terça-feira, 31 de maio de 2016

Realinhar sentimentos

O desejo forte que impulsiona o coração de encontro aos momentos impõe cuidado extremo nos gestos qual quem busca equilíbrio no fio tênue dos abismos ali embaixo. As disposições do apego, intenso gosto de achar motivos de viver com alegria, exigem lucidez por vezes inatingível aos comuns mortais. Um leque de beleza rara, leves toques de brisa suave nas manhãs, respingos da água do mar numa praia clara de sol aberto, o riso da pessoa amada em nossos braços e sonhos de felicidade que escorrem das lembranças de noites agradáveis, isso tudo significa vontade determinante de amar com sofreguidão as ondas passageiras desta película incessante que denominaram existência.


Porém há que se cuidar demasiadamente de todo detalhe, nas cenas que compõem o fluxo permanente que transcorre pelos dentes das horas e nos alimentam da continuidade. Parar impossível. Conter os gestos da natureza, impossível, conquanto a determinação de obedecer aos passos das circunstâncias significa a única certeza inevitável.

O que resta de permissão ofertada aos microrganismos que somos nós, pequeninos seres diante da infinita misericórdia de Deus... Espaços a preencher de milhões de mimos à sagração da vida, dentro de coração solteiro, argonauta dos destinos.

Nesse momento, cabe, creio, reordenar os sentimentos, trazer ao território da liberdade o pomo da conformação e aproveitar os melhores insumos que a história disponibilizar, no ato da visão providencial. Gostar da festa de viver onde nos encontrarmos, e abraçar de bom grado o mínimo do que chegar ao teto dos apetites, selecionar fiapos e tecer a paz de que se alimenta dos impulsos que a gente exerce... Pisar o próprio corpo do desejo e amar intensamente o que os outros permitem que façamos.

Na pauta desses momentos, traçar rotas reais, invés de amarguras e ilusões transitórias. Firmar pés na rocha da condição humana, sem medo que se interponha o vilão da desonestidade para conosco mesmos, porquanto a exigência virá de plantar a semente fértil da tranquilidade, ainda que diante dos obstáculos circunstanciais. Amar e ser amado com firme sabedoria, no itinerário de saber que somos fruto de nossos únicos gestos.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Tio Juca

Um abnegado trabalhador da seara cristã, José Soares de Gouveia (Tio Juca), que morreu em 04 de março de 1965, em Salvador BA, havendo nascido em Fortaleza CE, a 28 de maio de 1898. Estudou no Colégio Militar do Ceará e depois se dedicou à carreira civil como fiscal do consumo, profissão que lhe custaria a perda de funções físicas em face ser brutalmente agredido no exercício profissional. Devido seu jeito austero, dotado de elevado senso de responsabilidade, lá adiante, já espírita kardecista, suportaria com paciência e resignação a vida que dedicaria ao serviço em prol de menores abandonados, criando em Salvador a Casa do Tio Juca, graças aos esforços dele, da família e dos amigos, marcando história no serviço ao próximo nas terras soteropolitanas. 


Em Iguatu, no Ceará, viveria um irmão do Tio Juca, o conhecido médico Dr. Gouveia. 

Tio Juca possuía dotes mediúnicos cujas evidências se acham consignados no livro O fenômeno Tio Juca, de autoria do escritor baiano Eusínio Lavigne, que traz várias ocorrências das qualidades espirituais do médium. 

O gosto pela caridade, característica de Tio Juca, também constava dos afetos familiares. Numa dessas histórias pitorescas, conta o autor que, sempre aos sábados, a família do sogro dele distribuía esmolas a necessitados, dos quais um cego era assídua presença. Certa feita, tendo de viajar, os familiares esqueceram-se de deixar o donativo habitual daquele necessitado, que decerto viria à procura. 

No primeiro sábado, o cego pediu a alguém da casa que escrevesse à sogra de Tio Juca pedindo autorização para fazer o pagamento rotineiro. No outro sábado, no entanto, ouviria resposta negativa quanto ao assunto. O pedinte voltaria no sábado seguinte, e faria a mesma pergunta (Veio o dinheiro? Ela respondeu?). – Ainda não –, lhe disseram. (Pois então ela que procure outro cego, que aqui não venho mais...

E Tio Juca achou que o cego tinha razão... porque estava servindo de instrumento do exercício de uma caridade. Se D. Alexandrina fazia da caridade um dever moral, desse teria ficado privada, pela espontânea recusa do cego, conta Eusínio Lavigne na obra literária onde registrou inúmeros episódios da existência do ilustre cearense.

domingo, 29 de maio de 2016

Valores imediatos


Na ânsia de usufruir da existência, virou moda o instinto destrutivo do imediatismo no decorrer das histórias desse tempo. Vistos os desejos avassaladores do prazer, muitos largam de lado possíveis realizações a médios e longos prazos e mergulham de cabeça nos lances atuais, por vezes fatais. Vendem a alma nos varejos de ocasião, impacientes de curtir a vida, quais pecadores inveterados no mercado da carne coletiva. Saem nas noites à procura de nacos de satisfação, fora de quaisquer cogitações posteriores. Espécie de desespero quer tomar conta dos grupos sociais, cada um à sua maneira, sejam nos vícios, vaidades, alimentação, sexualidade e violência.

O impulso dos valores materiais caracteriza de sintomas os horrores desse tempo de prazer a qualquer custo, e sob pena de morrer de tédio, bichos de monturo, indivíduos atiram ao léu projetos de realizações sem deixar margem a demorar um tanto mais no esforço de concretizar os sonhos de uma geração inteira. 

Essa cultura do gozo parece querer dominar os dias, afastando a tradição humana rica da imaginada tranquilidade e os sonhos, o que valia de razão às eras próximas quando jovens cultivavam bons instintos, estudos e o objetivo de melhores momentos.

E nunca antes a importância do autoconhecimento exigiu demasiado das criaturas. O vazio de valores plenos da dignidade ora impõe esforços inauditos na busca da paz pessoal, na educação dos filhos e preservação da ordem social. A vida reclama respeito, a segurança claudica, o futuro quase significa tão só ficção, espécie de artigo de luxo, raro e de difícil obtenção por vias regulares.

Eis o retrato desta fase escura dos países e populações, quando egoísmo crônico chegou ao poder nas raias da sociedade e os credos religiosos se tornaram pontos de fuga das multidões. 

Nem sempre houve extremos de tamanha gravidade, porém os desafios representam lições de todas as épocas, a fim de reencontrar o caminho da Salvação.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Saudades do Paraíso

Às vezes me perguntam o porquê dessa mania de só querer ver o lado bom dos acontecimentos, evitando notícias torpes dos jogos de guerra e costumes em que buscam encher de lixo o dia-a-dia das informações que circulam, e paro avaliando o quanto de tempo já se perdeu a remoer as frações negativas desse quadro amargo daqui do chão, vendido ao preço módico de tremendas ilusões. Assim, insisto comigo mesmo de limpar o pensamento daquilo que mete medo, gera apreensão, preocupação, sobretudo que gera mágoa e revolta, reações que, no passado, mexeram comigo e fizeram de mim alguém que bem poderia ter sido diferente e melhor se houvesse plantado sentimentos leves desde então no horizonte de viver. 

As razões de amargurar os desânimos de tantos atos falhos da nossa humanidade quero, pois, atribuir à paixão que avassala os dias de armadilhas e tensões. Nisso procuro sobreviver em algum lugar de dentro da alma a saudade do universo perfeito que por certo ainda não conheço, porém que desejo sobremodo conhecer, vivenciar, insistir com a vontade das pequenas esperanças de paz, prosperidade, alegria, solidariedade entre os povos, mais justiça social, organização coletiva em favor dos viventes, longe dos apegos excessivos de grupos presos a motivos fúteis e riquezas adquiridas à força das armas, da imprudência. 

Produzir novos instrumentos de satisfação e bem-estar que signifiquem distanciamento da solidão e do egoísmo, vitória da boa vontade em prol das multidões esquecidas nos guetos e bares. Permitir sonhar longe das drogas, dos vícios nefastos, da violência e do desespero; fora das depressões e dos impulsos de crueldade característicos de milênios desta raça. Somente desse modo veremos a Deus, construiremos mundo de ricos virtudes e valores, acalmaremos a consciência no travesseiro do dever cumprido, restabeleceremos a luz da Natureza e seremos, sim, irmãos entre irmãos, aos moldes do Paraíso original de que falam as religiões, lá de antes da queda no mar de contradição onde ainda arrastamos as patas doloridas. Senhores de si, então, reveremos os tratados da civilização e conquistaremos o maior prêmio, a certeza, sempre, de um amanhã pleno de Amor no coração das existências.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Boa-fé

Ela nasce da autenticidade, de quando a gente resolve encarar viver de jeito limpo com a nossa consciência, independente de ideologias interesseiras que fervem nesse chão de almas em crescimento. Olhar de frente as possibilidades que a existência fornece a que cumpramos os ditames das circunstâncias, invés de correr atrás dos chamamentos ilusórios daqueles que querem aliciar o mundo inteiro na intenção de dominar e escravizar as pessoas. 

São muitos os interesses em jogo agora mesmo nos barrancos da estrada que percorremos. Porém há ao nosso inteiro dispor a verdade, que está além de todos os falsos donos que a pretendam manipular de má-fé.  Resta aos seres humanos reagir diante dos contextos amargos, sob pena de perder a oportunidade essencial e criar da liberdade a finalidade primeira que nos traz até aqui. Significa por isso inalienável o senso limpo dos nossos propósitos em jamais depositar em mãos alheias os elementos que formam a vida coletiva. 

Políticos todos somos, responsáveis pelas decisões desse universo estreito que controla as pequenas fatias de mercado e impõe deveres aos cidadãos. E receber de bom grado os meios de trabalhar as próprias experiências representa sobremodo o direito da democracia dos povos. Sinceridade exige compromisso constante diante das ações que praticamos em todo momento. Só falar, agredir, duvidar, acusar, é pouco perante o enorme poder das escolhas que se façam. Assim, o que obtivermos virá das atitudes individuais, em primeiro lugar. Depois disso virão as consequências, remotas ou imediatas. Ninguém que transfira, pois, aos tempos, aos costumes, aos homens, a prudência dos seus atos, das suas escolhas. Nisso elaboramos merecimentos individual e coletivo. O que fazemos da liberdade que os outros nos permitem impera exclusivamente das nossas mãos. Chega de repassar aos demais a omissão ou comissão da história, porquanto viveremos sempre o resultado do que plantarmos todo tempo, fruto dos nossos comprometimentos com a Verdade perene. 

terça-feira, 24 de maio de 2016

A Reencarnação

Demorou a vir ao Ocidente o conceito da Reencarnação, já clássico no oriental. Desde o hinduísmo, religião da Índia de antes da existência de Sidarta Gautama (Buda), que a humanidade aceitava esta vida qual apenas uma transição no mundo material, com a expectativa de regressar depois da morte e receber novo corpo físico. Só mediante o esclarecimento definitivo das lições que esta vida daqui oferecer, face à purificação, é que o espírito transcende a matéria e desperta em definitivo no Plano Superior (- Meu Reino não é deste mundo – nas palavras de Jesus, no Evangelho).

Porém tanto tempo (por volta de cinco mil anos) demorou circular do lado de cá da Terra o conhecimento dessas possibilidades espirituais após o desaparecimento do corpo. Quanto à imortalidade, circulava mais probabilidades nas aceitações ocidentais, contudo longe dos compêndios da ciência oficial, que estanca naquilo que ainda não pode provar pelo método científico. No que tangem os princípios das religiões, no entanto, circula mais fácil as percepções de viver uma além da vida atual. 

A lógica religiosa alimenta, pois, as percepções do mundo invisível, sobremodo ao estudar os livros psicografados pelos médiuns espíritas, dos quais Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier), no Brasil, representa figura exemplar, por meio de quem os espíritos produziram quatro centenas de obras hoje achadas com facilidade em bancas e livrarias.

Desta forma, nas considerações reencarnatórias, desde algumas horas a milênios eis o tempo que aguarda para o espírito merecer uma nova existência física, dando seguimento aos seus aprendizados da evolução necessária à libertação absoluta do plano carnal. Vai e vem quantas vezes necessárias sejam a fim de concluir o aprendizado da evolução, forma justa e essencial de desvendar os mistérios da Criação e adquirir o conhecimento necessário a chegar aos níveis superiores da Eternidade.

Allan Kardec, em O livro dos Espíritos, transcreve sob o nome de Lei da Reencarnação tais oportunidades que dispomos de vencer a morte e revelar nossa verdadeira natureza imortal. E, assim como aos homens está ordenado morrer uma só vez, vindo, depois disso o Juízo (Hebreus 9, 27).

domingo, 22 de maio de 2016

Uns olhos

De intensidade inigualável, seus olhos oferecem as raias do mistério do infinito inteiro e muito mais. Indicam a estrada que, quando bem palmilhada, levará ao tudo absoluto das horas sem fim amém das andanças inextinguíveis. Música das dimensões milenares, eles bem avaliam o tanto de focar o dadivoso das razões de Deus. Dois pomos de certeza em flor, configuram neles as crateras da perfeição e dos segredos do Cosmos. Olhos de vida, esperança e fé. Luz das primaveras de todas as estações, iluminam o escuro das largas e dolorosas ausências, esteios de primor na solidão das madrugadas insones. Em seus olhos quanto clarão de amor a envolver almas aflitas e trazer a calma. Olhos de inocência, transparência, janelas de alvorada e poder que simplesmente invadem o caminho do coração e arrastam peregrinos às eternas visões da amplidão, possibilidades antes só imaginadas, porém guardam sob as capas do sentimento o maior de todos eles, ondas impetuosas desse mar das existências, a contar do íntimo do seio o potencial das visões e luminárias de perdão e certeza. Olhos de realização, longe da pressa de chegar, contudo alimento dos famintos e das vagas. Uns olhos de esplendor e maravilhas que seguem silenciosos à frente dos passos dos que jamais desistem de plantar boas sementes nas searas do louvor, mãos que afagam e o dizer do quanto impera a fertilidade do sabor dos céus. Eu vi, sim, na força desses olhos grandezas, brilho, música, cores, o manjar de palavras reais, pérolas de suavidade que tocam as fibras do ser e transportam saudades e sonhos através das histórias deste chão de amores e virtudes; amor e luz vi nesses olhos.  

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Sonhos de uma paz duradoura

A calma de dentro das pessoas que traga tudo de bom que de há tanto aguarda pela humanidade, sim, isto já em estado de semente, porquanto precisa das opções individuais no que tange decisões e escolhas atuais do sentimento que possa encaminhar os pensamentos à morada dos pousos celestiais da felicidade. 


Marca passo nos lamaçais dos desânimos gerou isso de doer nas várias partes do sistema do qual somos suas partes integrantes, as células. Enquanto a vontade persistir, pois, nessa tecla de juntar interesses próprios em fardos de perdição quem cuidará de plantar as flores do bem, que alimente o abraço da solidariedade em forma de novos costumes, nem eu, nem ninguém é capaz de responder.

Entrou-se em beco, saiu de beco, e nada qual seja comparável à realização do sonho maior de ver tranquilidade diante do futuro. Contudo força há de admitir que outro meio ideal jamais existirá permitir a exclusão em parte desiguais do jogo das existência, neste chão de quantas contradições passadas tantos milênios de história.

Assim, portanto, ao papel individual das criaturas humanas outra função lhe caberá que não a responsabilidade e a renúncia aos desvalores do egoísmo galopante que ocasiona o impasse das civilizações se concretizarem todo tempo.

Cabe a si, a nós, aos sis de cada um, agir com harmonia, alimentar critérios, valores inevitáveis de aprimorar o conhecimento e exercitar as práticas de uma sociedade justa e proporcional ao desejo de construção de novos dias de satisfação do aspecto positivo das coletividades. E nisso seremos os campeões mais cedo ou mais tarde, no andamento do processo vida. 

sexta-feira, 6 de maio de 2016

A dor da ingratidão

Ouvi certa feita em um conto árabe que beduíno possuía belo cavalo que impressionava a todos pela beleza e raça. Chamava a atenção dos demais a ponto de rico sheik haver caído de graças na disposição de vir a ser proprietário do animal.

No entanto, por mais propusesse valores no rico exemplar, o beduíno nem de longe aceitava desfazer do bem precioso.

Sob as marcas da ganância, lá adiante o sheik resolveu montar armadilha e tomar a pulso o cavalo do beduíno: Em travessia do deserto, escondido sob o disfarce de mendigo, esperou passar o dono daquele bicho que despertara suas ambições.

Ao chegar de próximo, sentindo que o homem mostrava interesse oferecer alguma esmola que lhe mitigasse a miséria, agarrou firme as rédeas do cavalo, derrubou o cavaleiro, montou a rara prenda e saiu em disparada. Nisso, antes de sumir na distância, ainda identificou o proprietário do animal a lhe chamar de braços para o alto, que voltasse urgente, que precisava dizer algo a respeito do cavalo.

Meio a contragosto, porém, o malfadado sheik parou e veio de volta até junto do beduíno, que afirmava:

- O senhor agora é o atual responsável pelo cavalo. É o dono dele. Mas quero pedir um favor, que nunca diga o jeito que adotou para tomá-lo de mim. Pois desse modo daria péssimo exemplo aos que pretendessem auxiliar necessitados, nesse mundo. E são muitos esperam das mãos amigas que diminuam a fome e a sede dos muitos infelizes da sorte.

...

Quando perguntavam se Jesus, Deus e homem, sofrera dores nas atribuições por que passara neste chão, alguém respondeu:

- Sofreu, sim, a dor da ingratidão – daqueles a quem quis minorar o sofrimento, e houve de deparar tamanha demonstração de fraqueza. – Sofreu, sim, a dor maior da ingratidão dos seres humanos...

quinta-feira, 5 de maio de 2016

O lobo-rei que morreu de amor

Li certa vez, na revista Seleções, a história de um lobo-rei, espécie rara existente nos Estados Unidos, de tipo graúdo, muito esquivo e feroz, que principiou a dizimar os rebanhos de determinada região daquele país. Dada a sagacidade do animal, o esforço de vencê-lo tornara-se obsessivo, porém inútil. Nesse clima de repetidas ameaças e destruição, assustados, os rancheiros da redondeza cuidaram de montar intenso plano de mobilização, a fim de liquidá-lo a qualquer custo.

Muitas armadilhas ficaram espalhadas em pontos estratégicos da circunvizinhança; todo tipo de mecanismo, possível e imaginável; artimanhas diversas se utilizaram, sem produzir, no entanto, quaisquer resultados efetivos. 

Unidos, os perseguidores seguiam à risca cada rastro da fera, enquanto seus estragos prosseguiam nas fazendas, gerando sérios prejuízos à atividade agropastoril do lugar. Em muitos momentos, eles quase chegaram no seu encalço, dias a fio, ainda que nada de concreto obtivessem.

Após vários meses de investidas, os caçadores descobriram, numa montanha distante, a caverna que servia de refúgio ao lobo e sua companheira, local que lhes protegia da implacável perseguição dos vaqueiros.

Numa noite, enquanto o parceiro saíra à cata do alimento, a fêmea permaneceu na furna, aguardando seu retorno. Vieram os homens que agiram com rapidez, aprisionando-a, imaginando desse modo fazer a coisa  ideal. Contudo isso serviu apenas para espertar ainda mais o lobo, que acrescentou seus ataques ao gado das fazendas, intensificando o terror que imperava. Debalde os caçadores vigiaram a sua volta.      

Como o passar do tempo, todavia, ao notar a prisão da companheira, o lobo alterou seu modo de agir, modificando pouco a pouco as rotinas de proteção que lhe preservavam, em cautelas infalíveis, e numa noite de lua, terminou por se entregar de frente aos perseguidores, que o abateram com relativa facilidade, quando se aproximou em demasia da jaula onde haviam posto a fêmea para lhe servir de isca. 

Guardei muitos anos essa história, pois ela me despertou na busca das razões para tantos comportamentos da vida silvestre em que animais se manifestam quais motivados por senso moral superior, prenhes de emoções raras, enquanto nós, seres humanos ditos racionais, sobejas vezes, no cotidiano desta vida, agimos a níveis tão baixos, destituídos da menor civilidade, que envergonharíamos qualquer bicho bruto que pudesse nos avaliar.    

As velhas leis sociais

Desde sempre, lá de quando em volta da fogueira contavam os antigos herdeiros as práticas do passado perdido no tempo, de quando venceram o jeito de permanecer ligados ao mesmo chão, e criar os filhos, e os filhos os netos, os netos, os netos. Contavam as histórias dos bandos invasores que foram vencidos nos seus ataques, e dos que, por sua vez, foram invadidos e derrotados. Ali continuavam a dizer das vitórias, nas noites de lua, postos em volta das fogueiras, entre o frio da noite e o calor das chamas, que jogavam sombras nas matas em volta, fantasmas dos sonhos que sumiriam logo cedo, de manhã. 


E restava só doce o desejo de permanecerem presos ao chão onde criar os filhos, os filhos os netos, os netos, os netos. E sorrir alegremente em torno das fogueiras acesas, assando caças e gritando a velocidade da luz aos ruídos da véspera, à espera das chuvas, alimentados ao vento.

Enquanto tais leis impõem seus desejos de mudança, porém sustentam os credos da aleluia dos princípios originais. Os antigos guerreiros que contavam das vitórias que lograram obter contra os pretensos inimigos, vítimas estes dos obstáculos naturais da história. Esperaram o melhor, contudo de melhor em melhor perderam o trem dos que regressavam dos campos de batalha. Fortes dramas humanos que levaram consigo, antes de ganhar a certeza daqueles que levariam a melhor nos campos de batalha da sociedade. 

Uns acharam lugar de sucesso na escolha social dos donos de poder, ainda que saibam, dia claro, que também irão responder pelas falhas que plantarem na ânsia de obter a vitória final, pois não existe vitória final de derrotas morais. Assim será diante das leis sociais, que serão sempre eternas.