quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Do direito de ser feliz


Isto, no entanto, é fruto de um plantio doutras horas. Fixar os propósitos no território fértil da esperança e seguir adiante. A todo instante persiste essa matéria prima da tranquilidade, desde que plantemos o que queremos ao sabor dos demais seres. Num templo de compreensão dos mecanismos internos, aqui habitamos constantemente. Olhos postos nos mistérios contidos no mundo, armamos nossas ações no sentido da realização do Ser no qual imperamos, se assim o quiser.

Dentro das possibilidades humanas, há isto de obter alegria sempre. O que define sobremodo a força de viver significa administrar a vida interior. Todos, sem exceção, trabalham na mesma direção, porém sujeitos esquecer a melhor parte. Invés de exercer função essencial de viver em estado positivo, quase que deixam de lado o senso e agarram só que passa. Porém, bem aqui, contudo, é estender a mão e domar a fera dos instintos, e aportar no porto seguro da certeza dos dias melhores. A toda manhã, os pássaros nos despertam às novas chances de nós mesmos. Instrumentistas da realidade plena, eles vêm recordar nossos compromissos com a luminosidade dos valores eternos. E demonstram a firmeza do destino que nos aguarda de braços abertos, desde que admitamos a força de tudo quanto existe em volta.

Por isso, eis um direito fundamental que pertence aos padrões dos humanos. Agir, pois, sob quais atitudes demonstrar o poder infinito da Criação a que pertencemos, tais a razão principal do processo e dos valores da imortalidade.

As cores, os sons da Natureza, sonhos nossos, tudo bem representa esse tesouro que herdamos do Universo. Aprender, a isso aqui nos vemos face aos dias. Confiar de corpo e alma ao objetivo essencial que representa, sem sombra de dúvidas, a valiosa espécie humana e sua religiosidade original; exercitemos a função de administrar as oportunidades que transportamos na existência. Tais compositores de novas harmonias, tangemos os momentos à busca da verdadeira felicidade, com saúde e paz.


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Ano novo, seus presságios e outras considerações


Ao que parece, o mundo ficou pequeno para tantas modificações de perspectivas em tão pouco tempo. Em um único período anual, 2020, houve acontecimentos que valeram pelos milênios anteriores, isto sem a menor previsão que fosse acontecer. Então, agora, véspera de novo ano, eis que nos deparamos com indefinições de vários âmbitos, desde o aspecto sanitário, sob a ameaça de um vírus desconhecido da Ciência, até transformações radicais nas relações de trabalho e mudanças diplomáticas que remontam a Guerra Fria, numa reedição tardia dos dois blocos de poder, o Comunista e o Conservador capitalista, entranhado em todas as nações, mundo afora, gestos de ganância pelo comando e alterações radicais das formas de conduzir a distribuição da riqueza, sem esquecer a formação de bolsões de exclusividade e corrupção espalhados em todos os escalões e classes sociais.

Diante, pois, desse quadro indefinido em termos absolutos, inexistem barreiras às contradições do que nos espera daqui à frente; isso acrescentado desde quedas radicais da atividade econômica, face às restrições de circulação de pessoas impostas pelo isolamento social da pandemia, gerando prejuízos incalculáveis de países antes ditos autossuficientes. Face ao tanto de movimento em ação, tornam-se por demais impossíveis previsões claras do que virá a ser o próximo ano, conquanto alterações na balança do poder econômico isto resultarão inevitáveis e profundas.

Doutro lado, no que tange ao Brasil, este de certeza merecerá a atenção exclusiva das outras nações, vista a sua importância de maior área agricultável do Planeta, já a abastecer um quinto da humanidade mundial através da agroindústria e do agronegócio, ocasionando assédio político das principais potências, em consequência aumentando a voltagem das disputas internas pela hegemonia dos poderes. Olhos de todas os povos tendem a reconhecer o patrimônio natural brasileiro, o que o novo ano evidenciará, sem sombra de dúvidas. 

No cenário político entre as nações, países ditos ricos defrontar-se-ão no domínio dos mercadores consumidores, enquanto a Europa refletirá mais de perto os riscos da geopolítica emergente, vista sua proximidade com os países árabes, de longe populosos e subdesenvolvidos; o continente africano, também vítima das superpotências na exploração das riquezas no decorrer da civilização; e a explosão populacional chinesa, que atinge os limites de sua capacidade produtiva e dependerá, daqui adiante, do que produzirem outras nações, sobretudo em termos de alimentos.

Portanto, viveremos fase de indefinições jamais imaginadas, carecendo, como nunca, de grandes líderes que visualizem meios administrativos coletivos de superar as contradições impostas pelo que chegaram os seres humanos neste momento da História.


A libertação interior


A submissão humana aos valores criados pelos tempos e tradições requer largo empenho individual de chegar, um dia, aos níveis superiores de evolução. Sair das águas turvas deste chão e mergulhar às profundezas do Ser, eis a destinação última dos quantos aspiram desenvolver o potencial de que somos dotados. No entanto isto requer esforço, dedicação circunstanciada e anseio intenso. 

Tarefa por demais necessária a fim de inteirar o tal impulso de viver, contudo exige empenho da constituição sob a qual aqui nos achamos durante todo tempo. A finalidade última que tantos imaginam está, pois, às nossas mãos pronta ao gesto de se autoconhecer, o que reclama tão só atitude; a coerência do querer com o agir. Muitas escolas indicam esse caminho, porém os passos vêm de nossos próprios pés. 

De um modo simples, está nisto a finalidade derradeira do quanto existem todos os fenômenos da Natureza, permitir, o que alguns denominam a Salvação, a libertação da deste mundo e a evolução aos níveis infinitos da Criação pela Verdade e o Amor.

A isto estamos no caminho... Transformar chumbo em ouro, no conceito dos alquimistas. Tempo que passa a Eternidade inigualável. Guerra exterior em paz interior dos pensamentos e sentimentos. Luz na consciência.

Ainda que vejamos, em princípio, o burburinho das civilizações pelo afã de segurança e funcionalidade, todavia bem dentro do universo dos seres habita incessante o desejo da perfeição, o que somente será conquistado mediante o exercício dos valores imortais desde sempre analisados à luz da religiosidade. Nada mudou há milênios perante este sonho de felicidade sem fim a que tantos aspiram e trabalham.

Da harmonização dos instintos através de reflexões e providências da gente com a gente mesma, virá esta iluminação de nossas almas pela transformação de sonhos em pura realidade. 


sábado, 26 de dezembro de 2020

Esses tempos bíblicos


Tempos de Babilônia e Jerusalém, quando nem tudo parecia tão normal assim e as caravanas demoravam a passar enquanto ladravam, impacientes, os cães, à beira das estradas desertas. De hora a outra, séculos ficaram diferentes do que videntes avisavam e brilharam com força as estrelas nos céus. Bem ali, num abrir e fechar de olhos, planos e expectativas quedaram inúteis. Agora, só o silêncio das esferas a percorrer firmamentos imaginários; lá dentro o vazio das distâncias impossíveis de viver. 

Nisso, hordas bárbaras seguiram com as suas invasões territoriais. Do quanto de herança definitiva apenas restaram intactas as capitanias hereditárias na memória dos livros abandonados. De certeza plena restaram os fragmentos dos poemas soltos pelo ar. Daquilo de coerência nas leis quase nada real ficou grudado às paredes inexistentes.

Por isto, na história, um instante de séculos e séculos de tantos erros são frutos das vaidades neste chão. Fome e ingenuidades do poder preenchem as horas dos humanos. Ninguém, pois, que garanta o dia seguinte, face as tais ameaças dos ventos contrários do flagelo inesperado. 

Vêm de volta lendas judias na busca incessante da Terra Prometida, que hoje existe em lugar algum no íntimo das pessoas; porquanto sombras já encobrem o conforto das cidades, os parques e vilas. Pessoas silenciosas vagam pelas ruas feitas visagens na fuligem do drama coletivo, quais meras ausências esquecidas em viagens intergalácticas. Longas filas nos bancos, nas lotéricas e nos becos e avenidas. Solidão. Multidão. Seres humanos. Viver passou a significar atividade de alto risco, aventura de causar espêcie, pânico religioso que preenche ruas e praças, campos e arvoredos, nas noites escuras de medo e dúvidas, aos sons desconhecidos de sinfonias enigmáticas, a menos que saber o valor da esperança e da paz toque por perto o coração dos viventes em seus movimentos atuais.


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A força do silêncio

 


Neste mundo cercado de notícias e prédios matemáticos, em meio aos ruídos diversos do império absoluto do Tempo e seu tribunal, permanecem os humanos face a face consigo a buscar a calma dos elementos. Às vezes, se olha o passado, quarto de despejo do futuro, abarrotado dos trastes de quem ninguém sabe o sucesso, porém largados na trilha das ausências e dessas a impaciência de encontrar felicidade, mesmo naqueles outros que fitam o futuro e também ali um dia existirão. Dentro, pois, do espaço contínuo desses existires, transcorre, numa velocidade estonteante, o caudal dos acontecimentos, pensamentos e sentimentos. 

Bem isto, do tal ser que somos, testemunha de si próprios nos vastos campos do Senhor, vêm questões principais, os dramas das existências só quase no início de compreensão. E nisso ficar observando, sem saber interpretar direito, a razão do que vivemos aqui. Uns receitam viagens, outros festas, mais outros, argumentos vários, em marés de sustos e alegrias.

Quantos gostariam, nesta hora, de aceitar as normas do Destino e cruzar noites de pura paz?! Quantos e tantos. Sorrir aos dias tais crianças em estado de inocência e caminhar destemidos nas escarpas do Infinito. Porém houve que conhecer os dois lados de si e poder aceitar o que de melhor existe, no entanto. Descobrir o efeito das marés nas profundezas da alma, o que perfaz o mais íntimo...

Em face das persistentes aflições e angústias de desconhecer a plena Sabedoria, arrastamos o instante, a fazê-lo eterno pelos confins do firmamento. Remamos o barco da presença nas ânsias incontidas da História, onde reis e súditos confundem seus papeis. Entretanto, cientes de que ignoram os motivos de estar aqui, ainda assim adotando de certeza que justos são os princípios que regem o Universo inteiro. Então, brumas de silêncio cobrem lentamente de gritos as horas e trazem o senso da consciência aos corações adormecidos.

(Ilustração: Ingmar Bergman, em O sétimo selo).

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O senhor do impossível

Mergulhar em algumas avaliações místicas justamente em um tempo quando resta mundo esquecido de valores antes fundamentais, se é que um dia foram fundamentais, nesse pesar das eras. Lembrar os raciocínios de Deus a que neles se detiveram filósofos sós nas páginas amareladas dos velhos livros quase abandonados no decorrer das práticas cotidianas deste mundo insano. Hoje, falar em Jesus, Buda, Lao-tsé, Kierkegaard, Platão, Orígenes, remexe as fibras machistas dos tambores acelerados  e os padrões da era nuclear de deuses entontecidos e estéreis, ícones de acrílico e fibra de vidro, rolados e impressos nos painéis gigantes da terceira dimensão, vazios de conteúdo real.

Às raias do absurdo, indiferentes, jogaram os dramas da espécie, comédia insólita dos porões vazios da máquina embrutecida e esfumaçada na embriaguez de farras. Há gigantes em tudo, nas vitrines e nos paraísos artificiais da massa melancólica, que vaga absorta e de olhos pegajosas.

Enquanto isto, a única saída verdadeira é precisamente onde não há saída no juízo humano. Senão, para que precisaríamos de Deus? As pessoas só se dirigem a Deus para obter o impossível. Para o possível, os homens bastam, afirma o filósofo russo León Chestov. 

Nunca, tal nestas datas momentâneas dos princípios de século XXI, houve tamanha ausência dos instrumentos morais que permitissem aos humanos adotar um sentido justo às suas existências tangidas pela engrenagem do magno sistema dominante. Quais lesmas de aquário, eles descem, sórdidos, acomodados, as escadarias de pedra dos altares do sagrado e se deixam imolar feitos mercadoria nos salões engalanados da ilusão artificial, racional.

As almas, no entanto, ansiosas de virtudes e banhadas nas lágrimas da solidão dos grupos, buscam meios de recordar o trilho abandonado nas selvas da Natureza, e erguem aos Céus preces esquecidas. Eis Deus: devemos remeter-nos a Ele, ainda que não corresponda a nenhuma de nossas categorias racionais, insiste Chestov.

Aos raios dourados da Esperança, Razão em seus frágeis argumentos agora demonstra o pouco do que trazia na caixa das fantasias, presa também de nenhuma possibilidade além da matéria em fria decomposição. 

Eis Deus, o absurdo que renasce das cinzas no coração dos vales de antigamente.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

A trégua do Natal

Na fase do pós-Segunda Grande Guerra, o cinema americano intensificaria a produção de filmes, em sua maioria em preto e branco, contando as histórias do conflito. Lotavam salas inteiras, isto aos finais da década de 40 e primeira metade dos 50. As narrativas dramáticas das escaramuças destacavam sempre o heroísmo e a pujança dos Aliados, os dramas dos quarteis e as aflições que o conflito espalhara pelo mundo. Praticamente o esforço de Hollywood, à época, focalizaria suas câmeras nesse estilo de produções.

E lembro bem um dos filmes, visto tratar deste período de dezembro, na frente russa, quando os exércitos se digladiavam cruamente e, na noite do Natal, suspenderiam fogo, indo soldados de ambos os lados fazer confraternização em homenagem ao nascimento de Jesus, numa cerimônia conjunta, próxima das trincheiras. Eles, inimigos ferrenhos, nem sabendo falar a mesma língua, ali estiveram reunidos pacificamente, durante algumas horas, no jantar improvisado, para, em seguida, retornarem ao confronto. Naquela noite, no entanto, não disparariam única arma que fosse.

Qual à nossa Humanidade, em respeito ao mistério da Salvação que o Cristo nos veio conceder, permissão de vivenciar a Luz através do Amor, transformação de todos diante da mensagem do Calvário, nesse encontro das duas percepções humanas, a materialidade que ora habitamos e a possiblidade infinita de sermos agraciados com a espiritualidade consciente, Jesus nascerá em nossos corações.

Neste momento da História, pois, quando tantos padecem os tempos difíceis das agruras de uma pandemia até então desconhecida, que espalha medo entre os povos, há que desenvolver o senso de fidelidade ao Criador, em respeito à sua justiça soberana, render-se diante dos desafios evolutivos e erguer a visão ao equilíbrio universal da Paz.

Quais guerreiros na busca de uma certeza maior, cessemos as batalhas internas e nos tranquilizemos pela confiança nos dias melhores que virão trazendo, a todos nós, um pouso de esperança e Fé.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Os lados da moeda


Dois aspectos da existência e suas funções principais, morte e amor fornecem os meios necessários à compreensão universal. Dois passos de um só corpo, margens do mesmo rio, alimentam a possibilidade no chegar nalgum momento ao objetivo certo. Examinar em volta os infinitos aspectos da realidade, nisso persiste a descoberta do segredo que todos esperam revelar do filme que somos nós. Fugir de si, impossível. Apenas rever os papéis desempenhados, e aceitar decidir lá um dia pela porta que quer entrar, final ou início eterno do amor.

Transcender, elevar a visão, sobreviver, nisso a ressurreição do processo onde caminhar. Agir rumo da transformação do ser falível num ente livre e desperto. Trocar de pernas, permanecer aqui neste chão ou descobrir a que se vem pelas reencarnações. Caminhar no sentido da liberdade. 

Que morrer ninguém quer, novidade nenhuma. Apesar de apreciar o sensacionalismo do sofrimento alheio e dos fins trágicos dos outros, defeito que alimenta as aves de rapinas, no entanto lá por dentro mora solta a vontade no continuar. 

Justa das alternativas que oferece continuidade, amar significa sempre a perpetuação da individualidade, no mistério de existir. Correr aonde mais de nada importa que represente realidade além da forma de perder sem outra chance, ainda aqui nesta hora.

Conquanto cheios de furor e festa, os humanos deitam na lama do extermínio de si as ganas de eliminar a monotonia aparenta deste mundo artificial. Pura perda de imaginação e jogar fora todas as maravilhas da genial Criação, lançam nos lixões da aparente facilidade o final feliz da imortalidade.

Amar, amor, vida eterna de que falam os místicos, assusta os pretensos materialistas do plantão em queda livre. Enterram a cabeça na areia do prazer embriagador que mata na maior sem cerimônia. Enganam, se enganam e gostam de perder a melhor parte, o todo.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Dos desafios que vive a Civilização

 


Isso além até da própria sobrevivência das pessoas, há, nos tempos de agora, necessidade do crescimento da cultura face às interrupções do ritmo regular ao qual nos víamos submetidos. Menos previsíveis do que os planejamentos, vieram impactos cruciantes, qual numa oscilação de curva, e aquilo que antes parecia definitivo nada mais era do que respiração a que logo começassem, outra vez, severos desafios. Nisto são as hecatombes naturais, as crises sociais, os impactos de guerras e revoluções, as dores das populações, enfim a tal pandemia que ora grassa nas noites tormentosas, seguidas de horas alegres e festas, festivais e progressos só parciais. Bem assim caminha a nossa humanidade.

Ao exemplo disto, transcorrem a Terra e seus povos um período crítico coletivo, envolto de nuvens escuras, ansiedade e aflições. Do ponto de vista da saúde comum, multidões padecem a ameaça de inimigo invisível que rompe fronteiras e invade os lugares distantes. Vírus letal ceifa vidas, enquanto a Ciência busca respostas que impeçam o pior, nem sempre com o sucesso desejado.

As marcas dos recentes acontecimentos, desta segunda década do milênio, revelam marcas profundas nos limites humanos. Diante de tantos avanços tecnológicos, revela-se ausência quase absoluta de meios que ofereçam resposta à crise sanitária atual, onde todos abrem os olhos a incapacidade que assusta, quadra difícil da espécie humana, quando ninguém mais confia em ninguém mais, por causa do risco de contágio. Uma dúvida galopante, por isso, toma conta da espécie, neste momento. A herança do quanto acumulado virá mera peça de museu, num questionamento geral.

Bom, eis o resumo do que acontece nos diversos países, vista a fase difícil que exige atitudes sobre-humanas e impõe questionamentos severos à espécie inteira. Em menos de 365 dias, aqueles valores e providências que davam segurança perderam sentido, pondo por terra os brios das conquistas acumuladas durante milênios.  

A História padece, pois, ter de reiniciar desde os princípios arcaicos e descobrir meios urgentes de reverter seu curso, inclusive substituindo as prioridades que dominaram até aqui. Nunca houve, na existência de tudo deste chão, tamanha importância da solidariedade e do respeito de uns pelos outros irmãos, que é mesmo o que somos.

(Ilustração: Ran, de Akira Kurosawa).

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

De tudo o que nos resta


Assim a brisa / Nos ramos diz / Sem o saber / Uma Imprecisa / Coisa feliz.   
                                 Fernando Pessoa (Foi um momento)

Isto de ser feliz. Adormecer para sempre nos braços da Paz. Fugir pelas estradas de nós mesmos. Ir além do nada absoluto que nos cerca dos laços de uma existência ainda incerta. Pisar as nuvens quais andarilhos invisíveis da humana condição. Partículas das ausências num mar de contradições. Seres insanos, no entanto luzes do Universo e chamas que não se apagam. Pólem de flores exóticas em matas inexploradas. Sons e letras dos versos que nunca serão escritos. Nós, parceiros do desconhecido, presas das horas deste tempo que nunca passou.

Por isso, andar aqui nas folhas virgens do mistério. Sonhar sonhos distantes que jamais tocarão os pensamentos. Sentimentos puros de corações embevecidos. Olhos que se fecham sobre si à busca de almas penadas nesse teto da ilusão. Tons leves de canções românticas aos raios avermelhados dos fins de tarde; naves da imaginação.

Aqueles, que insistem seguir adiante, mesmo cientes de ter chegado ao destino serão os parceiros da Eternidade, onde ali repousarão junto do inexistente tais espectros de vidas jamais vividas. Prometeus da infinitude, veem transcorrer existências intermitentes e observam, no furor das esferas, a solidão cósmica do Infinito. 

Querer das palavras tão só pausas e o silêncio persistente da Criação original. Melodias suspensas no ar frio das manhãs, trilhas do instante, marcas indeléveis de amor definitivo. Neste manto de firmamentos que a tudo envolve, presenças inevitáveis, dores e marcas contam suas histórias felizes. 

Porém em tudo há imensidade, vidas interiores que jamais perecerão. Esse fluir constante de estrelas na longa calma de preencher todos os espaços e sobreviver às intempéries das lutas insanas. Saudades, pois, na forma de suave perfume a deslizar no coração e harmonizar as tempestades onde antes fora apenas desejo de emoções que agora eclode e sustém a visão dos instintos puros na perene felicidade.


domingo, 13 de dezembro de 2020

Nova e eterna aliança


A importância de tudo isto que aqui se vive no decorrer das existências tem, pois, nítida finalidade, ou seja, encontrar consigo próprio, no desvendar do enigma deste Chão de tantas contradições. Afinal haveria de ser assim, demonstração perfeita da exatidão de um Criador sublime, sábio naquilo que faz e mantém na face dos momentos. 

São muitos exemplos de respostas parciais, enquanto o Universo prossegue firme suas determinações, e a gente a observar os fenômenos, vivendo de dentro toda a história das almas nas sombras da perfeição que conduz o fluir dos acontecimentos. 

Seres quais observadores de si mesmos, no entanto peças insubstituíveis da humana condição, desenvolvem o conhecimento e têm milhares de oportunidades na espera de reverter mudanças em favor de todos, contudo insistentes sacerdotes do egoísmo, já no limite das ações. Absortos nas chances jogadas fora, sentem por demais a fome da paz que agora circula solta nas nuvens e nos sóis. 

Nisso, pelas frestas de pensamentos e sentimentos, começam a perder o brilho vaidades e prazeres, e, espécies de guerreiros individuais, um silêncio lhes fere nos desejos selvagens. Calafrios afligem o espinhaço das trevas e tais forçados da dor começam limpar as aparentes certezas escondidas pelos séculos, vendo de vez que há bem outras estradas no trilho das ocasiões. 

Buscam o que sempre imaginaram devessem buscar; resolvem, por si só, ativar mecanismos da sorte que cumpram o roteiro de seriedade e deixam de lado as perdas ilusórias. Os mesmos que antes visavam instintos, descobrem existir novas luzes no firmamento. Querem a todo custo alimentar sentidos melhor responsáveis. Visto que hordas bárbaras invisíveis aceleraram o processo, nesta vida, rendem homenagem a novo pacto com o Destino e oram contritos aos Céus pela vitória do Amor.

(Ilustração: O Angelus, de Jean-François Millet).

O barqueiro de Dante


No livro A divina comédia, obra-prima de Dante Alighieri, ao canto III, tocam os Poetas as portas do Inferno, lá onde terríveis palavras se acham postas logo no vestíbulo, ao encontro das almas dos que não foram fiéis a Deus. Depois chegam ao Aqueronte, onde avistam Caron, o barqueiro infernal que transporta à outra margem os danados que serão submetidos ao suplício. Nessa hora, treme a terra, lampeja uma luz, e Dante cai sem sentidos.

Ele, ali, o barqueiro da outra margem, conduz as almas dos condenados ao castigo da Eternidade, culpados pela consciência enlameada na ilusão pecaminosa. Derradeira paisagem de olhos assim tostados, apenas desmancham, no abandono, pálidas saudades largadas ao chão, quais máscaras do perjúrio, e aceitam do inevitável a lembrança para sempre naquilo que haveriam de ser, porém jamais que fossem, na opção dos espúrios condenados. Submersos, pois, na escuridão, já afrouxam a carne infeliz depositada às ondas do Mar da Morte e sua solidão definitiva. Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança, diz o letreiro visto à porta.

Aqueles destinos arbitrados na ribeira do outro lado regressam apenas ao pó donde nunca daí foram tirados, mas oportunidade bem tiveram, e jogaram fora ao sabor dos retalhados enxofres. Enquanto isto, o velho barqueiro cumpre o furor da perdição de os levar, no cumprimento das sentenças. De olhos tristes, Caron segue o curso, na profissão dos executores das penas, gesto próprio de almas obedientes, a rever no dia tantos que o barco transportara, que nem desgosto disto poderia ter. Eis a entrega dos desvalidos aos lucros amargos das trevas que lhe fora determinado tutelar, naquela missão dos extremos, nos portais do Inferno.

E Dante ouve em si as notícias do esquecimento dos liquidados ausentes: Como no outono a rama principia \ as flores a perder té ser despida, \ dando à terra o que à terra pertencia... 


sábado, 12 de dezembro de 2020

As fronteiras do definitivo


A sensação extrema de ter de cruzar o rio da existência e se deparar, do outro lado, com o eu espiritual, havendo de largar de vez por todas as emoções da carne, vencer os apegos e despertar do sonho de viver contradições de uma vida provisória, olhe o que seguiu da correnteza inevitável rio abaixo.

Por mais houvessem de lutar nesse campo de batalha, a enganar a si perante a transitoriedade do universo do Chão, os humanos padecem a síndrome da impermanência, todo tempo, e saber que existir nas batalhas que ora enfrentam significa tão só adiar esse encontro definitivo com o Eterno, ser que o somos sem alternativa se não viver.

Deslizar no fio do tempo e abrir mão do que deixa na estrada, eis o senso de habitar essa cápsula onde transitamos diante do desconhecido; saber que tudo acaba em um nada que pergunta pelas razões da consciência que carregamos conosco aqui dentro.

Enormes interrogações de matéria, vasos de profundidade infinita, luzes em formação, que tangemos feitos autores de nossas almas no dia seguinte da viagem, no entanto envoltos nos véus das escolhas insistentes. Aves de arribação de nós mesmos face do Absoluto. Artesões da compreensão do que virá e que plantarmos, infernos ou céus de frutos que semeamos.

Bem isso, o caudal do que cumprimos aqui, ainda quais aprendizes de dores e amores, olhos postos nas paisagens inesperadas da Justiça inevitável. Vilões e mocinhos das longas histórias de uma Humanidade inteira de que somos partes proporcionais às práticas dos vícios e virtudes, resumo das gerações que compõem na melodia das horas.

Portanto, aos passos e apalpadelas, construímos tal roteiro, nosso e dos demais; e sejamos dignos, pois, das boas novas de tantas notícias dos místicos que veem antes o que iremos ver após dobrar as fronteiras do definitivo, bem ali adiante, no vão da sorte que nos espera, o outro nome do Destino.

(Ilustração: Jogos infantis, de Brueguel o Velho).



quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Previsões otimistas desta hora


Certa feita, quando levava as meninas à escola, isso logo cedo de manhã, e falava desse esforço de todos de chegar na perfeição, missão de nós seres humanos, então Janaína, criança do ensino fundamental, saiu com essa:

- Mas, meu pai, a perfeição só existe no mundo das ideias, segundo Platão - ora, ora, lá da Grécia Antiga e o filósofo trazendo suas conclusões amadurecidas aos primeiros raios de sol daquele dia.

Nem parei a fim de me contrariar, mesmo porque fiquei satisfeito com a opinião abalizada de quem podia, um clássico das letras. No entanto, vez ou outra, vem à tona, nos meus juízos, a urgência de mudar o mundo, transformar o imutável e compreender o incompreensível, necessidades constantes dos costumes dessa humanidade dos movimentos incertos.

Desvendar mistérios, receber segredos, acalmar os desassossegos impostos pelas contradições. Aceitar, simplesmente, eis tarefa por demais inadmissível, face os desmandos praticados quais normas de sobrevivência na selva dos tempos atuais. Acreditar naqueles que falseiam a verdade em nome do poder, jamais. Deglutir as formas da condução que adotam, em muitos lugares, sob o pretexto de servir ao povo por meio de sistemas falidos, carcomidos, injustos, nem pensar. Baixar a cabeça perante atitudes perversas de quem receber montanhas do dinheiro público, isto só porque chegaram nos postos e ainda precisa de virtude nesta hora, há que sorrir e exercitar os deveres da esperança durante as existências em xeque.

São inúmeros reparos de peças e funções de que tanto carece o universo dos humanos, porém se sabe que estamos a caminho da sonhada perfeição, dalgum modo, sobretudo face aos sonhos e desejos das maiorias que padecem nas crises, no aguardo de um estadista maior que venha qualificar de real o modo de vida em grupo, em todos os países. Urgente exercitar a justiça justa e a democracia dos povos, ensinadas pelos filósofos gregos, sem, entretanto, abrir mãos das condições que existem, mesmo que precárias, e, numa dessas gerações que passam tão rápido, ver clarear o longo itinerário entre o mundo das ideias e o mundo das verdadeiras ações.

(Ilustração: São Benedito).


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Raimundo Araújo


A literatura exerce papel fundamental nos registros históricos, máxime nos interiores deste mundo afora. Pessoas vocacionadas a narrar o dia-a-dia das localidades destinam seus esforços ao ímpeto de guardar os detalhes dos tempos e da sociedade, recolhendo peças-chave nesse procedimento, deixando à posteridade gestos pessoais de preservar os acontecimentos. Por vezes personalidades anônimas que insistem na observação daqueles mais evidentes do grupo social, a descrever seus momentos, reunir fotografias, recortes de jornais e revistas, gravações, livros, convites, num afã inigualável perante os outros profissionais do cotidiano. Suas salas de estudos ganham a aparência de verdadeiros museus, com armários e estantes preenchidas de peças raras dos tempos passados, escrivaninhas abarrotadas de relíquias de época, num acervo de décadas a fio.

Bem assim vi de perto o território de trabalho de Raimundo Araújo, desses historiadores inatos de Juazeiro do Norte, no Ceará. Jamais deu por perdido contar a história do seu tempo da tradicional comuna do Cariri, onde viveu e presenciou com esmero o transcorrer de quatro gerações, das quais foi testemunha fiel de todos os instantes. Recolheu com afinco os documentos exemplares da rotina do lugar e publicou vários livros contendo as narrações autênticas frutos do seu espírito astuto de observação.

Estive com Raimundo nalgumas ocasiões, quando tratávamos de temas ligados ao Cariri e, sobretudo, à Terra do Padre Cícero. Nas paredes do seu escritório ali estavam as fotografias daqueles que admirava com especialidade, entre políticos, religiosos, educadores, artistas, escritores, a face do que guardava consigo na sua admiração de escritor e memorialista. Sempre dotado de bom ânimo perante a vida, jamais esgotou a capacidade produtiva no campo das letras.

Deste modo, transcrevo em rápidas pinceladas o retrato que mantenho desse intelectual caririense, exímio apreciador das belas letras e profícuo trabalhador da memória sulcearense, porquanto a grande literatura sobrevive da obra desses heróis solitários que fazem da escrita um dever de ofício em nome da perenidade da cultura humana.  

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Atitudes mentais positivas

 

Paciência, bondade, compaixão... Dominar a vontade e buscar agir de modo que atenda aos impulsos da humildade, e servir sem distinção aos demais seres da natureza, a preencher de amor os dias que nos restam. Isso das ações voltadas ao desenvolvimento do Eu maior, o ser essencial que o somos, ainda que necessitados de compreensão clara, e isto será sempre a real finalidade do existir.

Conquanto viver apresente demais significados aos olhos dos dias, perante o Infinito seremos instrumentos da própria evolução e buscadores, nas pegadas deste momento, do caminho da realização do ente espiritual que habita nossa carne e nada mais representa do que o início da longa jornada rumo ao Eterno

A existência na Terra envolve, pois, a descoberta dessa finalidade, ainda que insistam desdizer os chamamentos e valores imediatos aos quais multidões rendam homenagem e perdem, por isto, o sentido das horas em face do brilho fosco da ilusão.

A permitir desvendar esse mistério das existências, dispomos de atitudes mentais positivas que são, por vezes, redes que nos libertam dos paredões da inconsciência. De perenes passageiros da agonia neste chão, tocamos adiante o trilho do tempo e deixamos de jogar ao léu os valores inimagináveis da virtude.

Ninguém, de pleno senso, jamais se verá dotado da compreensão plena sem aceitar as limitações quanto a tudo em torno de si, porquanto meros aprendizes do destino, na verdade somos viajantes da imensidão e deslizamos nesse mar de tantos símbolos, a tecer o desconhecido, servos e senhores das nossas ações. O quanto de melhor e positivo pudermos praticar no correr das vidas, moveremos forças e eventos transformadores da nossa iluminação. Laboratórios de nós mesmos, arquitetamos as cidades do futuro de dentro da perfeição que já trazemos conosco bem no íntimo do coração.

domingo, 6 de dezembro de 2020

O poder infinito que cada um tem


Isso mesmo, todos sem exceção possuem o poder, se assim o quiser. Seja em todas as direções que desejemos, dispomos em nós da força que também move o Universo inteiro nos seus mínimos aspectos. O caudal dos rios, a disposição das ondas do mar, o desejo das árvores de galgar os ares, a insistência das crianças de conhecer o mundo, o equilíbrio dos fenômenos, o impulso, afinal, de movimentar as estrelas do céu, tudo, tudo, ao dispor de nossa vontade. A propensão poderosa de vencer a inércia e dar o primeiro passo através das novas possibilidades, eis o sentido que move a vida sem dúvidas.

Quando Jesus Cristo afirmou sermos deuses e não o sabemos, resumiu o potencial da iniciativa que bem compõe na nossa existência diante da Eternidade. De sermos feitos da mesma constituição de quem originalmente nos criou e criou tudo quanto há. Esse mesmo condão que aqui perfaz a perfeição das presenças no seio do Nada; Ele que habita nosso íntimo, e carecemos apenas acordar e habitar os dias da História, a história dos nossos dias, hoje.

Contudo tal exige um primeiro, o despertar do conhecimento, do saber, porta do quanto se poderá. Daí a importância da educação, fonte de saber, razão das transformações, luz nas consciências. No entanto saber essencial, honesto, longe das mistificações, das falácias que a sombra da ignorância insiste conter, sem, todavia, dominar a essencial de todos, onde mora a nossa liberdade. Precisamos praticar, pois, a sabedoria de ultrapassar a mediocridade dos tolos e mostrar a verdade que realmente trazemos conosco no poder que possuímos. 

Isto no que tange ao que quer que seja, desde mínimas atitudes aos avanços tecnológicos tão em voga nos dias de agora. Quanta maravilha o gênio da Humanidade produz a toda hora, vitória constante sobre o atraso dos séculos, quiçá demonstração insistente do quanto evoluímos e mais existe a evoluir. 

Portanto, transportemos conosco as luzes da esperança de vencer a escuridão das guerras e da morte, e iluminar a natureza que trazemos em forma de novos valores, a modificar em definitivo a face da Civilização, eis a missão principal de todos nós. 


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

E dizem que os objetos têm vida


Isso nesse tempo em que máquinas parecem já adotar comportamentos humanos, em que se acredita mais nas mídias do que na realidade; que faz algum sentido imaginar isto. Onde os humanos querem resolver tudo de dentro das engrenagens que criaram no decorrer dos tempos, desde laboratórios matemáticos de contar partículas do sangue às retroescavadeiras, drones, ultrassons, câmeras, monitores, radares, foguetes, etc. 

Um tempo na Bahia, e colega do banco me contava emocionado a respeito da Rural que possuía, para ele mais que só um bem de família, um dos seus membros. Detalhou lá certo dia que haviam viajado, no final de semana, ao interior e, ao voltarem, no domingo à noite, ele narrava: 

- Veja o quanto ela gosta da gente; aguentou chegar na porta de casa, depois de longa travessia; e nessa hora é que ouvimos um estalo forte, acabava de quebrar a barra da direção. – E sensibilizado considerou: - Ela resistiu até o derradeiro momento, a fim de não sacrificar minha família – afirmava quase com lágrimas nos olhos, de voz embargada. 

Daquele tempo distante, relembro essa história e trago à cena os dias atuais, quando tantos, nesta hora, estão de vistas fincadas nos pequenos celulares, a viajar mundos adentro, quase a viver diante de oráculos fieis, irretocáveis. Agora, da mais tenra idade aos provectos, todos firmam seus movimentos e preferências nas luzes das telinhas sensibilizantes, objetos de primeiríssima necessidade, que riem, falam, denunciam, mentem, desmentem, alimentam, dão as horas, o clima, a localização, as músicas, os filmes, os medicamentos, as preveem, profetizam; verdadeiros arautos das populações, são maquininhas que parecem controlar o Planeta, tal num abrir e fechar de olhos. 

Nisso lembro os livros e filmes em moda na década de 60 do século anterior, Admirável mundo novo, 1984, O Céu e o inferno, Laranja mecânica, Fahrenheit 451, As crônicas marcianas, As portas da percepção, Utopia 14, etc., ali prevíamos existiriam outros níveis de compreensão nas máquinas, em que elas imporiam o risco de demonstrar   humanização compatível ao próprio ser humano. 

Por vezes, imagino mesmo que vivamos era de intensas contradições e acesas expectativas de presenciar com clareza qual o lugar de cada vivente; caso mecânico, entre as máquinas; caso animais pensantes, entre os pares ditos inteligentes.


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O mistério do Inconsciente


De uma profundidade a bem dizer inalcançável, existe uma camada de nós que significa todos os mistérios da Natureza, o Inconsciente. Dotados de muitas definições através de inúmeros pensadores, representa a matéria prima das descobertas necessárias ao encontro definitivo da Consciência maior.

Do Inconsciente vêm os sonhos, as artes, as intuições, as religiões e tantos outros fatores das revelações isto além da realidade externa, manifestada. Verdadeira usina de produção dos avanços da ciência, ele conduz a personalidade ao domínio de si mesmo, permitindo avanços inestimáveis do equilíbrio emocional e espiritual.

A busca do Inconsciente resume toda a história humana durante todo tempo. Jamais se verão em desamparo os que desvendam, por mínimos que sejam, esse segredo guardado nas furnas desse universo interno que nós o somos. 

Nisso a literatura traz considerações imaginativas que indicam o mito do Inconsciente, por exemplo, a caverna de Platão, célebre citação dessa possibilidade aberta a todos de um dia descobrir e exercitar a libertação por meio da luz exterior que projeta nossa sombra de encontro às paredes deste mundo até nos voltarmos para fora e sair em evolução. Outro exemplo disto, o conto das Mil e Uma Noites, de Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, indicação de um instrumento de poder que existirá dentro da caverna de nós mesmos, entre pedras e joias preciosas ao dispor dos que estenderem as mãos e aceitaram sua utilização. 

Há imenso caudal de riquezas no íntimo de todos, carecendo tão só desenvolver métodos dos pensamentos e sentimentos os quais devem focar a essência da concentração mental e causar uma prática fiel. Uns chamam de fé, outros, de atenção, meditação, ioga, etc. O que conta, na verdade, é estarmos vivos nesta intenção fundamental de achar a porta do Reino de Deus, de que nos fala Jesus, a fim de purificarmos os reais objetivos de nosso viver e galgar o encontro definitivo com Deus, causa origem de tudo. 


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Aceitar as contingências


Duro é para ti recalcitrar
 contra o aguilhão. - Jesus (Atos, 9:5)

Situações que se apresentem no decorrer dos dias exigem por demais atenção e paciência, trazendo à tona ensinos religiosos e filosóficos guardados atentamente nos livros. Quase sempre é preciso que adotemos medidas estratégicas de concentração mental e positividade, a fim de cruzar barreiras quase a dizer intransponíveis. Isso, aquilo, pede paz ao coração das pessoas, persistência e ânimo firme. Determina atitudes adequadas a viver, ainda que diante das adversidades. Bem porque carregamos no íntimo a força suficiente de vencer todos os desafios que por ventura assim tenhamos de encontrar.

São ensinos pertinentes, úteis e necessários, e que deles carecemos, invés de naufragar no mar das frustrações e deixar que o desespero atinja o direito sagrado de sobreviver a tudo, porquanto viemos no intuito de avistar a terra da promissão. Só em pensar nas quantas gerações de seres iguais a nós vieram e regressaram, todas a braços com os mesmos transes os quais batem às portas de muitos, isso determina que utilizemos de práticas de pensamento elevado, otimismo, paciência, e levemos em conta a oportunidade dos aprendizados e das determinações que compõem o quadro das ocasiões.

Tal dizem os pensadores existencialistas, somos nós e as nossas escolhas. Apenas confrontar, por isso, nada representa, visto serem os instrumentos de construções da vitória o que logo à frente sorrirá aos que desenvolvam habilidade em administrar situações, conquanto viver e lutar trazem o mesmo significado neste tabuleiro das existências.

Usar, deste modo, o condão das palavras a título de alimento sadio aos leitores, impõe a quem escreve o dever fundamental de oferecer meios práticos e elementos exatos de atravessar as tempestades deste mundo em mudança. Queiramos, pois, desvendar os mistérios das jornadas no sentido favorável à esperança, caminho da paz e da tão desejada felicidade.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Jamais se esqueça de si


De tudo quanto importa, na verdade, eis o que durante todo tempo ouviremos na voz da Consciência em nosso interior. Pouco importa fatores e circunstâncias, venceremos o espaço estreito aonde viemos, porquanto contamos com toda a força do Universo. Alimentemos a vontade de encontrar os lugares do Amor em nossos sentimentos. Busquemos, intensos, a libertação dos limites desse chão em movimento constante. 

O de que melhor já existe face aos mistérios vibra em nossas almas. Acreditar nisto vale por todas as riquezas deste mundo. A fonte da vida que nos permitirá abrir as portas do tesouro que já o somos e que mora dentro de cada ser, conquanto necessidade maior persiste nos instrumentos naturais a que pertencemos desde sempre. 

Nisso a vontade viva rumo da felicidade completa e inextinguível que cabe aos passos de cada um nas estradas pelas quais ora desenvolvemos os dias da nossa própria história, criaturas perfeitas que precisam apenas se reconhecer. Ao nível de nossas mãos, o tempo oferece o condão da esperança; daí querer significa a base das lições que aqui viemos buscar. Ainda que nalgumas vezes dificuldades ofereçam desafios imensos, nessas ocasiões resta sacudir os fardos desnecessários e vencer o território estreito da matéria, pois somos espíritos imortais, senhores de todos os tesouros que transportamos em nossas almas. 

Quantas oportunidades habitam em todo momento ao dispor das criaturas humanas. Recolhamos, assim, as raízes de nossa salvação da essência do que possuímos em nosso interior. Há uma fonte viva de luz, paz e transformação no íntimo dos nossos corações. O testemunho dessa conquista virá de nós, mensageiros da revelação superior. Acreditemos, sobremodo, na imensa possibilidade que permeia fulgurante os segredos da criação. Vivamos, por isso, a construção dos mundos infinitos de que também somos seus autores e viventes.

(Ilustração: Vladimir Kush).

Intercessão valiosa


Das inúmeras ocorrências verificadas no decurso da Confederação do Equador, no Ceará, idos de 1824, episódio impressionante narrou Esperidião de Queiroz Lima, no livro Tempos heroicos, o que transmitimos aos que ainda não leram a publicação.

Trata-se da execução de um dos sentenciados pelo tribunal militar conhecido por Comissão Matuta, no mês de outubro daquele ano, instalado para punir as hostes rebeldes. Julgados e condenados, cinco líderes republicanos seriam fuzilados no pátio da Cadeia Pública de Icó. Um desses, Antônio de Oliveira Pluma, autodenominado Pau Brasil, conforme sua assinatura no manifesto do movimento, insatisfeito com o resultado a que se via submetido, reagiu em altos brados, protestando misericórdia de quem ali se achava.

Recusara mesmo permanecer de pé, mas, sendo assim, forçaram-no em cordas a se sentar numa cadeira, onde, com olhos vendados, ainda pedia que o deixassem viver.

De nada lhe valeram as rogativas, pois logo em seguida o pelotão recebeu a ordem de preparação:

- Apontar!

E, ante os disparos iminentes, o pânico pareceu querer tomar a alma do condenado em face da morte inevitável, sob o monto de todo o idealismo que até ali dominara os atos de sua razão da existência. Outra vez, um gesto cresceu de sua voz, explodindo mais alto em reclamações de amparo, lançadas aos planos superiores:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Nisto foi secundado pelo toque de comando: - Fogo!

Cessada a fumaceira, as balas achavam-se cravadas no muro onde o revolucionário permanecera incólume, sacudindo de espanto os presentes. Seguiu-se nova carga de munição. Restabeleceu-se a ordem preparatória, e se fez no ar outro grito de socorro:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

- Fogo! - comandou a ordem marcial.

Resultado: o alvo manteve-se intacto. Os tiros voltaram a ferir tão só e apenas o muro, para desânimo da escolta. Em meio do inesperado, tonto, pálido, o comandante reclamava prática melhor de tiro a seus homens, visando manter os praças no cumprimento do dever, tratando de retomar as determinações da próxima tentativa, que foi precedida pelo mesmo grito do condenado, tão pungente quando sincero:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Os disparos se deram, de acordo com a obediência. Desta vez Pluma fora atingido por algumas balas, mas continuava vivo, segundo narra em seu livro Queiroz Lima.

Soldados de pronto se movimentavam para um quarto fogo. Nesse instante, a população presente, tocada de simpatia pelo confederado, se ergueu coesa e exigiu o direito do réu ser libertado, qual merecesse o valimento dos céus. Em seguida, essas pessoas levaram-no consigo, alheado e preso à cadeira do martírio, até à Igreja do Senhor do Bonfim, distante cerca de 200m do ponto onde a cena ocorrera, entre preces e benditos fervorosos.

Há registros do ano de 184l que dão conta de que o sobrevivente veio a ser titular da Promotoria Pública da comarca de Baturité, no Ceará, o que bem comprova sua resistência aos ferimentos naquele dia recebidos, na tentativa de execução de que fora objeto e sobrevivera, no município de Icó, dezessete anos depois.            

(Ilustração: Os fuzilamentos de 03 de maio, de Goya).

Padre Frederico


Quem viveu em Crato nos anos 50 e 60 com certeza conheceu o padre Frederico Nierhoff, sacerdote responsável durante décadas pela paróquia de São Vicente Ferrer, na zona central da cidade. Dotado de espírito empreendedor, fez a reforma da igreja e ampliou o salão paroquial, além de instalar projeto comunitário rural no distrito de Ponta da Serra, na localidade denominada Mata, iniciativa de larga envergadura, deixando marcas profundas de sua liderança religiosa em todo o município.

Pois bem, sobre a personalidade forte do Padre Frederico algumas vivências ficaram registradas na memória do povo cratense. A sinceridade e o senso de humor lhe caracterizavam as atitudes. Homenzarrão de quase dois metros de altura, vozeirão, sotaque a lhe denunciar a origem; natural da Alemanha, viera ao Brasil na época da Segunda Guerra para atuar junto de outros compatriotas que fundaram o Seminário Sagrada Família, situado no sítio Recreio, imediações da zona urbana, prédio depois destinado às instalações do Hospital Manoel de Abreu e agora adquirido pelo governo do Estado para instalar um Centro Cultural. 

Dentre as suas histórias mais pitorescas se pode anotar o caso de um matrimônio da gente dos matos que veio de celebrar. No instante das partes aceitarem o definitivo do compromisso conjugal, a noiva saiu-se com inesperada recusa. Desfizeram com isso o cerimonial que só voltaria a acontecer passado algum tempo.

Da segunda vez, as peças se inverteram. Nessa ocasião quem negou a dizer sim foi o noivo, motivando outro constrangimento às famílias, aos convidados e celebrante. 

Até a terceira data, as coisas demoraram um tanto mais de tempo, porém mesmo assim verificando-se dentro da menos provável expectativa.

Todos a postos, silêncio apreensivo no ápice do ritual. Feitas as clássicas perguntas, suspiro de alívio percorreu o ambiente quando os dois responderem favoravelmente à pergunta do sacerdote. No entanto algo ainda faltava de suceder.

- Pois hoje quem não aceita sou eu - contra-atacou o vigário. - Vão embora que eu não celebro mais esse casamento encruado.   


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O ferreiro de Barcelona


As trevas da Inquisição cobriam a Europa de mártires e de terror. A Idade Média anulava os anseios religiosos da grande população, através de cruel intolerância solapando liberdades civis qual fosse uma peste sulfurosa. Durante o século XIII, cometeram-se ignomínias e atrocidades, aplicando penas que iam do confisco dos bens a execuções sumárias, torturas e outros castigos inimagináveis.

No auge de tudo isso, existia na cidade espanhola de Barcelona um ferreiro afamado que ganhara a preferência dos executores das penas no mister de confeccionar requintados instrumentos adotados pela repressão impiedosa. Suas algemas mereciam respeito face ao primoroso zelo com que as manufaturava, sem existir quem lhe pudesse superar na qualidade. Cumpria de sobra com as encomendas apresentadas. De suas produções jamais alguém conseguia escapar. Um profissional e tanto o ferreiro daquelas peças de trancar perseguidos da oligarquia que avassalava as consciências desse período trágico, no combate das idéias renovadoras e escarmento de tantas vítimas.

Pois bem, esse homem se orgulhava de que ninguém era capaz de se livrar das suas tenazes; ninguém, que fosse, chegava a fugir quando preso com os ferozes mecanismos.

O tempo, justo e sobranceiro, porém, guarda surpresas na aparente monotonia dos gestos humanos. 

Dias e noites passavam céleres, até que durante uma festa de insistentes brindes, perante vasta multidão, o ferreiro, animado além do tanto nos assuntos do vinho, excedeu-se nas palavras, deixando transpirar segredos inconfessáveis, aos quais chegara por via do prestígio adquirido junto às cúpulas do Santo Ofício. Na carraspana, inconfidenciara notícias que determinariam o seu próximo destino.

Coisa pior não lhe poderia acontecer. Caía desse jeito nas garras do mesmo tribunal a quem servira. A equipe dos doentes espirituais, por meio de julgamento improvisado, cuidou da sua condenação, ficando desfeita a velha aliança.

Após o pesadelo das primeiras horas, ele despertava desnudo em solo úmido de masmorra infecta. Colado a pedras ásperas, sentiu nos pulsos crivos frios de metais enegrecidos. Entre dormido e acordado, buscou esperanças no manuseio do mecanismo que o retinha de encontro à tosca parede da prisão.  

Recobrara os sentidos para perceber, qual não foi a surpresa, que se via atravancado nos pulsos e tornozelos por dois pares de grilhões que produzira na véspera da comemoração onde fora se meter, perdendo o domínio e sentenciando o merecimento da justiça torpe dos que antes auxiliara. 


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

A balança do Tempo


É infinita a distância entre a liberdade e o agir. Itinerário por demais admitido, no entanto o querer determina os passos a serem dados. Uns aceitam duvidar; olham, mas veem só a direção contrária dos místicos. Acham sempre um motivo de pender ao lado contrário na balança da sorte. Só querem o imediato, invés de aceitar o preço do trabalho, da dedicação, da renúncia, por vezes até do sacrifício. Nada que supere o peso do prazer, das iscas que avistam no vento. Existem, pois, as duas teses bem estudadas, o Estoicismo e o Hedonismo.

Estoicismo: doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.), e desenvolvida por várias gerações de filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade. (Oxford Languages and Google)

Hedonismo: cada uma das doutrinas que concordam na determinação do prazer como o bem supremo, finalidade e fundamento da vida moral, embora se afastem no momento de explicitar o conteúdo e as características da plena fruição, assim como os meios para obtê-la. (Ibdem)

Nesse universo ético, portanto, acontecem as providências humanas. Uns apostam a existência na casa da resignação. Outros na pura fruição dos bens materiais. Enquanto isso, escolas espiritualistas voltam suas baterias pela aceitação de meios extrafísicos, aonde semeiam esperança nos dias porvindouros. O que faz diferença no sentido dessas atitudes são os sistemas de crenças individuais. 

As escolas religiosas, sobretudo, exercitam a norma da definição dos planos além das percepções apenas do corpo e avançam nos valores ditos eternos.

Desde os primeiros registros da humanidade persiste essa busca pelo que virá após a perda do corpo, conquanto a exatidão da Natureza indica essa compreensão dos níveis maiores da consciência, expectativa da ciência oficial e dos habitantes deste chão de provar em laboratório a continuação da vida depois da morte.

Destarte, caminhamos no caminho que melhor atende às possibilidades de nossos valores e tratamos de escolher o que irá determinar nossos dias no futuro nem tão distante. 


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A solidão dos corações enamorados


Nos imensos desertos da alma que abrem de par em par suas portas ao eterno, encobertos pela poeira de sonhos vagos em noites estreladas, litanias desesperadas rompem os céus das histórias de princesas presas ao leito do desespero ao furor de lhes rasgar o peito apegos a um amor imortal; só então vêm à tona os tetos em brasa dos desejos ardentes de paz que revolvem por dentro o turbilhão de paixões desenfreadas, desfeitas em mil pedaços ao frio calor das madrugadas, e bem ali a se instalar no fervor dos vendavais do Infinito quando o coração em guarda trabalha a voragem de todos os sentimentos à cata de referências e salvação.

Bem assim somos nós, testemunhas e autores das angústias que nascem da beleza e dos amores incontidos a fervilhar o abismo da alma. Senhores de tantas tradições, porém presos às maravilhas em volta, circulamos tontos nas fibras intocadas do coração. Quantos sonhos guardados nas cavernas do sentimento, onde vive perene o Amor. Ânsias das mais perfeitas melodias, inspiração do Universo em forma de luz, súditas da força mais poderosa, multidões avançam pelas colunas do Tempo e aceitam essa presença do Autor Desconhecido que as domina, feitos meros instrumentos que o somos da afetividade. Nisso construiremos mundos e oferecemos os meios às novas existências, que nascerão de nós mesmos. 

Na certeza, pois, de sentir a magnitude do mistério, no entanto apenas aguardamos a verdade que sustenta os astros lá nas alturas e mantém o instinto da sobrevivência, oxigênio e motivo dos acontecimentos. Encapuçados na própria solidão, deixamos que brilhem formas que presenciam os refolhos íntimos, fantasmas na escuridão que prepara a imortalidade, indivíduos silenciosos; alimentamos a possibilidade de algum dia despertar nos braços de quem se ama e jamais sumir pelas esquinas sórdidas da ausência. Aceitar a alegria qual fator de essência e certeza absoluta da Consciência de tudo quanto há.

Ilustração: Moça na janela, de Salvador Dali.



sábado, 14 de novembro de 2020

Lembranças da Bahia


Era a década de 70 e eu vivia em Salvador. Trabalhava na Agência Centro do Banco do Brasil, situada no Comércio, à Avenida Estados Unidos, sendo um dos funcionários da Secretaria da Gerência, ao lado de Artur da Silva Leandro, o Gerente Geral da agência. Atendia no Cheque Ouro, o carro-chefe do banco à época. Quando recebera a carteira de Carlos Barreto Filho, ele me passaria em projeto em andamento, a divulgação do produto junto aos artistas e autoridades baianas, a fim de expandi-lo através dos nomes da cultura e dos principais órgãos administrativos. Daí saía a visitar essas pessoas, quando, então, abria contas e fornecia talionários de cheques, além de explicar os detalhes dessa modalidade bancária em fase de plena expansão.

Face ao ofício, estive com Jorge e James Amado, Emanoel Araújo, Sante Scaldaferri, Jenner Augusto, Almirante Henning (comandante da Base Naval de Aratu e depois Ministro da Marinha), Joalbo Carvalho (Presidente da TeleBahia), Carybé, Kennedy Bahia, Calasans Neto e Floriano Teixeira. Primeiro, ligava marcando as visitas e, em seguida, comparecia., para, depois, sempre que precisassem de algo no banco, me procurarem na agência. Nisto fiz bons amigos.

Trabalhara antes na agência de Brejo Santo, e ao escolher Salvador, visando uma transferência, já levara comigo o gosto pela cultura baiana, música e literatura, principalmente por Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, autores de minha predileção naquela fase, e por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa, bem nos moldes do Tropicalismo, movimento cultural que galvanizaria uma geração inteira dos anos 60.

Foi época de ricas experiências, sobretudo no campo das artes e da cultura, de que guardo ricas lembranças e profundas saudades de um povo alegre, amigo, dotado de inteligência e criatividade. Dos meus filhos, dois nasceriam em Salvador, Ceci e Ciro, e quando me vêm oportunidade, regresso com satisfação à Boa Terra, a minha segunda pátria.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Vicente Ludgero


Quem viveu em Crato nas décadas de 60 e 70 do século passado recordará com certeza essa figura exponencial da época, Vicente Ludgero, professor e exímio dançarino das matinais e tertúlias que marcaram profundamente a memória daquele tempo. Ao reviver momentos do passado, nada melhor que lembrar os personagens que preencheram seus acontecimentos. Vicente transitava fácil entre os jovens de então, dotado de linguagem característica, cheia das gírias das capitais, e chegava imperando nos grupos. Nas festas, era destaque absoluto pelo estilo aprimorado de dominar os salões, sempre na companhia dos pares equivalentes no jeito fluente de conduzir passos e ritmos da dança.

...

Era tempos intensos e movimentados na cidade, com a Praça Siqueira Campos apresentando, aos domingos, noitadas inesquecíveis, lotadas ao máximo, um verdadeiro festival de cores e sons, donde saíram muitos casais de namorados, raízes de tantos matrimônios. Logo em frente ficavam o Café Líder e o Cine Cassino. Lá adiante, num quarteirão a mais, o Cine Moderno, na Rua José de Alencar, início da Rua Santos Dumont. 

Às vezes me pego a rever tudo aquilo que as lembranças preservam de modo tão caprichoso. Ao término das noites de domingo, parecia que a saudade ocupava o lugar daquilo tudo, à espera de outra semana até editar novamente aquela marcante festa social do nosso interior charmoso.

Daí, a força dos ícones que assinalaram tais ocasiões, que tendiam brilhar nos clubes, Associação Atlética Banco do Brasil e Crato Tênis Clube, que ofereciam matinais aos domingos e tertúlias nas sextas à noite. Os conjuntos musicais, Hildegardo Benício e Ases do Ritmo, depois The Tops. Enquanto isso, haveria a atividade semanal dos colégios, Diocesano, Santa Teresa e Estadual, nos dias úteis da semana.

Qual dizem os poetas, éramos felizes e não sabíamos. Os meios de comunicação que predominavam eram rádio, jornais, discos e revistas. Ficar em casa aos domingos à noite nem de longe pensar nisso. Primeiros anos da década de 70, a televisão, que chegaria aos poucos já aos finais dos anos 60, ganhava torres eficientes de retransmissão e as cores, isolando quase que de tudo essa fase inolvidável daquela mocidade.


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

O sonho e a vida


Sou um homem que sonhou que era uma borboleta? Ou sou uma borboleta sonhando agora ser um homem?
 Chuang Tzu

Dos dilemas desta vida, estamos sonhando ou vivemos as consequências dos sonhos? Face a face com nós mesmos em meio da realidade que aparece aos nossos olhos tangemos o rebanho dos dias e noites. Perante as lajes que pisamos e somem aos nossos pés, trituramos em pedaços os momentos feitos almas vivas de sonhos de quem, talvez, nem sabemos quem sonha. Se alegres os sonhos, a realidade fica feliz; no entanto passos novos trazem outros instantes aos quais acendemos outras velas de esperanças.

Nisso, o dilema do monge que sonhou ser uma borboleta, acordando na dúvida de ser o quê, se homem ou borboleta, e também que se desfaz em substância nas malhas entre o tempo e o espaço, tecido infinito do manto que cobre as horas. Assim, entre duas realidades, fincamos marcos da nossa luz na estrada intermitente dos destinos. Alguns quais pássaros em voos imaginários sobrevoam o firmamento, plantam sementes de outros sonhos no coração das criaturas e vivem os sonhos que outros em nós também plantaram.

Pelas janelas desses sonhos, veloz transcorre a paisagem da nossa consciência, observadores privilegiados de tantos compassos e melodias. Agarrados, pois, às muralhas dessa nave que o somos, nalgum lugar firmaremos os mastros das jornadas definitivas. Espécies de cativos e senhores de si mesmos, louvamos os deuses e o Deus que a tudo conduz, desde lugar daqui ou distante, a equilibrar masmorras e tronos ao sabor dos invisíveis propósitos.

Há nisto, portanto, a fronteira do sonho com a realidade, trilho da existência nas existências, caminho único de todos ao sabor de planos que nem a nós cabem ainda saber, só viver com toda a gana de nossa vontade, até chegar aos tetos da mais absoluta perfeição.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O lobo-rei que morreu de amor

 Li certa vez na revista Seleções a história de um lobo-rei (espécie rara existente na América do Norte), tipo graúdo, muito esquivo e feroz, que principiou a dizimar os rebanhos de determinada região dos Estados Unidos. Dada a sagacidade do animal, o esforço de vencê-lo se tornara obsessivo, porém inútil. 


Nesse clima de repetidas ameaças e destruição, assustados, os rancheiros da redondeza cuidaram de montar plano intenso de mobilização a fim de liquidá-lo a qualquer custo.

Muitas armadilhas foram espalhadas em pontos estratégicos; todo tipo de mecanismo, possível e imaginável, artimanhas diversas, utilizaram, sem, no entanto, produzir resultados efetivos. 

Juntos os esquemas, perseguidores seguiam à risca cada passo da fera, enquanto seus estragos prosseguiam pelas fazendas, gerando prejuízos sérios à atividade pastoril daquela área. Em muitos momentos, chegaram perto de alcançá-lo. Dias a fio, e ainda sem obter nada de concreto.

Após meses de investidas, os caçadores descobriram numa montanha distante a furna que servia de covil ao lobo e a sua companheira, local que sempre lhes defendia na implacável perseguição dos vaqueiros.

Em noite escura, diante da saída do parceiro à cata do alimento, a fêmea ali permaneceu, aguardando o seu retorno. Vieram, então, os vaqueiros, que agiram com rapidez, aprisionando-a. 

Com isso, o lobo enfurecido acrescentou ainda mais os ataques ao gado das fazendas, aumentando o terror que imperava. Mas quando aprisionada a fêmea, o parceiro terminou vindo à mercê das armadilhas, em busca daquela que lhe dava o sentido de viver. Debalde, porém, os caçadores esperam sua presença.      

Como passar do tempo, face à prisão da companheira, o lobo alterou os modos de agir, reduzindo pouco a pouco as cautelas antes infalíveis, rotinas e cuidados que lhe haviam permitido sobreviver. E numa noite de lua, quando chegou demasiado junto da jaula onde puseram a fêmea, para servir de isca, terminou por se entregar de frente aos perseguidores, que o abateram com relativa facilidade. 

Guardei durante um tempo essa história, pois me despertou na busca das razões de tantos comportamentos em que animais manifestam espécie de senso moral, emoções raras, isso que seres humanos ditos racionais, calejados de sentimentos torpes, por vezes, no cotidiano, agem a níveis tão baixos, destituídos da menor civilidade, o que, decerto, envergonharia até bicho bruto que pudesse nos avaliar em iguais circunstâncias.

Portas do coração

 


Eis a descoberta que responderá a todas as perguntas na revelação de si através da compreensão dos universos em formação dentro das pessoas, habitação dos deuses e morada feliz da mais perene Eternidade. Isto virá no momento quando acessar o conhecimento de Si por meio das reservas interiores com as quais chegamos aqui e as transportamos conosco ao seguir adiante, porquanto somos o começo e o fim de tudo quanto há, durante todo tempo. Se ainda resvalamos no desfiladeiro das dúvidas e das impossibilidades, isso fica por conta das aparentes limitações nas quais insistimos existir no todo perfeito de nós próprios.

Deem o nome que quiserem, no entanto em nada persiste acreditar em fracasso face à exatidão das existências, conquanto fossem criados desde sempre sob o crivo do equilíbrio e da perfeição. Resta a todos percorrer os trilhos da consciência e desvendar o sacrário do poder que já carregam no seio da alma humana. Cada um é o todo, enquanto as portas lhes cabem abrir no decorrer das tantas histórias a viver. Ciência pura da conquista da Salvação.

Salvação das fragilidades do Chão, dos apegos ao nada, prazeres fátuos que desfazem o tempo e o espaço no escorrer das gerações. Nisso, porém, perdura um senso de absoluto que fervilha nas mãos de todos, à medida que desfazem as ilusões de um chão em queda livre, fagulhas ao vento incessante das vidas em formação.

E por que o coração significar o sagrado em constante descoberta? Porque em seu território está localizada a saída deste mundo, sendo ele o portal da imortalidade, o mistério no qual viemos aqui buscar a chave da Felicidade. Coração que simboliza os sentimentos, e o sentimento mais alto será o Amor maior. Tudo tão claro a quem possa enxergar, entretanto invisível aos que fixam as vistas nos valores frágeis das fantasias do caminho, pedras e poeira de um passado persistente. Deixam, por vezes, de ver o essencial e esquecem a que vieram em definitivo.