sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Aceitar as contingências


Duro é para ti recalcitrar
 contra o aguilhão. - Jesus (Atos, 9:5)

Situações que se apresentem no decorrer dos dias exigem por demais atenção e paciência, trazendo à tona ensinos religiosos e filosóficos guardados atentamente nos livros. Quase sempre é preciso que adotemos medidas estratégicas de concentração mental e positividade, a fim de cruzar barreiras quase a dizer intransponíveis. Isso, aquilo, pede paz ao coração das pessoas, persistência e ânimo firme. Determina atitudes adequadas a viver, ainda que diante das adversidades. Bem porque carregamos no íntimo a força suficiente de vencer todos os desafios que por ventura assim tenhamos de encontrar.

São ensinos pertinentes, úteis e necessários, e que deles carecemos, invés de naufragar no mar das frustrações e deixar que o desespero atinja o direito sagrado de sobreviver a tudo, porquanto viemos no intuito de avistar a terra da promissão. Só em pensar nas quantas gerações de seres iguais a nós vieram e regressaram, todas a braços com os mesmos transes os quais batem às portas de muitos, isso determina que utilizemos de práticas de pensamento elevado, otimismo, paciência, e levemos em conta a oportunidade dos aprendizados e das determinações que compõem o quadro das ocasiões.

Tal dizem os pensadores existencialistas, somos nós e as nossas escolhas. Apenas confrontar, por isso, nada representa, visto serem os instrumentos de construções da vitória o que logo à frente sorrirá aos que desenvolvam habilidade em administrar situações, conquanto viver e lutar trazem o mesmo significado neste tabuleiro das existências.

Usar, deste modo, o condão das palavras a título de alimento sadio aos leitores, impõe a quem escreve o dever fundamental de oferecer meios práticos e elementos exatos de atravessar as tempestades deste mundo em mudança. Queiramos, pois, desvendar os mistérios das jornadas no sentido favorável à esperança, caminho da paz e da tão desejada felicidade.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Jamais se esqueça de si


De tudo quanto importa, na verdade, eis o que durante todo tempo ouviremos na voz da Consciência em nosso interior. Pouco importa fatores e circunstâncias, venceremos o espaço estreito aonde viemos, porquanto contamos com toda a força do Universo. Alimentemos a vontade de encontrar os lugares do Amor em nossos sentimentos. Busquemos, intensos, a libertação dos limites desse chão em movimento constante. 

O de que melhor já existe face aos mistérios vibra em nossas almas. Acreditar nisto vale por todas as riquezas deste mundo. A fonte da vida que nos permitirá abrir as portas do tesouro que já o somos e que mora dentro de cada ser, conquanto necessidade maior persiste nos instrumentos naturais a que pertencemos desde sempre. 

Nisso a vontade viva rumo da felicidade completa e inextinguível que cabe aos passos de cada um nas estradas pelas quais ora desenvolvemos os dias da nossa própria história, criaturas perfeitas que precisam apenas se reconhecer. Ao nível de nossas mãos, o tempo oferece o condão da esperança; daí querer significa a base das lições que aqui viemos buscar. Ainda que nalgumas vezes dificuldades ofereçam desafios imensos, nessas ocasiões resta sacudir os fardos desnecessários e vencer o território estreito da matéria, pois somos espíritos imortais, senhores de todos os tesouros que transportamos em nossas almas. 

Quantas oportunidades habitam em todo momento ao dispor das criaturas humanas. Recolhamos, assim, as raízes de nossa salvação da essência do que possuímos em nosso interior. Há uma fonte viva de luz, paz e transformação no íntimo dos nossos corações. O testemunho dessa conquista virá de nós, mensageiros da revelação superior. Acreditemos, sobremodo, na imensa possibilidade que permeia fulgurante os segredos da criação. Vivamos, por isso, a construção dos mundos infinitos de que também somos seus autores e viventes.

(Ilustração: Vladimir Kush).

Intercessão valiosa


Das inúmeras ocorrências verificadas no decurso da Confederação do Equador, no Ceará, idos de 1824, episódio impressionante narrou Esperidião de Queiroz Lima, no livro Tempos heroicos, o que transmitimos aos que ainda não leram a publicação.

Trata-se da execução de um dos sentenciados pelo tribunal militar conhecido por Comissão Matuta, no mês de outubro daquele ano, instalado para punir as hostes rebeldes. Julgados e condenados, cinco líderes republicanos seriam fuzilados no pátio da Cadeia Pública de Icó. Um desses, Antônio de Oliveira Pluma, autodenominado Pau Brasil, conforme sua assinatura no manifesto do movimento, insatisfeito com o resultado a que se via submetido, reagiu em altos brados, protestando misericórdia de quem ali se achava.

Recusara mesmo permanecer de pé, mas, sendo assim, forçaram-no em cordas a se sentar numa cadeira, onde, com olhos vendados, ainda pedia que o deixassem viver.

De nada lhe valeram as rogativas, pois logo em seguida o pelotão recebeu a ordem de preparação:

- Apontar!

E, ante os disparos iminentes, o pânico pareceu querer tomar a alma do condenado em face da morte inevitável, sob o monto de todo o idealismo que até ali dominara os atos de sua razão da existência. Outra vez, um gesto cresceu de sua voz, explodindo mais alto em reclamações de amparo, lançadas aos planos superiores:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Nisto foi secundado pelo toque de comando: - Fogo!

Cessada a fumaceira, as balas achavam-se cravadas no muro onde o revolucionário permanecera incólume, sacudindo de espanto os presentes. Seguiu-se nova carga de munição. Restabeleceu-se a ordem preparatória, e se fez no ar outro grito de socorro:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

- Fogo! - comandou a ordem marcial.

Resultado: o alvo manteve-se intacto. Os tiros voltaram a ferir tão só e apenas o muro, para desânimo da escolta. Em meio do inesperado, tonto, pálido, o comandante reclamava prática melhor de tiro a seus homens, visando manter os praças no cumprimento do dever, tratando de retomar as determinações da próxima tentativa, que foi precedida pelo mesmo grito do condenado, tão pungente quando sincero:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Os disparos se deram, de acordo com a obediência. Desta vez Pluma fora atingido por algumas balas, mas continuava vivo, segundo narra em seu livro Queiroz Lima.

Soldados de pronto se movimentavam para um quarto fogo. Nesse instante, a população presente, tocada de simpatia pelo confederado, se ergueu coesa e exigiu o direito do réu ser libertado, qual merecesse o valimento dos céus. Em seguida, essas pessoas levaram-no consigo, alheado e preso à cadeira do martírio, até à Igreja do Senhor do Bonfim, distante cerca de 200m do ponto onde a cena ocorrera, entre preces e benditos fervorosos.

Há registros do ano de 184l que dão conta de que o sobrevivente veio a ser titular da Promotoria Pública da comarca de Baturité, no Ceará, o que bem comprova sua resistência aos ferimentos naquele dia recebidos, na tentativa de execução de que fora objeto e sobrevivera, no município de Icó, dezessete anos depois.            

(Ilustração: Os fuzilamentos de 03 de maio, de Goya).

Padre Frederico


Quem viveu em Crato nos anos 50 e 60 com certeza conheceu o padre Frederico Nierhoff, sacerdote responsável durante décadas pela paróquia de São Vicente Ferrer, na zona central da cidade. Dotado de espírito empreendedor, fez a reforma da igreja e ampliou o salão paroquial, além de instalar projeto comunitário rural no distrito de Ponta da Serra, na localidade denominada Mata, iniciativa de larga envergadura, deixando marcas profundas de sua liderança religiosa em todo o município.

Pois bem, sobre a personalidade forte do Padre Frederico algumas vivências ficaram registradas na memória do povo cratense. A sinceridade e o senso de humor lhe caracterizavam as atitudes. Homenzarrão de quase dois metros de altura, vozeirão, sotaque a lhe denunciar a origem; natural da Alemanha, viera ao Brasil na época da Segunda Guerra para atuar junto de outros compatriotas que fundaram o Seminário Sagrada Família, situado no sítio Recreio, imediações da zona urbana, prédio depois destinado às instalações do Hospital Manoel de Abreu e agora adquirido pelo governo do Estado para instalar um Centro Cultural. 

Dentre as suas histórias mais pitorescas se pode anotar o caso de um matrimônio da gente dos matos que veio de celebrar. No instante das partes aceitarem o definitivo do compromisso conjugal, a noiva saiu-se com inesperada recusa. Desfizeram com isso o cerimonial que só voltaria a acontecer passado algum tempo.

Da segunda vez, as peças se inverteram. Nessa ocasião quem negou a dizer sim foi o noivo, motivando outro constrangimento às famílias, aos convidados e celebrante. 

Até a terceira data, as coisas demoraram um tanto mais de tempo, porém mesmo assim verificando-se dentro da menos provável expectativa.

Todos a postos, silêncio apreensivo no ápice do ritual. Feitas as clássicas perguntas, suspiro de alívio percorreu o ambiente quando os dois responderem favoravelmente à pergunta do sacerdote. No entanto algo ainda faltava de suceder.

- Pois hoje quem não aceita sou eu - contra-atacou o vigário. - Vão embora que eu não celebro mais esse casamento encruado.   


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O ferreiro de Barcelona


As trevas da Inquisição cobriam a Europa de mártires e de terror. A Idade Média anulava os anseios religiosos da grande população, através de cruel intolerância solapando liberdades civis qual fosse uma peste sulfurosa. Durante o século XIII, cometeram-se ignomínias e atrocidades, aplicando penas que iam do confisco dos bens a execuções sumárias, torturas e outros castigos inimagináveis.

No auge de tudo isso, existia na cidade espanhola de Barcelona um ferreiro afamado que ganhara a preferência dos executores das penas no mister de confeccionar requintados instrumentos adotados pela repressão impiedosa. Suas algemas mereciam respeito face ao primoroso zelo com que as manufaturava, sem existir quem lhe pudesse superar na qualidade. Cumpria de sobra com as encomendas apresentadas. De suas produções jamais alguém conseguia escapar. Um profissional e tanto o ferreiro daquelas peças de trancar perseguidos da oligarquia que avassalava as consciências desse período trágico, no combate das idéias renovadoras e escarmento de tantas vítimas.

Pois bem, esse homem se orgulhava de que ninguém era capaz de se livrar das suas tenazes; ninguém, que fosse, chegava a fugir quando preso com os ferozes mecanismos.

O tempo, justo e sobranceiro, porém, guarda surpresas na aparente monotonia dos gestos humanos. 

Dias e noites passavam céleres, até que durante uma festa de insistentes brindes, perante vasta multidão, o ferreiro, animado além do tanto nos assuntos do vinho, excedeu-se nas palavras, deixando transpirar segredos inconfessáveis, aos quais chegara por via do prestígio adquirido junto às cúpulas do Santo Ofício. Na carraspana, inconfidenciara notícias que determinariam o seu próximo destino.

Coisa pior não lhe poderia acontecer. Caía desse jeito nas garras do mesmo tribunal a quem servira. A equipe dos doentes espirituais, por meio de julgamento improvisado, cuidou da sua condenação, ficando desfeita a velha aliança.

Após o pesadelo das primeiras horas, ele despertava desnudo em solo úmido de masmorra infecta. Colado a pedras ásperas, sentiu nos pulsos crivos frios de metais enegrecidos. Entre dormido e acordado, buscou esperanças no manuseio do mecanismo que o retinha de encontro à tosca parede da prisão.  

Recobrara os sentidos para perceber, qual não foi a surpresa, que se via atravancado nos pulsos e tornozelos por dois pares de grilhões que produzira na véspera da comemoração onde fora se meter, perdendo o domínio e sentenciando o merecimento da justiça torpe dos que antes auxiliara. 


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

A balança do Tempo


É infinita a distância entre a liberdade e o agir. Itinerário por demais admitido, no entanto o querer determina os passos a serem dados. Uns aceitam duvidar; olham, mas veem só a direção contrária dos místicos. Acham sempre um motivo de pender ao lado contrário na balança da sorte. Só querem o imediato, invés de aceitar o preço do trabalho, da dedicação, da renúncia, por vezes até do sacrifício. Nada que supere o peso do prazer, das iscas que avistam no vento. Existem, pois, as duas teses bem estudadas, o Estoicismo e o Hedonismo.

Estoicismo: doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.), e desenvolvida por várias gerações de filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade. (Oxford Languages and Google)

Hedonismo: cada uma das doutrinas que concordam na determinação do prazer como o bem supremo, finalidade e fundamento da vida moral, embora se afastem no momento de explicitar o conteúdo e as características da plena fruição, assim como os meios para obtê-la. (Ibdem)

Nesse universo ético, portanto, acontecem as providências humanas. Uns apostam a existência na casa da resignação. Outros na pura fruição dos bens materiais. Enquanto isso, escolas espiritualistas voltam suas baterias pela aceitação de meios extrafísicos, aonde semeiam esperança nos dias porvindouros. O que faz diferença no sentido dessas atitudes são os sistemas de crenças individuais. 

As escolas religiosas, sobretudo, exercitam a norma da definição dos planos além das percepções apenas do corpo e avançam nos valores ditos eternos.

Desde os primeiros registros da humanidade persiste essa busca pelo que virá após a perda do corpo, conquanto a exatidão da Natureza indica essa compreensão dos níveis maiores da consciência, expectativa da ciência oficial e dos habitantes deste chão de provar em laboratório a continuação da vida depois da morte.

Destarte, caminhamos no caminho que melhor atende às possibilidades de nossos valores e tratamos de escolher o que irá determinar nossos dias no futuro nem tão distante. 


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A solidão dos corações enamorados


Nos imensos desertos da alma que abrem de par em par suas portas ao eterno, encobertos pela poeira de sonhos vagos em noites estreladas, litanias desesperadas rompem os céus das histórias de princesas presas ao leito do desespero ao furor de lhes rasgar o peito apegos a um amor imortal; só então vêm à tona os tetos em brasa dos desejos ardentes de paz que revolvem por dentro o turbilhão de paixões desenfreadas, desfeitas em mil pedaços ao frio calor das madrugadas, e bem ali a se instalar no fervor dos vendavais do Infinito quando o coração em guarda trabalha a voragem de todos os sentimentos à cata de referências e salvação.

Bem assim somos nós, testemunhas e autores das angústias que nascem da beleza e dos amores incontidos a fervilhar o abismo da alma. Senhores de tantas tradições, porém presos às maravilhas em volta, circulamos tontos nas fibras intocadas do coração. Quantos sonhos guardados nas cavernas do sentimento, onde vive perene o Amor. Ânsias das mais perfeitas melodias, inspiração do Universo em forma de luz, súditas da força mais poderosa, multidões avançam pelas colunas do Tempo e aceitam essa presença do Autor Desconhecido que as domina, feitos meros instrumentos que o somos da afetividade. Nisso construiremos mundos e oferecemos os meios às novas existências, que nascerão de nós mesmos. 

Na certeza, pois, de sentir a magnitude do mistério, no entanto apenas aguardamos a verdade que sustenta os astros lá nas alturas e mantém o instinto da sobrevivência, oxigênio e motivo dos acontecimentos. Encapuçados na própria solidão, deixamos que brilhem formas que presenciam os refolhos íntimos, fantasmas na escuridão que prepara a imortalidade, indivíduos silenciosos; alimentamos a possibilidade de algum dia despertar nos braços de quem se ama e jamais sumir pelas esquinas sórdidas da ausência. Aceitar a alegria qual fator de essência e certeza absoluta da Consciência de tudo quanto há.

Ilustração: Moça na janela, de Salvador Dali.



sábado, 14 de novembro de 2020

Lembranças da Bahia


Era a década de 70 e eu vivia em Salvador. Trabalhava na Agência Centro do Banco do Brasil, situada no Comércio, à Avenida Estados Unidos, sendo um dos funcionários da Secretaria da Gerência, ao lado de Artur da Silva Leandro, o Gerente Geral da agência. Atendia no Cheque Ouro, o carro-chefe do banco à época. Quando recebera a carteira de Carlos Barreto Filho, ele me passaria em projeto em andamento, a divulgação do produto junto aos artistas e autoridades baianas, a fim de expandi-lo através dos nomes da cultura e dos principais órgãos administrativos. Daí saía a visitar essas pessoas, quando, então, abria contas e fornecia talionários de cheques, além de explicar os detalhes dessa modalidade bancária em fase de plena expansão.

Face ao ofício, estive com Jorge e James Amado, Emanoel Araújo, Sante Scaldaferri, Jenner Augusto, Almirante Henning (comandante da Base Naval de Aratu e depois Ministro da Marinha), Joalbo Carvalho (Presidente da TeleBahia), Carybé, Kennedy Bahia, Calasans Neto e Floriano Teixeira. Primeiro, ligava marcando as visitas e, em seguida, comparecia., para, depois, sempre que precisassem de algo no banco, me procurarem na agência. Nisto fiz bons amigos.

Trabalhara antes na agência de Brejo Santo, e ao escolher Salvador, visando uma transferência, já levara comigo o gosto pela cultura baiana, música e literatura, principalmente por Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, autores de minha predileção naquela fase, e por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa, bem nos moldes do Tropicalismo, movimento cultural que galvanizaria uma geração inteira dos anos 60.

Foi época de ricas experiências, sobretudo no campo das artes e da cultura, de que guardo ricas lembranças e profundas saudades de um povo alegre, amigo, dotado de inteligência e criatividade. Dos meus filhos, dois nasceriam em Salvador, Ceci e Ciro, e quando me vêm oportunidade, regresso com satisfação à Boa Terra, a minha segunda pátria.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Vicente Ludgero


Quem viveu em Crato nas décadas de 60 e 70 do século passado recordará com certeza essa figura exponencial da época, Vicente Ludgero, professor e exímio dançarino das matinais e tertúlias que marcaram profundamente a memória daquele tempo. Ao reviver momentos do passado, nada melhor que lembrar os personagens que preencheram seus acontecimentos. Vicente transitava fácil entre os jovens de então, dotado de linguagem característica, cheia das gírias das capitais, e chegava imperando nos grupos. Nas festas, era destaque absoluto pelo estilo aprimorado de dominar os salões, sempre na companhia dos pares equivalentes no jeito fluente de conduzir passos e ritmos da dança.

...

Era tempos intensos e movimentados na cidade, com a Praça Siqueira Campos apresentando, aos domingos, noitadas inesquecíveis, lotadas ao máximo, um verdadeiro festival de cores e sons, donde saíram muitos casais de namorados, raízes de tantos matrimônios. Logo em frente ficavam o Café Líder e o Cine Cassino. Lá adiante, num quarteirão a mais, o Cine Moderno, na Rua José de Alencar, início da Rua Santos Dumont. 

Às vezes me pego a rever tudo aquilo que as lembranças preservam de modo tão caprichoso. Ao término das noites de domingo, parecia que a saudade ocupava o lugar daquilo tudo, à espera de outra semana até editar novamente aquela marcante festa social do nosso interior charmoso.

Daí, a força dos ícones que assinalaram tais ocasiões, que tendiam brilhar nos clubes, Associação Atlética Banco do Brasil e Crato Tênis Clube, que ofereciam matinais aos domingos e tertúlias nas sextas à noite. Os conjuntos musicais, Hildegardo Benício e Ases do Ritmo, depois The Tops. Enquanto isso, haveria a atividade semanal dos colégios, Diocesano, Santa Teresa e Estadual, nos dias úteis da semana.

Qual dizem os poetas, éramos felizes e não sabíamos. Os meios de comunicação que predominavam eram rádio, jornais, discos e revistas. Ficar em casa aos domingos à noite nem de longe pensar nisso. Primeiros anos da década de 70, a televisão, que chegaria aos poucos já aos finais dos anos 60, ganhava torres eficientes de retransmissão e as cores, isolando quase que de tudo essa fase inolvidável daquela mocidade.


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

O sonho e a vida


Sou um homem que sonhou que era uma borboleta? Ou sou uma borboleta sonhando agora ser um homem?
 Chuang Tzu

Dos dilemas desta vida, estamos sonhando ou vivemos as consequências dos sonhos? Face a face com nós mesmos em meio da realidade que aparece aos nossos olhos tangemos o rebanho dos dias e noites. Perante as lajes que pisamos e somem aos nossos pés, trituramos em pedaços os momentos feitos almas vivas de sonhos de quem, talvez, nem sabemos quem sonha. Se alegres os sonhos, a realidade fica feliz; no entanto passos novos trazem outros instantes aos quais acendemos outras velas de esperanças.

Nisso, o dilema do monge que sonhou ser uma borboleta, acordando na dúvida de ser o quê, se homem ou borboleta, e também que se desfaz em substância nas malhas entre o tempo e o espaço, tecido infinito do manto que cobre as horas. Assim, entre duas realidades, fincamos marcos da nossa luz na estrada intermitente dos destinos. Alguns quais pássaros em voos imaginários sobrevoam o firmamento, plantam sementes de outros sonhos no coração das criaturas e vivem os sonhos que outros em nós também plantaram.

Pelas janelas desses sonhos, veloz transcorre a paisagem da nossa consciência, observadores privilegiados de tantos compassos e melodias. Agarrados, pois, às muralhas dessa nave que o somos, nalgum lugar firmaremos os mastros das jornadas definitivas. Espécies de cativos e senhores de si mesmos, louvamos os deuses e o Deus que a tudo conduz, desde lugar daqui ou distante, a equilibrar masmorras e tronos ao sabor dos invisíveis propósitos.

Há nisto, portanto, a fronteira do sonho com a realidade, trilho da existência nas existências, caminho único de todos ao sabor de planos que nem a nós cabem ainda saber, só viver com toda a gana de nossa vontade, até chegar aos tetos da mais absoluta perfeição.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O lobo-rei que morreu de amor

 Li certa vez na revista Seleções a história de um lobo-rei (espécie rara existente na América do Norte), tipo graúdo, muito esquivo e feroz, que principiou a dizimar os rebanhos de determinada região dos Estados Unidos. Dada a sagacidade do animal, o esforço de vencê-lo se tornara obsessivo, porém inútil. 


Nesse clima de repetidas ameaças e destruição, assustados, os rancheiros da redondeza cuidaram de montar plano intenso de mobilização a fim de liquidá-lo a qualquer custo.

Muitas armadilhas foram espalhadas em pontos estratégicos; todo tipo de mecanismo, possível e imaginável, artimanhas diversas, utilizaram, sem, no entanto, produzir resultados efetivos. 

Juntos os esquemas, perseguidores seguiam à risca cada passo da fera, enquanto seus estragos prosseguiam pelas fazendas, gerando prejuízos sérios à atividade pastoril daquela área. Em muitos momentos, chegaram perto de alcançá-lo. Dias a fio, e ainda sem obter nada de concreto.

Após meses de investidas, os caçadores descobriram numa montanha distante a furna que servia de covil ao lobo e a sua companheira, local que sempre lhes defendia na implacável perseguição dos vaqueiros.

Em noite escura, diante da saída do parceiro à cata do alimento, a fêmea ali permaneceu, aguardando o seu retorno. Vieram, então, os vaqueiros, que agiram com rapidez, aprisionando-a. 

Com isso, o lobo enfurecido acrescentou ainda mais os ataques ao gado das fazendas, aumentando o terror que imperava. Mas quando aprisionada a fêmea, o parceiro terminou vindo à mercê das armadilhas, em busca daquela que lhe dava o sentido de viver. Debalde, porém, os caçadores esperam sua presença.      

Como passar do tempo, face à prisão da companheira, o lobo alterou os modos de agir, reduzindo pouco a pouco as cautelas antes infalíveis, rotinas e cuidados que lhe haviam permitido sobreviver. E numa noite de lua, quando chegou demasiado junto da jaula onde puseram a fêmea, para servir de isca, terminou por se entregar de frente aos perseguidores, que o abateram com relativa facilidade. 

Guardei durante um tempo essa história, pois me despertou na busca das razões de tantos comportamentos em que animais manifestam espécie de senso moral, emoções raras, isso que seres humanos ditos racionais, calejados de sentimentos torpes, por vezes, no cotidiano, agem a níveis tão baixos, destituídos da menor civilidade, o que, decerto, envergonharia até bicho bruto que pudesse nos avaliar em iguais circunstâncias.

Portas do coração

 


Eis a descoberta que responderá a todas as perguntas na revelação de si através da compreensão dos universos em formação dentro das pessoas, habitação dos deuses e morada feliz da mais perene Eternidade. Isto virá no momento quando acessar o conhecimento de Si por meio das reservas interiores com as quais chegamos aqui e as transportamos conosco ao seguir adiante, porquanto somos o começo e o fim de tudo quanto há, durante todo tempo. Se ainda resvalamos no desfiladeiro das dúvidas e das impossibilidades, isso fica por conta das aparentes limitações nas quais insistimos existir no todo perfeito de nós próprios.

Deem o nome que quiserem, no entanto em nada persiste acreditar em fracasso face à exatidão das existências, conquanto fossem criados desde sempre sob o crivo do equilíbrio e da perfeição. Resta a todos percorrer os trilhos da consciência e desvendar o sacrário do poder que já carregam no seio da alma humana. Cada um é o todo, enquanto as portas lhes cabem abrir no decorrer das tantas histórias a viver. Ciência pura da conquista da Salvação.

Salvação das fragilidades do Chão, dos apegos ao nada, prazeres fátuos que desfazem o tempo e o espaço no escorrer das gerações. Nisso, porém, perdura um senso de absoluto que fervilha nas mãos de todos, à medida que desfazem as ilusões de um chão em queda livre, fagulhas ao vento incessante das vidas em formação.

E por que o coração significar o sagrado em constante descoberta? Porque em seu território está localizada a saída deste mundo, sendo ele o portal da imortalidade, o mistério no qual viemos aqui buscar a chave da Felicidade. Coração que simboliza os sentimentos, e o sentimento mais alto será o Amor maior. Tudo tão claro a quem possa enxergar, entretanto invisível aos que fixam as vistas nos valores frágeis das fantasias do caminho, pedras e poeira de um passado persistente. Deixam, por vezes, de ver o essencial e esquecem a que vieram em definitivo.


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Há um ser vivo bem dentro do coração


No que pesem as guerras históricas sucessivas desses povos guerreiros, mexe vivo lá dentro das feras uma engrenagem que os agita todo instante. Mesmo não fossem as grandes competições pelo território enfumaçado e pelos mercados indomáveis, haveria de aparecer no vasto horizonte novas vontades extremas de alimentar o outro animal, diferente daquele sedento de sangue e sádico de miséria, bicho sombrio das noites escuras e dos filmes de agora. Os mecanismos da fama insistem nisso, na suposição profética de que virão homens azuis, que, inclusive, já foram avistados no Egito Antigo e ficaram gravados nos desenhos das catacumbas, nas pirâmides empoeiradas, e certo dia, em pleno calor das onze horas, exemplar deles saiu às pressas de um restaurante no centro de Buenos Aires levando consigo mantimentos que iriam abastecer os companheiros à espera que ficaram em nave estacionada ali próximo. Depois, nunca mais outras notícias vieram à tona, a não ser através dos relatórios de pilotos comerciais, e só.

No entanto insisto dizer que sinto tal ser vivo que remexe querendo sair de dentro do imenso coração que pulsa e domina as circunstâncias das horas e dos dias. Possível seja, haja chance, ele até tomará de vez por todas de conta o Universo inteiro, porém as reservas do tempo ainda permitem que permaneçam acantonados, eles, invés de abafar os outros armados que persistam criar problemas nas fronteiras e aliciar profissionais da morte através das páginas de guerra que circulam pelo mundo, os tais mercenários. Esses, a troco de eliminar adversários dos regimes, saem destruindo a paz e espalhando fome, órfãs e viúvas, enquanto o ser vivo aguarda sua hora de entrar em cena.

Nesse meio de época, pulula nos corações multiplicando possibilidades e esperança, pois carrega poder estonteante em forma de luz, que vem dele na direção das consciências. Mantém os arquivos em ordem e recuperam programas antigos de saudade, lembranças dos amores que existiram entre os seres humanos fiéis, sabores doces dos apaixonados lenços acenando e das promessas de quem retornará com ânimo definitivo na intenção de permanecer para sempre nas almas santificadas. 


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O valor das nossas conquistas


Naquelas horas de aflição que, de comum, sujeitam aparecer, eis um bom momento de rever o que já aconteceu antes na história. Quantos laços desfeitos, quantas lutas vencidas. Momento ideal de tecer algumas avaliações e fazer o balanço dos tempos idos. Examinar com zelo as firmes razões de ter esperança em dias melhores, isto, sobretudo, quando buscamos plantar boas sementes no chão da realidade. Alimentar a força da certeza de existir um poder superior que a tudo conduz, dentro quanto fora da gente. 

Adotar hábitos desse tipo; estudar o itinerário percorrido até então e aproveitar o melhor em termos de resultados, ainda que diante das ocasiões difíceis. Considerar o tanto que significa o otimismo, a compreensão dos meios de que dispomos no manuseio das nossas existências.
 
Querer um mar em repouso representaria apenas ausência dos desafios necessários ao aproveitamento das experiências vividas. Aprender a coordenar os pensamentos e sentimentos, e aguardar tempos bons, sempre e sempre. Nisso a jornada ganhará os meios de tranquilidade e sustentação de uma vontade firme, isto que os livros religiosos transmitem, na estrutura da Fé, dispositivo por de mais importante nas dificuldades que se apresentem.
 
Mais dia, menos dia, tudo esvairá no silêncio de um passado sem tamanho que deixamos atrás, espécie de poeira que repousa no vazio das imaginações qual jamais tendo existido não fosse a lembrança dele. Alinhadas vaidades, mágoas, alegrias, seremos desertos de nós mesmos a observar o que restou por dentro da gente, testemunhas que somos das longas epopeias. Fieis servidores da sorte, guardamos em nossas cicatrizes os dilemas e agruras de antes, feitos atores de cenas ora inexistentes que o passado transportou ao anonimato da distância.

Conquanto, pois, sejamos rigorosos, exigentes e indócis nas práticas atuais, carecemos de mínima compreensão desse mecanismo que nos transporta vidas adiante feitos meros instrumentos de nossa própria evolução, nas malhas do aperfeiçoamento individual. 

Ilustração: Cristo em meio a uma tempestade no Mar da Galileia, de Rembrandt.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Aprender a viver nos tempos rudes


Invólucros de matéria presos a mundo solto no espaço, bem isto que o somos, aventureiros do destino de olhos fixos nas visões imediatas. Durante o movimento dos objetos e das horas, vagamos pelas estradas e ruas, atores dos dramas/comédias em que nunca cessaremos de perguntar pelo autor, em que mundo, em que estrelas Tu te escondes, embuçado nos céus. Claro que há mérito inigualável de ser assim; lógico que existe razão principal de tudo isto acontecer, porquanto a Verdade independe das nossas opiniões e somos quase um nada a querer compreender tudo toda hora. 

Bem que se sabe o quanto de mistérios e segredos compõe os quadros deste mundo rústico e as sociedades humanas. Valores indefinidos pela busca constante de liberdade, em meio às licenciosidades do egoísmo que, até agora, caracteriza as ações da espécie. No pretexto de sobreviver aos desafios, fulanos e sicranos rompem as fronteiras da fraternidade e viram só feras em conflito nas florestas da riqueza. 

E o que observar se não a sede do poder a qualquer custo, bem característica dos turnos eleitorais. Disputas acirradas em meio a promessas vãs, absurdas, e tendência à divisão de grupos e à fome descabida nos bolsões da população marginalizada. Quem líder de quem? Mesmo porque ainda somos pequenos de nossas grandezas. Romper a barreira da mediocridade nem interessa a quem quer que seja; apenas gana e fastio, pretensão e submissão forçada aos falsos mitos dos turnos eleitorais.

Quer-se que seja doutro jeito, e eu também. Alimentar o sonho de outro universo em que valha mais o ser do que o ter; a divisão ser submetida ao direito das coletividades. Porém o anseio das revoluções justas baila distante nos livros, nas doutrinas sagradas, nos véus da natureza Mãe. Enquanto os grupos montam seus esquemas nos escuros da madrugada, outros resistem heroicos a mais um tempo de crer na certeza de quando, afinal, viveremos dias de Paz e Trabalho, nas luzes da promissão.


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

As razões da Felicidade


Vir aqui por si só por vir é insuficiente de justificar todo o empenho perante as existências. E a causa primeira de pisar neste chão resta a cada um desvendar e por em prática. Nisso vem firme a compreensão de que estamos vivos em face de necessidade imensa de ser feliz, vez que achar a porta dos reais motivos de ocupar um lugar no Universo resume tudo o que representa viver.

Desde sempre há busca incessante de responder a esse desígnio. Muitos se deixam até incorrer nos erros das tentativas equivocadas e põem os pés pelas mãos, maculando a vida e destruindo chances, invés de semear no solo fértil da Verdade. A tanto precisa que reconheçam o fruto daquilo que fazem. Nisso os conceitos de mal e de bem, por demais pessoais, no entanto claros nas consequências. 

Do jeito que muitos escolher ignorar as causas e consequências dos próprios atos, outros, talvez minoria, dá de praticar ações que lhes rendam bons resultados em termos de paz e harmonia com o mundo e consigo. Nem vale considerar ser mera filosofia, porquanto os testemunhos vagam soltos no ar, independente das religiões e teorias. As práticas e a justiça que geram essas práticas rasgam os olhos mesmo do que preferem desconhecer aonde levam suas ações.

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Em meio aos trilhos da Humanidade a virtude vem à tona, indicando quais as sementes que acarretarão dias melhores, isto ao dispor de todos os que existem, ainda que sejam aqueles que demonstram interesse apenas em desconhecer as leis morais que regem a Natureza, e agem de modo danoso. Porém as lições do Bem pedem exercício fiel aos que desejam dias venturosos, independente da opinião de quem quer que seja. 

Daí a observação de que será possível transformar o mundo a partir da transformação dos indivíduos, no sentido da realização dos valores positivos, sendo tais valores as razões da Felicidade.