de gás, roupas brilhantes de chumbo derretido, sons reluzentes e profecias indiferentes à sobrevivência da Humanidade.

Já festejamos a prisão da velha cápsula que alguns ainda chamam vida humana, olhos acesos em coisa alguma, porém dotados das mesmas artimanhas que montaram o passado das conquistas, dando continuidade à aventura perante o Cosmos. Os incensos continuam sendo acesos nos pés das imagens necessárias e o coração segue batendo na constante dos inícios. Alguns sinais riscam os céus, entretanto poucos e nenhuns sabem de que se tratam os horizontes. Às vezes contam histórias mirabolantes de seres que passaram aqui e deixaram marcados seus rastros nas pedras.

Lado a lado conosco, outros também atravessam o mar de areia das horas em caravanas dolentes. São nuvens e os únicos indícios de que corre o vento e nada parou. De certeza surgirão dias novos e luzes nas trevas que brilharão para sempre. 

segunda-feira, 13 de março de 2017

Raízes lá no Céu

Pessoas se apegam tanto a conceitos que esquecem a Verdade que estes carregam no ventre. Nisto, são muitas verdades particulares e quase nenhuma em caráter original. Avaliam que só em poder dizer da boca pra fora já sejam proprietárias de todos os palpites. Saem vagando e martelando a realidade, impondo regras absurdas e depondo contra si mesmas. Vadias entre vadios seriam, pois, tais protagonistas os instrumentos deste tempo de tantas ilusões feitas normas determinantes. Ocupam o lugar da autoridade, no entanto longe das mínimas condições. Maquiam o instante de viver e morrem à toa, largadas nas filas imensas que rumam à mediocridade galopante.

Uns até aguentam essas considerações necessárias, outros, porém, mergulham de bico no lodaçal da inutilidade e destroem as chances da maioria das populações de revelar o reino inteiro. Trabalham que trabalham e nada de essencial produzem de encontrar a existência qual sobrevivência do Ser. Saem pelas portas dos fundos, insetos de nenhuma qualidade. Restos dos banquetes antropofágicos, perduram tão apenas a título de adubo da terra em que nasceram e abandonam de inúteis.

Ainda assim têm direito definitivo de sonhar. Padecem da dor no objetivo de encontrar consigo viver as benesses das portas do Paraíso, que se abrem de dentro pra fora, nas raias do coração. Utilizam métodos de busca durante todas as horas do Universo. Pisam as estrelas, vadeiam sobre os oceanos e escorrem nas nuvens ao sabor do vento. Querer explicações lógicas, contudo, sem trabalhar o sentimento, cheira a pretensões incoerentes. Se não plantar, como querer colher de bom grado boas safras?

Deseja explicações do autor de Tudo, então mergulhe o íntimo da alma e traga a pureza que habita o templo da virtude, invés de abandonar à sorte dos errados o que lhe coube produzir. Ser autêntico, por isso, exige atitude certa e firmeza de propósitos. 

domingo, 12 de março de 2017

Acebílio

Numa manhã de sábado, 11 de março de 2017, encontrei Edésio Marques, na Praça Siqueira Campos, em Crato, e dele ouvir algumas histórias que denotam sua capacidade de vidência. Eis uma delas, acontecimento inusitado. Diz que conheceu Acebílio numa das experiências mentais que lhe ocorrem. Não sei se eu ia ao tempo desse moço, no tempo que ele existiu, ao ele vinha ao meu tempo. Eu acho que eu ia ao tempo dele. Era no Crato antigo, e Edésio subia pela Rua Mons. Assis Feitosa, a que vai da Siqueira Campos ao Barro Vermelho. Era ainda sem calçamento. Andava já na esquina da Rua Ratisbona quando encontrava esse moço. 

Foram juntos, conversando, até próximo da Padre Ibiapina, e ele dizia que morava ali, mas via-se apenas uma bodega com uma mesa de açougueiro à mostra, onde vendem carne de criação retalhada. Eu reconheci a casa e avisei, quem mora aqui é um amigo meu chamado Luís, que trabalha na IMAG. E ele disse: Não, eu moro aqui.

Quando chegavam na Igreja de São Francisco, uma outra sem ser a atual, mais antiga, no estilo espanhol com uma cruzinha e uma calçada alta, arrodeada de árvores, pequi ou mangueira. E lá a pessoa desaparecia.

Passados em torno de seis meses, ele viria de novo falar igual à vez anterior. Naquela hora, Edésio, então, resolveu lhe perguntar quem ele era e disse: 

- Meu nome é Acebílio. Vivi aqui. Se quiser saber que sou, pergunte a Evaristo, um açougueiro ali no Mercado.

Na segunda-feira seguinte, Edésio procurou Evaristo:

- O senhor conheceu um jovem branco, de mangas longas de punhos virados ao meio do braço? Sarará, do cabelo pixaim?...

Sem maiores esforços, Evaristo foi respondendo:

- Sim, conheci. Era meu primo, o nome dele era Acebílio. Um boêmio. Gostava muito de farra. Passava as noites todinhas nos cabarés, e morreu de tuberculose. Mas por que, Edésio?

- É que eu encontro com ele de vez em quando, e disse que tem um favor que quer me pedir.

- Pois é meu primo. Ele morreu na casa de Zé Bodocó, numa esquina da Padre Ibiapina. Morava num quartinho lá onde vivia só.

Passados mais uns dois meses, Edésio volta a encontrar Acebílio:

- Falou com Evaristo e entendeu porque quero lhe pedir um favor. Se você olhar pra mim, verá que não sou daqui.

Realmente, quando olhei pra ele vi que seus pés não encostavam no chão. Não tinha pés. Era como se estivesse suspenso numa nuvem. E me falou do pedido que tinha a fazer, e que faria da próxima vez.

Mais algum tempo, ele veio e falou que o pedido dizia respeito a uma mulher de nome Júlia Gato, que era também conhecida de Edésio. 

- Ela trabalha no Alto da Penha, e faz serviço pra minha irmã.

- Pois me faça um favor, diga a ela que quando for fazer jogos não invoque a minha pessoa, que está me prejudicando. Após confirmar que atenderia ao pedido, ainda acompanhou a visagem até a Igreja de São Francisco, quando essa tornou a desaparecer.

No domingo posterior pela manhã, Edésio chegou à casa da sua irmã, onde a tal moça lá estava, e logo entrou no assunto:

- Júlia, você conheceu um rapaz chamado Acebílio?

- Conheci, sim. Sempre que quero ganhar no jogo do bicho, invoco a alma dele e acerto, – a moça de pronto respondeu. 

- É que ele me mandou lhe dizer que não fizesse isso não, porque está prejudicando ele.

Então, após escutar o pedido, Júlia se emocionou, chegando às lágrimas. Adiante, mandaria celebrar uma missa na intenção do moço, na própria Igreja de São Francisco, inclusive com a presença de Edésio, que, no meio da celebração, viu chegar Acebílio, este lhe bateu no ombro e falou:

- Muito obrigado. Um dia a gente de novo se encontra.

(Eu vivi este acontecido e quero afirmar que existe o outro lado. O homem não está só. De qualquer maneira há uma porta que se atravessa, ou vai ou volta, e se comunica com alguém que não é mais deste mundo – Edésio Marques da Silva). 

sexta-feira, 10 de março de 2017

Quantos dias tem um dia

Na medida dos amantes, um milhão e muito mais. Dos torturados da dor, a Eternidade. Às flores, uma única Primavera. Amor, amores, tem um dia. Nuvens de pássaros em migração, uma temporada. O relógio é o coração. As horas que voam, um vulcão em chamas. Luzes na alma da gente, os dias crepitam de bênçãos as saudades guardadas de tanto, que afloram de vez só nas lágrimas das ausências. Quanta vontade mora no instinto de sobrevivência dos seres que se amam e recebem as graças do Infinito através das batidas dos sentimentos, e deitam, e rolam ao sabor das ondas em praias ilimitadas. 

A fronteira de todos os limites revira dentro da alma e pede calma aos instintos de transformação das pessoas em seres espirituais, às vezes em leitos de agruras mil, no entanto porta aberta ao clarão do Desconhecido iluminado. A doçura das verdades que pairam sobre as marcas do Tempo, contudo cheias de esperança, fé, confiança. Gritos de emoções em madrugadas aflitas, porém marcas de momentos novos, modificações de saber que encontrará quem foi antes, de braços abertos a lhes esperar. Nisso a sinfonia dos dias, crepúsculo das horas, rajadas de instantes a percorrer os corredores dos oceanos internos. 

Quem sente usufrui dessa percepção das lides espirituais, porquanto andam noutras paragens além da percepção pura e simples dos sentidos carnais. Vê de dentro o mecanismo da certeza nos sonhos posteriores quando tudo daqui houver seguido o prumo da fumaça e do pó. Admite como existência os valores da imortalidade e tranquiliza os que apenas aceitam perder para sempre os momentos em queda livre. Aprecia a virtude tal oportunidade que produzirá esse direito de olhar além dos objetos e, com isso, vencer a angústia, o desespero, o absurdo. Anota perante o transcurso dos dias a qualidade eterna da alegria entranhada nos mínimos detalhes de existir como poder de revelação do Ser presente em todos nós.

(Ilustração: Vicent Van Gogh). 




terça-feira, 7 de março de 2017

Os deuses de barro

De comum existe uma idolatria dominante nos costumes individuais. Nesse patamar habitam inúmeros patronos da aventura humana. Espécie de escolha permanente, as pessoas postam fichas em valores particulares, com isso encontrando respostas parciais ao grande sentido de existir. Os exemplos variam ao infinito, desde apegos frios a vícios prejudiciais à saúde, quais drogas, alcoólicos, doces, frituras, carnes, refrigerantes, às dependências excessivas a clubes de futebol, sexo, violência, manias e fanatismos vários. Onde está o teu tesouro, aí está teu coração, afirmou Jesus de Nazaré.

Diante, pois, da gama desordenada dos instrumentos que oferece a sociedade global desses tempos, surgiram os meios de comunicação portáteis denominados celulares, ora promovidos a computadores de bolso, brinquedo por vezes nocivo enquanto não encaminhados aos níveis de peças eficazes e valiosas de produção e cultura.

Mas a cada um de acordo com o merecimento, lei infalível da justiça superior; nem sempre os usuários dispõem da consciência desenvolvida a utilizar com sabedoria os recursos da civilização. O que poderia servir de equipamento de aproximação sadia entre os seres humanos incorre no grave risco de reunir escórias e destruir a boa comunicação, arrastando consigo, inclusive, conquistas morais imprescindíveis à boa convivência. 

Nisso afloram as limitações do momento, fase intermediária que requer maior consciência. quando solitários agem dentro de princípios éticos desnecessários. A ausência é atrevida, qual diz o saber popular. E na conta de utilizar o instrumento poderoso da comunicação de forma a ocorrerem as audácias da clandestinidade. Quantos e quantos atentados ao pudor vêm sendo cometidos nas tais situações de isolamento. O que ninguém imaginaria, afloram instintos e perversões, gerando maldades multiplicadas. 

O que antes dar-se-ia apenas esporadicamente no escuro das solidões, agora impera também nos presídios e nas masmorras, provocando o poder das trevas entre os repastos da cidadania permitida. São deuses eletrônicos que investem contra o inventor, alarme rude e interrogativo das novas esfinges: Decifra-me ou te devoro.