quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Um livro de Huberto Tavares


Huberto Tavares, professor, ator de teatro, poeta e boêmio de Crato, romântico e inspirado, agora resolve reunir em livro (Eu preciso escrever versos) seus principais poemas, numa edição necessária para os que viveram a segunda metade do século XX nesta parte de mundo, berço de festejados autores e juventude inquieta, atuante nas áreas da cultura.

A disposição dos escritores de levar adiante suas produções preenche esse tempo em que deixou de ser impossível a publicação de trabalhos ricos de lirismo e memórias várias, elementos essenciais ao estudo etnográfico, sobretudo quando as máquinas oferecem condições de fugir do anonimato.

José Huberto Tavares de Oliveira, mais conhecido pela alcunha de Bebeto, abre assim o amplo espaço na sua história das vivências interioranas, para desempenhar esse papel de testemunha ocular do coração dessas existências de sua rua, a das Laranjeiras, hoje José Carvalho, e o Beco do Padre Lauro, próximos à Praça da Sé, centro urbano de Crato, revivendo tipos populares da cidade e as rotinas da beleza cotidiana que jamais retornarão a não por meio da mágica das palavras.

Passa isso nos seus poemas, páginas de rica beleza e emocionalidade, multiplicando sentimentos e impressões que se perderiam no eterno das horas, quando apenas os escritores reproduzem o íntimo da alma, em momentos de enlevo.

Os leitores contam, pois, com este livro na viagem retrospectiva ou nas visitas às eras que viraram saudades pungentes, em versos necessários ao registro de vidas sonhadas e amores adormecidos nas noites encantadoras de um observador contumaz das melhores solidões.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A vaquinha


Histórias que o povo alimenta conduzem valores exemplares de outro modo a passar isolados, não fossem as metáforas para levá-los adiante. Vem disso continuação dos mitos orais nas diferentes culturas.

A propósito, perante situações que a vida impõe, existe tendência ao contraditório, à teimosia, da parte das pessoas envolvidas, disputa interna por vezes evidente, quais fatalidades injustas do que se convencionou chamar Destino.

Em passe de mágica, de um e a outro momento, ventos giram a roleta da sorte e sujeitam mudar projetos elaborados há séculos, antes considerados perfeitos, que esvaem feito espuma. Só depois vêm notar, nas dobras do futuro, que se tornaram herdeiros das venturas benfazejas. Conhecem-se através da tradição popular histórias que mostram isso que dizemos. Leiam uma delas, pois:

Décadas passadas, no sertão nordestino, mourejava um agregado e sua família, esposa e cinco filhos. Amarguravam a estrutura medieval do interior, onde os moradores fazem parte integrante da gleba. De seca e inverno, esperassem além do necessário, reduzidos ficavam à rude sobrevivência.

O pai rasgava a terra, plantava legumes no período das chuvas. Durante o estio, servia apenas de braço ao dono do chão. Dispunha de poucos bens: eles próprios, os instrumentos de ganhar o pão, os trens da cozinha e um animal de leite, ganho de meação, vaquinha que remediava os filhos, neutralizando a penúria.

Um animal peçonhento, porém, triste dia, colheu de surpresa a pobre vaquinha, morta de mal desconhecido, refugada na pele e nos ossos.

Com o infausto, chegou o matuto na casa do proprietário, pediu as contas, reuniu mulher, filhos e coisas, e largou-se no oco do mundo.

...

Inteirava trinta anos, um pouco mais, quando o antigo senhor da fazenda viajou a terras do Paraná e encontrou, sem esperar, o ex-agregado e sua família.

Diz a história, ter o nortista enriquecido; possuía fazenda bem equipada, produzia fartas lavouras e educara os filhos nas melhores escolas.

Admirado de ver o progresso daquelas criaturas, o ex-patrão se aproximou e quis saber por onde andaram desde que haviam ido embora.

- O senhor lembra a vaquinha que eu tinha lá no sítio? – perguntou o antigo agregado. – Quando ela morreu daí fui forçado a correr e procurar as saídas. Andei mundo – continuou. – Nos começos, trabalhava feito doido, mas serviço não faltava. Os meninos cresceram e ajudaram no pesado. Ganhos melhores, economizei quanto pude, e comprei uma garra de terra. Mais alguns cobres, e juntei gado. Atravessado o pior, hoje, vejo que o que pensava ser desgraça se transformou em vontade de vencer e superar as limitações. Por isso, agradeço o prejuízo daquela vaca, o que me tirou da sua fazenda e me jogou a outras paragens.

...

A título de desfecho, cabe falar aqui na Lei da Compensação, onde tudo se relaciona para favorecer os que bem merecem. Nela, plantar o que é bom garante bons frutos, porquanto fazer e merecer caminham juntinhos nas escolas do Infinito. 

domingo, 27 de janeiro de 2013

Levante popular


Meu avô Amâncio, pai de meu pai, tomou parte nas lutas da derrubada de Antônio Pinto Nogueira Accioly, no Ceará dos inícios do século XX. Quando em vez, relembro as histórias que me contava sobre o episódio.

Era ainda rapaz na ocasião e se unira à população de Fortaleza para depor o ditador mantido sob o peso de nefastas influências. Ações rebeldes dos fortalezenses ganharam corpo depois das atitudes repressoras que vitimaram pessoas ordeiras da sociedade, por ocasião de uma passeata de repúdio àquele poder, promovida em 29 de dezembro de 1911, no centro da Capital, na Praça do Ferreira, ferindo militares e civis.

O desenrolar dos confrontos reduziu a área de predomínio do Governo e levou-o a se isolar no Palácio das proximidades do Passeio Público, onde, com seus familiares e a guarnição policial, ainda resistiu durante alguns dias, culminando com a rendição do dia 24 de janeiro de 1912.

Nesse período, cedo da madrugada, os revoltosos seguiam ao front, portando rifles, fuzis, clavinotes e munição, para se instalar nos sobrados de que avistavam o refúgio do caudilho. Os soldados, por sua vez, entrincheirados detrás de sacos de areia e no alto do edifício palaciano, respondiam aos disparos, ambos os lados na espera de qualquer descuido adversário, ocasiões de muitas perdas.
Em uma dessas manhãs, ao despertar, meu avô ouviu da sua mãe orientação de que ficasse fora das escaramuças, pois sonhara que ele seria atingido na cabeça e temia pela vida dele. Jovem e afoito, procurou desfazer das preocupações maternas e foi à luta, instalando-se numa das janelas em posição de tiro, donde disparava contra o inimigo.

Certo momento, anotou a presença de um artilheiro visível da sacada em que ficava, também a lhe apontar arma. Cochilou na mira do rifle, mas antes escutou do outro o estampido; o outro atirara primeiro. A bala resvalou no fingido lateral da construção e tampo da massa arrancada veio-lhe de encontro ao rosto, cobrindo-o de poeira, toldando a visão de barro e cal. Desse modo, por quase nada o tal sonho deixara de se tornar em realidade.

Noutro hora do conflito, já mais próximo do término, achavam-se, ele e outro rebelde, um caboclo das hostes de D. Fideralina, de Lavras da Mangabeira, a sustentar o fogo por detrás da proteção de sacos, quando um disparo frontal colheu aquele combatente, que, de bruços, caiu sobre a própria arma. Com isso, meu avô indaga: 

- Perigou, Bindá (era o seu apelido)? - E a resposta veio no gesto de levantar a cabeça e mostrar feia perfuração de bala no meio da testa, em seguida voltando inerte à posição anterior.              

sábado, 26 de janeiro de 2013

Bichos comem


Personagem das mais características, cuidou como poucos do planejamento urbanístico cratense, embelezando a cidade e propiciando muito das feições que hoje oferece, sobretudo nos logradouros centrais. Júlio Saraiva Leão, de família tradicional do município de Quixadá, porém nascido em Crato, onde viveu longos anos, da primeira para a segunda metade do século anterior. Homem dos sete instrumentos, ele se destacou em nobres profissões, de ourives a músico, fotógrafo, construtor, paisagista, etc.

Tipo espirituoso, Júlio Saraiva animava, com suas considerações inteligentes, às rodas nas noites da Praça Siqueira Campos, frequência obrigatória daqueles tempos, quando, no máximo, se ouvia rádio ou liam livros, jornais, revistas, cartas, telegramas, bulas de remédio e receitas de bolo, além das sessões de cinema, o que servia para tirar as pessoas dos invólucros cotidianos.

Foi o principal responsável pela reforma da Praça da Sé, no primeiro mandato do Prof. Pedro Felício Cavalcanti à frente da municipalidade, sendo de a ideia da fonte luminosa construída à época, modificada décadas adiante, tendo ao centro composição de uma cúpula invertida fixada sobre quatro arcos, a jorrar altos jatos d’água em três cores distintas, sensação do momento.

Quando demoliram a casa que pertencera a D. Rosinha Fernandes, construção secular e pitoresca, na área em que agora existe o Bradesco da Siqueira Campos, seu Júlio preservou dois artísticos leões de louça, peças tradicionais que ornavam o portão principal no jardim da residência, símbolos da aristocracia do Ciclo da Cana.  

No seu governo, o prefeito José Horácio Alves Pequeno designou-o para administrar os logradouros municipais. Sabia como poucos embelezar praças e jardins. Dentre as iniciativas que adotou, estabeleceu pequeno zoológico no Parque Municipal, agora Praça Alexandre Arraes, reunindo espécimes dos animais da Chapada do Araripe, dos brejos e das zonas circunvizinhas. Onças, veados, sariemas, cutias, cobras, tatus, juritis, sabiás, jacus, retirados do ambiente original, órfãos da silvestre liberdade. Recebiam ali tratamento digno, enquanto ofereciam à população oportunidades de conhecer os irmãozinhos da Natureza. Isso até quando não faltou verba para manutenção e os animais começaram a passar privação.

Nesse meio tempo, José Horácio avistou-se com Júlio Saraiva, trazendo à conversa outro assunto bem menos importante:

- Sim, Júlio, eu queria que você me oferecesse aqueles leões de louça - lembrou o Prefeito, num tom de insinuação, visando algo de mais interesse: - Quando poderei contar com eles?

- Horácio, você não quer os bichos que comem, lá do Parque, pois os que não comem também não vou lhe dar - respondeu Júlio Saraiva, reafirmando a prosaica sinceridade de era detentor.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Por que estamos aqui


Cogitações infinitas preenchem o teto das mil respostas, caçadores faceiros das justificativas existenciais espalhadas nessa Terra varonil que bem poderia indicar melhores condições aos seus habitantes, porém a realidade fria rasga de tintas contraditórias o território do horizonte metálico.

Por maiores sejam as causas, alguém responde pouco ao desafio. No fundo mesmo, as propostas pessoais exigem atitudes que parecem sempre melhores nos sonhos do que nas práticas políticas. Pousam de herói, enquanto guardam intenções pessoais inconfessáveis.

Andar adiante sem, contudo, perder o ânimo de amar aos demais, apesar das farpas jogadas no caminho uns dos outros, o que caracteriza de comum modo torto de tantos humanos vestidos nas butiques e penteados ao vento da mídia interesseira. O cidadão nutre dias doces, outrossim controla caprichos particulares amargos.

Houvesse menos promessa e mais ação, o mundo seria outro, justo e lotado de amigos de todo lado. Gado pastando nas várzeas, pássaros cantando nos fios telefônicos e músicas bonitas rodando nos ares, invés dos trastes vendidos a gosto de segunda mão nas barracas improvisadas de praças assustadas.

Antes tarde do que nunca, dizem as gerações aglomeradas nos rituais indesejáveis do egoísmo, subnutridas e abobalhadas face ao que lhes empurram nos túneis da comunicação de baixo nível, escravos do falso conhecimento.

Alguém responderá ao apelo da esperança, duvida quem adormeceu nas farras e depressões. Há um sentido próprio nos elementos do mundo. Traços de beleza imperarão no verde do campo, a cada manhã da Eternidade, veias abertas de luz, focos de perfeição.

Isso e outros propósitos de convicção nascem do seio das horas incansáveis, na continuação de tudo. O esforço continuado mexerá por dentro das moléculas que nem se veem, máquinas originais antecessoras das máquinas mecânicas adiante construídas e jogadas nessa lama do que resolveram chamar civilização, longe disso, entretanto, negociantes de armas para impor ganância, território de amores esquecidos.

Existirá razão de palmilhar as vias da transformação, flores perfumadas no amor, fortes padroeiras de valores renovados em almas transparentes além, pois, desses instintos que precisam dizer a que vieram e movimentar o coração feliz das gentes alegres. 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A jaula dos macacos (coisas da internet)


Cientistas resolveram realizar uma experiência com cinco macacos em jaula que, ao centro, dispunha de cacho de bananas no alto de uma longa escada. Sempre que qualquer dos macacos subia para buscar as bananas, era disparado jato de água fria que acertava em cheio os símios que embaixo permaneciam a observar o aventureiro na escada.

Depois de algum tempo, ao menor gesto dos macacos de querer usar a escada, seus companheiros de grupo corriam a impedi-lo, utilizando isso para aplicar brutal pancadaria no símio.

Algum tempo, e nenhum dos bichos queria mais se aproximar da escada, ainda que desejasse comer das bananas que, lá no alto, continuavam inteiras.

Daí, os pesquisadores decidiram substituir um a um todos os primatas. O primeiro macaco que chegou, vendo as bananas no alto da jaula correu a subir na escada. Os demais quiseram contê-lo a todo custo e na ação repressora batiam sem piedade, deixando-o moído de pancada.

Após outras sovas, o novo integrante esquecia a escada e as bananas como que por encanto, qual se nunca houvessem existido.

Na sequência, os cientistas substituíram o segundo macaco, que viveu igual reação dos colegas, tendo no comando o primeiro macaco substituto. Era ele quem demonstrava maior entusiasmo na surra que aplicavam no recém chegado.

O terceiro também sendo trocado gerou reação igual. O quarto, também. E, afinal, todos os macacos veteranos já substituídos com a chegada do quinto e derradeiro, nenhum restando da turma inicial.

A essa altura da experiência, havia na jaula um grupo de cinco macacos novos, e que nunca recebera o banho frio dos primeiros. Ainda assim, todos insistiam em prosseguir a bater em qualquer dos bichos que demonstrasse interesse de utilizar a escada para comer as bananas.

Neste ponto da história, cabe propor a seguinte análise: Caso existisse a possibilidade de comunicação racional com esses macacos do segundo grupo, e a eles se perguntasse a razão do comportamento agressivo que virara mania naquela jaula, por certo responderiam que espancavam quem se atrevesse a subir na escada porque as coisas ali sempre ocorreram desse jeito.

Eis a forma de muitos dos comportamentos a que nos submetemos sem antes examinar o motivo e que, na maioria das vezes, nem sabemos a origem das tais atitudes. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

As duas vizinhas


Elas duas moravam às margens dos trilhos abandonados de antiga ferrovia que cruzava os arrabaldes esquecidos, naquele bairro distante, cheio de sobras de lixo e sacos voadores de abandonados ao vento, ou presos no arame das cercas divisórias, entre garranchos das vielas sem calçamento, com água estagnada minando poças nos buracos das trilhas, diversão nua das crianças de bundinhas e buchinhos rajados, bem ao molde dos lugares prediletos de político nas vésperas eleitorais, prato típico da soberba municipal.

Comadres que se respeitem acompanham vidas conjugais, medicamentosas, culinárias, umas da outras, os destemperos dos maridos, festas, viagens, apurados, esperanças, visitas, farras, jogos, o escambau a quatro, afinal. Quintais e cercas de faxina tudo deixam passar fácil, costelas abertas aos dós de peito e fumaça dos fogões de lenha, mais apagados que acesos, semanas iguais no pouco e no raro dos pirões amarelados.

Bom, seguindo viagem, diria que as duas vizinhas mantinham no quintal seus inevitáveis chiqueiros de galinha. Belo dia, desapareceu gorda pedrês de uma delas, prejuízo de abalar o patrimônio já humilde da família. E toca a comadre a procura em todos os recantos.

Horas e dias, e nada... Raposa não andava no trecho. Ladrão pouco atentaria de catar migalha nas botas furadas do recanto. No outro lado da casinhola, só abandono e terreno ermo, vazio...

Restou logo quem, na caixa das desconfianças; a querida amiga de tantas batalhas, que agora resolveria desfeitear e lhe roubar a galinha. Ontem de noite, escutara ruídos esquisitos, parecido coisa de refeição fora de hora, nos quartos pegados da casa vizinha...

E parou receosa, olho na rua, imaginando achar jeito de solucionar a história do sumiço da ave. Aproximava-se a comadre botando água, pescoço molhado, de rodilha e lata na cabeça. A outra, curvada sobre o batente da janela, pensava:

Ela vem do jeitinho de quem roubou minha galinha. Passo pequeno, balanço dos quadris, vexada... Escrito quem rouba galinha.

- Bom dia, comadre! – exclamou. (Com a voz de quem comeu minha galinha - pensou).

- Bom dia, comadre – respondeu.

Surpresa sua, horas depois, inesperada, assanhada, barrenta, a galinha retornou ao quintal, ciscando, faceira, os mesmos monturos, causando naquilo forte agrado à dona, que, feliz, longe repercutiu a notícia: - Achei a penosa fujona!

Reconfortada e calma, quase perto do almoço, de novo recostou-se à janela e olhava na rua por onde descia a comadre, ainda enchendo os potes nos caminhos d’água. Feliz de si para consigo, admirada, reconheceu:

Veja isso, do jeitinho de quem não roubou minha galinha. Passo pequeno, balanço dos quadris, vexada... Escrito de quem não rouba galinha.

- Comadre, dia bom!

Voz de quem não comeu minha galinha...

- Bom dia, comadre. Céu limpo, brisa refrescante, belo dia! – a outra retribuiu.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Libertação pela energia



O Sol brilha no céu à espera dos olhos da Ciência para desenvolver a tecnologia das oportunidades que movem os homens e suas aventuras errantes à borda dos céus, rios e lagos. Energias alternativas abrirão as chances da sociedade aos meios novos de subsistência através do trabalho constante da pesquisa e das realizações empresariais. Vento. Movimento. Velocidade. Harmonia. Portas de revolução verdadeira que libertará países da escravidão e da dependência ao mesmismo que repete frustrações, nas técnicas adotadas hoje em dia. De onde começar, daqui de dentro de si.


A riqueza cresce nas massas humanas através do trabalho constante, pois antigas negociações criaram marcas cruéis na história. Uns acomodaram as forças ao jeito dos que compraram primeiro as cercas e os lotes da necessidade. Ver pequeno e dobrar meios a coisa nenhuma implicam nisso, na dominação de bichos vadios e interesseiros.

A política no sentido clássico de organizar as cidades, das polis gregas, resultou inescrupulosa, onde mandam nos campos de petróleo os falcões, e anulam criatividade, freios no desejo de liberdade coletiva, enquanto a guerra toma de conta dos blocos. O potencial infinito das gerações foi posto numa caixa de ferro jogada no mar profundo. Burros de carga, e só, a multidão desunida e triste.

Liderança qual fator de renovação e sobrevivência das possibilidades sociais. Liderança no real conceito de mostrar coerência no plano da justiça, progresso e paz. Fidelidade aos valores plenos do grupo, sem mala preta. Consolidar as respostas de experiências na história mãe e professora.

Ainda anda devagar a vontade individual do cidadão médio, línguas diversas e pensamentos soltos, fronteiras demarcadas com sangue, suor e lágrimas da concorrência predatória, longe da solidariedade plena, elevação de esperança, direitos coletivos.

Essas energias alternativas da Natureza que a Terra permite sujeitam os seres a práticas contraditórias de aproveitamento dos recursos em uso apenas de grupos menores, que escravizaram a multidão descuidada, isolada nos becos do egoísmo paupérrimo de aspiração superior.

Cada um na sua e o barco a descer na correnteza, embriaguez de causar súplica aos céus, busca de soluções importantes e necessárias. Vento. Movimento. Velocidade. Harmonia.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O chapeado indócil


Em Crato, naquele tempo, os ônibus do Expresso de Luxo, que faziam a linha para Fortaleza, saíam da esquina da Rua Nélson Alencar ao lado da Praça do Cristo Rei, espécie de rodoviária improvisada no centro da cidade, também conhecida por Esquina de Chagas Bezerra.

As malas dos passageiros chegavam trazidas no ombro e na cabeça pelos chapeados, tipos humanos forçudos, peões que também carregavam e descarregavam as bagagens do trem e os vagões da estrada de ferro. Braços musculosos, pescoços atarracados de tanto peso, cachaceiros de marca maior, esses profissionais se organizavam numa espécie de sindicato, para receber assistência coletiva e uma chapa de bronze polido com um número gravado, que fixavam bem na frente de chapéu de maça acolchoado, ficando mais conhecidos por esse número do que pelo próprio nome.

Deles todos o mais famoso deles seria Noventa, figura folclórica pelo jeito ligeiro de andar, falar e contar suas histórias de prenhes de humor fino e malicioso.

Bom, dizíamos, em Crato, naquele tempo, os ônibus do Expresso de Luxo, que faziam a linha para Fortaleza e saíam da esquina da Rua Nélson Alencar ao lado da Praça Francisco Sá, a da Estação Ferroviária... Época quando vieram a Crato Irmã Maria Alice e outras freiras do Silêncio, assim denominadas pela ausência de hábito ostensivo, característica dessa ordem da qual participa minha Tia Vanice.

Vieram em visita de poucos dias, conheceram Crato, Juazeiro de Norte e lugares típicos da Região, e nessa noite retornavam para Fortaleza, daí seguindo a Recife, casa de onde provinham e residiam.

O chapeado que transportava a bagagem da freira e das suas acompanhantes, a seu turno, não parecia viver noite das mais felizes quando chegou superlotado de malas e sacos, despejando-os sobre a passarela de embarque. Exasperado, resmungão, grosseiro, ele falava alto, chamava nome feio, respondia ríspido aos que lhe falavam, esbravejava com tudo e todos, bruto de causar espanto, coiceando até o vento.

Apreensiva, Vanice, uma das anfitriãs, meio sem jeito, observou instante em que a Madre aproximou-se do chapeado agressivo, chamando-o fora do movimento e dizendo-lhe baixinho algumas palavras próximas aos ouvidos. Depois daquilo, a calma dominou o recinto aonde circulava boa quantidade de gente, passageiros e familiares, na hora da despedida. O homem terminou de cumprir sua função, recebeu o pagamento, e viajaram em paz.

Porém Tia Vanice guardou o gesto que modificou o astral do chapeado. Lembrou ainda por longo tempo da cena, força persuasiva da religiosa e sua atitude tranquilizadora.

Passados cinco anos, ou mais um pouco, achava-se em Salvador, durante bela festa de homenagem à Irmã Maria Alice, que inteirava meio século de serviços prestados, conquista marcante em prol da educação, da solidariedade... Ótima ocasião de recordar o poder de convencimento da feira na estação de passageiros de Crato... Indagação que alimentara tanto tempo.

Sem contar conversar, na primeira chance, chamou de lado a homenageada e perguntou-lhe o transmitira de conselho ao chapeado, o que causara efeito mágico de mudar o seu humor, arrefecer-lhe os impulsos, pondo-o de volta à passividade.

Sem maiores esforços, a freira lembrou com detalhes o episódio, inclusive o que dissera:

- Não falei coisa muito especial. O que fiz foi só mostrar a ele que sua braguilha estava desabotoada. Daí, ele se afastou um pouco, recompôs o traje e continuou a trabalhar como se nada houvesse acontecido. Apenas isso.

Comodismo afetivo


Este turno da história humana permite algumas avaliações diante do jeito das pessoas se relacionarem umas com as outras. Se não, vejamos. Primeiro, na parte interna, psicológica, região aonde, muitas vezes, nem mesmo o dono sabe direito como andam as coisas. Território de alta velocidade das informações, entrechoque de pensamentos e sentimentos, torna-se difícil elaborar conclusões seguras quanto à identificação dos conflitos envolvidos. Assim, no império da dúvida, o sujeito escuta vozes discordantes e tiroteio cerrado de seus interesses e o dos interesses da grande multidão lá de fora.

Segundo, é que ninguém ver, de todo, limpas as estruturas em volta, formadas pela cultura e pelos costumes do povo. Só em raras ocasiões o contexto apresenta clareza meridiana, quando se quer alimentar sentimentos puros em relação aos outros, na jornada desta vida.

Talvez por isso aflorem tantas dificuldades afetivas, constantes aborrecidas na existência dos casais. Quer-se amar e pesos e cacarecos atrapalham o meio de campo, em forma de caprichos, vaidade, ciúme, mágoas, vinganças, raivas e rancores, fatores de desestímulo do amor a dois. Os passos andaram firmes até chegar na próxima parada, coisa comum pelos corredores da solidão, imortalizados no cancioneiro popular. Noutras palavras, quase inexiste a perfeita harmonia, quando considerados os índices estatísticos dos choques no roçado conjugal, por exemplo.

Uma história conhecida bem pode ilustrar esse velho sonho do parceiro ideal na busca da realização plena do jogo amoroso. Nela, um amigo encontra outro e pergunta se este achara a mulher ideal que tanto queira no passado, após décadas de longas aventuras sentimentais. E a resposta saiu de um modo o mais desencantado: Ah, sim, certa vez achei em lugar distante daqui. Houve, no entanto, detalhe essencial com o qual jamais contaria. Ela também vivia à procura do homem ideal, o qual, no caso, não coincidiu que fosse eu a quem procurava. Uma pena, e largo tempo jogado na lata do lixo.

Repetidas situações mostram pessoas caçando a miúdo alguém que pretende para doar o coração. Enquanto, em práticas idênticas, existem pessoas que trabalham no intuito de antes resolver a equação existencial, porém também caçando aqueles que venham prontos a lhes receber os corações.

Produto disso, na base da maioria das ocorrências, indica cego puxando aleijado, na jornada rotineira dos dramas particulares, tão decantados em prosa e verso, matéria prima das angústias e lágrimas dolorosas de notícias tristes.

Em resumo, a disposição de lutar pelo parceiro correto representa o sonho dos seres humanos, de nos tornarmos a reforma que a gente quer para o mundo. A felicidade virá, com certeza, do íntimo, invés de transportada às costas alheias por nossa acomodação e ausência de cuidados, ou irresponsabilidade. E que contribuamos por meio de ações úteis junto às leis inevitáveis da Natureza fraterna.           

Chips em humanos


Há tempos, circulou nos meios de comunicação notícia de que a empresa Applied Digital Solutions processou a IBM por suposta tentativa dela se apoderar dos direitos sobre o Verichip, um microprocessador que pode ser implantado sob a pele humana e ser lido por um sensor externo.

A ADS, que pediu um empréstimo de US$ 77 milhões à IBM, alega que a gigante está usando essa situação para controlar uma subsidiária que detém propriedade intelectual sobre o Verichip, esse dispositivo que é a garantia do empréstimo da IBM.

O instrumento será usado em aplicações de segurança e identificação de emergência, por exemplo. Autoridades dos Estados Unidos afirmaram que a empresa não poderá vender o produto para uso médico, porque ainda precisa ser testado.

A companhia afirmou também que a IBM tentou impedir que a ADS recebesse financiamentos de outras fontes, o que permitiria que honrasse os pagamentos, segundo consta do processo.

O presidente da ADS, Scott Silverman, disse que a companhia pediu reparação de danos por ter a obrigação sobre os bens da companhia dos acionistas.Tais mobilizações demonstram o quanto avançam as pesquisas com tecnologia do controle individual, em que pessoas ficam sujeitas ao acompanhamento das máquinas quais coisas, em detrimento da liberdade humana.

Não se sabe agora a quem interessam ditos artefatos, quando mais os países ricos trabalham no alcance imediato para evitar o assedio das forças selvagens de populações marginalizadas, as quais reagem de modo imprevisível o andamento dos acontecimentos, semelhante a ocorrências de 11 de setembro e outras ações clandestinas.

A nação americana já restringe ao máximo admissão de visitantes ao seu território, sob o argumento de se defender de agressores potenciais, preocupação criada nos países ricos, efeito da ordem econômica mundial.

Por isso, as pesquisas inovadoras da IBM e suas subsidiárias parecem ganhar corpo e invadem dimensões judiciais através dessas reclamações no setor do controle social, com tais chips implantados sob a pele dos humanos.Em consequência do avanço virtual, as barras do futuro ultrapassam raias da imaginação e penetram mistérios do inimaginável.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Nomes, animais e lembranças


Quando criança, na fazenda do meu avô, algo me chamava a atenção, o jeito com que denominavam as reses do curral. Mimosa, Listrada, Xanduzinha, Caititu, Sabonete, Rosada, Padrão, Supimpa, Corró, Mandão, Traquina, Sobejo, Desmantelo, Mãe de Leite, apelidos que grudavam nos bichos, passavam de mão em mão e que logo se espalhavam até nas vizinhanças.

Landuá, Desconfiado, Fujão, Guaxinim, Rosita, Qualhada, Sabiá, Estrela, Chuviscada, Carne e Osso, às vezes tendo como base alguma característica física do animal, comportamento, malhas no couro, tudo numa lírica produzida no decorrer do tempo, na história do rebanho e das pessoas em volta. Outras vezes, fruto dos acontecimentos laterais do sítio, ou de aspectos só ocasionais, qual na política quando disputaram o governo do Estado os líderes Virgílio Távora e Parsifal Barroso, razão suficiente a nomearem dois touros, que competiam no meio das manadas, de Virgílio e Parsifal, os quais, na minha imaginação, pareciam em tudo por tudo com os respectivos candidatos da peleja governamental.

Bom, isso que falei do gado bovino chegava mais longe, ia aos burros de cambitar cana para o engenho e aos cavalos estradeiros de campear o gado. No chiqueiro das ovelhas, não raro exemplares que se destacavam também recebiam apelidos que encaixavam feito luva, na poesia dos caboclos sempre cheios de humor natural e satisfação em pronunciar ou referir a qualquer dos viventes da bagaceira, naquele universo típico do sertão.

Teimoso, Lavandeira, Lenço, Sariema, Atoleiro, Confusão, Suru, Preguiçoso, Socó, outros nomes dos bois do bagaço, a puxarem os restos da cana moída em cima de couros, tangidos pelos caboclos. Recordo com facilidade cavalo de meu Tio Jorge, animal bonito, todo preto, ligeiro que nem uma piaba, consagrado sob o título de Segredo, e que corria sem demora atrás das reses fujonas, parecido com o título do próprio nome.

No seu poema Os engenhos da minha terra, o poeta pernambucano Ascenso Ferreira cita os lugares da infância, correspondentes ao costume de que falo ligado à denominação do gado, quando diz: Dos engenhos da minha terra só os nomes fazem lembrar, Esperança, Estrela Dalva, Flor do Bosque e Bom Mirar.

Assim, vale considerar também nomes urbanos, os de nossos animais domésticos, tanto ligados às famílias que mais parecem originados na tradição das pessoas. Desde os primeiros momentos na cidade que presencio isso, Blecaute, Dog, Raf, Bob, Bela, Cinzento, Hulk, Duba e Feiurinha, sequência das várias épocas retidas na memória através desses irracionais que moram perto de gente e permanecem firmes nas lembranças, assinalando fases e circunstâncias, controlando a velocidade desse fluir constantes das gerações e dos dias.  

domingo, 13 de janeiro de 2013

Um eu eletrônico


Esse o eu da atualidade, aonde é vira a página e ver o quanto os displays passam a dominar olhos e cabeças numa velocidade estonteante; ameninada que o diga. Isso em tempo real quando ruas se enchem de automóveis largos, reluzentes, espaçosos, apertando pessoas de encontro aos muros, farra descomunal de tecnologia vendida a preços de liquidação em massa. Quisera, por isso, conversar pouco, falar às populações urbanas dos enganos em que tornaram  promessas da luz do fim dos túneis, agora revertida na sede insaciável dos jogos de reflexo, bocas adoçadas nos pastos obstinados de fastfoods.

A solidão prisional dos apartamentos pede, pois, telas de led a fim de suprir necessidade urgente do conforto afetivo das metrópoles cinzentas. Qualquer instrumento serviria, computador, vídeo game, ou televisão; celulares, ipads, iphones, tablets; contanto que acalmasse a ânsia dos corações extasiados de saudade naquilo que desconhecem e procuram famintos, nas estações oferecidas a cartões, via online, ou boletos bancários.

Perdições de gabinetes estranhos, moradas de pressentimentos vagos, flores molhadas nas lágrimas sonorizadas a soluços. Naves intergaláticas cruzam os céus por meio dos paredões de som que avançam mecânicas madrugadas regadas a álcool, presas nas artérias fisiológicas dos fones de ouvido em alfabetos ligados em antenas distantes de outros cérebros dependentes. Contatos matemáticos das ondas em curvas no espaço sideral das consciências atormentam esse mundo global silenciado pela aceleração das indústrias da consciência.

Deixaram, assim, de observar nuvens no nascente e voltam baterias de esperança aos oráculos das máquinas, busca de arautos na direção dos foguetes ancorados nos mercados estrangeiros. De hora a outra, o que era possibilidade resultou na febre dos equipamentos de raios. Profecias falaram do avassalamento dos tais chips de dominação e as mentes já admitem fossem meros temores noturnos...

Mergulhados em si, os cavaleiros andantes da reconstrução nacional dessa humanidade dividem o âmago do cérebro aos circuitos das novas comunicações, certos de que ninguém responderá os questionários da fuga em série do Planeta azul.       

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Cabo Morais


A história que vou contar se deu em Crato nos anos 50 do século que passou, tornando-se de domínio público e talvez ainda viva na memória dos cratenses.

Havia destacado no efetivo policial da cidade, um praça conhecido de nome Morais, Cabo Morais, a quem o povo respeitava mais pelo uniforme que envergava do que pela valentia, vez não ser essa a maior das suas virtudes. Nas lides da crônica violenta, agia de modo conciliador, pouco afeito, diga-se, ao ofício truculento das armas da época.

Lá num dia de segunda-feira, data em que a cidade fervia no movimento de sua feira tradicional, a fama que faz o homem deitar na cama achou de pregar uma peça no militar, o permanente daquela ocasião.

Seus companheiros de guarda haviam saído noutras diligências. Por demais cioso da obrigação, às pressas, o cabo, sozinho e desarmado, resolveu coibir arruaça formada para as bandas do Seminário. 

Viatura, nem pensar. Raríssimos automóveis existiam. A pé, subiu as encostas do morro a fim de cumprir o dever. 

Chegou na rua de chão batido onde meliante embriagado a tudo revirava. Analisou o escore, tomou fôlego, da fraqueza fez a força, e falou alto, dando ao homem voz de prisão, de pronto obedecido sem maiores relutâncias. Ficava daí a impressão de lidar com pessoa de baixa periculosidade, à vista da maneira como o contraventor arrefecera ânimos diante da autoridade constituída.
Na seqüência, desceram os dois a Ladeira da Matança, rumo ao centro, aonde, numa das esquinas da Praça da Sé, funcionava a Delegacia de Polícia, junto da Cadeia Pública.

Coisas transcorriam da melhor espécie, naquele fim de tarde. Os feirantes recolhiam as derradeiras barracas e guardavam instrumentos de trabalho e sobras de mercadorias.

Nu da cintura para cima, à frente, ia o prisioneiro, seguido de perto pelo Cabo Morais. Cena regular, subiam a rua Dr. João Pessoa se aproximaram da Praça Siqueira Campos, momento em que alguns populares, reunidos em torno dos bancos do tradicional logradouro, notaram aquela prisão realizada pelo militar conhecido. Nisso, algum deles, moleque, não se conteve e gritou:

- Levando esse, hein, Morais?

Ao ouvir o chiste, qual alertado por senha desde antes combinada, o preso reteve a passo, virou-se admirado a observar o policial que próximo lhe acompanhava e perguntou:

- O senhor é que é o Cabo Morais?

- Sim, sou eu mesmo – num tom grave respondeu o militar.

O preso, recolhendo os quatro dedos laterais da mão direita, deixando saliente tão só o do meio e maior de todos, bateu as costas dessa mão na palma aberta da mão outra, no estalo característico daquilo que convencionaram chamar de cotoco, e disse:

- Pois aqui que eu vou preso! 

Ato contínuo, o Cabo Morais, sem perder a reconhecida serenidade, armando-se de atitude semelhante, retribuiu o gesto sonoro:

- Pois aqui que eu te levo! – largando ali a difícil missão.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O anjo libertador


Clima de extrema repressão dominara a Palestina após o sacrifício de Jesus. Com isso, narra capítulo 12 de Atos dos Apóstolos, um episódio marcante na vida de São Pedro, dessa época encarniçada, quando os primeiros cristãos padeceriam dores cruéis a mando de Herodes, filho do outro Herodes que perseguira o Mestre nos primeiros tempos da sua presença na Terra.

Após haver morto Tiago, este irmão de João, Herodes se voltara contra Pedro, mantendo-o no cárcere para quando viesse a Páscoa; então, o apresentaria ao povo, na intenção de barganhar sua confiança.

Grupos de quatro soldados se revezavam na vigilância ao apóstolo, mantido a ferros em cárcere de estrita segurança. Enquanto na igreja primitiva, sob o império do medo, os seguidores de Jesus se revezam, pedindo a Deus pelo prisioneiro.

Na noite de sua apresentação à turba, como prevista pelo monarca, acorrentado, no meio de dois dos soldados que lhe montavam guarda, dormia Pedro. À porta, as outras duas sentinelas reforçavam a prisão.

No meio de luminosidade intensa, adentrou o recinto escuro da cela um anjo, emissário da glória divina, e, silencioso, se aproximou de Pedro e lhe tocar o corpo a dizer:

- Ergue-te! Vamos embora! Recompõe as vestes, que agora sairemos deste lugar.

Surpreso, livre das cadeias que caíram ao solo, o apóstolo atendeu às providências solicitadas, buscando obedecer ao inesperado visitante.

O episodio bíblico ainda registra que Pedro seguiu mesmo sem compreender que era real o que se fazia por intermédio de um anjo, julgando que era uma visão.

Juntos, passaram pelas duas sentinelas que guarneciam a masmorra, cuja porta se abriu qual em passe mágico, sem precisar de ninguém nela tocar.

Seguiram para logo se verem no lado de fora, à luz fosca das ruas desertas da cidade.

Sob o impacto da ocorrência, Pedro apenas se deu conta de ver o anjo a deixá-lo e sair noutra direção.

Assustando com tamanho prodígio, falando de si para consigo reconheceu a providencial circunstância de sair inteiro das garras do perverso soberano em vista do poder inigualável do Senhor.

Em mais alguns instantes, parado à sombra das casas, considerou o melhor jeito de se livrar dos adversários. Lembrou a casa de Maria onde os irmãos de fé tantas vezes se congregavam, ali guiando os passos. Ao chegar e chamar no portão causou espanto inavaliável.  

Conta o livro que, aos primeiros raios do amanhecer, pânico descomunal se estabeleceu entre os guardas tomados de pânico, temerosos da reação que o desaparecimento do prisioneiro ocasionaria. Interpelados e não justificando a fuga, foram de imediato seriam executados.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

As coleções


Desde criança que alimentei a disposição para colecionar alguma coisa, talvez por influência de amigos, parentes, mas lembro dessa tendência de reunir e guardar, com especial apego, flâmulas, chaveiros, caixas de fósforo de propaganda, selos, quadros de fita de cinema, as estampas do sabonete Eucalol, postais, até chegar nos livros e discos, manias atuais e persistentes.

Imagino mesmo que por essa fase passaram muitos de minha geração; passaram ou nela permaneceram, chego a admitir.

As primeiras coleções eu guardava escondidas debaixo de sete capas, na cômoda em que também guardava minhas roupas; elas representavam algo secreto, tesouro precioso de acesso só individual. Esperava sempre, quais acontecimentos felizes, a surpresa de novas aquisições, que, de raro em raro, apareciam através de um amigo, um primo, de perto ou de longe.

Os quadros de fita de cinema mexeram forte na minha imaginação, pois significavam relíquias valiosas do que ocorria dentro das salas de projeção, retratos de atores e cenas. Em Crato, nesse tempo da primeira metade da década de 60, existiam outras pessoas que se dedicavam a reunir os pedaços de celulose dos filmes que sobravam das quebras das fitas, nos cinemas que existiam (Cassino, Moderno e Educadora). Deles, lembro de Temóteo Bezerra e Chico do Moderno, que possuíam os melhores acervos desses quadradinhos de filmes famosos, os mais caros e procurados. 

O ímpeto colecionativo cresceu de intensidade quando descobri os selos, peças coloridas, viajadas nas cartas, que traziam o magnetismo de outros e distantes lugares, diferentes, misteriosos. Esse apego cresceu quando conheci os selos estrangeiros, dos quais formei coleção de quase mil exemplares, todos carimbados, sem mancha ou defeito. Estrangeiros, porque assim acrescentavam a certeza de virem de terras longínquas, noutras línguas.

Demorava horas e horas a mergulhá-los em água limpa para lavar; depois os repousando entre as páginas dos dicionários para secar, quais fossem vivos, num verdadeiro ritual que justificava o sonho das coleções.

Somei o gosto pelos selos ao das estampas de Eucalol, do tamanho dos sabonetes que vinham nas caixas de três unidades. Minha mãe fazia a feira semanal em uma mercearia pertencente a seu José Honor, na Rua Santos Dumont. Ia com ela, e éramos atendidos por José Primo, que lá adiante viria ser meu colega de banco. Primo conseguia dos outros fregueses as estampas que eu colecionava com possessivo.

Também formei um álbum de figurinhas de países, trajes típicos e bandeiras, tudo isso no prosseguimento das coleções, querendo aprofundar o conhecimento sobre povos.

Certo dia, abusei da amizade aos selos, quando comecei a namorar, aos treze, quatorze anos. Notei que viraram concorrentes das horas que rarearam no meio das obrigações da escola e das namoradas, porquanto pediam atenções próprias. Numa atitude radical, permutei a coleção por apenas um único vidro de perfume, investimento imprescindível às conquistas amorosas. Décadas, e os selos estrangeiros a mim retornariam, vindos de amigos de outros países, porém escolhi passá-los a meus filhos, querendo com isso despertar neles a paixão pelas coleções, o que me colhera logo na infância.

domingo, 6 de janeiro de 2013

O Pai Superior


Quis Deus que aqui nos encontrássemos para falar nEle, pois a isto nos propomos, nestas palavras, falar em Deus.

Supremo poder o de Deus, donde emana tudo o que existe. Merece muitos nomes: Senhor, Jeová, Javé, Aton, Amor, Allah, Altíssimo, God, Gött, Tao, Tupã. Cada povo sabe dizê-Lo, entre dores e esperanças.

As religiões terminam sempre junto dEle, sob o nome que O quiserem chamar. Até aqueles que não admitem a Humildade, os cientistas materialistas, dão de cara com um nível de raciocínio que não pode ser dito e chamam-no de Desconhecido ou Força da Natureza.

Dedicado ao Deus Desconhecido, encontrou Paulo de Tarso um altar na Grécia politeísta.

A voz do coração, onde reside a Consciência, fala de Deus. O Caminho da Perfeição abre-se a cada passo, adotemos ou não percorrê-lo. Tudo marcha, sem questão, inexorável, a um fim útil.

O sorriso da criança, o ar que se respira, a paz dos ermos, os azul do infinito, a luz dos astros, as flores, os frutos, as sementes, o verde, o mar, os rios, lagos, as montanhas, a chuva, o vento, o fogo, a água, a palavra, a compreensão, a família, a amizade verdadeira, tudo fala da obra divina.
Certeza aos perdidos, saúde aos enfermos, alegria aos infelizes, hálito aos aflitos, nunca há de faltar, porque Deus nunca findará, em sua plenitude eterna.

Mesmo aqueles que não tiveram aceso à letrada cultura guardam a convicção desse Alguém Maior, além do que admitam os homens, herdeiros universais na Criação, tantas vezes ingratos.

De Bondade sem limites, como não têm limites sua Inteligência e sua Justiça, devemos recebê-Lo com fervor no âmago do Ser, para alcançarmos a Fé, matéria-prima da tão almejada Felicidade.

E o Poder completar-se-á em cada um de nós, a realização plena de nosso Espírito, irmão entre Irmãos, no Planeta em que nos foi dado viver durante algumas décadas. A graça e a bondade hão de acompanhar-me todos os dias da minha vida.

A oração será a ponte de que o pensamento se utilizará para transpor o abismo e completar, com Ele, a União. Falemos, pois, sinceros aos Seus ouvidos oniscientes, para alimentar os sonhos do que é bom, merecendo o bem querer de abraçá-Lo, na Vitória Definitiva.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Uma data de menos


Neste dia e ainda pisasse esse chão, meu pai hoje interaria 91 anos, o que deixou de acontecer, pois fez a passagem para outra vida há dois meses, largando cá fora o movimento da rotina nacional repartido entre os que visíveis permaneceram no batente. Espécie de ausência esvaziada preenche o intervalo que ele deixou onde objetos dizem da existência que levara, lugares onde andara, trabalhara, festejara, observara continuadamente em volta dos pontos que ilustrou, de pai, irmão, filho; contador voraz das histórias que escutou, leu, presenciou. Marcado de poderosa experiência, transmitiu e guardou consigo uma parte delas, porém, as nuvens de pensamentos lhe variam as vastidões da alma, que, por cento, calou para contar só depois (e pergunto, quando? E a quem?).

As pessoas representam esse projeto fabuloso de eternidades que carregam pelas estradas através do momento. Contradições ambulantes das flutuações necessárias são fiéis inarredáveis dos propósitos mais verdadeiros de cumprir metas vigorosas, austeras, efetivas. Noutras, contudo, mordazes aventureiros das dúvidas teimosas, levam na bagagem o de tão pouco que pretenderam construir, entregues a mãos débeis que ficaram aqui abismadas na distância, na saudade, aprendizes da solidão silenciosa dos céus impassíveis.

Quer-se duvidar dos tais elementos transcendentais, que longe dizem das provas guardadas nas tradições. Buscar avaliações precipitadas na indiferença, saltar de lado e oferecer a esperança de resposta. Chegam calados os acordes de vultos vaporosos, pois, às vezes, penso que já escrevi o suficiente. Quando, nessa hora, pergunta estridente desce as escadas carregando papéis e papéis abraçados no peito, quais mapas de lugares inexistentes, e larga na minha cara o vozeirão rouco de quem jamais quis saber do limite das variáveis estradas vazias, e a pergunta estridente desembucha: - Suficiente pra quê? Pra quê, hein?!

Escrever nunca será o suficiente de nada, pra nada, justo agora que o teto das ideias vem abaixo e reclama nexo às palavras abandonadas no lixo das conjunturas, diante da imprudência de sentido das massas falidas. Ninguém explica o inexplicável.

Essas fatias de pensamentos ocupam o espaço dos desertos, restos de dúvidas e princípios de todas as certezas valentes da manhã em que choveu as primeiras chuvas do ano que principiou anteontem. Falar ou calar, nenhuma diferença faz, se é que há diferenças a fazer.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Indiferença


O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença. Érico Veríssimo

Ali perante o derradeiro dia do ano, em plena Rua Senador Pompeu, área movimentada do comércio, na segunda-feira 31. Deitado, descontraído, traído da sorte, senhor dormia a sono solto. Senhor da terceira idade, nome conquistado nas tradições culturais recentes. Tez morena fechada, barba longa branca amarelecida no tempo, cabelos da mesma cor e porte digno repousava carnes e ossos. Enquanto nós as pessoas da atualidade seguíamos, ligadas nos afazeres, nas atividades corriqueiras, inadiáveis, intermináveis do tempo.
E ele no seu canto das dez às onze da manhã radiante, adormecido, trajes rotos, chinela tosca nos pés, quadro sereno de quem dorme todas as necessidades dos anos sucessivos que cruzou na indigência, pose solene dos que ensinam a ser humano. Fruto das gerações nacionais, peça descartável jamais utilizada na máquina infalível do sistema, virara sucata ainda no original daquela gente abandonado à vaidade dos irmãos da raça, no distante planeta na Via Láctea sombria, às vésperas do Ano Novo.

Olhei, sim, olhei meio assustado, pois contara da cena qual acontecimento corriqueiro, raiava às bordas da normalidade, vez que aceitamos bem violências assim todo momento. No entanto, por dentro, nas áreas desconfortáveis da consciência algo reclamou forte do jeito espontâneo de vermos tais retratos que refletem a humanidade atirada na nossa cara a vista descoberta.

Quantos e tantos momentos semelhantes repetem velhas fórmulas da imprudência social que viraram ocorrências vulgares com tamanha facilidade que quase zeramos o direito de nos abismar perante os dramas coletivos. Indivíduos que padecem que sejam outros que padeçam, porquanto desgraça de muitos, consolo é... Dizer popular.

Porém aquele instantâneo demonstra a institucionalização da inconsciência geral dos séculos perdidos, resultante dos milhões de discursos demagógicos ditos a massas impotentes, mostrados a céu aberto na plena hora festiva das comunidades animadas no lucro.

Consigo e só, aquele cidadão silencioso adormecia também, calado, inútil, vidas inteiras de apatia, desamor, inércia, displicência que se acumularam nas ruas, nos becos, nas sarjetas, praças, anonimato da impassibilidade, sinal de abandono e egoísmo público.

Testemunho do quanto ainda existe de estradas pela frente, na história dos catadores de sonhos, grito monumental rasgara os céus nesse início de jornada da Terra em torno do Sol para mais outro período nos calendários da Eternidade.