quinta-feira, 30 de julho de 2015

Sonho de perfeição

Assim como na carne sonha o espírito, o sentimento sonha no pensamento. E escrever é isso, sentir e recorrer aos pensamentos a que forneça palavras suficientes de falar o que sente e que quer dizer o coração. Enquanto isto, perguntas sucedem umas às outras, no desejo imenso de revelar essa espiritualidade que habita os escombros dos dias e das horas, esforço da sobrevivência dos tantos descompassos e fragmentos, busca soberana de descobrir de si próprio.

Há, então, vazio incomensurável nessas sombras que a tudo envolvem na força dos fantasmas que insistem manter o anonimato. Bem diante do nada absoluto que constrange face a face o dragão das vaidades humanas, névoa tênue sobrevoa e encobre o mistério dessa espiritualidade ainda vivendo calada no mais íntimo sacrário do coração. A continuar em fase de puro silêncio, habitando só o âmbito das palavras junto do saguão e próximo do pensamento, ali sofre o Eu, sofre a paisagem, sofre toda a família do ser sensível-pensante.

Antes, pois, das descobertas definitivas da existência eterna que significará vida perene, a pisada persiste no sofrer da saudade infinita de chegar ao conhecimento definitivo das verdades interiores. Longe das praias reais da imortalidade do Ser, um nada salgado ecoa nas dobras do Infinito da alma da gente que sonha nas malhas da carne. A isto Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês, classifica de angústia, o desconhecimento da espiritualidade, o que ocasionaria o Nada existencial, espaço que apenas a consciência da plena luz um dia preencherá.

Resta nisso o caminho das noites da culpa e do pecado hereditário a clamar transformação por meio das revelações maiores e dos valores transcendentais da religiosidade pura. Contudo o espírito ainda sonha durante a carne e o sentimento estabelece os contatos primeiros com o pensamento, relações de profunda coerência da vontade do espírito perto dos bastidores da Verdade. 

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Razões da angústia

Vezes além da conta a gente se pega avaliando que existam a Natureza e a natureza humana, qual sendo coisas distintas, vista facilidade com que as pessoas desrespeitam a primeira, mesmo em detrimento dos valores humanos. Atitudes ostensivas de contradição revelam descompasso nas relações onde se inserem, vindo daí o sofrimento tanto individual quanto coletivo, marcando o preço elevado de erros e gerações. 

Criaturas precisam, por isso, alterar comportamentos equivocados e aguardar de fora o resultado de tais decisões... Sabem a teoria, reclamam orientação, imploram aos céus métodos adequados, sem, no entanto, traduzir gestos e mudanças, o que deixa a dever os propósitos.

Caprichos humanos beiram desatino, ignorando as consequências. Guerras e suas justificativas, rótulos raciais, econômicos, políticos, religiosos, apenas atendem a sabores temporários, sagacidade e resinas de fechar cicatrizes.

Assim, uns menos afeitos à teima reacionária, desobedientes resolvem transformar o panorama do atraso, dominando essa natureza transgressora, pondo em função instrumentos que podem brotar o novo do que se semeia.

No globo destruição deslavada nos gestos de empresas totalitárias lucram pela eliminação das espécies, em razão da cegueira das superpotências, numa avalanche sem precedentes na história.

Pela vida privada de cada um por si, vícios, pornografia, violência, preconceitos, luxúria, ganância, avareza, indiferença, causas de morticínios, doenças, vingança, inveja, discórdia, orgulho. Tudo se questiona em termos de resultados, pois se diz que os fins justificariam os meios.

Ninguém escuta uns aos outros, tiradas exceções. O lobo arreganha os dentes por falta de exemplo melhor e nada importa preservar, desde a família, que se esgarça na velocidade dessas tecnologias elétricas dominantes. Querer iludir pouco adianta, a cantilena vem parecida com avisos de profetas bêbados. A saliva ressecada no canto dos lábios define o que um dia quiserem dizer e desistiram. Os ouvidos ensurdeceram ou preferem desconsiderar as notas suaves das derradeiras violas.

E escrever isto só na intenção de falar o mínimo de virtude que deverá existir na elaboração dos sonhos de um mundo injusto, projeto dos que pretendem ser felizes. A eternidade é o agora, tênue fresta que dividirá o antes do depois.                            

terça-feira, 28 de julho de 2015

Vencer a si

Os instintos, a caverna de onde se vem, aquela força bruta que ainda persiste, mas que sumirá um dia, há que se vencer. Dominar os impulsos, vícios, mágoas, rancores, revoltas, ações silenciosas de raiva que crepitam lá na alma e por vezes expõem o território onde habita um ser no trabalho de parto, laboratório da tranquilidade. Isto de que falam nascer o heroísmo verdadeiro, invés das outras dominações das ruas, dos campos de batalha, das raças.


Intrusos batem na porta das agressões, provocações e manias, quando menos se espera, e correm soltos os desejos da ânsia de abrir e deixar passar a gula, falas da vida alheia, gastos além do que se ganha, rios de açúcar demais, chocolate demais, quedas fatais nos hábitos nocivos. Uma banda clama pelas dependências; outra aguarda tempo bom, mas que não pode obrigar, visto o chefe mandar no domínio de si.

Nesse fio invisível corre o pingo d’água ao sol ardente dos dias que transcorrem constantes, na velocidade da luz. Escolas do existir, há direito de andar passo ante passo, submersos nos valores com que trabalham seres humanos. Fagulhas ao vento da Eternidade buscam o conhecimento de si, querendo felicidade.

Como vencer, pois, as síndromes de abstinência, os chamamentos ao erro que gritam durante a vida nos ouvidos internos das paixões e vontades, enquanto aprendemos o certo, porém acompanhados de nós mesmos que reclamam seu espaço de comer o que deseja, atentar na vida alheia, ansiar açúcar demais, chocolate demais, e deixar de lado as responsabilidade para com a saúde, os deveres morais quantas vezes jogados no lixo a título de que mais vale um gosto do que cem reais? Como deter o comandante daquelas tropas inimigas que envergam trajes iguais aos nossos e pretendem ganhar a guerra da existência dos dois lados a título de vaidade, ganância e liberdade? Noutras palavras, como obter a vitória sem destruir a paz interior, o senso do dever cumprido e vencer o bom combate?

Aonde levam erros já se sabe, contudo, diante de circunstâncias adversas do mundo, que mudemos a nós próprios, revelemos ao nosso Eu verdadeiro caminhos de transformação que contem nova história.  

A terapia do sentido

Viver precisa de sentido, caso contrário a jornada terrena exigirá bem maior disposição e esforços, transformada quase numa desistência permanente. A esta conclusão chegou, como matéria científica, o psiquiatra austríaco Viktor E. Frankl, judeu que foi prisioneiro em três dos tantos campos de concentração nazistas durante a Segunda Grande Guerra.

Esse sentido para viver alimenta o ânimo qual nutriente de extrema necessidade. Isso que deverá vir das aspirações inúmeras. Do gosto de aguardar alguém que se ama. Adorar a Deus com os vigores da alma. Empregar a esperança na realização dos sonhos vários. A viabilização de projetos pessoais. Uma obra social. Concretização das ideias vitalizadoras do desejo de seguir em frente, ainda que perante vultosos desafios. Reencontrar entes queridos. Rever amores inesquecíveis. Criar condições de sentir a presença dessa potencialidade, mesmo enquanto permanecer sob pressões, insalubridades e limitações.

Dr. Frankl experimentou de perto tais restrições à sobrevivência, ele e os outros companheiros de campos, no auge das atrocidades nazistas. No papel de observador perspicaz, analisava sistematicamente o comportamento manifesto dos milhares de prisioneiros, configurando a tese do sentido qual motivo justo de continuar a viver. Eram temperaturas abaixo de zero, péssimos agasalhos, fome, maus tratos, estados psicológicos deprimentes, expostos às surpresas da patologia gratuita da guerra; e resistiam desde que houvesse uma razão para isto em cada qualquer deles.

Quando alguém sabia das notícias da morte dos familiares que aguardava de novo encontrar, logo perdia as forças. O cientista notava que aquele se entregava ao desânimo. Desistia de sair para trabalhar. Permanecia estirado no alojamento em que dormia. E dentro de pouco tempo sucumbia às misérias das circunstâncias que até ali suportara.

Perante os quadros que estudou, Viktor Frankl reuniu elementos suficientes de avaliação do contexto radical extremo para a existência humana sadia, os quais lhe forneceram meios de criar a Terapia do Sentido, ou Logoterapia, conforme denominou. Logos, termo grego que significa razãosentido.

O fruto dessas vivências de psiquiatra em um campo de concentração durante a Segunda Guerra hoje possui ampla divulgação em muitos países do mundo, e forma escola de importante valor no tratamento das dificuldades mentais de grandes contingentes que a ele recorrem. 

Há livro de sua autoria editado no Brasil com o título de Em busca de sentido, publicação da Editora Vozes, ora na 20.ª edição, que permite conhecer mais de perto informações a respeito desse importante instrumento de ampla utilidade a quem pretende aprofundar o assunto.         

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A luz da honestidade

Primeiro há tons fortes de um silêncio sideral que circunscreve a imagem da gente com a gente mesmo que trabalha no salão enorme da consciência, dia após dia. Depois, bem depois, busca de preservação cerca nossos passos, cuidado clínico de viver aquilo que nós mesmos trabalhamos, talvez só séculos adiante, de sermos melhores do que antes quando fazíamos o que nos dava na vontade, irresponsabilidade crônica espalhada nas ressacas das madrugadas, passados os baratos no auge da angústia que ficava após porres e viagens. Porém existe ordem no Universo independente de a gente pensar assim. Persistem valores imutáveis de perfeição que pedem coerência de propósitos no trato das ações junto aos demais e junto de nós. Ninguém labora ao bel prazer sem ter de acertar contas e pagar no tempo que sempre virá. 

Conquanto desejos enormes, bichos pré-históricos, invadiam as alcovas daquelas irresponsabilidades, melados fetos de partos apressados das taras, e clamam vitórias inúteis de prazeres indébitos, esses réus em juízo seguiam aos tribunais da sinceridade com suas marcas infames do desespero inconsequente. 

Destarte, largados nos corredores de masmorras agressivas, aventureiros das sortes se arrastavam atirados na lama e desciam aos julgamentos de si próprios, na lei da consciência que arde e pede perdão ao coração. Quanta esperança de resgate na alma que chora erros cometidos nas estradas da infâmia?! Ânsias de vômito dos desacertos de outras horas, lágrimas, rangem de dentes nos atos torpes que saíram daquelas múmias apressadas. Ladrões de inocências, credulidades, paixões alimentadas da carne alheia...

No entanto a luz da honestidade renovará os gestos dos tantos de onde lá certo dia o horizonte brilhará nas trevas e paz triunfal nascerá do zelo da verdade que alimenta todas as pessoas. Longe, pois, das perdidas ilusões, claridade poderosa advirá ao encontro do pensamento com o sentimento, e as práticas do amor bem longe das traições escreverá nova história de desejos e sinceridade.  

Aquele samba de latada

Desde cedo da noite que o coronel percebera no ar sons imprevistos de harmônica, zabumba, pandeiro e triângulo, em pleno meio de semana. Naquelas bandas, as autorizações para os sambas de latada cariciam de longa preparação. Até o delegado havia de ter conhecimento e permitir, quando fossem realizar, nas fazendas, as promoções, de si tão violentas quanta a natureza rústica dos caboclos habitantes do lugar. Nada disso constava houvessem providenciado. 

O primeiro portador até ali não retornara com as notícias. Despachado logo cedo para acabar com o festejo e saber dos responsáveis, sumira de tudo, sem vir, nem mandar qualquer recado. Essa a razão da impaciência do proprietário das terras, na sala principal da casa grande, a andar num pé e noutro, transferindo contrariedade aos ouvidos tensos da esposa. Sentada perto de uma janela, a mulher fixava os olhos no escuro do terreiro, à espera dos acontecimentos. 

Nessa hora, resolveram chamar outro morador e encaminhá-lo com a mesma finalidade.

Outro tanto de tempo, quase uma hora depois, e nada de resultado. Algo, na verdade, de esquisito existia naquilo tudo. As ordens do fazendeiro jamais seriam desconsideradas do jeito que, naquele momento, se verificava. Esperariam só mais um pouco. 

O vento soprava das bandas do lugar, trazendo nítido o calor da farra, ouvindo-se gritos e gargalhadas misturados com a música.. Lá longe, a casa de taipa fervia de animação, acrescentando as preocupações do apreensivo casal.

Ainda não retornara o segundo emissário, quando resolveram que o coronel iria em pessoa examinar de perto a afronta dos agregados. Nem imaginavam que tivera tamanha audácia de desobedecê-lo. Ultimados preparativos, ele equipou-se para entra na dança e seguiu na escuridão da noite sem lua.

A mulher tratou de fechar portas e janelas, e permanecer de sentidos em alerta. Contudo isso durou pouco; rendendo-se ao enfado, caiu no sono profundo. De manhã, Sol nas alturas, despertou escutando o marido que, desconfiado, empurrava a escora da porta, com os olhos vermelhos de quem dormiu pouco ou não dormiu. Nisso foi dizendo:

- Pense num homem divertido, o compadre Lampião. Dançou o tempo todo sem demonstrar qualquer cansaço – falou, e seguiu no rumo da cama, pois passara a noite em claro, batendo zabumba lá na festa dos cangaceiros que se arrancharam numa mata da propriedade do coronel.

domingo, 26 de julho de 2015

A impaciência dos revolucionários

Isso é o que lhes leva às ações precipitadas, por vezes violentas, cruéis, no sentido de coibir injustiças e atrasos de mentalidade na massa humana, chegando às raias da temeridade. Um grau de animosidade alimenta, por isso, os revolucionários. Conspiram e trabalham acreditando possuírem o melhor a oferecer no âmbito dos grupos sociais quais Sócrates aceitou de caso pensado as consequências imediatas dos seus princípios e retratou fiel o desejo intenso de mudar o panorama da sociedade, isto sem, contudo, o amparo regular na ordem natural do tempo, fator por demais preponderante dos rumos a tomar os acontecimentos, independente da vontade extrema de quem vê mais longe, lá adiante. 

No entanto há revolucionários persistentes nos mesmos propósitos, a ponto de baixar a cabeça e receber o castigo da coragem de afrontar a mediocridade com antecipação, semelhantes a Nelson Mandela, Sri Aurobindo, Mahatma Gandhi, afeitos que foram ao exercício heroico de permanecer fincados nos ideais ainda que punidos do sistema e dos estados reacionários. 

Quantas e tantas vezes, no silêncio das noites, mulheres e homens mergulham de corpo e alma nessa função de ampliar a possibilidade dos que dormem a sono solto vítimas de questões mal cozinhadas e esquecidas, quiçá alienados pela rotina estafante dos dias da sobrevivência. Enquanto que os revolucionários aspiram de olhos abertos os desejos de transformar o mundo.

Movimentos de resistência nas guerras de ocupação, as famílias comprometidas no afã do martírio dos seus, na ânsia do inconformismo perante os gestos de dominação e terror, falam dessas considerações da impaciência dos revolucionários. 

Quem sabe disso, das chances de reverter o drama das nações na forma da participação efetiva através das atitudes, bem compreende a importância da política e das instituições que comandam a vida comunitária, conquistas milenares de outros revolucionários. Trabalham as aspirações da honestidade, do bom senso e da igualdade nos gestos do crescimento coletivo. Acordam cedo na aspiração de ampliar fronteiras e realizações neste mundo prenhe de todas as maiores possibilidades. 

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Cantiga sonhada

Vou contar nestes versos dosados
As coisas bonitas que gosto de ouvir,
Que falam de astros e sonhos vividos
No frio suave de manhãs mais alegres,
Aconchego da alma, mistérios de mim,
Entre doces lençóis e trinos silvestres.

Coisas que dizem das forças perenes
Das firmes certezas dos dias de sol.
Das dobras ardentes, de amores fiéis,
Ofertados aos corações bem amigos,
Amores prudentes e correspondidos,
Romances de filmes e livros dourados.

Contar nestes versos de tempos antigos,
Das eras guardadas em castelos mimados,
De príncipes, quimeras, de fadas, gnomos,
Florestas, princesas, salões e paisagens...
De um filme escondido no peito menino
Que navega além-mar e trafega nos céus.

Vou contar nestes versos as lutas do eu
Vencendo dragões, miragens, visagens,
Para ouvir coisas que falam no descobrir
As histórias, os lugares, pessoas e cânticos,
Desenhos iguais no teto ligeiro das nuvens
Que vagam estradeiras em pastos e campos,

Lugares animados, enfeitados de flores,
No horizonte festivo de luzes e tintas.
E foi assim que contei das coisas bonitas
Que gosto de ouvir nas letras das noites
Pausadas, serenas, dos versos e prosas,

Ao sabor do presente em favos de mel.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Encontrar a porta do destino

Sua missão, o sentido da sua vida pessoal, eis destino que o poder de concretização possibilita aos viventes que buscam o tempero da Consciência universal por meio do instrumento atual da existência. Encontrar a própria página da realização. Abrir as malhas desse destino que passa ao lado sem se levar em conta, e descobrir o mistério das funções dessa perenidade que aqui olha nos nossos olhos. 

O tal dever de transformação significa, pois, descobrir o mundo sobrenatural que desliza leito sagrado de todos, força de permissão que representa o sonho da paz neste e noutros territórios da experiência humana. Esse percurso renovador, que oferece elementos de elaborar o processo natural da revelação interior das vivências.

Chamam os sábios de descoberta do Eu essencial, verdadeiro, em detrimento do ego, ou do eu inferior, só e apenas matéria prima da mais plena realização do Ser em nós.

Às vezes vem deste modo a interpretação que tantos querem das oportunidades da presente vida, porquanto em tudo há razão de acontecer, além da mera e ocasional individualidade da inteligência na fase de aprimoramento. Ninguém, nada, representa pura coincidência de habitar o chão. A história de todos possui tamanha importância de utilização que o sentido do investimento da eternidade longe ainda está das ocorrências desorganizadas, entregues aleatórias nas mãos do acaso.

Sob essa forma e interpretação mora o conceito de cultura, ou conhecimento, vindo aos poucos aos seios da razão. Um povo que desconhece cultura corresponde a uma manada de búfalos no rumo do matadouro, e nem isso reconhece.

O domínio de nós mesmo passa pelo esforço do estudo, da compreensão, valor absoluto da utilização dos recursos espirituais, autoconhecimento, luzes que iluminam a estrada deste mundo aos nossos pés nalguns momentos vacilantes, incertos. Em contrapartida, identificar no coração os trilhos brilhantes da alma da gente, onde mora Jesus, os santos e Deus. Cabe agora abraçar de bom grado a riqueza de total Felicidade.
   

A tartaruga tagarela

Lenda indiana dá conta que houve um rei que gostava de falar, falar além dos limites e das oportunidades, a ponto de monopolizar as palavras onde quer que estivesse, costume reprovado silenciosamente e detestado pelos seus súditos, dentre os quais o Buda, conselheiro do soberano, e que buscava a ocasião certa de lhe transmitir ensino que corrigisse o nocivo hábito. 

Perto do palácio vivia uma tartaruga por demais intrometida na vida alheia e também tagarela contumaz, desgosto da bicharada que morava nas proximidades da lagoa em que ela habitava.

Belo dia, em viagem de migração, chegou ao lugar casal de patos. Ao notar o modo abusado com que a tartaruga usava a fala causando contrariedade nos viventes da lagoa, os patos decidiram convidá-la a passear com eles pelos céus da região e apreciar a paisagem num voo de reconhecimento.

Lançaram mão de uma vareta que, presa ao bico de cada um dos patos, nela a tartaruga prendeu a boca, assim se fixando com segurança na experiência. 

Nem demorou tanto tempo no passeio quando, avistados pelos súditos lá embaixo, este exclamaram admirados: 

- Vejam que proeza. Dois patos transportando uma tartaruga com o próprio bico.

Bem na hora, quando passavam sobre os jardins reais, dona tartaruga, sem controlar o instinto de falar, não se conteve, aborrecida pelas observações que ouvia, lá de cima gritou abrindo a guarda:

- Que é que vocês têm com isso. Vão cuidar da vida, magote desocupado.

Em consequência, soltou  o suporte onde vinha pendurada, indo se espatifar no chão quase aos pés do rei, que dali presenciava tudo aquilo.

O Buda ainda acrescentaria alguns detalhes do incidente à alteza real, que deixara de observar melhor por conta do quanto tagarelava naquele instante junto de um grupo de pessoas em torno dele. Assustado sob o impacto do acontecido, o monarca acalmou um pouco os pensamentos e fez ligeira reflexão. Depois, pouco a pouco reuniria os frutos da lição da tartaruga tagarela, disso adotando outro comportamento de só falar o necessário e nas horas convenientes, reunindo de tal modo as energias que usava nos cuidados com seu povo.   

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Uma história qualquer

Bom, vou contar do jeito que grudou nas lembranças, aos pedaços soltos, essa história. 

Houve civilização quando as pessoas chegavam à idade provecta (outro nome de velhice, que alguns também chamam de ancietude, terceira idade, eufemismos conciliadores), e nessa época da vida todo ano se promovia animado festival ofertando aos deuses exemplares dessas pessoas já sem muita resistência física e esperança de vida. Era festa da lavoura em que os paramentavam e mandavam a sacrifício, sob o olhar atento de jovens e adultos, imolados que seriam nos altares do templo.

No entanto, cidadão que morava com o pai em lugar afastado da povoação, em cabana escondida no escuro das matas, resolveu contradiz o costume secular da raça e decidiu manter seu genitor anônimo, isolado, o quanto pode, dado o respeito e o carinho que lhe nutria.

Transcorreram anos até gastar o estoque inteiro dos anciãos nos festejos das tais propiciações coletivas. Esgotaram toda gente no ponto de oferecer nas adorações. Enquanto isto, de repente, o clima mudou e seca terrível assolaria a região. As lavouras definharam a ponto de morrer quase tudo, vegetação, animais, e as pessoas correr risco de fugir ou padecer de fome cruel. 

Nisso, no sentido de aplacar a ira dos deuses, resolveram edificar novo templo, na intenção de angariar outra vez a simpatia e o favorecimento do desconhecido. Cortariam grandes trocos da floresta e utilizariam na outra construção das adorações. Logo no início, porém, descobriram que ninguém no meio deles sabia qual a posição correta em que deviam colocar as colunas de madeira, porquanto os antigos que conheciam o assunto haviam sido executados nas lapidações humanas das praças públicas.

Nessa hora, o homem que escondera o pai longe das vistas do grupo revelou que sabia que ainda restava raro exemplar da espécie nas condições exigidas daquele conhecimento, mas que apenas diria onde estava ele caso mudassem a lei daí adiante, deixando que velhos pudessem existir mesmo que possuíssem mais idade e pouca força.

Dias reunidos, pesarem e mediram, e decidiram aceitar a proposta do filho fiel. Então o único idoso que sobrara na comunidade veio orientar a construção no estilo tradicional. Depois, pouco tempo transcorrido, a paz voltaria a reinar e o bem estar regressou a toda gente. 

domingo, 19 de julho de 2015

Paz que alimenta

Nessa busca das certezas de todo passo brilha a orientação de ser feliz, acalmar desejos e os transformar em bênçãos de luz no coração por vezes macerado face aos desafios que impõe a escola dos constantes desafios aqui que frequentamos. Neutralizar apreensões e permitir verdades positivas nos resta, pois, determinar qual objetivo de conter ansiedades, domar a angústia do desconhecido e abraçar de corpo e alma esperanças de cada manhã. Dominar o barco da existência e controlar os impulsos, eis a chance da energia acesa de possibilidades intensas ao dispor de toda gente.

Essa força de aceitar as variações de humor exige, no entanto, o mínimo de pulso moral. Artesões de sonhos, o exercício de trabalhar os meios do crescimento espiritual pesa e, com isso, significar uma profissão de fé de poucos. Admitir que além do corpo material existem os níveis outros de composição do ente que somos nós abre espaço infinito ao seguimento de percorrer as histórias pessoais. Raros, no entanto, abrem espaço na compreensão a fim de controlar o destino de si próprio, sujeitos que restam dos ventos adversos do pessimismo. Isso pede atitude, determinação da vontade prática, no querer efetivo dos dias sucessivos, porém limitados no tempo. 

Contudo persiste pelo ar o direito de conter tais ocorrências por vezes dolorosas, onde bem que se poderá também determinar os circuitos da natureza através da consciência, porquanto a firmeza oferece meios de produzir o melhor, tanto nas vivências particulares quanto nas coletivas. 

Noutro parágrafo das contas universais, mínimos gestos representam chances de libertação da dor que impera neste chão de contradições e desespero. O valor principal de tocar em frente o processo vida será, por isso, escolher a face que oferece as alegrias da esperança, determinação aos bons princípios. Produzir frutos sadios no território exclusivo da nossa individualidade. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

No coração da gente

Passadas se foram situações emocionais e, por vezes, permanecem no âmago do peito, bem no crivo do coração, retardatárias, incoerentes, as mesmas impressões de intenso fervor indefinido nas palavras silenciosas que gritam. Há pouco, impactos vividos no mais profundo da alma pediam gritantes explicações sem resposta, pois dependiam dos outros, que duraram dias, meses, existências. 

Quais zumbis de qualidade e cores estridentes, tons maiores de ansiedade e desprezo, tais formações nodulosas, invadem a serenidade apenas aparente do cotidiano, filhos diletos das paixões universais, no palco interior desse peito, se arriscam percorrer, por tempo descomunal, os intermináveis corredores dos recônditos lugares do corpo, entra na trilha dos pensamentos através de excursões permanentes de retorno intermitente. 

Nisto, bestas solitários portadoras de saudades sombrias, arrastam consigo bolsas pesadas de dúvidas impermeáveis, mágoas fragorosas, culpas sepulcrais, exigências endurecidas, vastas penumbras recorrentes, e, contra a vontade, nos transportam a dimensões reservadas de cavernas escuras, quais guerreiros de dramas ancestrais, postigos de chapéus empoeirados nas jornadas sórdidas da experiência, largados ao abandono diante do monturo supérfluo de horas mortas. 

Restos das refeições felizes ali se mexem encarquilhadas, larvas da série da gente nos instantes saboreados quase sempre ao lado de criaturas humanas bonitas, charmosas, fragmentos fantasmas de espelhos desbotados que amareleceram, pétalas secas de livros atirados nas gavetas esquecidas; eles a nos esfregar a cara de palpites pegajosos, reclamos de outras margens impossíveis, erros aflitivos de lances duvidosos, digamos em resumo. 

Nalguns momentos, funcionam, sem quaisquer cerimônias, de inimigos da paz interna das tréguas, a chutar contra o patrimônio pessoal. Noutros, agem parecido com micro e dolorosos incidentes suspensos no horizonte do tórax; convergem nuvens de chumbo que teimam em não chover jamais; máscaras de azia, bolos estomacais, cólicas, coceiras... 

Só raramente advérbio de modo providencial, menos denso, chega-nos desconfiado em socorro, trazendo notícias de jardins ensolarados, alentos ainda tardios, nervosos, a nutrir de reparo às frustrações lancinantes, marcas vermelhas na vastidão das ilhas abandonadas, testemunhos inconvenientes de perdidos sonhos, amores equivocados, inúteis paisagens das insônias, constelações do universo distante, nos mundos inconscientes; esperanças, talvez, de acasos fortuitos, portais reencarnatórios das soluções futuras, tropel harmonioso dos degraus da verdade eterna. 

Lançamento de anões

GENEBRA (Reuters) - Um pequeno dublê que protestou contra uma proibição francesa à bizarra prática de lançamento de anões perdeu sua apelação diante de um órgão de defesa dos direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), o qual afirmou que a necessidade de proteger a dignidade humana era fundamental (site Uol Últimas Notícias).

Enquanto o órgão das Nações Unidas buscava o patrocínio da condição humana, um anão de nome Manuel Wackenheim postulava seu direito de que homens maiores, em uma discoteca, lhe lançassem no espaço, alegando que proibição, datada de 1995, de tribunal administrativo francês, discriminava e privava do exercício do trabalho. Por conta disso, o processo chegou à ONU, que agora confirmou a decisão.

O artista francês, de apenas 1,14 m, apelara em 1999, junto ao Comitê dos Direitos Humanos, porquanto usava na função um capacete e roupas acolchoadas que têm alças nas costas para facilitar o arremesso do projétil humano, diz a nota. 

Via de consequência, em comunicado o comitê divulgou o resultado de seu julgamento, se afirmando satisfeito pela proibição de lançamento de anões não ser abusiva, mas necessária a fim de proteger a ordem pública, incluindo considerações sobre a dignidade humana.

Desta forma, o órgão internacional titulara a preservação do valor da dignidade, assumindo a vez da espécie desses seres, isto é, todos nós, quais, sem conta, dela abrimos mão a preços irrisórios, comprometendo inclusive  outras gerações que hão de surgir.

A notícia considera que tal passatempo originou-se na Austrália e nos Estados Unidos, em torno dos anos 80, consistindo em jogar os pequenos dublês o mais distante possível, como atração de bares e discotecas.

Sabemos dos absurdos que acontecem na noite, jovens musculosos se mutilarem a pretexto de causar espanto, mulheres formosas se exercitarem em grupos prisioneiros de gaiolas e outros desmandos.

O corpo pertence à natureza, anda conosco algum tempo a título de empréstimo. As pessoas de quaisquer tamanhos carecem, portanto, de critério no exercício da carne, centradas na perspectiva do retorno ao mundo invisível, quando se verão a braços com os fizerem neste chão. A dignidade também significa respeito aos praticados na barra dos tribunais superiores.   

quarta-feira, 15 de julho de 2015

A reverência das flores

Há interrogações poderosas espraiadas neste Universo sem tamanho. Sobretudo nas coisas mais simples elas persistem, a tocar suave o teto das respostas, busca incessante da paz que nasce dos firmamentos. No entanto flores insistem a dizer o quanto de beleza vaga livre nos espaços infinitos da consciência, e passam cadenciadas à frente do tempo no sentido do nada absoluto do que se foi, isto além de querer dizer os mistérios vivos na beleza, sinais do sentimento e desejo de compreensão. Descem às cavernas abissais das perguntas; invés de revelar, já são por si a própria revelação que passos incessantes arrastavam pessoas nesta força de rasgar as fibras da alma e se apresentar ao espetáculo silencioso das cores, no exercício de viver, amar e ser feliz.

Quantas e tantas, elas nascem, crescem, demoram um pouco, apenas o suficiente de sacudir leves o traje da visão, convidar a ligeiras conversações, para adiante regressar, no mesmo fluir eterno do tempo largando saudades da inocência. Escorrem dos dedos da vida e pautam a melodia das revelações pessoais. Seres pequeninos, ou maiores até, dotados da imensidão multicolorida. Existências guardadas de verde, aceitam de bom grado o frescor da brisa, o solo, a água, e convidam às longas viagens ao céu da imaginação. Arte pura, elas as flores.

No período Cretáceo, desde 145 milhões anos da existência da Terra, vieram as flores. Delas, chegariam os primeiros frutos, lâminas afiadas de toda verdade que reúne sob formas prováveis o conhecimento da perfeição. Páginas abertas do horizonte magistral desse livro aberto da Natureza, guardam no íntimo o poder da compreensão de tudo quanto há. 

Enquanto palavras investigam as inscrições da percepção, flores as revelam. Folhas soltas do autor da singeleza, ensejam, de mão beijada à luz dos olhos, o direito de Ver.  

terça-feira, 14 de julho de 2015

O sabor das palavras

São os vultos sorrateiros de si próprio, matéria vigorosa da individualidade prepotente, sentimentos, digamos assim, elaborados na ausência da ternura, na busca de termos melhor categorizados. 

Bom, nisso de identificar os tais estilhaços flutuantes da corrente sanguínea do ser abstrato e sua dor de existir, império talentoso dos casos clínicos particulares das criaturas atuais, invade-se o tempo da eternidade, nos seis pontos cardeais do intrépido infinito; se chora sozinho, se chora pelos cantos; elaboram-se cantilenas melodiosas, versos quadrados, modernos, perpassados de litanias fragorosas, vendavais insubmissos de súplica que varrem impiedosos as superfícies emolduradas nos eufemismos culturais de letras maiúsculas, decentes, dos valores imortais. Elaborações filosóficas exemplares trabalham as lufadas de tempestade, transformando-as em brisas suaves de manhãs inesquecíveis, conceito civilizado da persistência, feras descomunais extintas se nos mudam mais mansos animais de estimação; quadros fortes de museus; livros encadernados e suas lombadas brilhantes, dose certa depositada nas prateleiras das academias públicas, pedaços conservados nos sarcófagos das gerações futuras; fogueiras apagadas viram rescaldos mornos, a encher de lágrimas doces olhos ardentes...

E cada um rompe o hímen da cena seguinte, com as faces das corujas atormentadas, porém calmas no esquecimento de quem vive com pressão cardíaca nas raias da normalidade, medidas ideais do expediente, destemor na ponta da língua afiada, épicos do espetáculo revivido, máquinas da permanência, seres eficientes do inesgotável destino, altivos palatinos da utopia, páginas de velhos almanaques, último lançamento de grife, etc. Sentimento, generosidade, coração. Expressão, animação, vida. A alma perpétua deste mundo. Veemência de sentimento; entusiasmo, arrebatamento. Pessoa, indivíduo... Arre, quanta letra em espaço tão pequeno só para dizer que dói viver, e angustia sentir paixão não correspondida... 

Esse gosto vigoroso das estações que escorre goela abaixo traz consigo a vontade imensa de ser feliz sempre, desejo incontido da civilização. A gente acende no peito, por isso, o sonho de preservar a consciência sobre tudo, na ânsia de resistir ao momento que passa em estonteante velocidade na alma, e alimenta com temperos fortes a sobrevivência do Ser.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Sopa esquisita

Casal vivia fase difícil mediante as repetidas farras do chefe da família, bebedor contumaz, boêmio frequentador assíduo de bares e botecos, gerando abatimento moral na esposa fiel, sempre a recebê-lo prestimosa em cada retorno das suas rondas viciosas.

Para manter a ordem da casa, era ela que lutava as pelejas de apurar dinheiros escassos e remediar os negócios, bordando, cortando cabelo, arrumando e faxinando residências, criando um bicho aqui, fazendo um bolo ali, um salgado acolá; forçando os filhos a sair vendendo aonde pudessem, contudo que nunca lhes faltasse o sustento. Pessoa de fibra só o tanto, dessas que existem aos milhares pela vida afora, de preservar o corpo da prole unido, chovesse, fizesse sol.

No entanto, como doíam a todos as incertas voltas do pai, cada noite. Por vezes, chegava mais cedo, mais tontos que acontecessem os porres, entrava aos tombos, revirava a cozinha à procura do jantar; sentava no chão, forrava o bucho, bebia água e caía na cama feito pedra, até amanhecer o outro dia. Isso quando não teimava com a mulher, lhe dando empurrões, quebrando alguns dos raros trastes da morada e terminando o roteiro da cozinha para o quarto da choça precária.

Outras ocasiões, avançado nas horas silenciosas, derrubava a cadeira que escorava a porta da frente, sacolejava no escuro a rede dos meninos adormecidos no meio da sala, nisso chegando ao fogão para pegar o prato, comer e dormir abandonado pelos cantos.

Dessa vez, trombudo, rumou à cozinha, caçou o alimento e avistou coisa parecida em cima do armário. De tão bêbado, achou ser aquele o prato a ele reservado. Sentou, comeu, ainda que notasse ruim de comer, fermentado, mas comeu... Reclamou por dentro, vez que houvesse o que houvesse, jamais deixava de passar bem nos cuidados da esposa. Reservou os protestos ao dia seguinte:

- E que comida esquisita foi aquela sopa que tu deixou pra mim ontem de noite, Maria? – logo cedo, indagou agressivo, olhos injetados e boca gosmenta seca da ressaca.

- Sopa? Que sopa, Zé?! A janta não nem foi sopa! – retrucou pesarosa a esposa.

- Sopa, sim. E cheia dumas misturas meio azedas, meio adocicadas, tipo gororoba. 

Intrigada com aquilo, a mulher se dirigiu à cozinha e abriu o forno, achando intacto o prato que, de noite, deixara para o marido. Olhou em volta e se lembrou da lavagem do porquinho que, há meses, vinha cevando no quintal, a fim de vender pelo final do ano e auxiliar nas despesas dos meninos durante o término da escola.

- Mas, Zé, tu comeu foi a lavagem do bacorim, homê! Precisa disso? Cria mais juízo, home, e procura melhorar as coisas dentro dessa casa.

O acontecido mexeu na consciência do marido e, de vergonha, desde aquela data nunca mais quis saber de botar um gole de bebida alcoólica na boca, livre do costume ingrato com a força da vontade, decisão e personalidade que causaria espanto dos velhos camaradas de ócio.  

domingo, 12 de julho de 2015

Cogitações de um jegue abandonado

Primeiro de tudo, regra número um, questão de sobrevivência, jamais engolir essas folhas brancas que voam pelo ar, os tais sacos plásticos, lixo espalhado nos cantos distantes da cidade, aqui aonde vim trocando patas, depois que me largaram nas quebradas, animal de tração de segunda, destituído das qualidades industriais de depois dos açudes, barragens  e s estradas asfaltadas. Triste não servir a mais nada.

Sei, sim, que quando chove aparece babugem nas beiras das estradas e alimento nunca falta, contudo, nos meses secos, a peleja vem de novo e aumenta; meninos vadios enchem a paciência da gente quando querem; sobem no meu lombo e cutucam lá atrás com pedaços amolados de madeira, pegando corrida uns com os outros, coisa de gente desocupada. Tudo acostuma, o que é ruim, o que é bom. Perdem-se os caprichos de andar parecido como os burros ou os cavalos, primos ricos pretensiosos conservados nas reservas, a fim de serem explorados em trabalhos forçados ou nas pegas apostadas dos finais de semana.

Homens, esses animais imprevisíveis; agora eles acharam de corre montados latas coloridas, que enchem estradas forradas de preto, vez em quando trombando pernas, focinhos dos bichos agoniados, jogados nas pistas de velocidade. Respeito, esquecem até consigo mesmos; conosco nem pensar. Uns ingratos; embriagados, então, viram sádicos, arrancam pedaços, machucam e largam fácil, fácil, a missão que nos confiam nos momentos de trabalho do passado.

Meio monótona continuar isso tudo, andar à busca de surpresas quase sempre desagradáveis, na monotonia de ocupar lugares inexistentes e campos que, indiferentes, vida de estrangeiro, pois viemos da Ásia e nessa terra nos largaram.

Há notícias de, um dia, transportarmos a Família Sagrada, na fuga ao Egito, mas isso lá nos tempos envelhecidos, palavras guardadas só nos livros; e sermos restos de civilização pouco preservados entre as dobras do sentimento. Longe, bem longe, aconteceu a viagem do Oriente, enquanto ainda hoje quase ninguém lembra mais a aventura de transportar o Príncipe das Nações.

Vivemos assim, nas periferias dos lugares, bichos anciões, criados soltos por causa da inutilidade em nos transformaram, semelhantes às garrafas secas que chutamos no escuro das jornadas.

sábado, 11 de julho de 2015

O leão e o macaco

Lá certo dia, o leão vendo o risco de deixar este mundo sem nunca haver experimentado a carne do macaco, resolveu conquistar o sagaz animal e satisfazer seus apetites. Chamou a raposa e, juntos, criaram espécie de plano que correspondia a uma audiência permanente com todos da floresta bem dentro da gruta que lhe servia de esconderijo.

Daí começou o movimento, vindo bicho de tudo quanto era canto. Os convidados entravam na furna e passavam horas, depois saíam sem revelar o que acontecia entre eles e o Rei.

Naquilo, o macaco, observador por natureza, ficou de butuca em cima das árvores das imediações, desconfiando que alguma tramoia desenvolvessem na área, envolvendo tanta gente.

Tempo vai, tempo vem, e nada dele tomar gosto, acordar a curiosidade característica e também chegar para negociar com o chefe da floresta.

Nisso, o leão resolveu mudar a tática e ele mesmo veio até a frente da morada a fim de estabelecer diálogo com o símio ainda pendurado no alto das árvores maiores, longe de suas garras.

- Sim, compadre macaco (que os bichos gostam de tratar uns aos outros desse jeito) – foi falando a fera monumental, enquanto sacudia a juba meio parecido que contrariado. – O senhor vive distante das atividades do meu reinado. Quer contar o que se passa nessa cabeça, meu irmão? – perguntou o soberano, querendo impor autoridade nas palavras.

- Ah, majestade, ando sobrecarregado de compromissos por causa das invasões dos humanos explorando e querendo tudo só pra si – explicou o macaco, já de olhos acesos diante da força do leão.

- Pois, então, amigo velho, entre e venha confessar os problemas que atravessa, que decerto oferecerei a tranquilidade que procura para suas preocupações.

- É, majestade, mas analisei bem o seu jeito de atender aos súditos. Notei coisa esquisita e quero salvar minha pele. No chão defronte da porta da gruta há muito mais rastros de animal entrando do que saindo – e dizendo isso, mais que ligeiro sumiu desembestado quebrando cipó no eito da floresta, e nunca que quis maiores aproximações com o leão e sua fome da carne de macaco.  

sexta-feira, 10 de julho de 2015

O Pai Superior

Quis Deus que aqui nos encontrássemos para falar nEle, pois a isto nos propomos, nestas palavras falar em Deus.

Supremo poder o de Deus, donde emana tudo o que existe. Merece muitos nomes: Senhor, Jeová, Javé, Aton, Amor, Allah, Altíssimo, God, Gött, Tao, Tupã. Cada povo sabe dizê-Lo, entre dores e esperanças.

As religiões terminam sempre junto dEle, sob o nome que O quiserem chamar. Até aqueles que não admitem a Humildade, os cientistas materialistas, dão de cara com um nível de raciocínio que não pode ser dito e chamam-no de Desconhecido ou Força da Natureza. Dedicado ao Deus Desconhecido, encontrou Paulo de Tarso um altar na Grécia politeísta.


A voz do coração, onde reside a Consciência, fala de Deus. O Caminho da Perfeição abre-se a cada passo, adotemos ou não percorrê-lo. Tudo marcha, sem questão, inexorável, a um fim útil.

O sorriso da criança, o ar que se respira, a paz dos ermos, os azul do infinito, a luz dos astros, as flores, os frutos, as sementes, o verde, o mar, os rios, lagos, as montanhas, a chuva, o vento, o fogo, a água, a palavra, a compreensão, a família, a amizade verdadeira, tudo fala da obra divina.

- O que é Deus?

- Deus é suprema Inteligência, causa primeira de todas as coisas.


- Onde encontrar a prova da existência de Deus?


- Basta lançar os olhos sobre as obras de sua criação. (O livro dos Espíritos, de Allan Kardec).


Certeza aos perdidos, saúde aos enfermos, alegria aos infelizes, hálito aos aflitos, nunca há de faltar, porque Deus nunca findará, em sua plenitude eterna.

Mesmo aqueles que não tiveram aceso à letrada cultura guardam a convicção desse Alguém Maior, além do que admitam os homens, herdeiros universais na Criação, tantas vezes ingratos.

De Bondade sem limites, como não têm limites sua Inteligência e sua Justiça, devemos recebê-Lo com fervor no âmago do Ser, para alcançarmos a Fé, matéria-prima da tão almejada Felicidade.

E o Poder completar-se-á em cada um de nós, a realização plena de nosso Espírito, irmão entre Irmãos, no Planeta em que nos foi dado viver durante algumas décadas. A graça e a bondade hão de acompanhar-me todos os dias da minha vida.

A oração será a ponte de que o pensamento se utilizará para transpor o abismo e completar, com Ele, a União. Falemos, pois, sinceros aos Seus ouvidos oniscientes, para alimentar os sonhos do que é bom, merecendo o bem querer de abraçá-Lo, na Vitória Definitiva.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Averiguações

A quem gosta de escrever é de valor inestimável os instantes que antecedem o texto, quando nem sabe o que existirá logo adiante aos olhos do pensamento, os frutos dessa árvore ainda por nascer da percepção dos sentidos. No firmamento das palavras as ideais crescem feitas nuvens que irão produzir no tempo a carga das vagas de significados e sentimentos que virão às mãos dos que oferecem atenção às palavras ditas. Considerar o desejo imediato que toca a alma por vezes no afã de transformar os céus e terras das mentalidades, ânsia dessa virtude essencial do conhecimento em forma de criação. Saber que a gente não lê, a gente se lê; o texto só oferece o espelho de ver a nós mesmos. Assim, quem escreve elabora espelhos aonde semelhantes pessoas irão visualizar outras dimensões que já existem do lado de dentro das criaturas, na busca ativa de respostas aos mistérios universais da consciência.

Nisso, temas mudam de canto ao infinito, repetições da santa brincadeira da fala em movimento: O Estado leviatãEstragos da mágoa na saúde das pessoasAventuras irresponsáveis dos poderososEgoísmo corrosivoA mãe de todas as guerras, por exemplo. Títulos e motivos que lembram cordéis da época de criança, que chegavam da feira e impressionam sobretudo pela possibilidade imensa de viajar por mares imagináveis e avançar a si próprio, no auge da solidão infantil. Os sete pares de FrançaA chegada de Lampião no InfernoO romance do pavão misteriosoHistória de Mariquinha e Zé de Souza LeãoA triste partidaA história da donzela da pedra fina, e outros mais.

Quais janelões que desvendam a noite das possibilidades adormecidas, os textos ganham vida no coração de quem lê. E nas bandas daqui, quem produz apenas desempenha o compromisso artesanal da fala, na intenção de transmitir paz, indicar lugares aonde luz possa chegar e mostrar as visões benfazejas lá do íntimo da condição humana dos buscadores de bem viver, de momentos de tranquilidade que o dia oferece no silêncio; varrer da presença os ciscos de apreensões e desespero, edificar os monumentos que habitam sonhos de esperança e muita fé.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Quando morre um médico

Soube hoje da morte do médico José de Melo, razão de forte comoção dos cratenses, vez ser Crato onde exercia a profissão. Algo de melancólico enchia o astral dessa manhã ao lhe sepultarem. Enquanto isso poderia aqui a escrever um conto, recontar qualquer história das que existem espalhadas no tempo, ou mesmo refletir a propósito dos assuntos do momento, no entanto resolvo mergulhar a emoção que tocou cidade e lembrar que perdemos Dr. Zé de Melo, cidadão votado aos afazeres clínicos de minorar a dor alheia. E considerar a importância da missão dos operários da medicina em fase de tantas carências.

A sociedade anda às tontas diante dos chamamentos perversos que despejam os mercantis a título de alimento, o que bem entendem deixar de lado critérios mínimos da saúde nas ofertas, porquanto o lucro prevalece na mentalidade e nas leis. Indústria alimentícia de padrões duvidosos trabalha ao lado das indústrias química e farmacêutica, na adoção dos motivos mais que responsáveis pelo tanto de exigência médica no presente das pessoas. Sobram pedreiras do desafio que avassalam as gentes todo instante na seleção do que alimentar nossa família. São agrotóxicos, aditivos, acidulantes, adoçantes, corantes, lixo atômico, genéricos à espera dos resultados no corpo em longo prazo, veículos em velocidade nas estradas e ruas, tudo sob doses desconectadas dos reais valores da natureza sadia, que claudica e pede médicos, médicos sem conta, a fim de minorar as consequências da máquina. 

Perante, pois, o quadro da saúde pública em xeque, profissional da medicina que passa aos planos espirituais deixa lacuna inestimável, qual profeta da sobrevivência que mudasse de canto, principalmente após largos anos do exercício da nobre profissão, espécie de pajé de agora, vez que por seu intermédio haveria chances de saldar na idade, no bem estar, a esperança de ver os netos chegarem à idade adulta e nutrir sonhos de transformações e melhoras sociais.

Diz provérbio africano que quando morre um homem se fecha uma biblioteca. Em assimilação proporcional, quando morre um médico se fecham portas à saúde que lhe aguardava nos milhares das filas, nos hospitais e prontos-socorros. Que Deus o tenha em bom lugar, doutor, pelo bem que praticou nesta vida. 

Ilustração: O doutor, de Samuel Luke Fildes.

domingo, 5 de julho de 2015

Outro nome da conivência

Quase nunca as bases decidem mudanças e ficam perplexas diante dos acontecimentos. Salsas. Tangos. Rumbas. Cumbias. Rocks. Merengues. Teatros. Cinemas. Shows de sangria nas calçadas. Povo correndo. Sirenes gritando. Pavor. Desengonço. Trepidação de carros em disparada. Canhões. Movimentos de tropas. Torturas. Escamoteios. Foguetes. Violência. Violência em vários graus. Ignorância dos subúrbios em xeque. Esgotos a céu aberto. Crianças catando lixo envelhecido nas colinas de urubus em festa. Portas fechadas e dramas repetitivos nas telas de ricaços embrutecidos pela gorda indiferença. Os homens. As mulheres. Seres humanos que descem e sobem nos elevadores do poder, indiferentes aos apelos ensurdecidos de anúncios espalhados aos quatro ventos. Tortas recheadas de fel em doses duplas. Noites amarelecidas em lençóis mornos. Amargor na boca do estômago. Existências vazias. Tortos caminhos de iguais existências amorfas, melancólicas, ausentes de atitude. O calor das muriçocas em forma de ventiladores zoadentos. Luares românticos, ineficientes, suores de cólica. Impotência visceral. Apenas fatais e sujos magros heróis de fancaria. Vilões de si mesmos. Fantoches do destino. Profetas da carência de sentido em tudo no carrossel ensandecido. Poetas derrotistas da desesperança. Uma doença antiga, tão antiga quanto presente em todas as épocas da Humanidade. A inútil dor alheia que não consome os outros, porém que mata sem pedir a conta dos circunstantes em volta, indecisos, covalentes de chanchada, adiposos asmáticos em turmas pecaminosas. Autores de bombardeios que assassinam crianças. Monstros noturnos que jogam nas mesmas máquinas eletrônicas que espalham a droga nos puteiros e nos salões ilustrados da burguesia subserviente. Valores espumosos das canastras das ruas descalças. Pruridos vãos dos traços cruéis nas superpotências e suas atitudes pecaminosas. Diante de tanto amargor, as traças carcomem os seus filhotes, exemplos de uma raça que se vitima, na fila dos amargurados torpores, hemoptises, flatulências, incólumes, no entanto, sintomas do mal dos milênios. Solidariedade vadia, leviandade doentia, justificativa injusta, toneladas de gastos e os pacientes alarmados batendo palmas ao espetáculo de pão azedo e circo silencioso, que repete a história das almas que se locupletam, os neutrocovardes decantados nos almanaques, criaturas esdrúxulas e nefastas, alimentadas de lama podre, resistentes aos instintos de conservação e sobrevivência da espécie.

sábado, 4 de julho de 2015

Ideologia e doutrina

Termos utilizados a valer nestes tempos, no entanto pouco considerados quanto dimensão e significado. Devido ao crescimento da comunicação de massa, o poder de controle do Estado moderno cresceu extensivamente no bolo popular, isto de modo interesseiro, imediato, a ponto de ora confundir com imensa facilidade manipulação e política no senso das populações. Vieram no bojo daquelas ações totalitárias o exercício extremo das ideologias.  

Enquanto doutrina representa conjunto de princípios que serve de base aos ideários de religiões, instituições sociais, origem de conceito quiçá definitivo na formação da cultura e da civilização clássicas, a ideologia dá de conta das montagens intencionais de verdades fabricadas com objetivos dirigidos, valores elaborados para a dominação dos grupos sociais.

Doutrina nasceu das convicções adquiridas pelo estudo. Sob o ponto de vista crítico, a ideologia pretende mascarar a realidade, apresentando tão só uma face das circunstâncias externas daquilo que pretendem seus autores na divulgação das ideias, falas e ações. A verdade da ideologia, por isso, passa longe da verdade real verdadeira.

Os tentáculos dessa dominação política, sobretudo na fase histórica da propaganda no poder, cria simulacros de realidade, frutos da ilusão elaborada, intencional, mantendo nações inteiras sob as armas frias da propaganda usinada nos meios industriais da comunicação. 

Nisso, face aos recursos sempre avançados da pesquisa tecnológica, o homem comum imolada sua consciência no altar da fantasia, inclusive nas artes, no consumo de bens, na saúde, na família, no trabalho, visão apocalíptica doutra escravidão a valores e relações da dominação constrangedora de tiranias e sistemas.    

Primeiras tentativas de tais práticas vêm de longe, remontam fórmulas arcaicas dos antigos impérios, classe sobre classe, contudo sem os recursos abrangentes da época presente. Cinema, disco, rádio, jornais, livros e revistas perdem espaço no que tange a penetração na sociedade contemporânea. Porém televisão, internet, celular avançam vorazes na busca frenética das mentalidades, quais feras indomáveis, semelhante ao que a indústria química empreende no âmbito da alimentação e da saúde dos habitantes deste lugar do Universo.   

A fé e o merecimento

Admitir que a fé por si é o suficiente nas respostas da religiosidade aos desafios quero crer precisa de algumas avaliações, inclusive sob o crivo das palavras de Tiago 2-26: Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta. De comum, pessoas chegam a exercitar o conceito de que pela entrega do querer espiritual convencem poder o que deseja só através da fé qual motivo principal da existência. E operam todos os efeitos dos milagres e das transformações adotando a fé como o guia nas condições da existência do mundo físico e moral. Razão de tudo e um tudo.

Ao lado disso, dessa confiança irrestrita no valor da fé acima das demais obediências, há, no entanto, que antes plantar o direito que postula por meio do agir movido pela prática do bem e do dever. Desde então adquirirá, isto sim, o mérito que a fé alimentará de receber o melhor. Noutras palavras, fornecerá ao Poder os lenitivos de promover o justo ao justo na forma dos desígnios.

Ainda que o desejo impere realizações, estas respondem submetidas a leis universais – ora na fase de descoberta e identificação pela ciência dos homens. A intensa vibração dos corações contritos exigirá, pois, bases sólidas às metas da necessidade, onde prevalece o merecimento, superior ao puro acaso da vontade individual.

Noutra citação bíblica relativa ao tema, Jesus diz: Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os profetas: não os vim destruir, mas cumpri-los - porquanto, em verdade vos digo que o céu e a Terra não passarão sem que tudo o que se acha na lei esteja perfeitamente cumprido, enquanto reste um único iota e um único ponto (Mateus 5, 17-18).

Nisso, a coerência dos princípios legais no fazer e no merecer, espécie de consequência natural das providências pessoais em movimento. A fé amenizará os instintos materialistas, contudo exigirá saldo positivo em termos de praticados, com o fim de a todos propiciar doces e saborosos frutos.  

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Baixio das Palmeiras

Há poucos dias recebi do professor Francisco Wlirian Nobre livro que escreveu, sob o título de Baixio das Palmeiras: apontamentos geográficos, culturais e historiográficos. A obra esmerada enfoca esse distrito do município de Crato, Ceará, abordando a vida comunitária da localidade próspera e dotada de patrimônio etnográfico admirável, o que propiciou a Wlirian Nobre realizar trabalho síntese fiel ao universo onde vivem familiares seus, nesta região do Cariri cearense.

Em um mergulho histórico às origens de nossa formação desde tempos coloniais no século XVII, com a chegada aqui dos primeiros europeus, sequenciado por sucedâneos da formação étnica da grei aqui fixada, se detém no crescimento das comunas interioranas do Ceará, trazendo consigo particularidades da análise física e humana dos sítios que compõem a circunvizinhança da vila do Baixio das Palmeiras.

Na sua proposição, o estudioso, de formação acadêmica em Geografia ora a desempenhar o magistério na escola pública, avança em cogitações históricas da economia regional, antes voltada sobretudo aos setores agrícola e pecuário.

A utilizar fotografias, desenhos e xilogravuras, a edição bem ilustrada vem de lavrar um tento no tange publicações do gênero, face ao zelo com que alia texto objetivo a conteúdo farto de histórias da oralidade e elementos outros da pesquisa, com farta bibliografia. Assim, o trabalho é rico na descrição de vivência, de costumes, no qual o geógrafo fala, mas não silencia o homem do campo ligado à terra e às suas raízes. A metodologia de pesquisa que combina a ciência com a sapiência popular faz desse trabalho uma obra singular, diz na apresentação o professor Epitácio Rodrigues.

Portanto, com satisfação venho noticiar tal produção de bem cuidadas feições gráficas, capa e projeto de Cláudio Henrique Peixoto, fotografia de Gustavo Ramos e Ulisses Teles, e xilogravuras de Carlos Henrique, numa execução a cargo do BSB – Bureau de Serviços Gráficos, de Juazeiro do Norte, Ceará.

Elevar o pensamento

O juízo da gente dispõe dos dois pavimentos bem claros da consciência comum, um abaixo e o outro acima da linha do horizonte da consciência. Isso que aos poucos venho descubro, no decorrer dos dias. O setor de baixo aloja as preocupações cotidianas da sobrevivência, espaço que elaboram as representações sociais, as tarefas que viram hábito, impondo exigências por vezes absurdas, quais vícios, manias, preconceitos, desvios de conduta, tradições equivocadas e rotinas das preocupações materiais. Já o setor superior, por sua vez, serve aos valores nobres a que recorremos nos momentos das carências, horas de crises e apreensões, influxos de solidão e dúvidas. Território ainda pouco explorado de muitos, guarda refúgios providenciais diante dos laços que o destino sujeita impor quando divisamos o aspecto áspero dos acontecimentos inevitáveis da vida. 


Nos transes da religiosidade teremos, portanto, à disposição esse dispositivo, dentro da própria pessoa, em que revelamos o pavimento das virtudes espirituais, tal algumas escolas denominam. Enquanto a ciência acadêmica, a seu modo, considera sob a denominação de Inconsciente, ou região das sombras, dos mistérios humanos. O lado externo de relações, o pavimento de baixo, acessa o mundo, vitrine das máscaras e papéis do transcorrer social, equivalente ao mínimo do que somos se comparado ao infinito de possibilidades do lado ainda pouco explorado desse Inconsciente.

Existem alternativas adotadas de incentivar as práticas da meditação, da concentração mental, da mentalização positiva do pensamento, e outros exercícios, através de métodos e serviços pela caridade, até pelo afastamento da multidão, ordens religiosas que desenvolvem trabalhos comunitários e o desencanto deste mundo profano. 

Há jeito também usado por várias denominações religiosas de buscar na oração, elaboração de palavras e sentimentos, ou a prece, o meio de transcender às limitações do pavimento inferior e chegar aos níveis das comunicações do plano maior, fornecendo a si mesmo o contanto suficiente de obter resultados místicos e maravilhosos de que tanto fala a história das religiões. 

Experiências assim de utilizar o corpo físico e as possibilidades infinitas do ser demonstram, todo tempo, seja contra a vontade, ou por gosto, meios suficientes de transpor as barreiras limitadas da matéria e chegar aos campos férteis da alma, nas vivências naturais das individuais percepções.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

A aflição dos amores impossíveis

Quando nem dera tempo de existir, pois não houvesse a oportunidade em que nasceu diante do mundo real, ou viesse a lume pelas folhas urgentes do momento, ou cruzasse o espasmo das emoções. Espécie intermediária entre o furor da paixão e os sonhos dos desejos, marcas indeléveis de dramas guardados nas valas do inexistente. Permaneceram ali esquecidos no meio da distância regulamentar de vontade e ilusão, força neutra que orienta os animais desesperados quando buscam o repouso de outro coração impaciente. Por mais quisesse, todavia os circuitos da visão deixaram largados bem longe os sentimentos, as sensações. 


Há conto de Machado de Assis, A missa do galo, que reflete isso dessa vontade contida só nos de dentro exíguo do território mágico da saudade, sem percorrer a praia longa dos gozos e alegrias, origem de toda saudade dos amores, depois arquivada nos gavetões definitivos do coração, saciados ao toque físico e desenfreadas experiências, por exemplo, o que, no citado conto, deixa de ocorrer. Conquanto existente íntima probabilidade de dois vivos, pensantes, amarem, porém irrealizável na existência absoluta das horas, o que, caprichosamente, recusa receber plena a concretização. 

Este espaço invisível do mundo emocional das criaturas que aceitam gestos mútuos porém lá certa vez decepa quaisquer inícios concretos, naquele instante de permitir a efetivação do plano comum. Argumento por melhor seja ele se transformar ineficaz dalguns merecerem livre trânsito do critério, nas tempestades frívolas do desejo.

Bom, muitos contam episódios assim semelhantes de voos interrompidos da esperança que, ausentes, sumiriam nas curvas da longa estrada de normas sociais ou circunstanciais, meros protagonistas de filmes improváveis, enredos imaginativos feitos na ausência prévia. Daí cogitação de denominar saudade ineficaz tais produções inacabadas. A força da vinculação amorosa deixaria de produzir resultados eficientes no painel dos relacionamentos, sem uma palavra sequer, um gesto de calor suficiente, ainda que reste no íntimo ser o fervor caloroso dos palcos e das vivências.