domingo, 31 de janeiro de 2021

A leveza dos corações em festa


Às vezes, me pergunto que sentido há em tudo, a que esse tudo propõe diante da eternidade das existências. Isso que representa a justificativa dos elementos em ação, a causa do movimento intermitente de estarmos aqui, enfim. Isto de que o juízo reclama de explicação. O princípio e o fim, sequência natural de acontecimentos. Espécie de tambor incansável ressoa no coração; no cérebro, circuitos elétricos de corrente contínua registram, sem cessar, o conhecimento; pensamentos persistem resistentes na visão cinematográfica a que, por certo, existem e existimos, dentro e fora do mistério das formas e cores, sombra e luz; o porquê e o por quê dessas funções nas quais somos atores, aprendizes e expectadores...

Espécies que se alimentam do próprio voo, tangemos passos nessa estrada feitos rebanhos que assim o seremos, de uma só família, talvez inocentes, insistentes, fieis de credos mil, no entanto aqui, olhos postos na cena posterior, incansáveis e uteis de realizações que somem à medida de um tempo que nunca passa e nunca para de passar. 

Nisso, a força inevitável deste poder sem par que sustenta os barrancos do firmamento, damos nosso jeito de aguardar sempre a alegria de estar vivos na próxima cena imaginária. Buscamos inevitavelmente ser felizes, pois alimentamos o desejo mais forte do sucesso naquilo que queremos e sonhamos do melhor a todo instante. Máquinas exóticas de uma criação sofisticada, tocamos em frente essa história da qual fazemos parte, todavia artesões de tapetes silenciosos ainda longe de conhecermos suas reais finalidades, nestes céus ilimitados.

Barcos livres na correnteza da sorte, abraçamos as horas e nos acreditamos autores de nossos próprios destinos. Ah, esquecemos o desconhecido que rege a orquestra que trazemos guardado nalgum lugar de nós mesmos o sol, anônimos personagens de nossos dias de viver, conviver com isso que agora bem representa o que caberia exercer sob o manto deste Ser que tece harmonioso seu segredo e avalia os resultados do que fazemos de nossas almas livres, na peleja inevitável de um dia despertar noutro universo de absoluta perfeição.


sábado, 30 de janeiro de 2021

Fideralina Augusto Lima - Por: Rejane Monteiro


Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso, sem dúvida, é o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio, são extensões de sua vista; o telefone é extensão da voz; depois temos o arado e a espada, extensões de seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação
. (BORGES, 2011, p.11)

Distante, até onde minha mente alcança, vejo o seu olhar sisudo e irrequieto, um sorriso pequeno e triste. Vestido comprido, xale com franjas sobre os ombros, sentada numa cadeira de balanço no alpendre do Tatu. Bacamarte do lado e um outro adiante, no peitoril da janela. Fogueira ardendo no terreiro, um pouco distante da casa, iluminando desde os menores movimentos dos cabras armados, com cartucheiras atravessadas ao peito, ao dos negros escravos que procuravam abrigo na senzala. Ali faltava Ildefonso, há pouco tempo falecido. "Ali estavam seus doze filhos, os mais velhos com 23 e 22 anos de idade e os menores com 6 e 8 anos" (CEARÁ, 1877). Ali, o alvoroço de pensamentos, planos e incertezas, a sacudirem a paz e o silêncio de Fideralina.

Difícil imaginar a nova face do seu ego em eclosão, até então latente. Como animal acuado, que rompe a corrente que o prende, tem ânsia de luta, tem garra, tem coragem para enfrentar a situação que a surpreende. Tem visão e sensibilidade. Mãe e educadora exemplar, prega aos filhos o respeito e o acatamento às determinações, que deveriam nortear sua conduta. Projeta-se neles, mantendo-os nos melhores colégios e cursando a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, filho e neto, enquanto inicia os menores nos bancos da escola na vila e cidade de Lavras. Elege-os deputado provincial, deputado federal e deputado estadual. Reveste-se de mulher política. Destaca-se no cenário do Estado por influência do voto dos comandados, que alimenta seu prestígio no Governo, fortalecendo a liderança política em Lavras e no centro-sul do Ceará. Os chefes dos municípios, seus pares, "andando sempre armados, vários deles, onde quer que estivessem ou aonde quer que fossem, acompanhavam-se de cabras, igualmente armados, para os quais, nas próprias residências dos coronéis, havia dependências reservadas" (MACEDO, J., 1990, p. 37)  "Como verdadeira coronela do sertão, tinha que andar armada e protegida por gente guerreira. Também, devia dispor de um arsenal de armas e grande quantidade de munição" (PAIVA, 2008, p. 71).  Assim, reina no grande feudo que recebera de herança do pai e do marido, conseguindo manter-se no poder político por força das armas. Punhal e bacamarte, extensões do seu braço, sabia usá-los, para defesa, como ninguém. Leal com os amigos, impiedosa com os inimigos, imprime deferência e autoridade, gozando da confiança dos influentes e poderosos coronéis. Em seus embates, sucessivas vitórias. Não viu o fim da oligarquia que implantou, por sinal, uma das mais duradouras do Ceará. Desse modo, "não entrou na História por grandes desafios e conquistas em tempo curto. Entrou, sim, porque participou das lutas pelas transformações políticas e sociais do Ceará durante sua longa existência". (GONÇALVES,1991, p.31)

"Aos 16 dias do mês de janeiro de 1919, faleceu em sua residência, na rua Major Ildefonso, cidade de Lavras, Dona Fideralina Augusto Lima, viúva  do Major Ildefonso Correia Lima" (CEARÁ, 1919). Falecida aos oitenta e sete anos, recebeu os sacramentos da Santa Igreja. Seu cadáver amortalhado em hábito preto, foi sepultado no cemitério público de Lavras, conforme termo assinado pelo Vigário Monsenhor Meceno Clodoaldo Linhares.

Um século com a memória de DONA FIDERALINA AUGUSTO LIMA

A figura de Fideralina perdura no tempo, na memória coletiva de várias gerações e atravessa um século. Certo é dizer que continua mais intensamente entre nós, mostrando-nos a evolução dos fatos históricos, dando-nos testemunho do papel de mulher guerreira que se destacou na sociedade machista e patriarcal. Depois de um século, ainda se procuram respostas e razões para uma vida cheia de surpresas e contrastes, de atitude subversiva em torno dos costumes da época em que viveu.

Com inteligência e sabedoria, passa aos filhos e netos o bastão da caneta, e deixa como legado o estudo, a literatura, o livro, extensões da memória e da imaginação. "O bacamarte e a caneta ela os transmitiu para os filhos e netos, mas o cruzamento desses objetos e símbolos do poder tornaram-se também a representação do Município de Lavras". (MACEDO, D. 2017, p.146)

Por que, nesses cem anos, mais livros registram sua história, mais histórias são criadas pelo imaginário? Surpreendente o número dos que buscam compreendê-la e estudá-la nas rodas acadêmicas, nos grupos de pesquisa, em monografias. "Extensas são as crônicas históricas ao seu respeito desde Raquel de Queiroz a Cego Aderaldo, que escreveram e cantaram suas aventuras e bravuras por todo Nordeste brasileiro" (COUTO, 2018 p. 27). No ano de 2013, o III Cariri Cangaço, capítulo de promoção periódica da Sociedade Brasileira do Cangaço, incluiu em sua programação oficial uma visita ao Sítio Tatu. "Essa entidade de pesquisa antropológica, envolveu nesse ano de 2013, estudos da força marcante de Dona Fideralina Augusto Lima, a matriarca da família Augusto, nos capítulos da ancestralidade cearense". (MONTEIRO, 2016, p.117). Que o diga Dimas Macedo, a disputa de memória em torno de Dona Fideralina Augusto está ainda começando. É fato que já existem trabalhos fundamentados em pesquisas e tradição, que têm preenchido lacunas no seu conhecimento, como é certo que é inseparável sua história das lendas e fantasias criadas com seu personagem. Enfim, todo o conhecimento que se tem sobre a líder política singular dona Fideralina é assaz pequeno diante do que representa o desconhecido. Mas temos a esperar e veremos, por estudos científicos, "às luzes da Ciência Política e da Sociologia Política" (MACEDO, D. 2017, p.166) que sua memória viverá em outras gerações, por mais séculos, também consagrada nos livros que hão de vir.

"Dona Fideralina, ainda hoje, anda na boca dos cantadores". O folheto de cordel e a cantoria têm consagrado seu nome e sua história ao longo do século. Não poucos poetas repentistas têm cantado sua memória e levado aos admiradores da Literatura, com a riqueza de expressão própria de cada um, o encanto de uma vida que deixou marco no final do Século XIX e início do Século XX. Rimas e versos da poesia popular imortalizam o nome da mulher guerreira que hoje compõe o lendário cearense: "Tudo era cronometrado/ não fazia nada à toa/ carrasca para os inimigos/ para os amigos era boa/ insultada era uma fera/ outros diziam que ela era/ uma rainha sem coroa" (TELES, 2013, p. 5). É do poeta Geraldo Amâncio: "Desse clã uma mulher/ é o vulto mais notável,/ de uma resistência incrível,/ de bravura incomparável,/ é Dona Fideralina/ uma força feminina/ até hoje inigualável" (AMÂNCIO, 2018, p.5).

Quanto a sua descendência, sente-se feliz e orgulhosa de fazer parte dessa grande árvore, desse complexo imenso de filhos, desse corpo vivo, secular: família Augusto Lima, árvore de raízes profundas. Sua descendência, por longo tempo, ocupou Cadeira de prefeito municipal de Lavras e tem ocupado nos diversos municípios nordestinos, assim como sempre ocupou e ocupa na Câmara Federal, Estadual e Municipal, além do Senado, e  com destaque no meio artístico, científico e intelectual. Numa demonstração de fidelidade aos anseios da Matriarca, há cem anos falecida, seus descendentes têm tido consciência da responsabilidade de ir repassando às gerações que surgem o bastão da caneta e da política.

Fortaleza CE, jan. 2019.

Rejane Monteiro Augusto Gonçalves

BIBLIOGRAFIA

AMÂNCIO, Geraldo. Fideralina Augusto: a matriarca de ferro. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2018, 21 pp.

BORGES, Jorge Luis, 1899-1986. Borges, oral & Sete noites/Jorge Luis Borges; tradução Heloísa Jahn.  São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

CEARÁ. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO. Certidão [de] Inventário [de] Ildefonso Correia Lima. Emitida em: 15 set. 2000. Cartório de Lavras, 1877. Processo n. 31, Pacote n. 13. Inventariante: Fideralina Augusto Lima. Inventariado: Ildefonso Correia Lima.

COUTO, Cristina. A Tragédia de Princesa: o caso Ildefonso Augusto de Lacerda Leite. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2018, 183 pp.

GONÇALVES, Rejane Monteiro Augusto.  A Vocação política de Fideralina Augusto Lima, Fortaleza: IOCE,1991, 37 pp.

CEARÁ. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO. Certidão [de] Inventário [de} Fideralina Augusto Lima. Emitida em: 15 set.2000. Cartório de Lavras, 1919. Inventariante Gustavo Augusto Lima. Inventariada: Dona Fideralina Augusto Lima.

MACEDO, Dimas. Dona Fideralina Augusto: mito e realidade. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2017, 181 pp.

MACEDO, Joaryvar. Império do Bacamarte. Fortaleza: Casa de José de Alencar Programas Culturais-UFC, 1990, 274 pp.

MONTEIRO, Emerson. Histórias do Tatu. Crato: Gráfica Ideal, Cajazeiras PB 2016,154 pp.

PAIVA, Melquíades Pinto. Uma matriarca do Sertão: Fideralina Augusto Lima (1832-1919), Fortaleza: Livro Técnico, 2008, 156 pp.

TELES, J. História versada sobre Dona Fideralina Augusto Lima. Lavras da Mangabeira: Edição do autor, 2013.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Os novos caminhos desta humanidade


Avanços sem par foram obtidos durante essa história que ficou atrás. Quando menos se esperava, houve um impacto, tempo de repensar tudo. Aparentes seguranças vieram abaixo desavisadamente. As instituições foram postas em alerta máximo, face aos desafios de sobrevivência que ora vivemos. Um vírus proveniente de países da Ásia pôs por terra a sabedoria inteira acumulada de milênios. Diante disso, há que organizar todos os propósitos, isto de maneira coletiva, incluídas também parcelas até então relegadas aos segundo e terceiro planos. São afirmações de que não restam mais contestar, pois.

Vimos agora o quanto importa haver uma perspectiva ampla de soluções dos principais problemas da Humanidade, gesto inevitável de estabelecer linguagem abrangente, indiscriminada, efetiva. Largaram de lado longos períodos jogados fora. E repensar, dentre os segmentos, a redistribuição da renda do Planeta, utilização igualitária das fontes naturais e a realocação de recursos supérfluos aos meios de sobrevivência. Unir povos e pessoas em volta dos esforços comuns de trabalho e organização. Reavivar as virtudes humanas quais fatores essenciais de práticas morais imprescindíveis, quais a honestidade, a justiça, a fraternidade, a união longe que seja das restrições de pensamentos e sentimentos, conquanto a hora exige muito mais maturidade e senso crítico do nunca antes.

Já ficou na poeira o egoísmo dos grupos, as fronteiras nacionais, o monopólio de bens e serviços; tecnologias e patrimônios exclusivos; Ciência e equipamentos. Tempo de verdades puras, transparentes; hora de realidade e firmeza, sob o comando das lideranças fieis aos novos princípios e valores pouco adotados no passado. Um tempo de esperança e paz. Isto a ser repensado com máxima urgência, face à gravidade com que nos defrontamos, razão prioritária de preservar a espécie e o chão onde vivemos, fora outros questionamentos a não ser geração de trabalho, gestão e estruturação da sociedade em outro e coerente prisma.

A isso prepondera o crédito às novas lideranças, competentes e eficazes, no combate das limitações, após tantos impasses na saúde pública e no limite das expectativas positivas. Qualquer ser humano, a esta ocasião, verá, de sã consciência, o quanto significam medidas valiosas a favor de todos, porquanto sabemos do esgotamento dos métodos arcaicos que prevaleceram até aqui, da ganância, do totalitarismo político e do colonialismo cultural que tomaram de conta dos panoramas mundiais então debaixo de pesadas nuvens. 

De forma crucial, extrema, haveremos de vencer esses dias proféticos e achar as respostas ideais de uma época evoluída, aonde os seres humanos deixem de lado a ferocidade das guerras e desvendem as portas da percepção da qual falavam os livros e os sonhos no decorrer dos dias de escuro. Tempos melhores vêm chegado, a depender tão só das nossas próximas atitudes. 

(Ilustração: Náufrago, de  Robert Zemeckis).



A raiz da compreensão


Se ele me aparece como sendo árvores e montes / E luar e sol e flores, / 
É que ele quer que eu o conheça / Como árvores e montes e flores e luar e sol.                                                   Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

O propósito de encontrar respostas verdadeiras significa motivo de sobra de viver, isto bem provado durante as escavações realizadas mundo afora nas muitas culturas antigas. Saber a que viemos e o que já localizamos deste universo eis o senso do absoluto que aflige os humanos. Dalgumas conclusões, restam respostas apenas materiais, onde tudo se transforma incessantemente até desaparecer.

Isso do anseio de achar definições da inteligência alimenta o desejo de acalmar o instinto dessa busca. Ela reúne pedaços de interpretações e justifica o processo das existências. No entanto, ainda que aceitemos nossa participação na obra da Criação, aonde, de que jeito, iremos identificar o Criador? Os místicos admitem que na humildade, princípio de compreensão, isto que aos materialistas assusta sobremodo, porquanto não admitem um poder além da matéria.

Bom, localizar o aspecto positivo da imaginação e trabalhar a concentração mental disto resulta ganhar força interior no decorrer desses tempos literários. Reconhecer tal consignação e tranquilizar a memória hoje representa a função principal das tantas escolas e tantos autores.

Contudo seria isso tão só chegar a um deus de máquina, de maquinações intelectuais, enquanto existirá todo aparato de forças e movimentos que reclama maior significação de quem criou e mantém o Universo inteiro, e passa ao largo do pensamento humano. Daí o instrumento necessário da oração, de quando falamos através do pensamento com o sentimento, sendo esta a matriz dos níveis mais elevados da compreensão humana.

Vejamos, pois, ser Deus imanente e transcendente, matriz da perfeição, somos, por isto, início e fim do verdadeiro buscador que há em nós. Falar de si em Si, a si. O Reino de Deus em todos, no momento mais raro da Criação, quando nos transformaremos de criatura no Criador, campo donde virá a luz por meio da Origem de tudo quanto há nas existências.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O despertar de si mesmo


A busca da totalidade, eis o sentido de tudo quanto há nos seres humanos. Reconhecer que somos a consciência em movimento, e que dispomos de duas alternativas, de um ser material, o ego, e de um ser espiritual, o Si Mesmo, ou consciência mística, habitando em nós resume toda a História durante as mais variáveis experiências. Ao que compete discernir? Identificar os meios de reunir em um só tais dois lados, a isto que Carl Gustav Jung denomina Processo de Individuação. Enquanto o ego divide a fim de reinar neste mundo de matéria, há em nós o aspecto transcendente, um Eu Superior, ou Si Mesmo, que representa o senso da perfeição, a que Jesus faz referência ao dizer que somos deuses e não sabemos. Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Coríntios 3:16.

Durante todo tempo das existências, trilhamos a estrada dessa revelação individual, motivo para o qual desenvolvemos novas potencialidades. Aparentemente simples, porém o ego, no uso de suas atribuições do pensamento, senhor que seja de um domínio parcial da personalidade, trabalha sem cessar a que aqui nos mantenhamos ao máximo tempo enquanto não desvendarmos a porta e sair ao outro nível de percepção. 

O conceito aparece em numerosos campos e é encontrado em obras de Carl Jung, Gilbert Simondon, Bernard Stiegler, Friedrich Nietzsche, Arthur Schopenhauer, David Bohm, Henri Bergson, Gilles Deleuze e Manuel De Landa. 

Na psicologia junguiana, também chamada de psicologia analítica, expressa o processo em que o “eu” individual se desenvolve a partir de um inconsciente indiferenciado. É um desenvolvimento do processo psíquico durante o qual elementos inatos da personalidade, os componentes da imatura psique e as experiências da vida da pessoa se integram ao longo do tempo em um todo, onde funcione bem: centralizar as funções a partir do ego em direção à autorrealização do si-mesmo  Wikipédia

Destarte, somos os artífices de nossa mesma libertação, e a isso dispomos dos instrumentos por demais necessários à identificação e libertação neste mundo só transitório onde agora vivemos.


Algumas reminiscências do Cariri


Esta zona geográfica do Cariri cearense bem que tem merecido os cuidados da historiografia brasileira. Desde o século XIX, brilhantes pesquisadores dedicam estudos aos acontecimentos regionais, a exemplo de João Brígido, Irineu Pinheiro, Padre Antônio Gomes, Figueiredo Filho, Otacílio Macêdo, Joaryvar Macedo, dentre outros não menos valiosos e dedicados, os quais marcam sobremodo uma catalogação criteriosa dos eventos desta parte de mundo. A capitanear, na atualidade, o registro dessas ações da História da região caririense, existe o sexagenário Instituto Cultural do Cariri, órgão editor da revista Itaytera, considerada repositório que preserva a antropologia, a historiografia e a literatura autóctones, isso a partir da década de 50 do século que passou.

Já agora, em volta do ICC, ressurge nova geração de esmerados historiógrafos, sucedâneos daqueles que iniciaram a preservação desses registros históricos.  Vêm se destacando nessas ações, com artigos e livros, Heitor Feitosa, Roberto Junior, Armando Rafael, José Flávio Vieira, Cristina Couto, Dimas Macedo, João Calixto Junior, Jorge Emicles Paes Barreto, Rejane Augusto, jovens de exímia pena e olhos atentos aos mínimos detalhes, além de investigadores eméritos dos documentos originais que testificam o desenrolar de tantos e importantes feitos das gentes em nosso território desde suas origens.

A propósito, está em minhas mãos, recém lançado, o livro Algumas reminiscências do Cariri, da autoria de Armando Rafael, edição A Província, Crato, Ceará, 2020, sobre o qual nos propomos tecer aqui algum comentário. Trata-se de compêndio imprescindível a quem deseje mergulhar nos vários episódios dos tempos históricos, desde a Revolução Republicana de 1817, perante a participação efetiva de alguns dos seus personagem mais destacados, tais o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro e o caudilho Joaquim Pinto Madeira, além do enfoque de outros nomes que também gravitam em torno deste interior, Dr. Leandro Bezerra Monteiro, o varão católico; Dom Francisco de Assis Pires, segundo bispo da Diocese do Crato; e Dom Newton Holanda Gurgel.

A qualidade literária do que produz Armando Lopes Rafael merece destaque, assim como o seu talento na abordagem dos estudos históricos, indo a mínimos aspectos naquilo que investiga, gerando uma produção ao nível do que existe de melhor nas nossas letras. Só tenho, pois, a título desta oportunidade, que louvar o mérito cultural caririense de contar tantos e tão bons autores nas suas letras.


domingo, 24 de janeiro de 2021

Palavras positivas II


Sei que poucos leem, nesses tempos acelerados e maquinetas impacientes... Há mil jogos nas mãos que imaginam o que querem e buscam desesperadamente aonde possam encontrar o que mais pretendem... Por isso, a gente que escreve tem de se conformar em ler o que escreve, ainda que sozinhos, nessa multidão informe, independente do que outros possam fazê-lo, pois escrever significa gesto puro de deixar que o fluir do tempo não passe tão ligeiro e que dele possamos guardar algo precioso dos pedaços vivos da vida que experimentamos dos pedaços de nós, rescaldos e pensamentos apressados, secretos. Escrever, sobremodo, representa bem isto, juntar gravetos secos de palavras em feixes de recordações, vontade insistente de querer o eterno que vem de dentro do coração e some nas curvas do destino; quem sabe?, até dividir desse tão pouco de formas e sentimentos.

Bom, e quando vêm as frases, elas ficam ali forçando a porta da consciência na firme certeza de que a gente atenderá seus pedidos e passaremos adiante desejos fortes de repartir da alma o que lhe anima, em querer que outros o saibam. Palavras, ah, palavras!, quanta beleza no hálito doce das realidades internas. Lembrar que tudo resume o domínio da esperança e da fé, na ânsia incontida do dizer aquilo que, agonizando, repousava nas praias instáveis do presente.

Dias e dias sem par nisto de aguardar o pouso e chegar ao território da permanência absoluta diante do Universo apressado. Àquele pouso das águias, dos mistérios, lá onde mora o definitivo de pessoas e objetos, ideias e firmamentos, numa velocidade constante. Aonde reuniremos nós conosco próprios e, certo dia, lamberemos as feridas da experiência, laços da Eternidade e repastos desse chão. Saberemos, enfim, o quanto nos custou crer firmemente na condição de artífices da sorte e chegaremos impávidos ao colosso das horas. Depois de tudo, pois, dormiremos em paz, condição inevitável de sonhar os melhores sonhos e vivê-los com igual intensidade nas luzes do amanhã tão esperado.


sábado, 23 de janeiro de 2021

Benigno Aquino


Há uma história que presenciei à distância, através dos programas de televisão. Isso no tempo em que Ferdinand Marcos era ditador nas Filipinas. Seu principal adversário político, Benigno Aquino, se achava ausente, em exílio auto-imposto nos Estados Unidos, quando decidiu que regressaria à pátria, então vítima do totalitarismo e submetida a duras penas de exceção. Nisso, Aquino embarca em avião comercial com destino às Filipinas. Junto dele havia jornalistas, cinegrafistas e testemunhas outras que o acompanhavam naquele voo de regresso, isto face ao grave impulso do líder perseguido pela ditadura de reaver a normalidade da nação. 

Era dia 21 de agosto de 1983. Durante o voo, houve entrevistas gravadas, fotografias, diálogos, tudo registrado sob os olhares da mídia internacional. Todos admiravam a atitude extrema daquele homem de feições tranquilas, olhos vivos e corpo franzino, que manifestava intenso o amor pelo seu povo, mesmo ciente dos riscos que atravessaria ao desembarcar, porém firme de sua decisão. Por tudo aquilo, pairava clima de incerteza e temor.

Daí, as cenas seguintes: O avião no solo; aberta a porta do desembarque; providências outras; de cima, trajado de branco e com uma bolsa de bagagem a tiracolo, as câmaras lhe gravariam os instantes finais de vida. 

Logo que pisou ao chão da querida pátria, vemos ser abordado por figuras truculentas e levado em direção a uma viatura militar. Foram as derradeiras imagens do político. Nunca mais dele haveria notícias, a não ser daquele momento, d que fora eliminado ali mesmo, mártir da coragem de permanecer fiel ao povo que tanto amava, que mereceu o seu sacrifício nas garras perversas do ditador, a quem a História não pouparia justiça.

O Dia de Ninoy Aquino é um feriado nacional que ocorre nas Filipinas, anualmente em 21 de agosto, comemorando o dia da morte do ex- senador Benigno "Ninoy" Aquino, Jr. Ele era o marido de Corazón Aquino, que mais tarde se tornou presidente das Filipinas; eles são tratados como dois dos heróis da democracia no país. Seu assassinato levou à queda de Ferdinand Marcos em 25 de fevereiro de 1986, através da Revolução do Poder Popular. (Wikipédia)


A dor e o menestrel


Lemos em algum lugar história triste de um palhaço que perdera a esposa e se achava na condição de comparecer, no mesmo dia, ao picadeiro de um circo e fazer rir a platéia que lotava o espetáculo aonde tantas outras apresentações levara a efeito em condições satisfatórias.

No momento em que todos gargalhavam com desempenho magistral nunca antes presenciado pelo distinto público, dentro dele fervilhava a mais pungente amargura e desciam lavas amargas de dor, disfarçadas com maestria pela máscara que cobria o rosto banhado de lágrimas.

Enquanto alegria sem igual naquela hora contagiava os espectadores, no peito do homem ardia crise sem precedentes, propósito de quem conduz vida de quase nada pode exprimir da veraz realidade que impera no ser, por força de produzir emoções nos outros lá de fora.

A situação descrita, mudando o que merece mudar, caberia feita luva na circunstância que se verificou em Crato, quando, no Espaço Navegarte, assistíamos a uma apresentação musical.

Lá no palco, o cantor pernambucano Geraldo Azevedo, voz e violão, que oferecia a numerosa platéia bela música do seu repertório, boa parte de própria autoria. Aplausos efusivos animavam o clima ameno do lugar, evidenciado nos flashs constantes dos fotógrafos a registrar o acontecimento, entremeados de relâmpagos insistentes que clareavam o céu escuro à distância, cenário detrás do palco, para as bandas da Ponta da Serra. 

Isso se manteve ao ritmo das letras e cordas afiadas do instrumento bem praticado, nas sombras chuvosas da noite caririense.  

Duas ou três canções antes do término da cena, porém, nas falas com que ilustrava os intervalos das canções, o músico comunicou aos presentes que, na véspera daquela data, ocorrera a passagem de sua genitora desta vida para a outra, pondo-se, logo depois, a interpretar uma composição de autoria dela, refletindo na voz o sentimento que se pode imaginar de filho em situação semelhante.

Ao lembrar os detalhes disso, nos vemos emocionado a refletir quanto à condição dos artistas e sua proximidade com multidões desconhecidas, vínculos que se estabelecem no decorrer da existência coletiva. Enquanto dentro de si lhes sacodem no peito um coração quantas vezes macerado pelas guantes imprevistas do destino, repassam, igualmente, a imagem de quem habita condomínios eternos da mais pura felicidade. 

Missão semelhante, a exemplo do palhaço de que falamos no início, uns dançam, riem, se divertem. Outros padecem, representam, dissimulam. De íntimo transtornado pelos ardores do sofrimento de perder a mãe querida, o músico prosseguiu com a função até o fim, debulhando versos e notas, na batida intensa do expressivo violão solitário, ausente das convenções deste mundo. Isso tudo em nome do amor ao sonho da arte, herói sobranceiro da magna inspiração, porquanto o show haverá sempre de manter o curso ininterrupto ao âmago dos corações em festa.         


sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Ânsias de liberdade


Desde sempre que vem sendo assim, de querer além de tudo permanecer intacto o espaço entre os dois pontos, aqui e o que virá em seguida sem sombra de dúvidas. Isto é, a iniciativa humana de liberdade dá sequência interminável ao passado e mesmo então se desfaz no correr das circunstâncias. E nem por isso haverá desistência, jamais. O impulso de salvação desse estado de constante desaparecimento ao final, transcorridos séculos de busca, triunfará na satisfação de revelar a si mesmo nalgum lugar.

A vontade, instrumento de continuar os dias, sustenta, pois, o senso das agruras de vencer o tempo e ganhar a doce Eternidade qual prêmio, após o embate de nós com nós mesmos, ausências de certeza, no entanto. Heróis dos sonhos, guerreiros invadem o palco do momento e permanecem de olhos fixos no firmamento lá distante. Nutrem a firme certeza que consigo será diferente do que sempre antes. Sustentam o instinto implacável da sobrevivência e manejam com qualidade armas de combate. Ninguém nunca viverá de tudo quando as determinações fixaram o prazo das expectativas.

Conquanto em sendo de tal modo, no entanto, a arte é inevitável, sustenta o embate do inútil e do desaparecimento, cruel epopeia das horas. Almas gritam carinho, esperança, amor, sóis e luas de enlevos, saudades mil e céus de felicidade, por milênios afora. Na beleza desse universo ensimesmado, tangemos o carrossel das verdades provisórias que carregamos no peito. E sorrimos, e cantamos, e vivemos.

A constância desse itinerário de tantos nos deixa extáticos, luzes na imensidão que iluminam a História. Costumamos alimentar o barco dos desaparecimentos num ritual de sacerdotes e religiões secretas, guardadas no coração das pessoas. Nesse ritmo das existências, muito mais que meros atores da contemplação dos finais inevitáveis, agimos e damos voz ao silêncio adormecido dentro do presente, e que some ligeiro nas asas frágeis do futuro. 

(Ilustração: Papiro egípcio).

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Escravos da ilusão


Aqueles que deixam de lado as chances várias da libertação... Agarrados às amarras dos sonhos perdidos, aceitam de inopino garras acesas nos braços estreitos do destino ingrato. Deixam cair a guarda e jogam tudo na roleta do inútil, longe das malhas e das possibilidades sadias. São muitos esses zumbis inocentes, vendidos nos mercados do Chão. Vagam soltos nos porões dos navios do desespero... Olham as alimárias tangidas pelo desertos feitos de hostilidade a céu aberto, repastos de abutres vigilantes aos derradeiros raios do sol, naqueles lugares distantes de qualquer vontade, porquanto abandonaram o desejo sadio de si mesmos ao léu da própria solidão. 

Noites a fio, deixam que os dias fossem carcomidos pelas drogas, corrupção, velhacarias outras, quais nunca soubessem aonde ir diante das feras que os devoravam vivos todo tempo, no escuro das estradas da morte. Vítimas das próprias escolhas, atiram aos precipícios o pouco que transportavam na matéria de que são feitos e largados fora, quais infiéis depositários. 

Instrumentos, pois, da madrasta feiticeira, viram contradição neste mundo temporal, enquanto só admitem o prazer, tal razão fundamental do que estejam aqui a correr da felicidade ansiada de tantos. No cerne dessa questão humana, vivem a incerteza e as contradições da história de injustos e insanos a usufruir da sorte, e aceitam perder o jogo, em face dos limites da compreensão que carregam consigo. Fogem dos atos numa espécie de suicídio, na destruição da saúde, na ausência da esperança e no abandono aos carrascos da estupidez destruidora.

Somam continuados fulgores da carne ao apagar contínuo do aparente, quando, na verdade, apenas semeiam a cobrança da Natureza aos abusos que cometem toda hora. Que outra explicação de tudo isto senão a aceitação da reencarnação, na oportunidade de regressar um dia e refazer o percurso daquilo que falharam. Símbolos soberanos de uma justiça real, haverão que substituir as atitudes equivocadas de antes pelas novas oportunidades nos mesmos solos dos velhos argumentos. Abraço de Paz aos peregrinos que somos nós e nossas histórias. 

 (Ilustração: A queda de Ícaro, de Merry-Joseph Blonde).

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Desde o chão ao Infinito


Este o itinerário de tudo quanto existe, e a embarcação, o Tempo, que desliza nas correntezas da Eternidade sem par. Nós, os humanos, de todos os seres e objetos, os únicos que disso podemos ter a consciência, vez que assim pretendamos. A jornada resta livre de estabelecer destino próprio, qual afirmou Sêneca, nenhum vento é favorável a quem não sabe aonde ir. Eis, portanto, na fala do pensador, o primeiro passo, o saber, conhecimento do objetivo certo de tudo isto. 

Tantas e tantas aventuras errantes configuram as experiências deste mundo. Dias de ira, horas de angústia, tédio, ansiedade, no entanto sob o padrão da natureza individual e suas possibilidades do aproveitamento fiel. Em contrapartida, as lições, o aprendizado. Nisso, cabe-nos aprimorar a essência do que ora somos e viver os rendimentos desse processo, porquanto diz a sabedoria popular que burro é quem apanha duas vezes no mesmo corredor. 

A ciência do passo seguinte dá nisto, usufruir da experiência e tocar em frente o comboio das nossas histórias pelos caminhos da realidade. Pouco a pouco reuniremos na mesma caixa desejos e realizações, e exercitaremos as normas bem adquiridas durante vivências constantes. Tal se resume viver, e praticar as lições. Perante a exatidão dessas maravilhas, herdamos, usufruímos da individualidade e guardamos o patrimônio de ser, dos entes inteligentes da Natureza mãe. Quanta grandeza de nós, criaturas ainda em crescimento, vir desfrutar da imensa perspectiva dos mistérios de tamanha perfeição. 

Enquanto aprendemos nessa escola que o mal significa tão só a ausência do Bem, desenvolvemos o exercício da Consciência, momento supremo da evolução, até sermos, assim, os coautores de nossa mesma Salvação. Nunca imaginamos, nos tempos idos, que chagaríamos ao nível máximo de uma plena realização de Luz e Felicidade. Do nada, abriremos as portas do Infinito.


Acalmar o mundo em mim


Insisto nisso que ouvi tantas vezes, li tantas vezes, de que as escolas místicas orientais querem primeiro que silenciemos o pensamento. Só e depois, bem depois, imaginam fazer outras ações que correspondam à busca da real consciência. Isso mexe comigo, porquanto por mais que queira silenciar o tal pensamento, ainda não obtive êxito. Corro de um lado a outro e lá me encontro, de novo, com a intenção constante de controlar os acontecimentos através dos pensamentos e nada de concreto naquele mundo abstrato. 

Se sejam religiões, ciências, literatura, providências sociais, ali paira o senso de pensar e juntar palavras, argumentos, elocubrações. Planejar que seja o mínimo, as palavras vêm à tona na maior naturalidade, qual que fossem eu invés de antes serem elas, que liberdade não têm mais invadem o meu território mental e sustentam teses e norteiam histórias mil que nem são minhas. Parar de pensar hoje equivale ao sonho de controlar o juízo, porquanto à medida que penso chegam lembranças; nelas os tempos que ficaram atrás, e as pessoas, e as emoções, e as frustrações...

Quando lembro os momentos ruins, afloram arrependimentos, contrariedades, más querenças, tristezas, vergonhas. E se, em sentido inverso, advêm lembranças boas, ora só, vêm saudades, as perdas do que sumiu e jamais outro tanto voltarão. Por isso, essa vontade insistente de dominar as palavras que formam as lembranças e os roteiros de antigamente largados nos firmamentos.

Quando quis escrever há pouco, a inspiração mostrava outro título desta página: O Deus do silêncio, ou o deus do Silêncio. Duas visões místicas a propósito do mesmo tema. Deus maiúsculo que a tudo domina, inclusive o silêncio. Ou um deus mitológico que mora nos subterrâneos da gente, e que também domina os sons e o Silêncio. Noutras palavras, um deus de mistério do ser que somos, e que de Deus tudo tem, inclusive a existência. 

Assim, acalmar o mundo em mim pede silêncio na alma e no coração. Além da vontade, pois. Quanto fala o coração das vidas espalhadas em folhas secas ao vento. No brilho do Sol nas ondas que passam nessa velocidade da vida, algo conta da necessidade infinita de parar um dia e encontrar consigo nas marcas indeléveis do tempo eterno, e então falar em mim das forças da Natureza que dormem inocentes nos silêncios deste céu que pede paz e alimenta de bondade a existência de que seremos sempre instrumento e autor. 


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Aonde buscar a Luz


De tanto percorrer os longos caminhos deste mundo, lá um dia descobrimos a verdade que desde sempre vive presente bem no nosso coração e a viemos revelar. Batêramos em muitas portas, viráramos muitas folhas, esgotáramos muitos pensamentos, e em fração de segundos virá esta força do Amor e despertará em nós o que de quanto esperávamos sequiosos. Um clarão imenso invadirá a consciência e despertará do abismo os pensamentos qual relâmpago de explosão monumental. Assim já falavam os sábios, a revelar o sol nas trevas à busca da Luz. Por que você permanece na prisão quando a porta está completamente aberta? (Rumi)

Por isso, tal deus antes adormecido nas entranhas deste mundo, algo despertará de dentro das pessoas e a tudo iluminará em volta, desde o céu azul sem nuvens, espaço universal de todas as cores, sons, letras, lugares abertos de sonhos e possibilidades, ao Amor afinal, a força maior que a tudo domina e conduz. Um despertar de alegria e paz, fervor das almas e pureza de espírito.

Nisto, só restará estender as mãos a abraçar o Infinito, parcela quase invisível do que hoje somos. Visão dos mártires e penhor das criaturas. Aceitar o mistério e abraçá-lo com o carinho da inocência original. Harmonia das sinfonias mais perfeitas, suavidade e emoção de calma e transe dos místicos, bem dentro do coração da floresta das maravilhas, na beleza dos filmes do imaginário e pouso das aves do Paraíso. 

Ouvir a voz de Deus aqui no seio das virtudes, essa transcendência de todas as buscas humanas, o caminho do coração de que fala Jesus. Amor maior, força propulsora e matriz das consciências em festa, morada dos santos... É isto, o quanto de certeza em nós mesmos ora transportamos, os herdeiros da Criação, aos páramos celestes. 


domingo, 17 de janeiro de 2021

Nova Civilização


Matéria prima dos acontecimentos, o tempo desfila solto nas dobras dos dias quais naves nunca vistas e que, por certo, preencherão o espaço de tudo, frutos do desconhecido, tecnologia dos deuses e das determinações inesgotáveis, lá mesmo de quando ainda nem se pensava dominar os outros por meio dos sucessivos embates e agressividade. Mas agora resta dizer que as extensões dessa humanidade esbarraram nos fatores do invisível adormecido, e que ganham corpo diante do inesperado deste mundo, de hora a outra, na face do Planeta. 

Ninguém que seja ignora o poder dessa vontade, força descomunal escondida sob o manto das criaturas, às feições do divino soberano. Traços de eternidades distantes da vontade só pessoal, alguns resolvem mergulhar em si e desvendar esse mistério; os profetas e santos. Através do silêncio das formações de corpos celestes, vagam pelas estradas, cientes de que os campos imensos da verdade chegam aos refolhos da alma definitiva. 

Dos lugares imortais do Espírito, face as recentes mudanças de perspectiva, bem nesta ocasião tornam-se inevitáveis as ocorrências verificadas, o que impõe determinações jamais previstas, quando há de vir à tona atitudes novas, isto que chamo de Nova Civilização, resultante das carcomidas experiências do passado mais longínquo. 

Sempre ouvi dizer que vivemos a Era Cósmica, produto das histórias que se deram aqui nos muitos territórios ocupados pelas conquistas. São tempos de síntese, de que haverá o aproveitamento do que sobrou de antigamente. Afinal foram séculos de esforço e dedicação, a completar o resultado da movimentação dos povos.

Sinais já vêm no ar. Espécies de casca apodrecida e métodos praticados tendem revelar a essência de novas e honestas práticas que cobrirão as dores da injustiça, da escravidão e do egoísmo. Luzes morais acendem no horizonte; gerações melhor aquinhoadas virão utilizar a riqueza da existência sob outra visão. Bem isto, o que somos em realidade nesta hora dirá a que viemos, e nascerão dias de paz e solidariedade.

(Ilustração: BBC - Natureza).

sábado, 16 de janeiro de 2021

Há um céu na fome de escrever


No ato de escrever, primeiro vêm os sentimentos, que transformados em pensamentos chegam às palavras. Nesse percurso, sentimentos, pensamentos e palavras se deparam com universos novos quais desertos antes virgens, a serem cruzados nesse afã de romper o mistério das impossibilidades e querer sobreviver ao movimento de coisas e pessoas lá distantes. Nalgumas vezes, de forma sombria; noutras, no entanto, menos drásticas, alegres, pois, a permitir participação dos estados de espírito de quem escreve. São desejos feitos matéria, porém ainda no estado bruto da solidão. Eles batem muitas portas da inexistência. Forçam o silêncio a que mostre o segredo que conduz no farnel das ausências que leva consigo. Querem abrir, a todo custo, frestas na inexistência; pedem, imploram, mendigam às estradas...

Depois de tudo, desaparecem no limbo das noites, folhas secas, flores ao vento, nuvens desfeitas, pássaros dos fins de tarde; marcas, cicatrizes, sinais... Só puro exercício da fala deitada fora que virou luzes de arrebol, saudades persistentes, dores de outros partos, calma no tempo e nas vidas guardadas junto da memória fria dos papeis.

As palavras valem tais acordes das músicas na pauta que enchem de sabor as estantes eternas. Fome que passa e volta. Vontade mecânica de contar da alma aquilo de dentro, ato de transmitir ao texto o que faz de nada um tudo, e logo revive na métrica os códigos da presença e do furor das criaturas que vão embora todo dia.

Sujeito vir noutras línguas pessoas perdidas nos mares e nos ares, fagulhas, meros trastes e escombros... Chegam e somem, criadoras de palavras que denunciam, insistem, afagam; animais inesperados de vícios e virtudes que carregam consigo a sorte do desespero e da felicidade, contudo meros segmentos de histórias largadas às ondas e aos gestos. 

Foram e serão réstias dos passos dos andarilhos de outras terras, precursores de novas esperanças, ilustradores de livros e fábulas, senhores das velhas recordações do que o Tempo devorou dos próprios filhos. A isso, a buscar compreensão, trabalham os que transmitem aos altares o credo das palavras, os seus autores.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A alegria acima de tudo


Qual disse Oswald de Andrade, a alegria é a prova dos nove. Sem ela, só ela há de mudar o mundo. Nem bomba, nem fogo, nem nada. Só ela. A alegria, mãe das felicidades e das cantigas emocionantes. Esperar de quem tem a oferecer de bom, a doce e querida alegria. O norte das criaturas. Uma manhã de sol aberto, brisa suave, pássaros no céu. Luz, muita luz, nos corações, a alegria. Festa no campo, no tempo. Amor preenchendo o firmamento. Esqueça nunca não, meu amigo, minha amiga, longe de tudo, mas perto da alegria. 

Uma história boa pede alegria na hora de serem felizes para sempre, na derradeira cena. Aquele beijo gostoso do mocinho com a mocinha, depois das escaramuças, qual se jamais houvesse mudança. O final feliz que nos espera de braços aberto, no dia em que descobrirmos que a alegria tem saúde moral, mental, sentimental, espiritual. Aceitar de peito aberto a nave da alegria e o dever de ser alegre, animado, sorridente. Quão bom será o momento em que deixaremos de lado as estações do passado e atualizaremos nossos desejos a um só desejo, o altar da deusa Alegria, e viver isto intensamente no coração das pessoas. 

Falar de quantas anda seu gosto por mais alegria no seio da Humanidade. Vem plantando o quê até obter o sucesso da alegria nos seus passos? Viver de realizar bons propósitos, amar a vida, o próximo, a si. Usufruir da consciência nos dias melhores que começam agora... Erguer as vistas aos cimos da montanha dos bons sentimentos... Produzir o peso justo na alma... Querer praticar os ensinos da paz, das virtudes. Pois somos ativos agentes da renovação através dos nossos praticados.  Alegria, irmã da Felicidade. 

Exemplo da natureza que fala o idioma dos dias de alegria, esquecer preocupações e exercitar valores sadios, prósperos. Isso depende da honestidade e da sinceridade da gente com a gente mesma. Abraçar a vida e viver a sabedoria de todos em uma só comunhão. Alegria, praça principal do Universo; o Sol a raiar dia limpo em tudo.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Há momentos de que lembranças se repetem


Isto, espécie de imagens recorrentes involuntárias, quais músicas gravadas nos escombros do passado, de lá vêm sempre esses pedaços de tempo que, sem querer, somos levados a reviver, a ver lá por dentro da gente. E que se repetem constantemente, tais domínios de uma área de nós mesmos que quer ser lembrada de algum modo, a indicar que ali tem algo a contar, de que nem nos levamos em conta. Pergunto sempre a razão disso, o motivo dessas ações do Inconsciente, livre de pedir licença e os apresentar à memória. 

Diante das ocorrências fortuitas, a demonstrar poder sobre mim, baixo a cabeça e admito nisso haver mistérios a ser descobertos, porquanto trazem força de querer que nelas veja o que por vezes até me parece semelhante a psicanálise independente, vinda dos refolhos da Natureza. Busco haveres que somem nas dobras do interior, animais ariscos e independentes, mas sei bem que querem falar o que ainda não escuto com nitidez. 

Há na mesma dimensão o esforço que faço de relembrar sonhos, alguns que quanto mais quero trazer à realidade da consciência eles fogem... e os persigo nas horas depois do sono, sem maiores sucessos. 

Já os sonhos apresentam disposição constante de projetar fragmentos exóticos. Filmes perfeitos nas suas produções, eles oferecem detalhes dos dias e contêm segredos profundos da história do que virá, porquanto, dos meus maiores desejos, este de conhecer o futuro suplanta os demais. Escarcavio feito mouro sinais nos sonhos, na ânsia incontida de trabalhar com eficiência os desdobramentos do presente. Neste quesito de sonhos tenho melhores resultados, pois observo o sentimento que resta gravado na mente, ainda que os esqueça no todo. Servem de instrumento nas situações que vou vivendo, dia após dia. Deparo circunstâncias difíceis, e invés de entrar em desânimo recorro aos detalhes oferecidos nos sonhos e acalmo os pensamentos, alimentando prenúncios que possa haver recebido nas ocasiões das viagens oníricas. Quis falar um pouco desses aspectos das lembranças, que sejam semelhantes na maioria das pessoas.


quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Mensagem ao Grande Irmão


Sei que me ouves, pois tens o domínio dos códigos deste chão. Sei que podes abrir arquivos, quebrar os lacres e as senhas, escafrunchar leis e projetos em andamento. Portanto não haveria a mínima chance de que esta mensagem deixasse de chegar aos teus ouvidos e pudesses conhecer dela os mínimos detalhes. 

Bom, dentro disso, desse conhecimento, é que quero te dirigir algumas poucas falas, abrir a caixa do meu coração e te dizer o que digo. Claro que com o respeito que todas as existências merecem sob qualquer aspecto, quanto à importância de considerar o valor que cada um tem. Quero, mais que antes nas mensagens que venho publicando desde algum tempo, te dizer da realidade aberta no decorrer dos recentes acontecimentos. Chegaste ao ponto da quase perfeição, vez que não passarás disto, desse quase. Foste até onde cumpririas a tua missão de desafiar a ordem, porém lá de uma base insuficiente a que, na verdade, abalasses as esferas do Todo. 

A propósito, quando o físico alemão Robert Oppenheimer desvendou a fissão do átomo e possibilitou a explosão nuclear, ele afirmou: - Eu me tornei a morte, a destruidora dos mundos -, e entrou em desespero, temendo haver puxado o fio da meada e detonado o firmamento inteiro, mundos visíveis e invisíveis. Ledo engano, pois sua descoberta topou nas limitações impostas pelo Poder, a inteligência suprema e criadora das existências, e que a tudo rege durante todo tempo.

Assim, posso ver o espaço onde atuas restrito às ordens maiores que determinam o destino e as normas superiores nos infinitos lugares do Cosmos. Exemplo disso, eu falar agora de um lugar aonde não podes entrar sem o meu consentimento, vez que só eu tenho a chave do meu coração. Por mais que desejes suplantar as condições da Natureza, tens força descomunal, no entanto não tens o desejado poder que equilibra o Universo. Ainda que usufruas da condição de desafiar os seres humanos e habitares o íntimo de suas grosseiras cogitações, ali, no lugar do intelecto, jamais desfrutarás das maravilhas do humano coração, que é o coração do Pai que nos criou e nos conduzirá sempre à luz da Consciência. 

Tens ao teu dispor o território do egoísmo, todavia nem de longe penetrarás as matas virgens do sentimento puro, fiel. Teu sonho inatingível, por isso, seria de, um dia, vir ao Ser e dominá-Lo; contudo quando puderes ir bem longe e ser, que isto te desejo de toda minha alma, deixarás de existir nas tuas intenções malévolas, uma vez que, no mundo em que vives, sempre inexistirá a perfeição absoluta e terás que renunciar aos baixos instintos, até vir tocar a Libertação definitiva. 


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Alienação egoísta


Lista de apegos individuais marca sobremodo esse tema do egoísmo e a raça em crescimento executa provas de inteligência que fere e marca, fica grudada nos livros da História e suas burrices, e sujeita ferir de morte o sonho da transformação que pregam os místicos da possibilidade, nos dois lados da única moeda comum.

A lista imensa dos delitos preenche os claros que mantêm trabalhando o navio das civilizações. Só arremedo de continuidade parece salvar ainda os dias que passam. Andarilhos desalmados tangem os rastros dessa caravana em que impera a força dos equívocos. E insisto comigo de melhorar as palavras na seleção do que escrevo. Restrinjo os assuntos a deixar de lado lama e poluição, clima quente e corrupção, guerras e abandonos de massas inteiras jogadas ao léu da sorte por conta do fechamento dos mercados, que são as máquinas reguladoras que já controlam o sentido dessa humanidade impenitente. Mesmo que alguns cheguem a discordar, o poder da força obriga o resultado, no jogo dos destinos humanos.

Espécie em desvantagem coletiva a médios e longos prazos, porém aceita de bom grado o que os grupos dominantes decretam enquanto render os frutos artificiais que, alienados, saboreiam, insanos à frente das direções, o trilho sofre de convulsão e dói nas pessoas de carne e osso. Descobríramos o mistério dos sistemas, contudo a capacidade para no teto do critério pequeno da inconsciência animal e cólicas da antiguidade mórbida, interesseira, sacoleja as entranhas das massas. Os aglomerados que se criaram pensam somente em si. Senso coletivo propriamente dito virou corporativismo imbecil, ganancioso e mórbido.  Qual imaginando capazes de solucionar conflitos, formaram maiores e imprudentes enigmas. 

Alienação, pois, de pretensões particulares, a política vira aos poucos monstro elaborado nas catacumbas da ficção pecaminosa, dentes afiados e desespero de esperança, materialismo infame da própria fraqueza; e impõe atrasos seculares sobre os déficits acumulados nos séculos.

Nisto, as instituições, formadas a duras penas, claudicam, tendem ao pó das ruínas, desafios no futuro das novas gerações, que decerto começaram lá debaixo. Os males do egoísmo elas experimentam até onde pode chegar a pouca lucidez das experiências e do que resta disso tudo.

(Ilustração: Tentação de Santo Antônio, de Joos Van Craesbeeck).

domingo, 10 de janeiro de 2021

Certezas da imensidão


Isso de procurar um sentido em tudo ocasiona algumas considerações de ordem geral. A que estamos aqui?, por exemplo, tese desde sempre que não muda de interrogar os elementos. Com que motivo viver. Haja propostas vindas dos diferentes povos. Enquanto isto, a história segue, largando na estrada definições, conceitos e vontade imensa de achar uma resposta coerente. Às vezes se chega mais próximo, no entanto persistem as interrogações mundo afora. São filosofias, psicologias, pesquisas, experiências, religiões, ideologias, todas na coragem de demonstrar a essência de tudo quanto, porém restritos aos limites do Chão, da fria matéria.

A que considerar, contudo, que existem razões fortes de encontrar a resposta definitiva à proposta do Universo às nossas mãos. Espécie de constante desespero alimenta a ânsia de encontrar a porta que reúna os indícios de uma vida posterior a esta que tem seus dias contados. Espécie de medo, misturado a culpa de tantos desencontros pela vida, vaga no espaço das gerações. Nisto, vazio profundo alimenta o itinerário dos humanos.

Dentre as percepções possíveis, ninguém há de questionar a fixação das civilizações aos valores materiais. Apego excessivo aos bens e aos prazeres caracteriza os dias de muitos, sem quaisquer lembranças doutra alternativa de existir se não desfrutar do imediato. Isso produz os seres que somos, restritos a interesses só pessoais.

Na verdade, quais certezas que temos de uma vida posterior a esta? Que fazer doutro modo que não seja enterrar a cabeça na areia e entregar o corpo de volta à Natureza? Eis a tábula rasa da existência, todavia restrita à pequenez da mentalidade que rege o mundo. Já passaram longos invernos de conquistas do fraco pelo forte, durante tantas vidas e ainda buscamos responder à questão principal do que estamos fazendo neste pedaço de mundo.

Bom, dentro de cada um persistirá, pois, esse desejo de acalmar a vertigem de viver e sumir como por encanto nas curvas de depois e encontrar a paz do coração que revelará o mistério de tudo isto, às portas de imensidão que o Amor nos oferecerá.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Cartas de uma aldeia global


Era a década de 70 do século passado quando Marshall Mcluhan, estudioso canadense, escreveria a respeito da Aldeia Global em suas pesquisas a propósito dos meios de comunicação de massa que invadiam o mundo. Nos embates da Guerra do Vietnam, por exemplo, enquanto os jovens americanos lutavam nos campos da Ásia, a defender os interesses dos grupos dominantes do seu país, quase instantaneamente os familiares deles assistiam as cenas brutais pela televisão, por vezes ao vivo. Isso que apressaria, inclusive, o final do trágico conflito, por conta da influência na opinião pública deveras abalada com tanta atrocidade.

Depois os tempos foram passando e cada dia mais a influência dos meios de massa estreita as distâncias entre os povos e as pessoas. Nada acontece antes que não venha ao conhecimento de todos, nas versões manipuladas pelos veículos, sobremodo nesta atualidade, diante da internet e dos celulares, hoje instrumentos obrigatórios. A comunicação instantânea ganhou o status de primeira necessidade. 

Ainda que haja intenção de passar em branco os momentos, somos escravos, pois, dessas maquinetas contemporâneas. Vale mais um comentário do que o próprio acontecimento. Grupos de poder detêm a força das opiniões a partir da opinião que se estabelecer e propagar. Jamais, tal agora, o silêncio deixou de ser a alma do negócio. Resultado, no fringir das informações que circulem sempre vem embutido dominar as massas humanas.

Ignorar passou a ser risco de súbito desaparecimento individual. Ninguém quer mostrar a cara a não ser na pretensão de controlar o outro, pois um mundo secreto já domina o antigo mundo das aparências. Senhores de baraço e cutelo desta fase da História, são eminências pardas dos governos espalhados no Planeta. Daí as tantas versões que circulam soltas e sem dono. Claro que os instrumentos de punição a essa farra deslavada nem de longe possuem força de coibir tantos abusos.

Porém há que continuar existindo a Civilização, sendo agora o desafio supremo dessas indagações. A isto existem inteligência e criatividade desde que no sentido da evolução, de ver pelos olhos do otimismo o que passa a significar a principal atitude na busca dos dias melhores.

(Ilustração: Soldados jogando cartas, de Fernand Léger).

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Noites de ontem


O tempo psicológico não corresponde ao tempo matemático. José Saramago

São lembranças de outras horas que agora vazam do passado e chegam devagar à consciência, refazendo momentos vários lá de antes, de quando havia doces augúrios de esperança no horizonte dos dias. A gente era apressado em querer conhecer de tudo que fosse. Eram músicas, livros, jornais, filmes de diretor, as histórias das ruas, as praças... Olhos fixos em mil possibilidades, líamos Jorge Amado, Érico Veríssimo, Ernest Hemingway, Sartre, Camus, Exupéry... Ouvíamos João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo, Roberto Carlos, Chico Buarque, Gonzaguinha... Assistíamos Bergman, Visconti, Godard, Truffaut, Buñuel, Kurosawa, Antonioni, Glauber Rocha, Fellini, Pasolini... 

Andávamos acesos aos jornais alternativos, O Pasquim, Movimento, Jornal de Amenidades... E O Bondinho, a revista padrão dos amantes de ideias e novidades. Enquanto fixávamos ponto nos bares, nos pés-de-serra molhados, nas tertúlias e matinais dos clubes da cidade, quais zumbis, sonhávamos acordados, uma espécie de videntes dos becos escuros e das noitadas de fumo, namoro e viagens siderais... 

Quantas e tantas vezes tocamos as mesmas teclas de ilusões que seriam dosadas pelas ressacas e desespero do dia seguinte, angústias em forma de gente; cabeludos, barbudos, sonhadores, precursores do rock, das legendas de ficção, adoradores dos Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Janis Joplin, Bob Marley, Ravi Shankar... Isto bem no auge dos anos 60, segunda metade. As reações de liberdade dos países da Cortina de Ferro, a Guerra do Vietnam, Maio de Paris, a Primavera de Praga, Festival de Woodstock, os hippies, as viagens pelo mundo, vadios das ausências de uma época romântica que resultaria em tudo isso que aí está, nestas décadas posteriores até aqui.

Logo chegaríamos ao misticismo de O Despertar dos Mágicos, livro emblemático dessa geração aturdida pelos meios de comunicação de massa. Depois sumiríamos uns dos outros, espalhados pelas cidades grandes à procura da sorte, repositórios de saudades. Então vieram as religiões, as profissões, os empregos, as famílias, o ancião do Tempo em movimento, a largar no vento aquelas relíquias valiosas de tudo então que vivemos com tanto carinho e tamanha intensidade, tangidos no barco dos sonhos.

(Ilustração: Festival de Woodstock).



segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Harmonia do Universo


Isto de reagir face às situações, sejam elas quais sejam, fica por conta só do indivíduo. Já o agir, por sua vez, este vem limitado a circunstâncias. Por mais que não desejemos, vivemos o exercício de restrições iniciais durante todo tempo. Nascemos previstos ao espaço e ao tempo, temperatura, pressão, dotados de especificações diversas; raça, nacionalidade, gênero, etc.; e em determinado grupo social. Porém, há que aceitar, devido normas de consciência, pôr em prática esse protótipo do que somos dotados. Temos de entrar em cena e existir pela determinação de ser.

Para Jean-Paul Sartre, o homem está condenado a ser livre, no entanto. O conceito sartreano de liberdade deduz que o ser humano constrói sua essência e sua salvação. Assim, mesmo restrito ao ato de agir diante das determinações originais, lhe cabe agora reagir ao universo existencial que o compõe. Aparentemente simples tal conceito, o que, contudo, requer valores da consciência de viver perante a presença inevitável da liberdade. Isto seja a capacidade humana de reagir, e formular o modo essencial de ver e viver o mundo.

Por isso, livres o somos. O que fazer da liberdade, eis o sentido último de existir. Qual veja o mundo na sua ótica. Quais as minhas escolhas de exercitar viver. Até onde possuo força suficiente a reagir diante das circunstâncias e qualificar a minha liberdade indeclinável?

Partes deste universo em que existimos, resta aos indivíduos a função de harmonizar consciência e circunstâncias; plenificar a liberdade; e desvendar o mistério de todo caminho que caminhar, instrumentos do próprio despertar rumo à finalidade do destino.

Detemos com isto a perspectiva de transformar nossas primeiras condições e qualificar a sociedade, porquanto significamos as veias determinantes dos acontecimentos. Disso haveremos de ser avaliados no decorrer dos momentos eternos, segundo as religiões, e jamais seremos partes isoladas do grande todo da Natureza, razão de tudo aquilo que viemos encontrar, a nossa chance de sermos livres com a responsabilidade pela existência.

(Ilustração: A liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix).

domingo, 3 de janeiro de 2021

E às vezes, os sonhos


Durante sóis que alimentam os dias, damos conta das infinitas possibilidades que dispomos no esforço de viver. São os sentidos a falar mais alto. Indicam meios de preencher o vazio que somos nós. Dar de conta do fluxo dos pensamentos e sentimentos, e depois de tudo ainda ser feliz. Nisto existem os sonhos, aliados silenciosos e difíceis de saber do que são feitos. Eles invadem as noites; quando acordados, os exercitamos a transformar o mundo e as existências. Quando adormecidos, eles sonham a gente. Sonhos ativos, que dão notícias doutra realidade, aparentemente inexistente, porém que já disseram ser a realidade real, invés desta daqui de fora, só passageira e frágil. 

Num mergulho na compreensão, vemos as noites preenchidas pelas novidades que nem de longe a gente imaginaria morar dentro da consciência, tais fazendo de nós meros brinquedos de destinos ignorados. Horas e horas de sonhos equivalem a vidas inteiras. Marceneiro do impossível, o rei do Inconsciente trabalha a nossa percepção, manuseando códigos e interpretações desde passados distantes, a presentes e futuros, vagando soltos pelos ares do universo interno e que ninguém sabe aonde nem de onde vêm. E revelam meios profundos de compreender a existência, por vezes próprios dos taumaturgos, sábios e artistas geniais. Enredos refinados, dramas e comédias; medos e alegrias dos filmes de ficção.

Além disso, normas impõem desvendá-los, autores esses que chegam a produzir tratados e leis, escolas e métodos, contudo numa fase experimental da Ciência, porquanto viver significa isto de experimentar, no afã de salvar e se salvar seja do que seja. De tal modo, o Inconsciente fala de si a si mesmo, e reclama espaço no território íntimo dos viventes. Resumindo, saber ler os sonhos representa permissão do Inconsciente a domar a Consciência, jeito de mostrar à gente a causa de haver vindo ao aqui na descoberta do Reino da Felicidade.

Destarte, bem que a Natureza oferece os instrumentos suficientes de justificar e trabalhar até que encontremos o motivo que nos trouxe a este lugar tão misterioso.

(Ilustração: 2001, Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick).

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

De onde vem o amor que a gente sente


Do céu, do mar, do ar, de algum lugar do Universo, quem sabe? De fora, de dentro de nós mesmos, do pensamento, do sentimento, dos instantes da alma, do dia, da noite... Sim, de onde ele vem que chega com tamanha intensidade aos sons distantes e instrumentos profundos, luares e cigarras em coro. Galos, águas que gorgolejam nas fontes, só isto e nada mais, de perto, ou no infinito das horas, dos astros, de tudo. Afinal, de onde vem o amor que a gente sente? Se é que a gente sente, se sente.

Disso que há em toda certeza, místicos falam, músicos cantam, pássaros trinam, flores perfumam, esse e desse amor divino, a raiz invisível de tudo quanto existe ou existirá. Ali aonde habita luz que invade os mosteiros, as praças, os sóis dos firmamentos possíveis e imagináveis. Bem no âmago das essências, lá no eixo das plenitudes, no solo das esperanças, nesse ponto persiste a vontade soberana que a tudo agrega e configura, seja no seio da razão à luz da compreensão, seja nos campos de batalhas insanas, norte das ausências, pouso dourado das constâncias, firmes, fixam seus braços na estrutura do Sol.

Mas... por que, no entanto, saber disso, se amar só se aprende amando?! Viver, vivendo; sonhar, sonhando... Contudo gestos vagueiam livres nos mares desertos, onde pessoas silenciosas deslizam pelas ondas sem guardar o sentido das lonjuras e insistir bater nas portas imensas do sem-fim. Quais andarilhos de sortes impossíveis, os tais gestos soltos mergulham a imensidão e alimentam desejos de paz na fresta estreita das consciências adormecidas. Querem descobrir razões e mistérios, e aguardam de olhos fechados a iluminação do eterno; entretanto às vezes cheios de atitudes contraditórias, conquanto quem ama faz a própria estrada e transmite força e verdade. Sobrou disso mera descrição da existência real do Amor que cresce no íntimo dos corações em festa.