quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Mundo interior

Numa dessas manhãs frias da Serra, ia levá-las à escola quando se desenvolveu assunto em que falávamos de perfeição. Ainda com a voz sonolenta, Janaína disse: - Meu pai, a perfeição só existe no mundo das ideias, segundo Platão. Parei no tempo do pensamento e vi que chegava lá onde interessava continuar por minha conta e risco. Daí interpretei as suas palavras; logo a perfeição existe. No mundo das ideias. Há esse mundo, portanto, e como chegar a ele significaria trocar passos, indo em frente. 

Na pressa dos pensamentos, raramente pessoas aceitam olhar os meios que possuem como as alternativas aqui bem próximas das mãos. Divisar a porta que trará o senso do mistério; e abri-la. Desvendar os olhos que antes não quiseram ver, mas que de cego nada tinham. Olhar o mundo em novas dimensões. Aceitar a condição de transpor a realidade através do que ora possui.

Esse mundo das ideias representa, nada mais, nada menos, a fonte da libertação de que falam profetas, poetas e místicos, viés da transformação da matéria em espirito. Isto qual parte integrante do ser, à luz da humana Consciência. Naquele momento, via ao longe o corredor imenso que permeia nós de nós mesmos, e tantos insistem ficar presos ao passado, ou lançados nas imprevisões do futuro, no porvir. Deem a ele o nome que desejem, no entanto ele existe. Fonte viva. País das maravilhas. Reino de Deus. Conquanto viva em si a matriz da Salvação, no redemoinho dessas nuvens diversas, cá estamos a vagar nas sombras à cata do significado das horas, viajantes das estrelas. Há em nós resposta suficiente a esse enigma de tantas vezes chegar e sair, e chegar outras vezes ao chão do Planeta, plano dos seres e objetos em constante movimento dos astros.

Artesões da própria sorte, toquemos o barco no rio do Tempo ao furor das existências, e, coautores da Criação, sigamos os sinais que possibilitam viver, sonhar e realizar, no seio dos mitos e das ideias,  a Felicidade em nós, do zero ao Infinito... 

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

E quando menos se espera

Já há alguns dias não escrevo. Veio esse período de final de ano, época feliz de Natal e proximidades do Ano Novo, tempo de reflexões. Um tanto de gente pega seus carros e saiu vagando mundo afora. Reúnem as famílias nas salas de janta e, juntos, cantam cantigas de alegria face aos momentos que surpreendem pelos sentimentos que parecem dominar a realidade. Os humanos são assim diante das emoções, cheios de amabilidades e surpresas Certa vez vi um filme da Segunda Guerra que mostrava cena de noite natalina face à luta entre soldados alemães e russos e, ao instante em que comemoravam o nascimento de Jesus, suspendiam o fogo e se confraternizavam quais irmãos que sejam. 

Época assim, de saudades fortes, ausências de não ter tamanho dos entes queridos que o passado carregara. Horas que sumiram nas dobras dos caminhos, de lembranças intensas. Circulam nos ares esses fiapos de presenças que regressam, rodopiam e desaparecem, deixando no peito apertos de distâncias e nunca mais. Entre esses cascalhos de abandono das idades alguns insistem permanecer grudados no manto das sombras, quais fantasmas de histórias antigas. Sopram aos ouvidos o hálito perfumado de amores longe.

Mesmo jeito que chegam, as flores deixam seu perfume entranhado na gente e chafurdam as águas desse todo universal que somos nós, insistências de viver. Trabalham a matéria prima do desejo de continuar vagando nessas ruas solitárias, cheias de cenas e visagens que regressam aos bastidores do teatro à busca de novas ocasiões de machucar a sensibilidade que ainda não dorme outros 365 de todo ano. Espécie de abismo intransponível abrirá, pois, o chão e depositará os desejos de solidariedade que mexem no coração das pessoas. De vez em quando, no entanto, ferverá em si a vontade poderosa de seguir o Mestre Divino e conhecer da esperança que renova esse espírito natalino das criaturas humanas. 

sábado, 23 de dezembro de 2017

Limites do inesperado

Impressões de quando todas as sustentações da crença restam apenas qual matéria de memória, repetição de rituais. Hora em que o teto das possibilidades atingirá as fronteiras nunca vistas entre o desespero e a sanidade. Bem nesse cume de everests insondáveis, onde as expectativas humanas viram trapo, quando a sede fere os rebanhos e o mato esturrica nas caatingas exaustas, nessa hora, o extremo oposto da visão dos desencantos parece tomar conta do mundo em volta. A quem buscar, então, pedir, implorar?

Horas definitivas de provação significam isso. A gente sustentar que tem fé, que os santos nos amparam e auxiliam, mas de uma hora a outra fechará o tempo e todo arranjo em nada se desfará. Esconder aonde a ausência de sentido que da vida resultou perante as teorias todas que desapareceram feito nuvens ao vento? São os limites do inesperado, extremos do possível. Havia um planejamento de uso, que não produziu apenas os frutos indesejados de vazio. Daí a solidão, a exaustão das capacidades antes imortais.

Contam que os santos viveram tais horas e entregaram de vez o que sobrara das vaidades num único instante e para sempre, nas fogueiras, nas masmorras, nos circos. De que adiantaria resistir sem mais com que contar?!  Vidas em movimento geram essas situações insustentáveis de resistência. 

Entretanto há de revelar em si a sofrência e suas respostas que a consagram no rol da misericórdia divina. Face a face com o destino, ninguém será tão sozinho nas calandras do mistério. O nível máximo da convicção estabelecerá, pois, o triunfo do espírito sobre a matéria. Isto no dia em que virá a prova de fogo da certeza. Ali naquele momento sagrado quem viver verá a luz que acende e revela o íntimo da dor e a paz da Libertação.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Idolatria

São passados 50 anos desde os tempos apocalípticos de 1968, a estação final dos sonhos livres da minha geração. Acordávamos ali, prematuros, de infância tardia, em pleno campo de batalha do totalitarismo. Nada seria como antes de quando acreditávamos na inocência original das gerações e seus impulsos. É proibido proibir, gritavam os líderes da Primavera de Paris. Outros eles, no entanto, os ditadores, estavam mais vivos do que imagináramos. Nisso, aí estão em pleno furor, dotados das melhoras máquinas e determinando seus valores arcaicos quais novidades, nos mesmos índices forjados nas estatísticas artificiais dos laboratórios escondidos.

Prováramos o que, naquilo tudo?!  Que a Terra é redonda, achatada nos polos e que gira no espaço feito laranjas azuis?! Seremos só autores das novas experiências que passam ou serão eliminadas quando incendiarem as outras bibliotecas de Alexandria que restem?! O que mudou e o que mudaram? Que olhos nos veem de longe, conquistadores das rotinas financeiras, apenas senhores da sobrevivência carnal?

Foram épocas tão difíceis quantas as que largaram no espaço adentro em formato de flores metálicas nos filmes dos desencantos. As gerações tais perdidas. Os ventos que sopravam a paz que ainda não veio. Os versos e as canções de saudades, de amizade, dos momentos bons de felicidade, os desejos, as dúvidas, as indefinições. Os ideais maiores adormecidos na raça.

A propósito, outro dia recebi mensagem de uma amiga que, no mínimo, perguntava o que seremos de nós ao término das interrogações que persistem. Ela disse: É que a alienação atual, a indiferença diante da covardia, da injustiça, vendo nossos jovens serem torturados e humilhados, serem cobrados, bandidos, será? A indiferença perante a evidência, o silêncio, onde estão todos, acomodados na sua conveniência. Levantem, vamos!!! Indignados.

Emerson, não quero seu poema singelo. Quero que escute, veja, lute. Esqueceu as dores, mesmo não sendo na nossa casa, nossos filhos. Somos irmãos. Se encontre comigo. Pieguice neste sistema atual. Hoje são jovens que torturam e são torturados.

E pouco antes ela havia postado uma estampa com o retrato de Mahatma Gandhi e a frase dele: O fraco jamais perdoa. O perdão é uma das características do forte.

Assim, mediante tais cogitações, que fazer, então, senão lembrar as lutas de 1968, o ano que nunca haverá de terminar, pois, enquanto durar a indiferença de tantos e a atitude de tão poucos.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Transcendência

Nas batalhas entre exércitos, no campo de manobras resta margem de respiração no meio dos dois territórios. Aquela faixa recebe o nome de Terra de Ninguém. Zona intermediária por demais importante, exige de ambos os lados condições mínimas de respeito a título de segurança das tropas.

Assim nos humanos. De um aspecto, o mundo ilusório. Do outro, a transcendência do Ser. Qual fruto em fase de amadurecimento, a existência permanece o tempo inevitável de, um dia, cruzar a fronteira e unir a divisão dos dois eus que ainda elaborar o sonho da Salvação.

Presos ao chão daqui, estamos nessa época de cruzar a Terra de Ninguém e desvendar os bosques da libertação da individualidade. Nisso, a busca da Luz da espiritualidade. Largar os apegos da matéria e conduz o barco aos oceanos do Infinito, razões principais da Consciência. O barco do Ser que se permitir navegar em águas da Perfeição.

Nessa epopeia de realização, o trilho há de iluminar a alma da gente. Primeiro, saber disso. Desvendar o primor da possibilidade. Admitir o senso da procura e caminhar rumo da concretização. Trabalhar em si os meios de querer e dar o primeiro passo. Exercitar o conhecimento através dos meandros por vezes escuros daquela zona de luta de nós conosco próprios.

Transcender, eis o nome que resume as ações de vencer as montanhas e os precipícios da zona desmilitarizada dentro do campo de batalha que somos nós mesmos. Converter a permanência em impermanência e deixar margem a transpor o espaço das contradições, até revelar ao ser interior o mistério da superação. Isto significa bem o decorrer das buscas.

Ausentes disso, dessa condição determinada através das leis eternas, fora daquele território neutro, impera a inexistência, cavernas da ilusão. Requer coragem vencer as barreiras dos céus e chegar aos braços do Amor, fonte da Vida.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Há de ter humor sempre

Só imagino São Pedro, logo ali na entrada do Céu, de cajado e barbas brancas, túnica azul piscina e um sorrisão grande estampado nas faces bem bochechudas, gaiato, a dizer entre risadas: - Essa vida é uma graça, quando menos se espera morre um. Pois em tudo por tudo há de haver alegria em cada dependência dos pavilhões celestiais, conquanto humor é arte e ciência no decorrer da história inteira dos reinos possíveis e imagináveis. Tribunais do Eterno, também, devem nutrir essa lei nas suas sentenças. Aforismos, citações, versículos perder-se-iam no decorrer inevitável dos tempos inexistissem as tiradas espirituosas dos magistrados que prescrevem os libelos. 


Graças teria não fosse o fluir e refluir das gerações em contar seus episódios engraçados aos que vêm e daqui a pouco vão embora? A sã consciência pede isso, risos e gargalhadas estrepitosas, talvez até que diante dos degraus das despedidas. Ninguém aguentaria dois minutos desse chão se proibissem terminantemente o delírio das comédias humanas. 

Os mais absurdos até dizem que somos mesmo apenas e meros caçadores de risadas no transcorrer das semanas. Expediente sem a felicidade do riso aberto, ou nem que seja amarelado, deixaria de constar na folha de pagamento ao final do mês. Qual disse, num instante de rara inspiração, o escritor brasileiro Oswald de Andrade, A alegria é a prova dos noves.

Sem a satisfação de andar nas quadras inesperadas e leves deste mundo, de que valeria viver, então?!... Só caras-de-pau, esdrúxulos carcereiros em crises de fígado, chefes enfezados e toscos, desumorados construtores de blocos de pedra nas horas obtusas? Sem chances. Amar o amor e o bom humor para sempre, a lei maior das criaturas dos universos todos. Um humor puro, genuflexo, ardiloso, sadio, democrático, consciente das verdades que transporta. 

Nisso jamais persistirá o desinteresse das verdades santas. Fieis servidores da harmonia dos astros deslizam feitos flores soltas na brisa suave da inocência original, no riso amável das crianças que ainda somos lá por dentro.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Felicidade das palavras boas

Nelas desvendar o presente com a beleza incrível que ele tem, sua constância, sua infinita paz. A força de continuar diante dos dias, das luzes, das cores, das pessoas, em tudo, por tudo, mistério afetuoso no interior de si, no andar dos seguimentos e das revelações da esperança em tantas ocasiões de renovação e possibilidades. Abraçar as oportunidades em forma de vida, amor e luminosidade. Trabalhar a força dos elementos que existem na alma da gente e transformar a forma de olhar os acontecimentos longe das marcas do tempo, no cinemascope das estradas. Sobreviver aos fatores, ensinos mil das circunstâncias. 

Precisa coragem até ser feliz, mas nós a temos. Quantas vezes resolvemos e escolhemos os caminhos a tocar em frente, nos pensamentos e sentimentos. A riqueza da música do instante sempre ao nosso inteiro alvedrio. Os simples gestos de estender as mãos e abraçar o bem, livre dos preconceitos e das mágoas. Tantas chances de acertar aos nossos pés, andar de peito lavado pelas boas vitórias através dos nossos esforços. Alimentar a vontade férrea de conquistar as decisões positivas. Encher de criatividade as horas e os dias, satisfazer desejos de verdades eternas e amizades verdadeiras. Isto ao poder constante das forças vivas que festejam dentro da nossa natureza sadia.

Saber limpar a tela das ocasiões constantes cobertas de claridade desde que aceitemos ser alegres. Isto bem no seio do mistério da liberdade humana. Resta a todos tão só selecionar a atitude e determinar a nós mesmos que queremos o melhor de tudo quanto há. Pender a balança da individualidade no sentido da realização do ser que somos. Aceitar a liberdade do que nos deixam ter e exercê-la com a mais imensa força de gostar de existir, todo momento. Amar a si mesmo e ao que perdurar no instante do presente, portal da amabilidade e dos sonhos, flores da persistência e da tranquilidade. 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O silêncio dos incas

Quem estuda os povos das Américas se surpreende diante da oralidade que predomina depois de tudo que aconteceu no Império Inca de largas repercussões e não haver deixado nenhum código escrito que possa compor a história. Eles evoluíram nas ciências fundamentais à vida junto da Natureza, no entanto o quanto permanece inscrito representam sítios de pedras e longa epopeia de sobrevivência que insiste existir até agora na alma dos povos dos Andes, inclusive espraiada pelos povos amazônicos e suas influências nas nações indígenas do Brasil. Nas características físicas. Nos costumes lendários. No artesanato. Vestimentas. Arquitetura. Instrumentos. Etc. 

Isto é, os incas não possuía uma linguagem escrita. O máximo que trabalharam nesse a propósito de função de significados são nós em cordas no sentido de manter memórias. Nenhuma inscrição rupestre, nada de alfabetos a serem fixados nas lápides dos templos, além das construções em blocos graníticos, formas geométricas de exatidão impressionante, junções milimétricas e símbolos vinculados aos elementos no Cosmos. Sol. Lua. Estrelas. Estações do ano. Avanços nas pesquisas de cunho agrícola. Na pecuária. Na religião cósmica. Nas cores e nos traços dos tecidos de inegável perfeição.

Toda a tradição vem simplificada e visível nas construções, nos terraços, nas cidades e sítios arqueológicos. Algo assim qual permanecendo intactos, persistentes diante das edificações, nas trilhas, nos entalhes, nas vinculações das ruínas com as montanhas, as matas, os caminhos, na alma da população; nos traços fisionômicos, nas tradições e nos costumes, nos instrumentos e nas músicas. 

Antes da chegada dos espanhóis e da introdução do alfabeto latino, a língua Quéchua não tinha forma escrita. As informações numéricas eram registradas pelos incas por meio de quipos (cordões coloridos de lã com diversos nós). Os registros escritos mais antigos do quíchua são do frei Domingo de Santo Tomás, chegado ao Peru em 1538, que aprendeu o idioma desde 1540, publicando sua Grammatica o arte de la lengua general de los indios de los reynos del Perú em 1560. Wikipédia

Um povo de tanto desenvolvimento nas artes do tecido, na música, na agricultura, artesanato, na organização social e política, e nunca haver pensado em fixar em tabuinhas, papiros, pedras, madeira, argila, couro, alfabetos ou imagens de sinais, no mínimo surpreende essa contemporaneidade que tanto insiste fixar nos suportes físicos seu pensamento e suas conquistas tecnológicas. Caberia bem aqui lembrar a afirmação no mínimo correta de Steve Jobs de que esta nossa época será a que menos registros deixará na História, face à fragilidade com que tudo grava em meios magnéticos de fácil desaparecimento no decorrer das transições cronológicas.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Francis Vale

Era em julho de 1976 quando conheci, em Crato, Francis Vale, dos grandes nomes da intelectualidade cearense da minha geração, dos que sobreviveram aos desafios ingratos dos anos 60. Encontramo-nos defronte ao Parque Municipal, na casa de Abidoral Jamacaru. Daí nasceria amizade que perdurou durante esse tempo, ratificada nos reencontros sucessivos, motivos, inclusive, de que adquirisse novas amizades, entre as quais Fagner, Amelinha, Afonsinho, Wiron Batista, Antônio Marcos, Fausto Nilo, Cirino, Amilton Melo, Stélio Valle e Alano Freitas, dentro de outros nomes de expressão da cultura e das artes, universo em que transitava com facilidade e dedicação. Nalgumas oportunidades, desfrutei da satisfação de hospedá-lo em minha residência e com ele estabelecer demoradas divagações quanto a música popular, literatura, política, direito, artes plásticas, cinema, esta a sua praia de predileção. 

Mais à frente, vim de conhecer sua companheira, Leni, junto a quem aprimoraria outra boa amizade, pessoa afeita ao conhecimento das luzes espirituais, também dedicada às lides artísticas, sua perfeita companhia durante a existência. Francis devotava inteiro amor às raízes cratenses da arte, de bons parceiros, e aqui avistara Leni pela primeira vez, onde ela morava junto de Dona Rosa, sua genitora.

Qual disséramos, ainda que advogado, empresário de música, político militante e persistente animador cultural, o forte de Francis seria o cinema, ao que votou sua liderança durante décadas, autor de livro sobre o assunto, diretor de películas, coordenador de festivais, produtor e roteirista. O cinema cearense registra, portanto, a presença inconteste desse valioso capitão, incansável e resistente. Foi diretor da Casa Amarela, do Cine Ceará, e coordenou o Festival de Cinema de Jericoacoara.

Dentre as principais obras de Francis Vale constam o disco Liberado, com Alano Freitas; o livro Cinema cearense – algumas histórias; os filmes Trem da Alegria: Arte, futebol e ofício (longa metragem), Dom Fragoso (curta metragem) e outros, havendo participado como letrista das composições do Pessoal do Ceará, ao lado de quem cerrou fileiras. 

Natural de Belém, no Pará, nascido a 07 de janeiro de 1942, agora recente, dia 08 de dezembro de 2017, Francis deixaria este mundo, nisto sensibilizando a muitos de seus admiradores e amigos, colheita justa que obteve através de uma legenda de trabalho e dignidade.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O ciciar das cigarras na Serra

Há nisso um código que eu sei que há, quando elas se comunicam e dizem saber, entre si, o que ainda não sei. Justificam o exercício de falar nos longos cios aquilo que dizem em resposta umas às outras, ao calor da tarde finda e o início da noite, que chega leve nos haustos do dia que foi. Atenuam o tempo através das rimas de vozes harmoniosas, que cantam o mistério das horas que logo conterão o escuro e acalmarão de tudo a festa da Natureza. O som, sons, que circula ritmado, avisando em contraponto os acordes que entrelaçam e reúnem de sinfonia o calor do sol poente, toques sibilantes das pautas invisíveis. Adentram suavemente o túnel das almas impacientes que aceitam continuar as marchas soltas da solidão em respostas indecifráveis. São elas, as cigarras, que fecham as janelas do Universo nas nuvens dos acordes que penetram o canteiro das matas. Vidas e sinais vindos lá de longe, distantes ao fulgor das estações. Chegam, cumprem o instinto de falar à vastidão dos sentimentos e tocam, quais sinos de notas intermináveis, os violinos santos da orquestra divina. Vozes dolentes, assim, riscam de voos as ondas que vêm e vão das praias da escuridão, e batem insistentes o rochedo das estrelas espalhadas nos céus. Intermitentes, gritam, balem, e baixam o tom dos instrumentos ao sabor do início, do jeito que vieram. Quais aves que regressam aos ninhos, as cigarras cumprem essa função esplendorosa de afinar o adeus das tardes e aceitar a noite que lhes abraça em albor fiel. E aos poucos silenciam, outra vez, ao gosto de contar dentro das cores esmaecidas o agora das ninfas; o dia vira sonhos, silvos de outras vozes a cantar o mundo das histórias que permanecerão vivas no coração das pessoas. Elas, então, talvez adormecidas ou presentes para sempre, circularão pela soma dos desejos quais fagulhas e segredos luminosos, a revelar fogueiras de silêncio às distâncias infinitas do Ser.

Somos isso

Na busca incessante das vidas, até encontrar Jesus no centro de nossa presença, em nós imaginamos que Ele esteja nalguém ou nalgum lugar fora do nosso coração, e seguimos alimentando horas e situações aonde possamos avistá-lO e nEle depositar nossa inteira existência. Onde está teu tesouro aí está teu coração, disse o Mestre da Galileia. Temos, pois, esse condão, de projetar nós mesmos naquilo que toca mais forte em nossa razão de ser, a essência de si. Os humanos vêm sustentando tais propostas desde que o mundo existe e nele vivem.  "Assim, se alguém lhes disser: ‘Ele está lá, no deserto! ’, não saiam; ou: ‘Ali está ele, dentro da casa! ’, não acreditem. Porque assim como o relâmpago sai do Oriente e se mostra no Ocidente, assim será a vinda do Filho do homem. Mateus 24, 26-27

À medida que nos conscientizarmos da importância da nossa conversão pessoal nas nossas existências, só então ser-nos-á possível a realização plena do Ser nas nossas almas. Eis a equação simples das religiões, das filosofias. A total entrega de tudo quanto há na nossa íntima condição de sustentar a Natureza na vida física. A justificativa de todas as crenças. O motivo da consciência.

Recolhe-te à solidão do teu quarto e falarás com Deus, que Ele habita o teu coração. Reunirá em ti o Universo inteiro. Enfim serás uno contigo e com tudo quanto há. Prudentemente desvendarás o mistério da Existência e revelarás tua fé e teu sentido de viver. Sustentarás o que dizem todos os livros e todas as escrituras sagradas. Acharás a paz dos justos e a dignidade dos místicos. Terás contigo a companhia dos eleitos e a felicidade dos melhores sonhos. Porquanto o tesouro de viver é ser feliz.

(Ilustração: O astrônomo, de Veermet).

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Histórias alheias V

No livro O que é religião, de Swami Vivekananda, fomos achar a história que ora vamos contar: 

Segundo os místicos hindus, depois de adquirir a sabedoria entre os humanos, os sábios vão habitar entre os deuses, no cumprimento das existências que aqui viveram. Assim, Narada, iogue de largos conhecimentos, já vivendo no reino dos deuses, certo dia cruzava uma floresta quando avistou ancião em meditação profunda à busca desvendar a iluminação, que lhe indagaria: - Aonde vai, Naranda? 

- Estou indo ao Céu – ouvi de resposta; ao que acrescentou: - Pois pergunte a Deus quando obterei a libertação e chegarei de junto dos deuses. 

Logo à frente, se deparou o sábio com outro homem que também praticava austeridade, sendo que este pulava, dançava e cantava, e que lhe fez pergunta idêntica de aonde seguiam seus passos daquela vez. No que recebeu resposta semelhante à do crente anterior, de que ia ao encontro de Deus.

- Então pergunte a Ele quanto tempo passarei até ganhar a Salvação – pediu reverente o discípulo.

...

Tempos depois, ao regressar aos arredores daquela floresta, Narada responderia ao primeiro homem que ele viveria só quatro renascimentos, e galgaria o sonho da libertação deste mundo de matéria, na razão dos esforços que desenvolvesse pela prática meditativa. 

Ciente disso, o homem entristeceu, chorou até, visto o período que avaliou ainda longo que teria de permanecer e realizar o que lhe restava na missão daqui da carne.

Mais à frente, ao deparar o outro homem, Narada responderia: - O senhor há de viver por tantas vidas quantas sejam as folhas daquele tamarindo ali defronte. Nessa hora, enfim, desfrutará em glória os bens do Paraíso eterno.

Ao escutar a notícia, o religioso se pôs, festivamente, a dançar em face da revelação que recebeu, enquanto, alegre, repetia: - Alcançarei a libertação em tão pouco tempo!

Bem nesse instante, Voz poderosa ecoou através do silencia da floresta: - Você terá a libertação neste minuto! – Ao que Vivekanda, na sequência, considerou: Só perseverança semelhante à do homem disposto a aguardar uma eternidade produz os mais elevados resultados.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Célio Silva

Inícios dos anos 60 em Crato, fase de uma cidade típica dos interiores sertanejos. Ruas desertas. Praças movimentadas às noites dos sábados e domingos. Quase livre do trânsito constante das rotinas atuais. Manhãs domingueiras depois da missa das nove. Rodas de conversa nos bares e cafés. Todos conhecendo todos. Notícias só de ouvi dizer. Bem nesse tempo havia os tipos mais populares. Jogadores de futebol. De bilhar, sinuca, carteado, gamão. Os corredores de bicicleta. Caçadores na Serra. As fazedoras de tapioca e beiju. Os curadores de animais. As rezadeiras. Os cirurgiões. Beatos. Valentões. Conquistadores, E os seresteiros. 

Célio Silva era desse grupo, dos seresteiros. Exímio cover, qual dizem hoje, de Chico Alves, o grande nome do cancioneiro nacional da década de 50 que pereceu tragicamente em acidente automobilístico nas estradas do Sul. Seu talento e sua perda marcariam com profunda intensidade a memória dos brasileiros de então. Ele aqui, e Carlos Gardel na Argentina, ambos quais missionários da música de sentimento saudoso, inclusive de aparência bem assemelhada, de terno e gravata, riso forte na face, olhos intensos e cabelos escorridos à brilhantina. Trágicos fins que tocariam na alma dos dois povos.

E Célio Silva, ou Expedito Mago, apelido de antes da música, investiu todo seu fervor artístico em cantar as canções de Francisco Alves, às quais dava qualidade por demais comparável ao que mostram as gravações de Chico Viola. Cantava nas praças e ruas noturnas, em serestas apreciáveis, quase de comum à base das bebidas fortes e em grupos de outros cantores, vindo também aos programas de auditório, primeiro, da Rádio Araripe, inícios daquela década, e Rádio Educadora, já aos seus finais. 

Lembro dele, das vezes quando lhe encontrava nas ruas, cabelos também penteados ao estilo do ídolo e a falar assemelhado aos cariocas, onde vivera o menestrel ao sucesso dos anos dourados, qual denominam. Adoentado, lá um dia o apresentador de um programa de calouros da Rádio Educadora daria a notícia do desparecimento dele, mas logo seria informado pelo próprio filho de Célio Silva que este ainda estava vivo, e de casa assistia pelo rádio a programação da emissora. 

Pelas comunas da interlândia, em tudo quanto é canto, existe profusão de tipos assim, dotados de humanidade simples e vocação espontânea, marcas inolvidáveis da história das criaturas humanos, neste mundo de tanta beleza.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Escravos da inconsciência

Esses políticos que passaram a encher o espaço da mídia pelos desmandos praticados lembram insetos que ficam presos nas teias que produziram, e nelas entraram vivos nas armadilhas, mas só sairão esmagados na própria perdição. Correr em círculo, sem alternativa nenhuma. Prisioneiros do destino, enredados na lama em que chafurdavam, só esperam as normas definitivas. Assim são, também, demais aventureiros do crime, que escondem a sorte debaixo de tarrafas transparentes. Escamoteiam quais quisessem enganar a si, isto de desejar o impossível.

Independente do que pensavam, agora haverão de aceitar as contingências das decisões de que existe além uma Vontade maior, soberana aos instintos individuais. Pouco importa crenças, filosofias deturpadas que praticavam; uma Lei predomina acima de tudo, em tudo. Determinações maiores regem o poder dos acontecimentos. Restará tão só o desenrolar dos dias, porquanto amarraram ao pescoço pedras de moinho, qual avisa Jesus. Os delituosos atam no futuro a história pessoal, ainda que aparentemente usufruam da ilusão temporária nos males praticados pela intenção frívola de alimentar interesses frágeis.

Isso significa bem a cara de longa fila das humanidades, todo tempo. Os imaginativos que atuam na inconsciência plantam onde jamais deveriam. Arrancam de onde nunca plantaram. Desfilam pretenciosas tralhas dos males adquiridos no papel de sábios, importantes, enquanto correm debaixo deles a podridão dos rastros deixados atrás. Ninguém cruzará impune a fronteira da despedida, vez que inexiste impunidade nos tribunais da Eternidade.

Apurados ou não, julgados ou não, punidos ou não, os praticados deste mundo aqui servem de lição aos marujos das águas turvas e aos sadios também. A História, que exerce a função de mãe e mestra, oferece seus registros aos que desejem conhecer a Verdade. Sem pressa, mecanismos perfeitos do sistema universal tocam em frente o curso natural, resposta precisa das ações dos humanos. De uma simplicidade meridiana, os sóis da Justiça maior aguardam os atores das cenas. Nenhuma das leis dos terráqueos haverá de suprir o equilíbrio que preserva a luz da Certeza.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O poeta do Pai Mané

Recebi agora recente mais um livro de Assis Lima, desta vez Poemas de Riso e Siso. Nascido no município de Crato CE, no Sítio Pai Mané, Francisco Assis de Souza Lima desde sempre se afeiçoou às letras, afã de parentesco próximo que o mantém ligado a isso. Viveu na cidade os transatos dos anos 60, maré de sonhos de geração talvez a última que assim mereceu sonhar nesses tempos nebulosos. Escreve com criticidade e esmero qual dos poucos, nos vindo presentear desta vez com este primor literário.

Peças raras de mergulhos n’alma, o livro de Assis concretiza a intenção de tocar a realidade por flagrantes inspirados e sisudos, no entanto bem humorados, quais os quer, certeiros e perfurantes. Navega fácil nas superfícies do Ser em qualidades profissionais de poeta clínico e místico. Hora nenhuma deixa margem a dúvidas de que conhece as manhas do ofício e se permite brincar nas constatações do inevitável das vaidades humanas. Marulha as circunstâncias do morrer, sempre mantendo na distância regulamentar a tragédia, no entanto longe considerar imprestável o término de aqui viver. 


Poemas de humor fino, longe, contudo, de perder o siso. Risos de mofa quanto ao percurso deste chão, bem no que possa dizer do quanto o cuidado da morte é a vida, e viver com arte o soldo a receber. 

Pelo sincopado dos instantâneos pitorescos, nos brinda em feliz providência, que nisto achou o poeta a pureza das palavras e dos cortes, em viagem surpreendente e saborosa. 

Projeto executado ao mesmo primor do conteúdo, Poemas de riso e siso vem a traços de Lula Wanderley, que desenha as ilustrações da capa e do miolo em harmonia e leveza. Da editora Confraria do Vento, Rio de Janeiro RJ, o trabalho merece destaque pelo tanto de enfeixar arte gráfica esmerada à obra poética.


Assis Lima exerce a medicina psiquiátrica em São Paulo, onde reside. É autor dos livros Conto popular e comunidade narrativa, Poemas arcanos, Marco misterioso, Chão e sonho e Terras de aluvião. E coautor, com Ronaldo Correia de Brito, dos infanto-juvenis Baile do Menino Deus, Bandeira de São João, Arlequim de Carnaval e O pavão misterioso.  

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

A beleza ardente das canções

Um fio que conduz ao Infinito, aos braços da Paz, as canções. O nada diria, por certo, o que dizem as canções, que falam dentro do coração sem passar nos pensamentos. Revivem e alimentam. Trazem de volta as alegrias escorridas no vento de depois e nunca mais. Ainda que não ouvisse, os ouvidos ouviriam. Iriam buscar nas emoções vividas lá dentro do silêncio o que se perdera no tempo, e criariam outra vez a força de sorrir, caminhar, persistir, acreditar no espelho da solidão donde há de vir extinção das ausências de momentos longe desaparecidos nas despedidas, nas cocheiras da incerteza. Ouviriam, sim, os ouvidos qual dói o peito quando sei que tudo está bem, no entanto o peito fala de algo que desconheço e ele sente independente. Por que dessas apreensões do que nem mais existe e o peito reclama preencher?

As canções falam disso, das vivências que sumiram e vivas permanecem nalgum ponto das melodias, nas letras, nas harmonias delas, das canções. Volteiam pelo ar e invadem o presente de passados cheios de mistério, noites, sentimentos... Sei que estou bem, que tudo segue o curso natural dos acontecimentos... Que ser e existir significam dois lados da mesma moeda, e cuido de acalmar as nuvens das incertezas que sujeitam bolinar saudades acumuladas nas apreensões intrusas. Porém elas, as canções, mexem por dentro do Eterno que persiste falar mais alto do que os desejos da coexistência de mim comigo mesmo. 

Vêm suaves nas asas do imenso pássaro das sombras e, ligeiro, quer iluminar o segredo do único habitante da gente. Tais espécies de saltimbancos inconsequentes, vadios, sopram ansiedades aonde antes só havia céus. Nem pedem permissão, chegam e pronto, autoritárias, que reviram o palco da presença do amor e impõem condições inalcançáveis, impossíveis, talvez. Sei bem da bondade e da beleza que oferecem ao espírito, inda que deseje perguntar o porquê do esquecimento perder nisso o direito de continuar existindo, e as canções lembrarem, de novo, de doer o peito há pouco tão quieto.

O rei da Serra

Através de Nemezin conheci Reis, o rei da Serra. Morava de arrancho na casa de um morador do Sítio Venha Ver, próximo de antigo barreiro que pertencera a Filemon Teles, no alto da Chapada já pendendo aos descambos do Pernambuco. Figura típica de roceiro nordestino, vestido num terno antigo, ensebado pelo uso e distante de qualquer lavada que fosse. Ele debaixo de um chapéu de couro dos pequenos, integrava sua fisionomia no ambiente, qual ali houvesse nascido e habitasse desde as origens; trazia a presença envelhecida de personagem longe dos banhos há décadas, carregando consigo velha espingarda de carregar pela boca, um bornal de lona acinzentada, alpercatas rotas, remendadas, homem mais chegado a bicho tal qual os bichos da mata. – De calango acima tudo serve de comer – dizia quando perguntado daquilo de que se alimentava na faina dos dias.

Ali na década de 70 do século passado, Reis já vivera mais de três décadas vagando pela Floresta Nacional do Araripe. Os donos da casa onde dormia algumas noites quando em vez falaram que ele gostava mesmo era de pernoitar fora. Aparecia raramente.

Sua história falava de haver perdido a esposa logo no primeiro parto, quando morava na cidade, em Crato, lá embaixo. A dor fora tamanha que desde então correra no rumo da mata e nela permanecera em definitivo. Achara suficientes motivos de viver a solidão do ermo, longe de tudo e de todos da vida urbana. Jamais regressara às ruas. Sua aparência definia bem o sistema que escolhera praticar. Espécie de peba, ou gambá, ou tatu, cotia, teiú, era só natureza entre a terra e o cascalho, no mundo rústico daquelas existências. Do nariz aos cabelos grandes, desgrenhados, embranquecidos, a engraxada rebrilhosa do negror de suor e poeira, arrastava também no íntimo, em que transportava espécie de humor esquisito dos que esqueceram para sempre a civilização, porém dialogava e ria desconfiado, atencioso ao que lhes perguntavam.

Avistamos Reis duas ou três vezes, e nunca mais. Desapareceria no decorrer da década dos 80, deixando no rastro as raras lembranças naqueles que o conheceram ali na Serra do Araripe.   

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Mudar o mundo em si II

Ainda que mediante o esforço da multidão, sem que haja real transformação na essência dos humanos em nada persistirá por muito tempo o empenho de transformar as condições da sociedade. Isto porque ninguém faz construções boas com materiais inferiores. Exemplos abundam na história. Ideias fabulosas de reprogramar as nações, fruto do gênio de grandes teóricos e trazidas à prática mediante largos sacrifícios de gerações inteiras, no entanto empalidecidas no decorrer da experiência. Porquanto na prática a teoria sempre receberá outra roupagem. Daí belos projetos resultarem nos fracassos de que restam fiapos no transcorrer dos acontecimentos da raça.

A necessidade representa o princípio que conduz aos valores principais das mudanças. Testes sucessivos indicam modificações de conceitos. Aquilo que resulta em perdas não deve ser repetido, lógica primária. 

O exercício de uma nova consciência requer, pois, atitudes pessoais. Haverá quem se alimente de ilusões e por isso não deseja alterar o curso da história, entregues ao comodismo. A visão do mundo das criaturas possui a conotação a razão fundamental dos seres pensantes, a autossuficiência. Tantos entregam o desejo de viver aos fatores da paixão e gostam e nutrem fantasias qual motivo de tocar adiante seus passos. A eles o direito dado pela Natureza a ser avaliados só nos tribunais do depois. 

Outros, no entanto, postulam meios novos de contemplar o sonho e trabalhar a Eternidade através das visões do Paraíso. São os místicos, os visionários, profetas, autores das artes de olhar o mundo através da possibilidade mais positiva. Vistos como heróis, líderes, santos, oferecem a si próprios de instrumento da mudança, mesmo face aos limites da condição temporal. Buscam perceber a concepção rudimentar da existência e oferecem alternativas e soluções, longe de aceitar a derrota. Vislumbram luzes, saídas de sábio. 

Bem singular essa formulação do comportamento humano. Desde os primeiros registros que esses caminhos aí estão, campos vastos da responsabilidade na ação das existências. No plantar e colher, a norma justa das visões e dos resultados, no exercício da liberdade tão valiosa. 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

As existências e o Tempo

Quais jatos de areia em paredes de aço, ali no tronco dessas árvores milenárias restarão depois tão só fragmentos do que foi ou poderia ter sido, sem outras jamais possibilidades que não contemplar a luz que circula a Terra. E Ele, o Tempo, rei, senhor absoluto das eras sem fim, amém. Bloco sólido de impacto aonde todos vão de olhos acesos se jogar sem freios nos retrovisores do destino. Que haja chances maiores de duração das películas individuais nas históricas consciências, todos dormirão cedo sob o solo, passados os vendavais de propostas e desencantos das ilusões. Máquina de triturar solidão funcionam as horas todas dos calendários imaginários, das vaidades que voam ao vento. Verdade inolvidável, consistência dos sistemas em movimento, o Tempo, autor e criador do quanto existe e vontade solta nas criaturas bizarras, seres que somos nós, os humanos de motivos escondidos em si e nas razões maiores do sol dos corações.

Que busquem, porém, os no entanto e toparão nelas, nas barragens da multidão embriagada de aspirações inconfessáveis, egos vagando pelo céu torpe das almas enfurecidas. Ele contempla e balança a cabeça de pai carinhoso, ciente do tanto quanto que mereçamos do que plantarmos na superfície desses dias apressados. Nisso ter de seguir adiante, independente da pureza necessária ao amor dos que plantam verdades nos campos da eterna motivação de viver na paz interior, sem medo, nem culpa. E que não temam a morte, porquanto das realidades é a
maior de todas.

A Fé qual iluminação de sinceridade naquilo que ensina, daquilo que mostram as atitudes dos momentos. Ver sobretudo simplicidade, valor principal de nunca duvidar da leveza que persiste no Infinito, a Salvação. Tal qual do que possa vir à tona dos sentimentos, sempre ninguém duvidará do encontro com o Tempo esse portal das maravilhas. 

sábado, 2 de dezembro de 2017

Na Lua Cheia de dezembro

Época do canto das cigarras nas matas da Serra, quando entre as árvores penetra o manto iluminado da Lua. Raios brilhantes decalcam dentro da alma as certezas da visão dos mundos impenetráveis que abrem as portas da paz, e o coração sente instantes sublimes de harmonia a fornecer conhecimentos novos. Suaves passam nos céus do coração as aves do Paraíso, voos intensos de cores indescritíveis e cantos matizados de amor e felicidade. Tantos, nuvens, nuvens, que encantam os ares e clareiam no espírito a trilha do feliz regresso aos seios da Natureza sob o silêncio.   

Bem no íntimo do horizonte, de onde o Infinito se encontra com o Impossível, breve nascerá a canto radioso demais esplendoroso da Lua, que traz o círculo perfeito na continuidade das lembranças de Deus em tudo quanto há. Envolverá de si, no seu manto de maravilha, os fenômenos eternos das existências, nas águas do firmamento. Mãe das criaturas, as acaricia no perfume doce dos braços e as estreita de amores imemoráveis, carinho e sonhos.

A melodia do Universo abre, pois, de acordes, a sinfonia do instante e deixa pleno o perfume das flores, o deslizar da brisa e o fulgor do sentimento das horas. Tons perfeitos que perpassam o mistério afagam levemente o centro das emoções e o peito revela o fascínio do equilíbrio no deslizar dos movimentos. Olhos acesos reverenciam de fervor as atitudes, na celebração do nascimento da rainha das noites entre as palmeiras e festa.  

Alguns seres retardatários voltam apressados aos apriscos, porém fixos nas transformações do tempo, e clamam à deusa compaixão pelos seres vivos que ainda dormem lá longe dessa grandeza e claridade, cabisbaixos na inconsciência, no clamor da esperança dos que desejam renovar esperanças e fé. Primeiros raios de luar prateiam as encostas e sons da Terra abraçam apaixonados a solidão iluminada. 

(Ilustração: Paul Gauguin).

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A festa no Céu

A tartaruga vivia escutando a conversa dos demais bichos, sempre estirando o pescoço na intenção de colher alguma informação privilegiada, quando lá um dia deu de ouvir o curruchiado de alguns pássaros e do meio do matagal, o que descobriria: - No próximo sábado haverá animada festa no Céu. 

Ora vejam só quem que nem ela daria tudo a fim de participar do festejo inusitado, iria de qualquer jeito. E toca a matutar esse qualquer jeito. Lembrou que o urubu ia sempre convidado a participar desses encontros, dado seu talento ao violão de sete cordas. 

Mais que depressa a tartaruga acercou do ninho do urubu e notou as suas preparações da viagem. Nisso, tratou de estudar o modo próprio de acompanhar o dito cujo. Olhou que levaria o inseparável instrumento de cordas. Encaixou-se no espaço do meio, bem no furo central, e ali permaneceu no tempo suficiente a seguirem rumo do Céu, pois a festa ali aconteceria dentro em breve.

Voaram, voaram, horas, horas, até chegar ao lugar certo.

No primeiro descuido da ave de rapina, a tartaruga saiu do violão e envolveu o vulto no bulício da multidão. Jamais esqueceria, certeza, o tanto que se divertiu naquela noite maravilhosa. Conheceu gente, conversou, namorou, bebeu e comeu do bom e do melhor, e quando viu saírem os primeiros convidados, tratou logo de regressar ao bojo do violão do urubu e esperar o momento de vir de volta à Terra. 

A viagem transcorria às mil, no entanto, numa das manobras súbitas do urubu, a evitar algumas nuvens à frente, olha que a tartaruga escapolio por entre as cordas do violão e desceu lá das alturas, sacudindo pelos ares. Veio cair por cima de uns lajedos, sendo caco de tartaruga a todo lado. O que um casco lindo visto dele restaram apenas cacarecos abandonados pelo chão.

Porém Nossa Senhora, que a tudo vê e cuida, passava naquela hora do impacto do estrondo nas pedras. Ficou preocupada com aquilo e tratou de reunir o que conseguiu dos restos da tartaruga, colando com resina, formando esse casco remendado que agora conhecemos, fruto dos muitos pedacinhos somados pela compaixão sublima da mais divina Santa.