sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A volta do filho

A notícia do retorno se propagou nas quebradas feita relâmpago em noite escura. O moço voltava alquebrado da longa ausência quando rondara mundos distantes, desde cedo conhecendo as vaidades noutras taças que não as do torrão natal. Gastara muito daquilo que a família adquirira com esforço e sacrifício na lide das roças, de inverno e verão. 

Havia, nesse recomeço, algo semelhante à história evangélica do filho pródigo chegando de volta ao lar paterno.

Viera no meio da noite à porta principal da casa, que abririam de par as cavernas da saudade. Abraços calorosos lhe receberam na festa do regresso, pondo todos em polvorosa, acordando os irmãos mais novos nunca imaginados que houvesse da parte do que sumira nas estradas. Reminiscências. Aventuras valorizadas. Longas conversas, da madrugada à barra do dia. 

O lugar atualizava, no vento as manhãs alegres, dentro das orelhas frias, na ponta do nariz, nos olhos insones... Dormira nada, deixava o sono para conciliar de tarde, pela calma de tanta excitação. 

Viu nas primeiras réstias de sol na telha motivos de sobra suficientes de saltar da cama só no dia seguinte, quando avistou o curral. Andou dolente a ler na consciência o campo cinzento fosco da redondeza. As casas de taipa dos mesmos moradores, o brejo, o açude, árvores destacadas no desenho maior, menores, indo recortar a paisagem no horizonte avermelhado. Deteve-o a silhueta inconfundível de dois vaqueiros ordenhando o gado, na orla do chiqueiro da criação. 

Pessoas em movimento ecoavam a lembranças do riso engraçado das mocinhas. Notou, por trás da cerca do quintal, um dos empregados puxando carneiro gordo ao tronco da cajazeira secular, sob a qual arrumavam prato de barro, fogo aceso e facões. Os atos denunciavam a condenação próxima do animal.

- O que farão com esse bicho? – perguntou agoniado, querendo reverter a tempo a execução do carneiro.

- Vamos abater para comemorar sua volta – logo respondeu o caboclo.

Demorou quase nada pensando, e entrou casa adentro na procura da velha mãe. Ao vê-la, chegou dizendo que o animal culpa nenhuma tinha de ele regressar. 

- Em lugar de matar o carneiro, mãe, por que não cuida de lhe dar só uma pisa boa, caso queira dividir com ele a responsabilidade desses meus procedimentos?     

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Um ideal possível

Observar os cenários atuais, tanto do ponto de vista local quanto mundial, faz ver que atravessamos, na história humana, período de intensa gravidade. Dizemos isso ao notar as atitudes materialistas nos negócios e países, em políticas de dominação de seres humanos relegados a plano secundário na ordem das coisas quais massas de manobra para produzir e consumir bens e gerar lucros, submetidos aos poderosos, em todos os quadrantes. 

São modelos que privilegiam capitais em detrimento das práticas sociais, onde Estados detêm setores econômicos prioritários, os quais, de um dia para outro, se transformam em patrimônios particulares por força da política mal versada. Dessas e de outras mudanças extremas advêm conseqüências que empenam toda a sociedade.

Na verdade, os sintomas correspondem, na banda crítica, ao que se previra nos planos econômicos trabalhados no sentido que realizam. Entretanto aqueles esperados frutos continuam distantes, esperanças dos sonhados melhores dias. E nesses tempos cinzentos o que aparecem são os milhões a reclamar de uma lideranças compatíveis aos anseios de real desenvolvimento. 

Eis, por isso, o quadro onde se denota percentuais elevados de pessoas a viver abaixo da linha de pobreza, sem dispor do mínimo em termos de moradia, saúde, educação, segurança, profissionalização, dignidade. A própria sociedade precisa rever os métodos de ação, buscar coragem moral e vontade política que desmanchem os equívocos do passado e do presente, na escolha de novos dias, o que também passa pela união das classes através da consciência de que todos somos irmãos vivendo na mesma casa. 

Abalados, desapareceram muitos daqueles impérios; mas persistem os princípios universais ainda não concretizados na prática. Guardemos no íntimo a resposta às dores sociais, no senso do viver justo, na busca da mentalidade honesta. 

Crescemos em número; agora cresçamos em qualidade, perfeição que passa longe do simplório conforto material das posses, da influência e do prestígio; do poder das armas, das conquistas coloniais menores. Justiça social, eis o outro nome da propalada Solidariedade.              

(Foto: Jackson Bola Bantim).

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Conto

Querer, sim, e visto querer, as dores cresceram de dentro para fora, numa vontade firme de descobrir, intenso e real, o amor entre os seres. Ela e ele atingiram o instante quando o coração não pode esperar melhor ocasião; só viver febricitante a expectativa de unir corpos felizes.

A barra da madrugada reunia neles essa aura luminosa, enquanto olhos ardentes lambiam, um no outro, furor descomunal de quem saboreia o sabor gostoso de pão quente à beira da estrada do sonho.

Os dois, aflitos no desejo intenso, entregaram na brisa as faces pelo quebra-vento todo aberto; sol a tingir-lhes de ouro os cabelos, junto de ondas fogosas a sacudir o mar da vontade.

Longe, no horizonte infinito, a presença do Poder, nuvens brancas a repassar cenário diante do azul que emoldurava as imortalidades no calor dos corpos unidos através de amor sincero, puro.

...

Conta a tradição dos muito antigos que vivêramos distantes, lá na constelação de Cocheiro - onde três planetas chegaram a estágios de tecnologia super avançada e destruíram suas civilizações numa guerra trágica. Visto inexistir coincidência, era a época própria da colheita, naqueles povos remotos. Desse conflito ocorreria profunda reviravolta, pois os tais planetas passaram a novos estágios de mundos evoluídos, e seus habitantes restaram submetidos por seleção obrigatória aos ditames da Justiça superior; os espíritos que obtiveram o Conhecimento maior herdaram aqueles mundos.

Os outros, exilados na sorte do merecimento, vieram trazidos a novas oportunidades neste lugar de nível moral ao que viveram e perderam, pois não souberam bem aproveitar, para continuar aqui sua evolução nas raças ária, egípcia, judia, asiática (China/Manchúria/Japão).

A tradição guardada nas lendas afirma e acrescenta a história dos momentos vividos, agora no chão da Terra, em via de profundas transformações siderais, trânsito expiação e provas a mundo de regeneração.

...

Veloz a percorrer o espaço entre a casa, o paiol e a meia-noite, um risco no céu mostra a presença dos visitantes.

O inverno trouxera características diferentes; se apresentara com noites frias e agradáveis, promessa de sono tranquilo aos que mantivessem a paz na consciência, vindos leves aos lençóis.

Numa distância de aproximados 25 metros, disco metálico cor de alumínio escuro, quase chumbo, reluz. O bólide pousa quieto, silencioso. Dele dessem criaturas longe dos padrões do que chamamos humanos em termo de gente, todavia estabelecidos nas duas pernas, dois braços, tronco, cabeça, ritmo, equilíbrio e algumas notas mais pouco divergentes.

Sem agressividade, silenciosos pegaram os dois amantes pelo braço e os conduziram até a neve. Viagem solene iniciavam, ocorrência superior. No íntimo, homem e mulher aguardavam a providência; às estrelas, plenos de amor, a semente do futuro.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Discurso aéreo

Em Salvador, ouvi certa vez, do colega de banco Rômulo Serrano, este episódio que, segundo ele, aconteceu no regresso de um grupo de prefeitos baianos que fora, via aérea, participar de encontro nacional na capital da República, época dos anos 50. Trataram também das verbas nas repartições federais, bem ao estilo dessas viagens que os próceres municipais ainda hoje empreendem à cata dos recursos de administrar suas comunas. 

No bojo daquele DC-3, avião de dois motores e 28 passageiros, da Real Transportes Aéreos, se revelava o toque brejeiro característico dos representantes de algumas comunas do sertão; falar carregado, roupas peculiares, tipos exóticos, vozes e risos às vezes interrompidos pelo atendimento educado das belas aeromoças, que procuravam neutralizar a ansiedade do voo com alimentos e falas. Desse jeito, tudo transcorrera sem maiores imprevistos na jornada. 

À aproximação do aeroporto de Salvador, o serviço de som anunciou as recomendações de ofício, apertar cinto e não fumar, seguidas de informações do clima local, etc., e a praxe dos agradecimentos pela preferência, formalidades dessas ocasiões.

Tão logo o avião tocava o solo já se posicionando ao desembarque, nos derradeiros movimentos de pista, um dos prefeitos, senhor gordo, de barba, pança avantajada, terno de listras, gravata borboleta, sensível às amabilidades de bordo, juízo temperado nos goles a mais de alguma bebida forte, ocupou espaço entre as poltronas iniciais, chamou a atenção dos demais, daí desfiou toda eloquência aprimorada nos palanques de campanha:

- Em nome do povo de Brejões – as palavras que lhe saíam em tom emocionado, e prosseguiu durante longos minutos: - Quero aqui homenagear essa heróica empresa nacional da aviação civil, visto o modo ordeiro como sabe conduzir a nossa gente pelos dos céus do meu País. 

Nesse passo, sapecou adiante improviso que duraria perto de meia hora, suportada no calor, pelos presentes resignados, enquanto, surpresa, a tripulação cuidava de tranquilizar o pessoal em terra, que só depois saberia o motivo de tanta demora na desocupação da aeronave.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Às turras com o destino

Desde cedo que percebera de que iria viver drama idêntico ao que fizera outros viver, pois há muito lhe disseram ser a forma com que a justiça natural promove o aprimoramento das criaturas nesse infindo universo.

Contudo jamais imaginou viesse dentro de tanta intensidade a ponto de deixá-lo perdido quanto aos próximos passos. Até a lição de que, na dúvida, cumpra a pauta mínima que existe frente às horas, balanço de si quando buscou amenizar a dor da angústia. No íntimo do coração, ela desestruturou todos seus planos. Amor inabalável sempre sentiu, nunca constando defrontar situação tão diferente. 

Depois daquele escuro, a única coisa com que passara a contar de certeza seriam mágoas espasmódicas, reveladoras de instintos que desconhecia. Qual ferido de morte por punhal enterrado no tórax, cambalearia noites e dias destituído de planos que mostrassem como escapar do destino, que lhe toldava os pensamentos, sentimentos e sonhos.

Desde então vem assim acontecendo. Momentos se alternam, ora cinzentos, amargosos, tristes, ora delirantes de esperança por conta de possíveis mudanças de rumo no coração do lado de lá onde alimentou harmonia conjugal.

Até o I Ching, consultas a médium amiga, livros, leituras apaziguadoras da alma desesperada através das religiões que fomentam renúncia, conformação, perdão, exclusão pelo silêncio da mente, de tudo vem nutrindo de ânimo as condições claudicantes na dor do desprezo, da alienação e do desânimo. 

Quanto sofrimento, quanta lágrima derramada no desamor evidente na realidade. Esperar por quem não prometeu vir e ainda insiste desfechar o amor que fincara raízes no solo pleno da incerteza.

Esses instantes de aflição levaram buscar Deus e perguntar onde Ele vive, como vê-Lo e sentir Seus sinais. Reclama do gosto antigo que lhe rasgava as entranhas fervilhando agora apreensões. Anda, nos fins de tarde, na intenção de firmar o corpo forçado, engole alimentação e cápsulas de vitaminas, enquanto o coração pulsa normal, apesar de insistir que os mistérios da natureza invadiram de transe os subúrbios da alma insone. Correr, gritar, chorar, pedir, implorar, nenhuma atitudes significaria coisa alguma. Para consigo, olhos postos no tempo que fervilha nos átomos impacientes, espreita os desdobramentos quando tudo acabar, pois sabe que essa fase chega e acaba. Aloja o si nas sombras do itinerário, a preservar o restou da dignidade e responde aos compromissos vulgares, quer chova ou brilhe o Sol.

Aprendeu nos dois meses recentes o que a vida inteira não ensinara antes. Permanece vivo e chega, às vezes, a sorrir, o que espanta face de tanto infortúnio. Exercita a paciência, a calma e ama, num amor desmesurado, desconhecido, forte como a morte. Busca substituir o sentimento de inutilidade que cresceu no horizonte, convicção de que atravessará esse torpor e viverá dias melhores e felizes, reação contra o aparente destino que revelou jeito adverso. E desistir não consta do repertório das promessas. 

Acalmar o coração

Essa vontade imensa de encontrar a paz há de mover o mundo, ainda que existam tamanhas amarguras nos motivos de tantos. Desejo enorme quer transformar a face dos dias, na sucessão de todo momento, porquanto ninguém, de consciência sadia, quer viver eterno sofrimento. Certos dos sintomas que ferem e marcam, fugir através da fornalha dos elementos externos só acrescentaria mais dor, o que range as paredes do ego em demolição permanente. Mas o impossível sobrevive na casa do Ser Absoluto.

Lá no olho do furacão mora a paz, conceito clássico dos chineses. No íntimo da crua realidade há paz. Tais instrumentos permitem construir o mapa da busca, e somos nós os conquistadores do território virgem do bem maior chamado felicidade, pouso seguro de quem anseia descobrir, debaixo das folhas secas da experiência, o filão inesgotável da perene tranquilidade.

Todo passo humano, pois, conduzirá à realização do Ser. Nós, artífices da renovação das faces escuras da matéria bruta, produziremos o sabor renovado da realidade luminosa, no âmago da alma, razão principal da existência. Apesar dos desafios inevitáveis da tosca rotina, um querer pessoal elabora, no instante presente, o objetivo de todos, universo harmonioso de Si mesmo junto das forças da Natureza.

Enquanto acontece o caos, dele a luz virá a forma do cosmos, na ordem justa e bela da Paz. E os seres cientes, diante da sinfonia das horas sob condições atuais, revelarão a arte plena da melhor sabedoria. A potência das adversidades importará qual proporção necessária à revelação da virtude que temos de mudar o mundo. Desistir dos erros antigos e palmilhar a essência à luz ideal da Consciência.

Palavras insinuam, o sentimento se contrapõe, estes os dois aspectos de si próprio que pedem habilitação através do ser único que todos somos. Profundo teste de felicidade é viver. Dominar os instintos, a banda pensa dos gestos nocivos, os pensamentos nefastos, as ondas revoltas que sucedem, no entanto tudo sob o mérito dos que resolvam buscar meios de renúncia dos equívocos, investimento e possibilidade que habitam a imortal humildade interior.  

(Foto: Jackson Bola Bantim).

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Dias nublados aqueles

Naquela fase, em 1966, a bola da vez prenunciava escalada vietnamita de largas proporções, o que se verificou nos princípios da década de 70. O Brasil vivia o desânimo libertário, pois o ímpeto de transformação democrática perdia espaço, nas ruas, praças, escolas, a sumir nos calabouços e na clandestinidade desesperadora.

Em Crato, achávamo-nos à frente do Grêmio Farias Brito, do Colégio Diocesano. Encenávamos a peça Um chalé à beira da estrada, sob a direção de Alzir Oliveira, nosso professor de História e amigo dos alunos. Declamávamos poemas em pontos diversos da cidade, através do Jogral Pasárgada, formado de sete componentes: Zadir, Pedro Antônio, Gilva, Eros Voluzia, Clenilson, Bebeto e eu. 

Resolvemos, então, publicar um jornal mural, O Bacamarte, depois ampliado em órgão mimeografado à tinta, o Nossa Opinião, do qual tiraríamos até 100 cópias e ficou só nos dois primeiros números, abafado logo no nascedouro pelas ameaças do período cinza.

No desempenho do mandato, estivemos, ao lado de Aglézio de Brito, presidente da União dos Estudantes do Crato, e de José Terto, presidente do Grêmio do Colégio Estadual, num congresso do Centro dos Estudantes Secundaristas do Ceará, em Fortaleza, realizado sob as fortes conotações repressivas.

Espírito de contestação impunha atitudes rebeldes na maioria de nós. À noite, após reuniões de debates acalorados e troca de informações desencontradas, saíamos pelas madrugadas a pichar as paredes, nas ruas centrais, com dizeres relativos ao momento, fogo consumidor de um turno de existência.  

É um tempo de guerra, é um tempo sem sol. É um tempo de guerra, é um tempo sem sol. Sem sol, sem sol, tem dó. Sem sol, sem sol, tem dó, eram os versos que cantávamos nas apresentações do jogral, a título de característica, enquanto Pedro Antônio, à frente, declamava, em altos brados: - Só quem não sabe das coisas é um homem capaz de rir! – seguindo outras palavras de poema do poeta alemão Bertholt Brecht.

Esses são alguns quadros da época em que partilhamos experiências culturais de um Cariri fervilhante, de jovens promessas e movimentações apreensivas, lembranças que retornaram que revi José Esmeraldo Gonçalves, velho amigo desse tempo em que, juntos, elaboramos, nas madrugadas, o Nossa Opinião. Ele depois seguiria estudos de Comunicação no Rio de Janeiro e hoje desempenha funções de destaque na mídia impresa do Sudeste.  

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Houve um tempo

Houve um tempo quando, diante das aflições maiores, imediatamente lembrava minha mãe e meu pai, e os procurava confiante de neles achar o pouso de curar os anseios e as dúvidas, limpando feridas e alimentando esperanças nos dias melhores. A reserva de cuidados e paciência que tinham auxiliava a descobrir meios de resolver os difíceis e dolorosos dramas da estrada. 

Houve, sim, um tempo quando, antes de mim, obstáculos topariam com meus pais até chegar ao meu território. Assim, os dois imporiam condições de sustentação que amaciavam os impactos das ondas fortes e acalmavam as tempestades, a que dedicavam o amor aos filhos.

As surpresas exigentes chegavam, e com elas a lembrança instantânea de a quem procurar, fonte de conselhos, orientações, palavras firmes, decisões...

Tais blocos graníticos, fosse que hora fosse, permaneciam dispostos a tudo, reserva além de todos os limites.

Porém o ritmo da Natureza impõe condições de continuidade, quando o que um dia pareceu eterno se dilui no ar feitos fiapos, a escorrer dos olhos na forma de gotas mornas que descem sistemáticas. Aos poucos, foram indo embora para lá dentro das manhãs, tardes, noites sem fim, pois aqueles entes magnânimos também somem através das cachoeiras da memória e largam a gente nos impactos dos dias quais titulares prematuras, ainda inexperientes, agora, no comando desta vida.

Nessas horas, submetidos ao pulsar constante do coração do tempo, as dificuldades mostram seus dentes afiados, a cara fechada, e desafiam nosso equilíbrio; reclamam da experiência, do tato, e quase imediatamente nos vem a lembrança deles, da mãe e do pai. Nesses momentos, no entanto, por não mais estarem aqui ao poder das nossas mãos, somos impelidos a cumprir o mesmo  papel que um dia lhes pertenceu. Devemos, então, responder a questionamentos semelhantes ao jeito infalível como respondiam quando presentes e perto, valiosos, inestimáveis.

Olho em volta, cheio do ânimo que ensinaram, e reencontro, na certeza do Bem, a força viva de saber que houve um tempo quando, diante das aflições maiores, imediatamente lembrava minha mãe e meu pai, e os procurava confiante...

Confederação dos Cariris

Qualquer distanciamento, através das cavernas da imaginação, propicia considerar o clima reinante no meio dos nativos das terras brasileiras com a presença intrusa do europeu, que desembarcara a fim de ocupar o território e usurpar, dentre outros bens, a liberdade original em sua natureza virgem e ameaçar a sobrevivência pela força de armas desconhecidas. Trabucos que soltavam faíscas pela boca, lâminas amoladas e o brilho das armaduras metálicas, senhores de baraço e cutelo, sequiosos de riqueza e poder.

Porém a coisa não se deu conforme pensado. 

Há capítulos heróicos, insanos, que demonstram se tratar de gentes corajosas e treinadas, as tribos dos antigos habitantes donos naturais destes lugares em que hoje correm os dramas da civilização mercantil daqueles tempos.

Duas extremas reações, denominadas Confederação dos Tamoios e Confederação dos Cariris, impuseram baixas e medo aos colonizadores, durante décadas. A segunda, também chamada Guerra dos Bárbaros, aconteceu no sertão nordestino, entre Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Piauí e Paraíba, quando indígenas de tribos diversas se aliaram para expulsar os invasores, isso durante 30 longos anos.

Em face do terror e da arbitrariedade impostos pelos portugueses, lá pelo ano de 1686 os índios Janduins, vivendo nos pagos de Açu, Mossoró e Apodi, saíram dizimando populações estrangeiras e destruindo o que achavam nas suas posses.

Do Rio Grande do Norte, a revolta coletiva atingiu o vale do Jaguaribe, no Ceará, invadindo as capitanias de Pernambuco, Paraíba e Piauí, envolvendo as nações indígenas de Icós, Quixelôs, Canindés, Tremembés, Crateús, Jenipapos, Anacés, Acriús, etc. 

Em 1688, a dois anos do início dos combates, o governador-geral Frei Manuel da Ressurreição recorreria aos bandeirantes de São Paulo e São Vicente, exterminadores contumazes de selvagens, na intenção de enfrentar a resistência. Em apoio à participação das guarnições locais, vieram Domingo Jorge Velho, Matias Cardoso e João Amaro Maciel Parente, principiando o extermínio que representaria as piores atrocidades, nos palcos do Nordeste.

Nas lutas, em favor dos lusitanos lutaram índios domesticados, renegados das origens, costume trazido pelos brancos dominadores, que somavam aos combates degredados criminosos trazidos da Europa ao preço da anistia das penas. 

Os colonos, nisso, viveram tempos de incerteza, dificuldade vencida com a destruição dos bandos guerreiros. Em 1713, indígenas confederados atacariam Aquiraz, sede da capitania cearense, eliminando 200 pessoas, enquanto os demais habitantes fugiam para a fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, na foz do rio Pajeú. O ocorrido ocasionaria a transferência dos interesses para onde hoje ficou Fortaleza, a capital do Estado.

Em consequência, as tropas do coronel João de Barros Braga subiram de Jaguaribe até o litoral, em defesa de Aquiraz, na chamada Cavalaria do Certam, formada de mestiços e índios mansos, nos trajes de couro, pacificando sob o pretexto de uma guerra justa, exterminando os gentios e ferindo de morte os planos da Confederação dos Cariris. 


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Ânimo forte

Em épocas críticas, precisamos levantar os olhos e buscar forças internas, por vezes desconhecidas, mas de primordial importância na preservação do gosto de viver com maestria. Nesses períodos austeros, as responsabilidades de um veículo de comunicação crescem no sentido de formar as consciências, razão de lhe caber papel estratégico na manutenção do espírito elevado nos que o manuseiam à cata de valores.

E os tempos políticos e econômicos atuais geram, a seu modo, preocupações de várias ordens, nos diversos quadrantes do cotidiano.

Pais de famílias avaliam o futuro e se apreendem pelos filhos. Jovens sentem a exiguidade dos instrumentos para forjar válidos objetivos. Sociedades carecem de providências administrativas a corresponder aos desafios urgentes da hora.

No quadro geral, há reclamações de retoques na realidade impostos sob coerência que deveriam ter e, no entanto, isto não ocorre no curto prazo, a demonstrar vistas turvas daqueles que conduzem o rebanho humano. De outro lado, a Natureza segue a ordem eterna, a falar de sonhos e das perspectivas de quando se enfoca o pólo positivo.

O modo no utilizar das normas do viver precisa aprimoramento. Ninguém há de negar que o progresso propicia maravilhas. A todo instante, novas fontes de poder trazem inovações. Em face disso, torna fácil admitir potencial e saber dos fatores vitais de sobrevivência.

Antes de quaisquer atitudes negativas, portanto, se concentrem esforços e escolham os melhores caminhos. Depois, o resultado prático indicará os andamentos, numa espécie de geração espontânea. Para chegar à felicidade, longos trechos apresentam oscilações, dificuldades, instabilidade relativa, que bom senso resolverá.

Preservar o espírito de vitória, por isso, sustentar o ânimo de lutar, base firma da epopéia do crescimento a que todos se submetem, jornada adentro do viver com sabedoria e sucesso.

As guerras, a inflação, os dramas familiares, demais impasses temporárias, mudam a toda hora nos eus contrários, nas experiências inevitáveis da formação da personalidade e crescimento individual, fatores de integração e unidade espiritual. Eles não são opositores e, sim, complementares.

Religiosidade, filosofias e sentimentos agradáveis, amizade, beleza, arte, poesia, idealismo, esperança, altruísmo, revestem os elementos ao dispor, na procura pelo sentido existencial da história.

Porquanto os mestres indiquem a direção e exista, nos mistérios da vida, a chance fabulosa da verdadeira felicidade, amar com vigor as coisas boas da existência, tal a condição da paz no coração da gente. Sintonizadas, as realizações nascerão por via de consequência junto com o sol das manhãs, peças em movimento do sistema universal. 

Vivamos com intensidade o dom especial de partilhar tudo isso com os demais, e elaborar a melodia da Eternidade através da liderança de Si Mesmo, artífices da Paz, eis o que somos todos nós. 

domingo, 19 de janeiro de 2014

O lado bom de tudo

Enquanto o compressor escuro da civilização, apressado, tritura os recursos naturais, na destruição para comer a safra, vontade insistente remexe as entranhas da sobrevivência, querendo achar caminhos de preservar a esperança nos dias de claridade. Outro dia, achei a definição do que denominam pecar. Significa errar o alvo. E os frutos do progresso material dagora representam o produto de constantes erros aos alvos imaginários de séculos. 

Contudo, ainda que sintomas coletivos mostrem o desencanto, reações de autodestruição em guerras, mutilações de corpos nas lutas televisadas dos esportes violentes, excessos de tatuagem que deformam a beleza física, as alucinações e as drogas, pornografia, há de haver estrutura na Terra que domine os crimes contra a existência.

Descobrir forças que mantenham a saúde revela dilemas graves da raça em face de onda avassaladora de pessimismo e apatia, quais eliminassem do sabor a procura do bem, na alma das pessoas. Devido aos instrumentos desenvolvidos, por mais que dure o tempo de vida, a qualidade e o desânimo existencial fere de dor seus pacientes.

No entanto importa descobrir a fórmula da alegria sem apelar a químicos, intenção de convencer que felicidade seja pura invenção do cérebro. A ilusão avançou até os limites da Natureza. Daí os desastres que sujeitam todos.

Na procura de Deus, do supremo Ser, criador e regente do Universo, os humanos preencheram a incompletude por meio das secreções da mente, ato de desespero que representa entrega fria e confissão da culpa. Esqueceu a sabedoria e abandonou o barco da certeza às vagas da incoerência. Na busca de resposta, admitem a derrota como resposta válida.

Todavia a lógica da história toca em frente, porquanto o Sol nasce a cada manhã e as potestades dos céus cumprem o papel que lhes convém. Quiseram dominar o mundo e nem a si dominaram. O aparente esvaziamento das consciências indica apenas margem das novas possibilidades que isso representa em termos da ciência do próximo passo. 

(Foto: Jackson Bola Bantim).

sábado, 18 de janeiro de 2014

Porta larga, porta estreita

Há momentos quando vêm considerações a propósito dessa afirmação de Jesus (Buscai a porta estreita, porque larga é a da perdição. Mateus 7), uma vez que a existência sempre corre junto das constantes escolhas, o tempo todo. Isso que acontece nas decisões nos passos, pé à frente de pé, e aceitar as contingências exige o mínimo de equilíbrio, concentração no que se faz no decorrer da caminhada.

Permanecer preso a erros do passado, por exemplo, nada acrescentará à saúde física e mental. Além do mais reclama presença de nós próprios na escolha de quais sentimentos dominam a tela das prioridades individuais em nossas ações do que classificam vida.

Curtir frustrações, ou inimizades, derrotismos, pessimismos, recalques, série extensa das atitudes perversas, sujeitam manter as criaturas presas aos dramas antigos, na história da raça. Olhar só o lado escuro das condições oferece de mão beijada a atenção aos prazeres, aos instintos, ideações negativas em relação a si e aos demais, o padecer dos excessos nessa dependência larga da falta de jeito, pedindo ciência do bom viver.

Por isso, a sabedoria da máxima de selecionar a melhor parte ainda que custe em termos de sacrifício das humanas vaidades permite plenitude e oferece novo merecimento.

A decisão principal representa, pois, acomodação de alienado fora da realidade, que sujeitam fixar os olhos no egoísmo dos interesses próprios, indiferentes às posições que sustentam até chegar ao abuso das liberdades.

Sábio excelente, luz da Eternidade, o Mestre divino significa identificação nos valores imortais que já trazemos no íntimo, porta estreita que pede consciência e prática, caminho da salvação de um estado limitado de existir e, no outro lado, a porta da libertação.

Neste processo de crescimento, portanto, as determinações da Natureza impõem normas que incluem a participação no mecanismo da Verdade  que se revela através da autenticidade.À frente é que se anda, no dizer do povo.



(Foto: Jackson Bola Bantim).  

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A carteira recheada

Na concepção de estudiosos das ciências espirituais, a vida que se vive aqui neste chão não passa de um sonho, enquanto mundos definitivos encontram-se do outro lado das coisas aparentes, visíveis, tão logo transposta a fronteira inelutável do tempo e abertas as portas da Eternidade, viagem que, sem exceções, todos realizaremos, mais cedo ou mais tarde.

A propósito disso, existe parábola clássica de um sábio chinês que sonhou habitar o corpo de uma esvoaçante borboleta. Quando despertou, vista a contundente realidade daquele sonho, bateu dúvida atroz: Ele (ela?) seria borboleta que sonhava ser homem, ou homem que sonhara ser borboleta?

Essa história conhecida, inspiradora de uma das canções de Raul Seixas, a adotam os orientais nas meditações, mostrando, na prática, as condições precárias de avaliar a existência terrena sob o ponto de vista da permanência, porquanto evidente, porém transitória, aqui domina a ilusão da matéria.

Assim, outros momentos de observação se apresentam, em constantes repetências, chances para estabelecer conclusões e princípios, aulas nas escolas do infinito. Dentre eles, a história seguinte também fornece exemplo de observação:


Um homem atravessava momento financeiro apertado, emprego pouco e tantas necessidades, e por mais que trabalhasse, eram seus ganhos insuficientes. No íntimo, contudo, reclamava os favores da sorte, aguardando novas oportunidades.


Belo dia, se viu percorrendo lugar longínquo de estradas sombrias e glaciais. Ali avistou grudada entre pedras revestidas de gelo, uma carteira recheada de ricas cédulas. Alguém deixara o objeto e a natureza integrara no limo do campo.


Surpreso ante a descoberta, o viajante desejou resgatar a fortuna localizada no sonho, sem, contudo, logo atinar com o jeito de fazer. Observou os detalhes em volta e nada de instrumento que permitisse romper a dura camada que prendia o tesouro inesperado às pedras.


Mexeu nas folhas da imaginação e, passados alguns instantes, concluiu resolveria o problema se pondo a mijar em cima do gelo sob o qual a carteira repousava. Demorou naquela atitude, presenciando eufórico subirem os vapores do gelo a custo derretido na ação do abundante líquido que, farto, que produzia.


Nessa hora, barulho impertinente quebrou o silêncio da paragem distante, justo interrompendo-lhe a providência imaginosa.


Súbito, numa morna constatação, notou-se, de bruços, acordando lavado em extensa poça de mijo que empapava a superfície do colchão e, aos poucos, alastrava o território da cama até chegar junto da esposa que, fiel, dormia ao seu lado a sono solto. A carteira fora só um sonho; nada mais.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A sangue frio

Depois do que houve na Argentina, com as sucessivas desvalorizações do peso em relação ao dólar, ocasionando empobrecimento generalizado e desmantelamento político e social no país, vê-se o quanto ficaram vulneráveis as economias ditas emergentes. Nesse passo inflacionário galopante, os povos periféricos do mundo ora defrontam crise inimaginável, de conseqüências imprevisíveis. 

Primeiro, o sistema financeiro criou fórmulas especializadas de fixar padrões monetários, estabilizar preços internos, nas economias nacionais. Incerto passa o tempo nas frias madrugadas de metrópoles distantes, o que aciona mecanismos especulativos e derruba a paridade conseguida aos custos inestimáveis da credulidade, junto das populações ingênuas. 

Nisso, a sociedade dominada absorve como pode, ou não pode, as perversas desvalorizações, cobrindo os prejuízos com a poupança pública, adquirida em duras penas. E os bruxos comandantes crescem suas injustas monumentais riquezas, arrecadadas nos juros do sacrifício da massa humana.

No Brasil, a coisa acontece dentro dos mesmos padrões internacionais. Criou-se o Plano Real, no início do primeiro governo neoliberal Henrique Cardoso. Fixados valores, desestimulada a espiral inflacionária e o povo recebeu a gosto os tempos novos de dourados sonhos. Adiante, ocorreu a primeira queda na relação real x dólar, ainda no clima da reeleição presidencial. Sofrimento. Apreensões. Desgaste. Acomodação. Além disso, há calma nos mercados. Esperanças revividas. Todavia a memória de longo prazo funciona pouco na história brasileira. 

Chegou a próxima eleição federal. Movimentos incertos na geopolítica e toca a crescer o risco-Brasil, índice moderno para medir o desinteresse de investidores anônimos em aplicar aqui os seus capitais flutuantes, numa fisiologia sutil de sacrificar as nações na busca faminta de lucros fáceis. 

Pressões sem tamanho desnorteiam o aperfeiçoamento democrático desses estados periféricos. A qualquer surto de independência, os países de economia forte lhes constrangem baixar a crista, por meio dos mecanismos atuais de colonização. Práticas legais, mas ilegítimas.

Longe, na base da pirâmide, lavados pela inconsciência de condições alienadas, desinformados aos milhões, seres arrastam os pés calejados nas flores silvestres da impotência, vítimas dos operadores da máquina. Tudo submetido à sofisticação dos meios modernos, onde quase nada foge do controle. Aumentam gasolina, pão, arroz, contam, bem cedo, as letras maiores dos jornais.

Enquanto isso, no tropel dos quatro cavaleiros, o Grande Irmão olha nos nossos olhos, ouve nossos gemidos, sente nossos sentimentos, amam nossos amores. Autor de crimes elogiados, desfila em tanques abertos nas avenidas principais. Só faltava agora iniciar guerra com data marcada e invadir outros povos.

No entanto, a cada habitante da Terra só comporta o dote moral, honesto, otimista, de trabalhar até ser feliz, porquanto, acima dessas coisinhas miúdas, passageiras, existem a ordem universal e o Poder infinito da mais soberana Justiça. Somos condenados a ser livres, pois. 

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Philipp von Leutzelburg

Saberia da presença desse botânico alemão em solo caririense, pelos idos da década de 30 do século anterior, através do cientista Melquíades Pinto Paiva, autor, dentre tantos outros, do livro Os naturalistas e o Ceará, onde vim acrescentar conhecimentos a propósito do mesmo tema.

Von Leutzelburg viera a primeira vez ao Brasil em janeiro de 1910, no sentido de estudar a flora nacional, quando, no Rio de Janeiro, providenciou coleta de material botânico mandado a Munique, na Alemanha. À época, trabalhou no Museu Nacional durante alguns meses e, logo adiante, ensinou Botânica e Fisiologia na Escola Agrícola de São Bento das Lages, na Bahia.

Em 1911, através da influência do engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, que conhecera em viagem marítima, seria nomeado botânico da Inspectoria de Obras Contra as Seccas; e daí seguiu viajando pelo território brasileiro até o ano de 1921.

Retornou ao seu país por pouco tempo, regressando ao Brasil. Em 1917, pertencia aos quadros do Serviço de Inspeção de Fronteiras, órgão dirigido pelo general Cândido Mariano da Silva Rondon, percorrendo diversos estados da federação.

Nos anos de 1933 – 1937, já de volta à sua repartição de origem, ficou a maior parte do tempo no Crato (Ceará) e em São Gonçalo (Paraíba), desenvolvendo importantes pesquisas na serra do Araripe e arredores, bem como no Instituto José Augusto Trindade, escreve Melquíades Pinto Paiva no livro citado acima.

Em 16 de setembro de 1936, Leutzelburg contrairia núpcias com Marianne Naessl, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1938, voltaria à Alemanha, segundo afirmara, vistas necessidades na saúde da esposa. Iria trabalhar em instituição (Ahnenerbe) que lhe daria meios de escrever uma história das pesquisas que desenvolvera no Brasil, enquanto redigiria propaganda nazista em português, para programas de rádio destinados aos ouvintes brasileiros.

Depois de terminada a Segunda Grande Guerra, foi morar na Alta Baviera, amargurado face à derrota alemã e à perda dos originais da obra em que investira toda a vida, os estudos que viera realizar em terras brasileiras. Philipp Von Leutzelburg morreria no ostracismo em 01 de julho de 1948, seis anos antes da companheira, que faleceria em 28 de setembro de 1954. 

(Foto: Jackson Bola Bantim).

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Ramiro Maia

Uma vez, quando visitava a Livraria Ramiro, um destacado intelectual cearense indicou os livros nas estantes e, cheio de empáfia, disse:

- Conheço todos eles, por dentro e por fora.

Seu Ramiro, há mais de 50 anos à frente do empreendimento, de sorriso nos lábios, espirituoso acrescentou:

- Conheço todos eles, só por fora.

Eis o jeito humorado desse homem, Ramiro de Carvalho Maia, uma vida entregue ao comércio da literatura, na cidade de Crato. Filho de Lino Deodato de Carvalho Maia e Maria Gonçalves Maia, nascido no ano de 1906, em Russas CE, veio residir no Cariri a 05 de junho de 1923, trazido pelo irmão Pergentino Maia, com quem trabalhou no comércio de gêneros de exportação (cereais), tecidos e depois livros.

Em 1925, assistiu a inauguração do Seminário São José e, em 1926, viu chegar o primeiro trem ao Crato. Em 1928, estabeleceu a Livraria Ramiro, loja que  por muito tempo funcionou na Rua Grande (João Pessoa) e hoje, na Senador Pompeu.

Estudou na Associação dos Empregados do Comércio, da qual veio a ser diretor. Participou das mais diversas instituições cratenses, dentre elas: Crato Tênis Clube, Tiro de Guerra, União Artística Beneficente, um dos seus fundadores, e Lions Club. Ainda como diretor, da Conferência de São Francisco de Assis e da Irmandade do Santíssimo Sacramento. 

No esporte, pertenceu à diretoria de alguns clubes de futebol, compondo inclusive a diretoria da Federação Esportiva Cratense. 

No decorrer de uma vida plena de trabalho e amizades, Ramiro Maia conheceu de pessoas quais Pedro Felício Cavalcanti, Alberto Gonçalves, Plínio Norões, João Gonçalves, João Correia Vilar, Pedro Teixeira de Alcântara, Expedito Machado, Horácio Temóteo, Laurênio Milfont, Tomé Cabral, Pedro e Unias Gonçalves Norões, José Teixeira, Ernani Brígido da Silva, Thomaz Osterne de Alencar, José Gomes da Cunha, Vicente Alencar, Celso Saraiva, Florival Matos e Expedito Dantas, dentre muitos outros cidadãos de primeira linha da comunidade interiorana.

Exemplo de esposo e pai de família, Seu Ramiro preserva com carinho a heróica livraria num cômodo fronteiro à sua residência, nas proximidades da Câmara Municipal de Crato, onde, auxiliado por filhos e netos, vende obras de literatura geral e especializada a quantos lhe visitam.

Nestas poucas palavras, reconheço o valor dessa personalidade de cujas mãos, na década de 60, recebi os primeiros dos livros que conheço. 

domingo, 12 de janeiro de 2014

A figueira seca

Neste tempo de inteligências formarem uma só unidade, quando o conhecimento das disciplinas totaliza único bloco de valores, não mais é possível distinguir seja psicologia de religião, mitologia de ciência e os fenômenos físicos dos espirituais. Tudo em um todo vem providenciado leituras de mundo. A imagem que domina, panorama das ciências, equivale dizer que subiu a cortina dos mistérios e os protagonistas investiram na solução dos problemas, sem, contudo, dividir as possibilidades e os detalhes.

Bom, digo isso querendo considerar uma das parábolas de Jesus, de quando saída de Betânia e viu a figueira coberta de folhas, indo buscar nela os frutos. E sendo fora da época dela frutificar, nada achou. Em reação imediata, o Mestre determinou: Nunca jamais coma alguém fruto de ti; e seus discípulos ouviram isto. (Marcos 11:12-14)  

Dia seguinte, os apóstolos notariam que a figueira secara até as raízes. Jesus, então, acrescentou: Tende fé em Deus. Em verdade vos digo que quem disser a este monte: Levanta-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se faz o que ele diz, assim lhe será feito. Por isso vos afirmo: Tudo quanto suplicais e pedis, crede que o tendes recebido, e tê-lo-eis. Quando estiverdes orando, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai-lha; para que também vosso Pai que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas. (Marcos 11:20-25)

Quanto à figueira que secara, silenciou. Entretanto a imagem forte persiste até agora do que aquilo significaria, em termos humanos, vez que sempre visava lições no que praticou. 

Em resumo, frutificar tão só nas colheitas representaria produzir apenas obrigação pura e simples. Qualquer figueira assim faria. No entanto gerar frutos no tempo das ausências, na vinda do Mestre, outra dimensão e qualidade isto traduz, de inteira dedicação das atitudes pessoais em qualquer momento andar pronto a responder aos desafios.  

sábado, 11 de janeiro de 2014

O episódio da moeda

Sempre, Jesus ensina. Os tantos momentos que permaneceram guardados nos quatro evangelhos mais consagrados são preenchidos de lições úteis às caminhadas deste chão. Livros suficientes de transformação, trazem notas apreciáveis tipo a que contarei, de quando, fustigado pelos escribas e fariseus, os quais andaram na sua cola à procura de pegá-lo em contradição, um dia, lhe questionaram a propósito da licitude no pagamento dos impostos. 

Naquela hora, Jesus solicitou uma das moedas que circulavam à época. Em uma das faces estava inscrito o valor, semelhante às atuais. No outro, a efígie de César Augusto, o imperador dos romanos, que dominava a Palestina. 


Sem titubear, o Mestre divino considerou:

- Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.

Transcorridos milênios, persiste a dúvida dos homens no trato com as referências na fronteira entre matéria e imortalidade. Contradições sujeitam dominar este mundo por força do dinheiro, instrumento próprio aos negócios com os bens materiais, enquanto o essencial da humanidade corre o risco de ficar relegado aos planos secundários.

No episódio, máxima moral inigualável, estabelece o padrão diante dos tempos vindouros, na jurisprudência exata de como tratar os aspectos circunstanciais da vida dos objetos durante a carne. 

Passadas gerações, e o aprendizado sublime das verdades eternas ainda reclama atenção, sobretudo de responsáveis pelo manuseio das posses, esquecidos eles da utilidade providencial da riqueza. 

O que pertencer aos césares, isto é, o poder temporal, face perecível da existência, consiste nos direitos das coletividades, jamais de um só ou de alguns poucos a superar outros, nos grupos sociais, e alimentar vaidades frágeis. 

Há longos invernos a seguir, motivo de aprendizados e práticas.

Já os bens eternos das certezas maiores esses moram no íntimo dos corações, em promessa definitiva da Imortalidade.    
  

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Favela

Diversos personagens deixam suas histórias cheias de verve pitoresca na vida dos lugares, que as propagam mundo afora, estabelecendo rico manancial de tradições populares. O temperamento de cada núcleo social permanece registrado nessas características dos habitantes, nos modos deles responderem aos desafios, situações, oportunidades.

Contaremos, neste texto, duas tiradas espirituosas de Manoel Favela, figura típica de Crato, meio urbano onde cumpriu, na segunda metade do século anterior, o papel de homem simples, gente do povo, devotado à música através da secular Banda Municipal, assíduo frequentador das rodas alegres nas noites boêmias, possuidor do senso aguçado de humor inigualável, restando, na memória do tempo, momentos raros de sábia convivência.

Bem cedo, certa manhã, enquanto mordia com gosto um desses pães quentinhos, saborosos, recém saídos do forno das padarias, se viu perante as  exigências de uma amiga, que lhe disse em tom reprovativo:

- Mas, Favela, você comendo pão no meio da rua?!

O músico nem pensou direito e, à queima-roupa, sentencioso respondeu:

- A senhora quer bem que eu vá alugar uma casa só para comer esse pão?!

A propósito, segundo me contou Mazim, noutra ocasião, também ao encontrar antiga conhecida, Favela se sujeitou a ouvir um tanto de coisas a respeito da influência dos corpos celestes no dia a dia das pessoas, o que há pouco ela descobrira entusiasmada.

Nesse papo, a mulher, estendeu o quanto pôde aquele conversa no encontro com o amigo. Falava na Lua e suas diferentes fases. Explicava os efeitos magnéticos do astro nos partos, marés, colheitas; na determinação do sexo das crianças; no equilíbrio emocional; fluxo das mulheres; corte de madeira; na força do clima, chuvas, estações; etc. 

Depois, olhando para o céu escurecendo no final da tarde, recortado as formas sinuosas da Serra do Araripe, que viajava nas nuvens quarto estreito de lua, perguntou:

- Favela, sabe me dizer se essa lua é nova?

Perdidos nos pensamentos de outras preocupações, colhido na interrogação, sem identificar de todo o que acabava de escutar, Favela calculou na idéia o jeito melhor de não decepcionar, e se saiu com essa:

- Comadre, nova, essa lua? Uh! Pelo que sei, não é muito nova, não, pois desde menino que avisto ela no céu. A não ser que a senhora ache que sou novo. Vai precisar de boa vontade, mas... – depois, tranquilo, seguiu o seu caminho.

Crise de identidade

Ele, um trabalhador da roça desses que vivem para a família, mulher, filhos e os bichos da vazante. Porém se internava nos matos e quase nunca buscava a rua, não fosse no dia da feira. Juntava os trocados e comprava o pouco que precisava, querosene da lamparina, sal, alguns metros de pano, agulha, linha, comprimidos, arnica, coisas de cidade, porque do resto fornecia o patrão por conta do saldo no fim da safra.

Orientado pela mulher, arrastou os currulepos na rodagem e foi buscar, além das rotinas, dois quilos de toucinho salgado, a encomenda especial daquela vez. Sobrasse qualquer troco, cortava o cabelo, rapava barba e bigode, pois o eito lhe deixara parecendo o pai da mata, lhe dizia a companheira, preocupada com o desleixo do marido.

Agiu obediente. Andou nas vendas. Cumpriu à risca o determinado. Quanto a tirar cabelo, barba e bigode pensou mais de duas vezes. Dinheiro coçando no bolso, avaliava jogar no bicho, almoçar na pensão de Galdina, ou calibrar umas e outras das bebidas fortes. Escolheu a terceira alternativa, puxado pelos colegas, que nessas horas chegam sempre.

Na bodega, mãos ferradas na compra, bebeu de cachaça a conhaque o que restava do dinheiro, espírito ligado em voltar à casa, aonde seguiu tão logo escureceu.

Já andava meio penso quando o mundo rodou nas vistas e foi arreando o peso do corpo sob efeito da bebida. Tombou estirado no barro e ali permaneceu até que passassem os dois barbeiros com quem contaria o cabelo, que moravam no mesmo rumo para onde seguia. Ao notarem caído na beira da estrada o freguês cabeludo, barbado, de pilhéria, resolveram raspar a zero a cabeça do homem, limpando de quebra também a barba e o bigode.

Terminavam o ofício e perceberem o saco das compras. Examinaram o que havia dentro, pegaram o mercado de toucinho e levaram a preço do serviço que acabavam de executar.

Daí mais com pouco, o caboclo despertou, só preocupado em rever a família. Esfregou o rosto, viu que a barba e o bigode que desapareceram. Alisou as duas mãos na cabeça pelada, lustrosa, diferente da véspera. O cocuruto liso lhe causou susto.

- Êpa! Esse não sou eu, não sou! – reagiu incontinenti.

Correu e abriu o saco da feira, sem, no entanto, achar o toucinho.

- Não disse que esse não sou eu! Cadê o toucinho da mulher que tava aqui? – se angustiou.

Parou. Pensou. Juntou os restos que sobraram no saco e partiu desconsolado. Andou... Andou... Numa das dobras da estrada, viu a casa humilde onde vivia, crescendo na preocupação. O escuro da noite quase envolvia o mundo todo.

Apressou o passo quase chorado. No juízo, fervilhava a pergunta: Quem poderia ter tomado seu corpo, que aquele não era mais o dele?! Não era ele, tinha certeza.

Chegou apreensivo, bateu palmas, escutou a voz familiar da companheira. Ganhou alma nova. Sarapantado, se mostrou à luz do lampião da sala. A mulher quando viu aquela figura pelada exclamou:

- Seu cachorro, isso é hora de chegar? E por cima melado, depois de fazer um estrago desses no cabelo, sujeito! 

Então, mediante as palavras velhas conhecidas, refeito da apreensão, o maturo correu animado e abraçou a esposa, enquanto repetia:

- Ah, graças a Deus! Vejo agora que sou eu mesmo, minha velha! Sou eu, Maria!

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Genialidade natural

Numa fábrica de creme dental surgira problema que exigia providências dos engenheiros. Já na finalização da linha de montagem, às vezes a máquina que, na esteira, liberava as bisnagas nas caixas deixava cair alguns produtos vazios, os quais, em seguida, eram embalados como estivessem regulares. Com isso, caixas terminavam fechadas sem os conteúdos completos. As embalagens deslizam e confundiam os técnicos, chegavam ao comércio e causavam sucessivas reclamações.

Algumas medidas foram tomadas, no entanto insuficientes de resolver o problema, o que preocupava também os funcionários da fábrica. 

No decorrer dessas discussões de trabalho, um auxiliar de serviços gerais que observava a movimentação aproximou dos responsáveis e quis saber:


- Doutor, que acha o senhor se colocar ventilador ligado no caminho das caixas? Pois as que estiverem vazias irão voar antes de cair nas embalagens.

Os engenheiros avaliaram e aprovaram
a ideia nascida da cabeça do modesto funcionário, no entanto dotado de inteligência espontânea e útil.

...

Ao transitar em rua afastada, motorista enfrentava um prego de pneu, dos mais comuns depois da ausência de combustível, nesse mundo de quatros rodas onde vivemos hoje. Parou perto dos muros de hospital psiquiátrico e cuidou de substituir a roda defeituosa. 

Enquanto retirava o pneu baixo, largara a calota do automóvel e os parafusos, expostos o leito da via. Outro carro veio em velocidade e os jogou longe, fora da chance de descobrir o paradeiro a meio da pouca iluminação do começa de noite. Como fixaria no lugar o pneu cheio que acabava de busca na reserva?!

Próximo, no alto do muro da instituição médica, interno observava a cena. Diante da aflição demonstrada pelo motorista naquela cena, chamou sua atenção e perguntou:

- Por que o senhor não pega um parafuso de cada pneu e com eles bota esse pneu no lugar?

Nisso, o motorista avaliou estudo a opinião e logo agiu de acordo com ela. Tudo certo. Antes ainda de seguir viagem, quis agradecer o homem pela ideia benfazeja, e considerou:

- Mas o senhor, sendo doido, como teve pensamento tão sabido?

- Ah, eu sou é doido, sim. Burro, não sou não – sorrindo, respondeu o paciente.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O Evangelho de Hipólito

Acho que devido ao afã habitual de encontrar novidades literárias pelos cantos deste mundo, certa noite sonhei com livros, o que narro, agora, aos que leem estas páginas.

Em gesto de compreensão fácil para os que gostam de revirar estantes, entrara numa farta livraria, passando a circular entre gôndolas e prateleiras, na ânsia inesgotável de localizar autores raros e obras fora de mercado, atitude mineradora e até neurótica, dos que esperam descobrir a pedra mágica do livro perfeito, bem ao gosto dos ratos de livraria. Pé ante pé, olhos alertas, eu refazia o mesmo percurso no exame detalhado de lombos e capas, repetido vezes infinitas.

Foi o tempo do sonho mais do que suficiente a separar alguns exemplares, quais peixes melhores da rede de arrasto imaginária. Daí, segui ao caixa.

O funcionário que atendia junto da máquina registradora conferiu os títulos escolhidos, indagando sem cerimônia:

- Por que vai deixando de lado o melhor que temos no estoque?

Curiosidade despertada e logo veio o interesse de saber qual essa tal preciosidade que ficara atrás. Nisto, o mesmo senhor se apressa em indicar uma encadernação modesta, já amarelada, próxima dali, onde li de letras graúdas o título O Evangelho de Hipólito.

Visto o acontecido, resolvo mudar de opinião, substituindo algumas das preferências e adquirindo também aquele livro. Depois, saio da loja na deriva de outros sonhos.

Pela manhã, desperto, recordei com clareza de detalhes tudo o que acima transmiti. Porém algo me intrigava: O Evangelho de Hipólito; nunca antes conhecera obra com esse teor. Sei dos quatro evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João. Registram-se acréscimos históricos nos evangelhos ditos apócrifos, calculados na casa dos cinquenta. (Seria um deles o de Hipólito?). 

E o tempo passou nos compromissos da rotina, onde cada dia se basta às suas preocupações. Quando, em noite posterior, ao dirigir uma reunião, meus olhos se detiveram no livro sobre a mesa, O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. Acendeu-me na lembrança o episódio do sonho. Então interpretei a charada e sintonizei que fora esse o livro que manuseara naquela livraria, naquela sonho.

Pois só nessa hora liguei os significados de Allan Kardec ser o pseudônimo usado pelo professor Hyppolyte Léon Denizard Rivail, nome que adotara no compromisso de codificar a Doutrina dos Espíritos, missão recebida do Espírito da Verdade, conforme assegurara no decorrer dos seus escritos.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Napoleão Tavares Neves

Ele, um médico escritor, age com fidelidade no exercício dos seus talentos e logo na juventude foi chamado ao ofício da preservação do cotidiano. Apóstolo do que executa, cumpre propósitos de preservar a história da província caririense qual fez tão bem Afonso Daudet, no sul da França da segunda metade do século 19.

Dr. Napoleão, aos moldes do autor francês, por meio de crônicas e estórias desenvolvidas com habilidade, narra detalhes da época quando testemunha fiel, com técnica prudente e amadurecida. 

Hoje nome destacado de nossas letras, desde as origens, no município de Barbalha, vindo de família tradicional dos engenhos, visualiza a riqueza da história ligada ao Ciclo da Cana de Açúcar, entremeada nas movimentações circunstanciais dos pés de serra onde passara a meninice. 

Olhos clínicos, enxerga a poética da zona rural qual poucos artistas, o que esmera sob refinada qualidade e privilégio, em favor das gerações atuais e vindouras, sob leveza fluência digna dos registros que elabora. No empenho, pois, de substanciar esses aspectos essenciais do tempo nas letras, sustenta vivências num clima de carinho e estilo elegante, comunicativo e linheiro.

Além de publicar nos livros, revistas e jornais, também colabora amiudadamente no Jornal do Cariri, noticiário matinal da Rádio Educadora, em Crato, da responsabilidade do radialista Antônio Vicelmo, dono de larga audiência. Sempre traz a público novidades bem propositais, páginas eternizadas com inspiração. 

Nessa religiosidade fruto da literatura pessoal dos interiores, vence o aprendizado das pessoas e a escrita oferece função de conservar os elementos principais das épocas, continuando aquilo que os séculos de comum triturariam. Porém o esforço sobre-humano dos autores detém a voracidade do desaparecimento na forma das obras da cultura humana.

O exercício do papel importante na interpretação e no acondicionamento desse material valioso da memória cabe aqui aos escritores, entre os quais, dizemos por dever de reconhecimento, que impera no Cariri o Dr. Napoleão Tavares Neves.   

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

As três peças, de Xavier Sobreira

Uma surpresa bem agradável saber que há um dramaturgo nas terras sertanejas do interior cearense cujas peças chegam ao nível de atender às grandes interrogações da Humanidade em época de tamanhas expectativas. Sim, este autor é Xavier Sobreira, médico sobralense religioso no jeito de ver a existência, na sua busca incessante dos meios necessários de resistir à voragem deste chão de mutação incessante, escola da Eternidade. 

Ele desenvolve, nas três peças ora trazidas a público neste volume, temas universais por vezes até tabus de muitos, incursões aos mistérios da morte, da vida fugidia do prazer pelo prazer, das ânsias de conhecer mais perante as estradas dos sentimentos.

A escrita se presta com vantagens a isso, avançar por dentro das sombras do Ser nas identificações e semelhanças da linguagem das sociedades. Uma constante permuta de valores filosóficos, códigos de conhecimento repartidos aos demais.  Devagar, percorre os espaços do Inconsciente qual escafandrista emérito da alma, aos toques nos rochedos consistentes de vias dolorosas do Si Mesmo, nas malhas do silêncio de profundidades infinitas. 

Um viajante, um buscador e um peregrino, personagens marcantes de nós próprios, solitários amantes da vontade e caminheiros das horas em todos os lugares daqui da existência, que permanecem a andar nossas entranhas quais irmãos da jornada às estrelas.

Quem aceitar, pois, o gosto pela investigação dos sonhos, na esperança em possibilidades maiores da Consciência, eis este livro digno dos momentos afins da desmistificação de símbolos arcaicos, no passo de trabalhar novas estratégicas de viver com arte e sabedoria.

Deste modo, As três peças, de Francisco Xavier de Lima Sobreira, lhes trarão um tanto das novidades dos viajantes, buscadores e peregrinos, frutos do talento de profissional da saúde física que amealha consigo dons de tratar também a alma, numa técnica de artes cênicas que o qualifica a descerrar as cortinas do coração e comungar valores refinados da Espiritualidade, nas peças que renovarão cenários e sacudirão preconceitos de seus leitores e suas plateias.

Um livro de Pedro Ernesto

Em sessão solene da Academia dos Cordelistas do Crato, ocorrida na sede do Instituto Cultural do Cariri em dezembro de 2013 numa homenagem ao jornalista Huberto Cabral, reencontrei Pedro Ernesto Filho, dos estudiosos afeitos à cultura de nossa terra. Na oportunidade, saberia do lançamento de seu livro Por Dentro da Cantoria, compêndio fundamental aos que desejam conhecer de perto as raízes e os estilos da poesia popular brasileira, verdadeira enciclopédia desta matéria. 

Meses antes, ouvira de Pedro Ernesto o quando dedicava a produzir o livro. Poeta repentista, bancário e advogado, trabalhou com esmero construindo esse tratado digno da riqueza da cultura oral, calcada nos valores sagrados e exponenciais que muito honram a civilização, sobretudo das plagas nordestinas. 

O trabalho, realizado com o carinho de quem desde criança se achou na arte literária da canção do povo, oferece didática profícuo, obtendo êxito pleno no objeto enfeixado, esmerada edição do Programa Cultura da Gente, do Centro Cultural Banco do Nordeste. Os tantos estilos da expressão popular, enfim, surge na metodologia por demais transparente e primorosa que o autor bem exercita no intento de consolidar a pesquisa do repente em uma publicação de fôlego sem precedentes. O que surpreende, igualmente, fica por conta do amplo sucesso consolidado naquilo a que se propõe o autor caririense, oferecendo aos artífices da rima instruções acima de toda suspeita na produção de seus versos.

Recheado dos exemplos necessários no que tange a cada gênero mostrado, Por Dentro da Cantoria satisfaz e consolida a manifestação oral de forma saborosa e definitiva. O talento de Pedro Ernesto Filho, somado a seriedade paciente reunida no empreendimento, resultou, pois, em verdadeiro monumento ao estro poético do Brasil, tratado que supre a carência dos que apreciam vates do porte de Juvenal Galeno, Cego Aderaldo, Pinto do Monteiro, Patativa do Assaré e tantos outros nomes imortais no agir do gênio humano, por si sós motivadores de enciclopédia desse porte. 

Reconhecimentos oportunos ao escritor Pedro Ernesto Filho pela efetivação de tão preciosa inspiração. E de parabéns, agora, os nossos repentistas face ao manual de que dispor.