domingo, 30 de abril de 2023

Noites de lua cheia


Passar o tempo neste apartamento de livros, quadros e fotografias me deixa precisando de repouso. Os discos, bons companheiros antigos, se transformaram em trecos repetitivos, lineares e aborrecidos.

- Vida de cidade grande. CIDADE GRANDE -, argumentos anêmicos. Razões do passado, quando plástico era elemento curioso, como espelhos e fitas coloridas dos portugueses aos índios.

Hoje, tudo ficou diferente, perdido que está o sonho da combinação artificial das cores. Aquilo de se ser um pouco de humano - de necessitar da natureza - não mais pode ter compensação nas noitadas em frente aos vídeos, jogos de futebol e cinema. Quer-se viver de verdade. Viver de verdade (engraçado, não fosse trágico). Hora de decisão. Onde sobra querer demorar um pouco mais.

É noite de lua cheia. (- Mas hoje não é quarto crescente?).

Pouco importa a lua. Vivemos o expediente. Quinze para as quatro, esquina da Piedade amanhã. Viver. Vegetar. Utopia em antítese. O retorno, a síntese.

As mariposas nunca mais procuraram a luz. Luz artificial industrial. Noites de cidade. As noites de apartamento. Ausência de vida pelo ar. Um cheiro de incenso envelhecido, de mofo. Vidas artificiosas nos jornais, nas revistas. Sonhos andam escassos, esgotados pelos desanos (anos de desenganos). Ausência completa de neologismo. Um mundo de silogismo e sofismas. Saudades amarelecidas, nos varais em volta.

Como dizem os que quebraram a cara: - Do erro, a recuperação.

De uma falha burocrática de antes, a máquina tomou o lugar do Homem, dono do Planeta, na ordem natural das coisas. Alguns sacrificaram todos. Cidades em volta das fábricas. Cidades em tudo. Monstros de ferro e fogo. A própria brutalidade envidraçada.

Assim, muitos anos. Assim, em volta espiralada. Sofisticação universal de centros cercados de substâncias apodrecidas. Noites de floresta. O mundo fantasioso dos ancestrais. As histórias de Bradbury. Vida marciana. A beleza em tudo. O amor. A consciência. A justiça. A igualdade. O sonho. A liberdade. A vida. O trabalho. A honestidade. O equilíbrio. O frio. O quente. O açúcar. O sal. O som. As flores. As árvores. A criação. Deus.

A Coca-Cola gorou. A raça se levanta devagar. Levagar. O ovo. O novo. Tempo transcorrendo no vento e uma sensação de calor. Uns descem, outros sobem a Avenida Sete, às 9h de um sábado de primavera, no fervor do comércio. O Sol. A procura do não se sabe o quê. Do não se sabe onde. Preço químico dos acrílicos bocejantes nas encostas dos morros. O rapa expulsou os hippies. Salvador do turismo, como meretriz sorridente, segue pras bandas da Praça da Sé - pela Rua Chile. Cheiro baiano de África, de Continente Negro. A manhã - a manha... amores de dendê - de onda do mar - de areia branca - das madrugadas de Itapuã - de sabor de sal na pele o dia todo.

Uma noite a mais pela frente. A lua crescendo. Os discos nem sempre silenciam. Mesmo porque (de que adiantaria?)... os carros cobririam o silêncio. Apartamento é como caixa de som, tem vibração, tem tudo.

 (Escrito em 28.10.1976).

sábado, 29 de abril de 2023

Mero ser em formação


Assusta por demais, ou de menos, o quanto distante de ser consciente é esse animal em formação. Junto de si milhares, milhões de pequenas surpresas que ele mesmo arrecada dias afora, em não levar em conta que nem de longe imagina aonde chegar com tudo. Ser desgarrado no limbo das nuvens que passam ligeiras diante dos sóis dos dias, e não avalia quais meios pudessem levá-lo a superar os surtos epidêmicos que tem de atravessar em toda geração. Este exótico filho das circunstâncias tende, no entanto, a sumir face aos movimentos que ele mesmo perfaz durante as horas sobre as quais marca o trilho da impossibilidade que o destrói. Hum, quem diria?, e vive à solta no vento das tardes mornas deste verão.

Assim seria qual fosse começar a contar dessa história fugidia que traça nos artefatos nucleares que produz a toda velocidade, no sentido de responder à própria sina do imprevisível que transportar no corpo na forma de constante desaparecimento. Frente a frente do destino das massas ignaras, reduz o fardo da fome dos seus em detrimento de tantos que somem anônimos nos braços do mistério que eles mesmos traçaram doutras vidas, quem pudesse, diria. As chamas das velhas ilusões que lhes nutrem as presas, cercam de fantasia o desejo insano de prazer sem conta.

Pudessem narrar outras ocasiões de bonança, outrossim forçariam a barra dos céus com seus filmes esquisitos, cheios de pequenos detalhes, porém dotados de pouco ou quase nenhum sentimento que prevaleça depois de tudo. Vorazes feras de longa data, mergulham na lama do que planta e colhe, procedimento esquisito dos que padecem da fome de perecer durante os roteiros turísticos que vivem nas ficções que produzem. Amarram na embriaguez dessas noites insones apenas feitos de ausências, a enganar tais seja ao próprio julgamento do que virá, sem dúvida, na autocrítica do Infinito que aguarda calmo e sereno.

(Ilustração: O julgamento final, de Hieronymus Bosch).

quinta-feira, 27 de abril de 2023

A religiosidade natural


Seres que somos à procura de nós mesmos através de tudo quanto dispomos a todo o momento. Animais soltos na floresta dos instintos, pisamos as folhas secas das gerações e do rastro ali persistente juntamos os elementos da formação dos caminhos. Alimentamos de frutos, insetos e lagartos, sustentando o desejo fervoroso de encontrar o troféu da libertação a qualquer custo, apesar das perdições que se sucedem. Reunimos fragmentos de falas, testemunhos largados ao léu, colhemos belas flores, arrumamos o fardo de levar de volta o infinito dos mistérios que trazemos em nós. Assim o somos, uns quase nada, porém dotados desse poder da consciência que vigia nossos passos pelas jornadas reinante das revelações.

Isto, resquícios da sorte à procura de nós mesmos. Todos possuímos a certeza de estar aqui, de, no mínimo, respirar, de constituir um ser. Guardamos conosco essa convicção plena de dalgum jeito, Nisto as condições inolvidáveis dos tantos existires no decorrer da Eternidade sempre presente. Daí a cada um haver em si uma memória viva, persistente e individual. Dela constituímos o que ora divisamos na escuridão da noite em fermentação. Elaboramos nossas epopeias e virtudes à medida do tempo. Vêm crenças, homilias, tratados, litanias, enfim a herança dos astros que passaram e deixaram suas marcas profundas nas manhãs de sol e arrastaram as multidões desordenadas também a braços com os anseios plenos de felicidade em germinação.

Essa vontade bizarra de interpretar a vida, motivo de estar, de existir, continuar, sumir, forma bem o que seja esse passado inesquecível dos mestres, santos, taumaturgos, autores e produtores do ideário dos seres em queda livre. Nem de longe alguns aceitariam só vir e desaparecer. Quer-se, grosso modo, interpretar os sonhos, arrecadar princípios, defender teses, construir monumentos e deixar pelas estradas algo que jamais despareça, sirva de razão de ter paz no coração das gentes. Nisso há heroísmo claro e por demais latente nestas humanas criaturas, de não apenas transcorrer na história sem alimentar vestígios do quanto de bom houve de viver neste chão das almas e sirva de transe aos que chegam em seguida.

(Ilustração: Ao deus desconhecido (bibliotecabiblica.blogspot.com)

Castelos de cartas


Quando senti a vontade insistente de reunir no texto o que significasse os sentimentos, nisso vieram as primeiras pretensões de sustentar o pensamento, juntar palavras e dizer dessa dimensão interna que somos. Visões, voos de aves assustadas, rastros de estrelas no céu da consciência, sobras do banquete das gerações. Qual assim, tem outro jeito não senão dizer, contar dos destinos em movimento nesta hora, luzes que acendem e apagam lá longe no Infinito de que lemos tão só mínimos fragmentos dispersos. Isso, essa mania esdrúxula, persiste ainda hoje. Telas vazias do passado que voltam arrevesadas, espécie de requentados de tramas e mergulhos pelos mares da existência. De tal modo vêm os textos e querem falar dos lances doutras histórias, do que se leu, se viu e permanece largado nos lixões da gente mesma, bem isso que transportam os caminhões da limpeza, deixando pitadas de otimismo, coragem, desejos e cicatrizes.

A gente abandona os tais procedimentos no miolo das páginas, as quais ganham vida própria e também desaparecem, barcos de papel em manhãs de chuva pelas sarjetas deste mundo disforme. Nem de longe a pura contrição de revelar qualquer motivo além do susto de se perder nas florestas esquecidas, escuras, vazias. Um gesto a mais na circulação das ruas de cidades apenas fantasmas em vias do desaparecimento inevitável.

Bom, numa ação orquestrada desconheço as origens, daí nascem os rios das palavras prisioneiras desses caprichos inanimados das letras vagando nas várzeas recônditas do que ficou e jamais voltará. Isto de querer dalguma forma gritar sem voz as agruras dos séculos que desaparecem das nossas mãos e circulam pelos leitos abandonados de noites antigas, absortas ao vento. Todavia falam de esperança, otimismo, certeza, fé e poder em formação no mistério dos seres humanos.

(Ilustração: Sábio iraquiano (reprodução).

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Aventureiros do destino


As tais florestas de todos em seus mundos particulares. Uns, avançam contra a maré e sobram pelas vertentes dos rios. Outros, contudo, amargam solitários as cercas que os limitam e dormem aflitos diante de conflitos internos da própria criatura humana. Histórias inúmeras do tanto de todos, pois. Aventureiros do destino, eles viajam pelos céus à procura da sorte. Perguntas. Respostas. Perguntas... E ninguém que sustente de certeza no teto das dúvidas. A gente percorre o universo interno do que seja, porém qual quem avalia encontrar, mais cedo, mais tarde, uma porta de libertação. Prisioneiros dessa cápsula que somos, reconhecemos exatidão na existência, inclusive aceitando o quanto de estreito esse cômodo onde habitamos.

Daí vêm as tentativas de vencer o labirinto aos nossos pés. Todos, sem exceção, sob o mesmo crivo das interrogações. Ainda que pequenos, significamos um mar de finalidades aos olhos da consciência. São visões, buscas, desejos, pessoas, lugares, tempo, cores, luzes, formas, dores, trabalho, família, objetos, sons, animais, clima, pensamentos, palavras, livros, sentimentos, instrumentos, tudo enfim.

Painel infinito de cenas que se sucedem interminavelmente, nós, esses equipamentos no que vivemos e seguimos a levar adiante. Estrangeiros de si, alimentamos de valores o instinto das horas. Paisagens do Infinito, sustentamos o penhor do que nem conhecemos e haveremos de aceitar  ser assim durante o viver inteiro.

Dissemos prisioneiros dessa cápsula, a cápsula que contém o que já somos, células em ebulição dentro de todos. Pouco ou nada importam nomes e números que sejamos, conquanto sempre sejamos nomes e números. Vasos comunicantes da gente com a gente, formamos seguimentos do que logo existirá aonde quer que seja. Blocos de notas do mistério, inscrevemos na alma e no coração, em letras brilhantes, segredo guardado debaixo de sete capas. Vidas provisórias, paraísos em transformação, no entanto que seguem o trilho da Realização do ser que ora somos em nossas mesmas mãos.

(Ilustração: Knight-Death and the Devil, de Albrecht Duher).

terça-feira, 25 de abril de 2023

Lua bonita


É preciso ter o caos dentro de si para gerar uma estrela dançante.
Nietzsche

De novo ela que veio no céu dessa noite. Havia paz no campo, silêncio, raros sons de cães e vagos ruídos de pessoas na distância. Um mundo, uma lua nesse longo espaço infinito. As poucas horas onde o véu dos dias percorre a vastidão, desses  momentos se busca a si seres perdidos entre pedras e pirilampos. Poucos, talvez, encontrem o que tanto aqui viemos buscar. Quais Ulisses perdidos num mar de sereias aos milhões, multidões, que lhe arrancam da alma os derradeiros instantes aonde pudesse descobrir o destino, a Salvação, e aceitar de bom grado perder o jogo de claro/escuro pelas veredas iguais. Bem isto, os humanos, experiências de compreensão inacabada. Circunstâncias fortuitas nesse jogo de apostas em que jogam o sentido das veias adentro, e aceitam de bom grado a emoção das pelejas.

Fora disso, persistem as interrogações a que vieram responder. Uma vez sem respostas individuais, todos desvendam do mistério a maneira de dormir de olhos abertos na face do abismo das horas inevitáveis. Chances nesse vai-e-vem de saudades e sonhos, e mergulham nos mares.  Misto de pensamentos, palavras e sentimentos, adoçam de pretensa liberdade o que lhes resta fazer, e faz. Todos que seguem rumo ao Sol.

Ao longe, uma voz melodiosa dos segredos em movimento pelos corredores do Tempo, justo dessa vontade insistente de achar a porta do labirinto que percorre sem cessar. E as luas, neste céu imenso, apenas sussurram desejos de vencer deles o padecimento. Revelar as lâminas do coração na festa de existir. Olhos bem abertos, no entanto, dizem tudo o que segue a brisa e vira mera cinza de passados inertes nas vias dos futuros inexistentes. Nós, pequeninos seres de nós mesmos em longas histórias sem fim. Enquanto há, no céu, uma linda Lua crescente.

(Ilustração: Lua, todamateria.com.br (Reprodução).

segunda-feira, 24 de abril de 2023

O trem das sete horas


Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais / 
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar. Raul Seixas

Hoje, ao ouvir no rádio essa composição de Raul Seixas, recordei de quando, nos inícios da década de 1970, ele lançava o disco Raulzito e Os Panteras, com suas primeiras composições, lírico e inspirado no melhor estilo. Eu ainda vivia em Brejo Santo, querendo me transferir no trabalho para Salvador, e daí sintonizava, nos finais de tarde, a Rádio Sociedade da Bahia. Depois, ele sairia à carreira solo e faria sucesso no País inteiro. Suas letras deixavam margem imensa de avaliações quanto aos tempos dagora, Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem / Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem / Quem vai chorar, quem vai sorrir? Tempos, a bem dizer, apocalípticos, controversos, cheios de suspense e dúvidas atrozes quanto à sanidade da raça. Quem vai ficar, quem vai partir?

Espécie de profeta insólito, vítima das drogas que, desde então, campeavam soltas no seio da juventude, sustentou aqueles tempos de músicas adequadas à escuridão que denotava, às dúvidas que viriam e ainda agora persistem. É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão / Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais / Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar / Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões.

Bem natural de uma mocidade plena de sonhos de liberdade, novos valores, ânsias de renovação, cresceu naqueles conceitos místicos que predominavam da Era Cósmica, do Movimento Hippie, cercados de medo pelas tantas guerras que há séculos só caracterizam esta humanidade. Armas, bombas extremas, totalitarismo, ideologias de interesses grupais, controle de massa, fome e desencanto.  Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons /Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral.

E veio de dentro de mim uma espécie de saudade dos nossos ídolos que se foram e nos deixaram aqui de olhos abertos ao futuro e almas cheias de esperança em dias melhores de que eles falaram tanto.

domingo, 23 de abril de 2023

A leveza dos pássaros


Agora recente, ouvi de Weber Girão, o biólogo responsável pelo projeto do Soldadinho-do- Araripe, em Crato, que há claro risco do desaparecimento da espécie. Isto dentro de poucos anos, dada a velocidade com que são desmatadas as encostas da Serra. E que a solução será o pronto reflorestamento das matas ciliares, sobretudo em relação ao entorno das fontes.

Poucos dias atrás, passava pelo meu juízo o quanto a fragilidade caracteriza os frutos do Tempo em que vivemos quais peças de cenário maravilhoso; tudo é lindo, tudo é frágil, quais sorrisos doces de uma criança. Suave. Simples. E nós, bichos agressivos, interesseiros, no meio disso, do sagrado da Natureza, guerreiros estapafúrdios da vaidade humana.

Peixes tubarões competitivos, ilusórios, desfilamos apressados nos bólides metálicos pelas avenidas, ganhadores das taças da ingenuidade e da pobreza moral. Meros fazedores de ruínas, tangemos o bonde da história, ainda famintos das necessidades mínimas de ética e bons costumes. Estupradores, traficantes, viciados, políticos infiéis, arrombadores, gananciosos, eles também contam, na média aritmética dessa fome dos predadores inveterados.

Assim, tudo tão leve, tão frágil, e o velho barco segue mar adentro, nau dos insensatos e casa comum das comédias e falcatruas. Ninguém queira pular fora, que não existe lá fora. Único, perene mar das alegorias humanas... Vender almas em troca de dor, enquanto bem poderá ser no sentido inverso: aceitar a dor e salvar a alma. Que o vento das horas desliza faceiro sobre a pele dos ímpios para sempre. Não há fuga possível, nem imaginável.

Bem, que desejemos reunir forças e salvar os soldadinhos do Planeta, quando mais e mais pede a ser salvo, no coração da gente. Aprender a amar incondicionalmente o respeito das existências, inclusive dos outros seres humanos. Viver a intenção de dominar a si mesmo, na guerra das divergências que poluem este mundo raro, fabuloso e habitat das belezas raras. Ser feliz, afinal, permitindo que os demais também sejam.

(Ilustração: Soldadinho-do-Araripe (reprodução da WikiAves - Enciclopédia das Aves do Brasil).

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Os dois corredores


É isso o que se tem todo tempo, duas estradas à nossa frente. A escolha de todos fica por conta de si mesmo e uma delas. Podemos embarcar no sentido da luta, da decepção com a gente e com os outros, a tal depressão, mal do século, qual denominam. Do outro, a paz, a aceitação do que há e sorrir por dentro feitos quem aceita o jeito desse universo. Acreditar em dias melhores que sucedam a cada momento, independente do que queiram impor dalgum lugar deste chão. Sustentar o senso de viver como instrumento de transformação dos mundos restritos do que quiserem obrigar. Saber que temos ao nosso conhecimento a força de uma nova consciência num constante movimento, e que, independente dos tons de cinza, poderemos recriar os momentos, fazer do amargo o doce, viver com arte.

Esses dois corredores pululam sempre aos nossos olhos todo instante, onde podemos ser vítimas de nós mesmos, pelos equívocos, ou dar a volta por cima face os desmandos que ocorram diante das próprias ações equivocadas. São estas as tais escolhas cotidianas, conquanto sejamos seres em permanente evolução. Ninguém queira cantar de herói face aos mistérios deste processo.

Assim, tal seja; vislumbramos estados mais adiantados de aperfeiçoamento, quando, então, chegar-se-á à santidade esperada, aonde somaremos os esforços numa única faixa das criaturas bem formadas pelo processo de compreensão ora em andamento.

Essa história só terá fim quando todos, sem exclusão ou discriminação, obtivermos passaporte aos níveis superiores da Criação, independente das visões parciais que agora vislumbramos apenas nesses dois corredores aos nossos pés. Bem aquinhoado, pois, o direito de existir, sem nenhuma dúvida. Aos que definem a caminhada pelos primeiros passos por certo irão presenciar, nas longas experiências, a humildade e o aprimoramento no transcorrer da colheita das muitas escolhas que fizer.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Aquele fosso das vaidades


Quando chegar nalgum lugar deste Universo, aqui, ali, acolá, e demonstrar o que aprenderam no chão das almas, todos terão oportunidade principal de demonstrar a que vieram. Bem justo, bem sobre-humano. Um jogo de dados assim qual no tempo das lesmas que deslizavam e deixavam marcas nos rochedos. Olhos acesos nas fortes cenas de amor, largas histórias de lagartas e borboletas, guisados de frutas raras, lâminas afiadas nos primórdios das aventuras e dos impérios e dramas febris de epopeias dos santos que viravam crâneos levados ao vento; tudo, afinal, num festival de dores e cores. Ali, espíritos contritos naquilo de que mais gostaram quando carne, um a um desfazem a valise e sacodem no mesmo tabuleiro as tantas notícias que levaram do abismo das visões individuais.

Uma verdadeira festa de artesanato posta nos meios técnicos das invenções que sacodem o tempo nos corações abandonados. Isso a não dizer uma farra do melhor que havia no conceito das mentes, porquanto recipientes donde regressavam e tinha suas paredes hermeticamente isoladas do grande todo, só pessoas, e pronto. Cada qual no seu pequeno quarto de pensão, adormecidos sob o efeito das doses cavalares que acharam pelos cantos. Barrigas cheias de supostos conceitos, arrevesados pelas paradas de sucesso, eles que dormiram sobre o feno que lhes servia de cama e repasto.

De inúmeras vírgulas, parâmetros e leis, disso que fizeram o caminho de traçar suposições naquela hora de depois, olharão outra vez o quanto de chances todos tiveram e deixaram atrás, nos sóis mornos, já adormecidos. Nem mais, nem menos que isto, esforço único de crescer, sair das matas de canibais aonde foram pôr os pés sem saber do real motivo, porém numa extensa folha de serviços a fim de obter o salvo-conduto da Salvação. 

Explicar torna-se razão desnecessária, vez que o que resta seja contar o mínimo de desvantagem e superação do que o ser trazia em si, motivo de vencer a fome da visão e dos desejos. Silenciaremos, então, o choro e o ranger de dentes, nessa ocasião. Só isto, bem isto, portanto, o sol da Liberdade.

(Ilustração: A divina comédia, de Gustave Doré).

terça-feira, 18 de abril de 2023

O medo de ser ninguém


Tudo acontece como se meu combate espiritual se passasse em uma clareira. Penetro na floresta, nada encontro, e a fraqueza logo me força a sair de lá; frequentemente, quando deixo a floresta, ouço, ou creio ouvir, os cliques de armas usadas em uma guerra.
Frank Kafka

Isso é o que lhes assusta, fugir de si e jamais regressar ao mesmo lugar. Andar nos pontilhões da própria sorte qual quem se nunca lá houvesse estado. Padecer do mal crônico de ignorar desde quando, quando e até quando constituir esses espasmos em frio movimento diante dos dias que escorrem pelas veias sem nada dizer que justifique andar aqui e existir. Espécies de fantasmas em prontidão constante, à busca de assustar alguém que esteja também aguardando o momento de, lá adiante, desaparecer em um mar de fantasias, quais criaturas que seguem solertes o drama desta interrogação que nem elas mesmas produziram a cada instante, nas páginas do Infinito. Quem, qual, ninguém?! ... Que sejam tais e mergulhem no silêncio e se desfaçam nas madrugadas escuras à busca dos alaridos que lhes despertem dos novos sonos que vêm. Isto de ser assim e esconder de tantos iguais a frieza das horas em ação inevitável. Nós, autores, pois, de ficções ausentes que anestesiam os espectros, feitos de carne, sem a força de ainda compreender sua origem dentre os mortos, vivos, mortos, que foram...

Bom, tal seria o início das longas aventuras dos que chegam minuto a minuto pela crosta do firmamento, que, nalgumas vezes, achavam enxergar, ao longo da História, o que sucederia e padecem da necessidade urgente de novos analgésicos da Natureza que escondam essa dor de ser, mas sem compreender quem; aonde ir e como regressar donde vieram, o destino. Na força inconteste desse jeito silencioso das multidões, incorremos pelas memórias do Paraíso, que insistem voltar e querer morar conosco às sombras da floresta escura de onde queremos sair, dizer, fazer, esconder, padecer, simular e sumir, arautos de lembranças acondicionadas às bordas dos abismos profundos de tudo quanto desconhecemos e habita nas almas, tais folhas secas deste sonho miraculoso de viver.

(Ilustração: Francisco de Goya (reprodução).


segunda-feira, 17 de abril de 2023

Caminhos da transformação


À velocidade do tempo, tudo tende a sofrer resultados. Ninguém, nenhum ser ou objeto, foge a esse poder do movimento que delineia e devora. Corrosivo natural toma de conta do que existe. Ser surge, ser some. Gota a gota segue esse aspecto telúrico neste mundo de carne, células e moléculas. Todavia persistirá o que é belo, rico de perfeição nas hostes do Infinito. Sentimentos verdadeiros. Música harmoniosa. Cânticos das estrelas. Suavidade sem fim percorre as entranhas de bulício e revela o que há de verdadeiro nisso de que somos meras testemunhas, aves de arribação.

Daí advêm os princípios exatos dessa existência de que nenhum pode duvidar. São valores eternos, níveis outros além do vulgar, arte dessa matemática surreal inserida no mistério de viver. Seremos nós aqueles que trazem no si mesmo o senso de revelar a essência, tais criaturas privilegiadas por trazerem no âmago o código a revelar da Realidade plena. Naquilo que aparentemente só significaria mais um fisco das circunstâncias, há em cada um o senso do absoluto.

Assim, cairá por terra toda destruição do desparecimento constante dos elementos em fervor. Quanto de ser tal oferece os meios dos seres conscientes desvendaram o segredo universal e percorrer outras histórias. Esse processo demora o tanto de salientar o sentido dessa visão perene que transportamos no íntimo. Haja o que houver, seremos talhados ao sucesso de um plano sublime que transportamos na alma.

Tudo tende a um fim útil, frase que resume o motivo do quanto presenciamos nesta sinfonia da Natureza, os espíritos, os seres inteligentes da Criação. À medida que aceitemos o valor de tal compreensão, destarte o próprio Senhor de tudo delineará as razões de andarmos aqui, neste mister que chamamos vida, causa primeira de tudo quanto há durante eras e revelações.

(Ilustração: Reprodução).

domingo, 16 de abril de 2023

A tão sonhada paz


Que tantos buscam no campo social, porém de uma difícil aquisição. Buscam, contudo restritos quase que só ao sentido imediato, mais próximo, esquecidos tantas vezes da perspectiva de um todo, da importância de lembrar os que não têm o mesmo poder, a mesma força. Usam da inteligência, capacidade física, patrimônio no sentido pessoal, em volta de si. O panorama geral, humano como um todo, padece. Doutro modo e por certo já teríamos uma história menos bárbara, menos dolorosa aos povos. Isto sob o aspecto da paz coletiva, qual dissemos.

Os místicos, por sua vez, destacam a busca espiritual qual sentido absoluto dessa paz que nasce de dentro das criaturas humanas, fruto de um mergulho interior na consciência. Desde o começo do mundo que o homem sonha com a paz. Ela está dentro dele mesmo. Ele tem a paz e não sabe. É só fechar os olhos e olhar pra dentro de si... Roberto Carlos

Essa paz que há de ser vivenciada no íntimo requer compreensão da natureza espiritual, vivências e dedicação persistente. No entanto, quantos vivem a vida dos apelos materiais, apegados ao imediato, aos vícios, às posses, prazeres fugidios. Qual seja espécie de escravidão aos valores só tangíveis, arrastam vidas e vidas no afã de encontrar a felicidade no corpo físico, o que passa no prazo das gerações que sucedem.

Os ensinos percorrem as civilizações, filosofias, religiões, escolas, exemplos, a dizer do quanto carecemos de optar pelos bens maiores de uma noção evoluída de práticas e atitudes. Essa paz de que nós precisamos exige a participação efetiva de todos, independente dos credos e doutrinas temporárias. Pede o empenho dos que sonham viver e deixar que vivam em um mundo melhor, aperfeiçoado sob o processo das experiências guardadas na História. Jamais viver-se-á em paz a não ser que realizemos o ideal do amor entre os seres.

sábado, 15 de abril de 2023

O tamborilar do desconhecido


Enquanto isto se sabe que escrever devolve a solidão que transportamos na alma. De tudo que é lado, o espaço mostra sua face exclusiva de um só. Seja aqui ou no Infinito sem conta, lá esteja o pavilhão do inesperado, o que, de comum, chamam Destino. Bem que seja tal, nesta manhã. Nesgas de sons vêm de longe trazidas pelos ombros do vento. Ouço as vozes de um tempo a contar de si nas folhas e nos pássaros. E longe no horizonte esse tamborilar do desconhecido.

Por vezes, a lembrança cálida dos contos de O. Henry, seus personagens impossíveis e as fantasias do mistério que sacodem velhos lençóis aos céus. Nisso, as lembranças que repetem  sucessivos enredos de quando foram assim e logo depois desapareceram. Cenas de infância, manhãs ensolaradas, nuvens raras e velozes naquele mundo de sertão, ali onde restaria apenas calar a voz e adormecer no que viesse dos caminhos do sem fim.

E escrevo na intenção de partilhar comigo mesmo o crivo desses passados que insistem permanecer até quem sabe quando?, a impor condições, numa espécie de chantagem dessa velocidade inextinguível dos dias. Esforço nenhum faço, no entanto, a fim de deter a fome que alimenta com os pensamentos e a saudade. Talvez, nessa vontade vinda de dentro, esteja o desejo de narrar os tais preâmbulos de vida que vieram e sumiram sorrateíros.

Em consequência, concluo que devo largar de lado esses quais restos carcomidos de presenças estranhas do que sumiu e a memória persiste sustentar, quero crer no instinto de tonalizar o presente e me manter cativo, isto de um eu que nem existe mais. São, pois, fantasias do manto esplêndido que nos envolve e lembra que há esperança e paz nalgum lugar do Universo impassível.

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Os autores


De uns tempos até agora veio à tona essa urgência de comunicação. Antes havia qual que apenas uma conformação junto das cartas, dos papiros e livros guardados nas estantes mais inacessíveis à multidão, talvez (quem sabe?) em face da velocidade menor dos acontecimentos da época. Nisso, vieram guerras centralizadas na Europa. Estragos generalizados daquilo que chamavam cultura. Os que salvaram seus livros, tudo bem, os carregavam consigo em pastas e baús, à busca de achar a paz outra vez e, bucolicamente, sentarem a ler e olhar as figuras das publicações que restaram.

Depois disto, e só então, a raça passou a sentir a importância de mergulhar na própria consciência e revisar os valores essenciais. Nesse mal-estar da civilização, são povos inteiros a desaparecer num abrir e fechar de olhos, pois impérios invadem suas nações milenares abocanhando os minérios combustíveis, na intenção de preservar esse crescimento bárbaro do prazer pelo prazer, que adotam na Era de Massa.

Resultado: Sobram os entulhos nas periferias das grandes cidades. O mais são bólides metálicas a troco de preservação da espécie, edifícios gigantescos a cobrir o cenário. Carros mil lançados às ruas e avenidas sem destino claro, chapas contorcidas, tintadas e reluzentes, vagando ao léu pelas antigas histórias abandonadas pelo tempo. Seres quase racionais. Frieza degenerativa. Ausência de calor humano. Meros zumbis da sorte no itinerário constante de comer, dormir e trabalhar, a fim de comer, dormir e trabalhar. Algo assustador por demais.

Conquanto quem escreva pretende dizer do que lhes vem ao sentimento, nisto dotados de máquinas supereficientes, padecem, no entanto à cata das razões de estar aqui, o que delinear das palavras e dos temas, a quem contar dessa procura. Sabe-se de existir esses olhos no escuro que catam do que restou dos derradeiros pedaços. Quais fantasmas, tateiam nessa penumbra. Tocam as paredes frias do túnel da alma, certos de haver, nalgum momento, nalgum lugar, a certeza da Paz em que tanto creem e nela sobrevivem na solidão deste silêncio. 

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Meros coadjuvantes


Por mais desejemos ser mais, isto é o que somos, tão só meros coadjuvantes desse enredo coberto de tantas e tantas normas secretas. Desejemos ser mais, se é que assim o seja. Vivenciamos histórias mil sob o manto das irradiações matemáticas desse tampo de quantas eras num único instante mágico. Sob o crivo da razão absoluta do Mistério, tocamos o rebanho de nós próprios aos ditames do destino, quase totalmente desconhecedores de tudo enquanto. Mendigos prepotentes da sorte, estendemos os cacos da fama aos quarteirões da Eternidade olhos postos nem sei aonde nem quando enfim.

Bem isso toda vez, toda geração. Os dias passam e neles as pessoas. Gerações que se sucedem num afã encantador pelos palcos iluminados. Uns, às vezes, a pisar nos demais, braços livres a cumprir o papel que desconhecem no cinturão das normas que faz. A gente conta as palavras e as despeja no bisaco da compreensão, arrojados autores dos dramas em andamento. Sei, sim, pudéssemos cumprir outros cenários e o faríamos sem conta. Contudo, por agora, eis tudo o que nos reserva os desvãos da experiência.

E depois de tudo, ainda ser felizes, dever por demais de todos. Sustentar o palco aos nossos pés e fremir o peito de encontro ao cordão de isolamento do público. Aguentar o aguaceiro de saudades que despejam os olhos da multidão enfurecida. Luzes, palco, ação. Nuvens de sofreguidão já começam a envolver outra vez o teto das notícias, enquanto passam aceleradas as levas dos mesmos espíritos reencarnados à procura do Céu.

Houvesse, pois, esta certeza definitiva que desejam os heróis da sobrevivência que o somos, talvez o chão daqui transcorresse numa velocidade bem maior debaixo dos nossos pés cobertos da lama do Dilúvio, pois. Ajuntemos os trastes e sejamos os próximos a embargar na barca dos espíritos.

 

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Quadra chuvosa


Isso dos tempos terem de continuar, a sede que a vida oferece aos que querem tocar adiante as histórias deste mundo, impõe, por vezes, situações que pedem mais força, mais aspiração, melhores meios de aprimorar os céus. São inúmeras as horas de viver no decorrer do infinito. Uma explosão de visões, de luas e sóis, estrelas, constelações, a transcorrer nesse mistério maravilhoso do inigualável, impossível até de conceber.

Enquanto isto, estamos aqui neste pequeno espaço de nós mesmos, seres estatelados na distância de compreender, afirmar, mostrar a que vieram. Pequeninos, quase nada. Peças raras de quebra-cabeças enorme de circunstâncias e possibilidades. Fragmentos dos tantos destinos às mãos de sorte invisível. Cá estamos, olhos fitos nalgum lugar, nalguma chance de sonhos, hostes de bandidos, heróis, místicos, mágicos, vilões de inúmeras oportunidades sacudidas nesse acaso que ora somos, à busca de contar a quem viemos.

Nisso caem as águas do firmamento e inundam de luzes a longa jornada, quais escravos e senhores de si, no entanto largados ao léu das sinas, dos valores em movimento. Bom de jogar às telas dos dias e construir as paisagens nos corações.

Este ano chove muito neste sertão do Ceará. Tudo sob o crivo das nuvens que passam no céu e despejam sucessivas cheias ao chão, sob nossas vistas entontecidas nas dores do tempo daqui debaixo. Cargas de política, economia, dúvidas, mudanças graduais no percurso das águas. Quer-se a todo custo que os encaixes encontrem as portas da compreensão e façam fértil o solo desta humanidade febril, egoísta, aprendiz da solidariedade, do senso do equilíbrio, dos meios de evoluir em paz. Quantos instrumentos disso dispõe a inteligência humana, contudo só em fase de aprendizagem. A isso, de certeza, lá então chegaremos todos, apesar das secas e dos invernos nem sempre iguais e felizes.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Rever a minha terra


Em visita à casa dos meus avós, em Lavras da Mangabeira, ao Sítio Tatu, aonde um dia vim ao mundo. Nas movimentações típicas de festas coletivas bem conduzidas, participamos do III Cariri Cangaço, capítulo de promoção periódica da Sociedade Brasileira do Cangaço, entidade de pesquisa antropológica que, no corrente ano de 2013, envolve estudos da força marcante de Dona Fideralina Augusto Lima, a matriarca da família Augusto, à qual pertenço, nos capítulos da ancestralidade cearense.

Logo cedo, neste domingo 19 de maio, juntamente com Igor, meu filho, e Antônio Nirson Segundo, meu primo, chegávamos, através da Rodovia Padre Cícero, à luz da manhã na Praça, que convidava a fotografar o monumento da Igreja de São Vicente Ferrer, beleza de construção católica.

Depois, já no prédio da Prefeitura, encontrávamos Gustavo (Tavinho) Augusto, Cristina Couto, Manoel Severo, Dimas Macedo, João Lemos, José Leite, outros mais, parentes, amigos lavrenses, prenúncio das intensas emoções que viveria durante as horas dessa caminhada.

Em seguida, faríamos visita à casa de Bahia (Maria Correia), sobrado de esquina sede antiga do clã na cidade aos tempos de antanho, lugar mantido com qualidade pelos responsáveis pelo patrimônio histórico do município. Sobrado de esquina ao estilo característico da aristocracia interiorana do Sertão, herança da arquitetura portuguesa colonial.

Havia boas dezenas de visitantes à atividade cultural da promoção do Cariri Cangaço, que visa sobremodo preservar valores antropológicos do feudalismo nordestino do século XIX e primeira metade do século XX.

O andamento das atividades, que haviam iniciado no dia anterior com palestra do escritor e membro da Academia Lavrense de Letras Dimas Macedo, além de outros eventos, rumou ao Tatu, fazenda onde vivera Fideralina, local do meu nascimento.

As marcas da história persistem em cada detalhe da consistente paisagem sertaneja. Ao lado de onde fora a casa dos meus pais, as ruínas da reconstrução da capelinha. Entre os presentes que circulavam os cômodos da casa grande, morada dos meus avós Amâncio e Lidia durante mais de 50 anos, encontrei Ismária Batista, a esposa de Tio Gustavo, meu padrinho de crisma, e meus primos Tales e Gláuber Leite, acompanhados de filhos e dos remanescentes humanos de quem fizera a rotina do sítio ao tempo quando lá vivi, familiares de Compadre Hipólito Sousa: Altina, Manoel e Zuca. Uma festa de boas emoções próprias da amizade que dedico às primeiras paragens neste chão.

Por isso tudo de hoje consigno estas avaliações rápidas dos momentos culturais dignos da abençoada terra-mãe.  

domingo, 9 de abril de 2023

Alegria de sonho


Leve, suave, sem chances de mudar jamais, pois, além das possibilidades possíveis das fragilidades deste chão, essa alegria de sonho que toca o coração da gente e mostra meios de chegar aos fins da madrugada de peito lavado. Alegria que já nasce avisando da singeleza de depois dos sonhos irreais do crivo racional que ficaram lá atrás. Direito enorme de probabilidades que vem puro das mãos do Criador, abençoada no perfume das florestas em flor, essa vontade qualificada que só indica felicidade.

As crianças, por exemplo, agem livres das impurezas do cascalho, e elas falam nisso, da grandeza maior dos corações. Qualidade indizível das fotografias bonitas, o horizonte muda de cor ao sabor da verdade suprema, independente dos fatores materiais em queda. O sonho no sonho, a pureza dos sorrisos de quem ama sem o interesse apenas imediato da carne.

Encontrar em si a origem do sentimento e produzir a satisfação de toda necessidade. Conhecer de dentro meandros e soluções imaginárias, rimas ricas de água pura. Aceitar assim o equilíbrio qual razão fundamental da existência e ouvir os pássaros das tardes mais silenciosas, mensageiros intermitentes de horas calmas e segredos azuis.

Sair daqui e correr léguas de achar parágrafos que ofereçam paz. Alimentar o sonhador em forma de seguidor do Bem, na entrega total a mundos transcendentais da vida, palmas abertas e almas que se aceitem criadas no projeto do bom viver. Caminhar confiante no destino que seguirá os surdos passos.

Quantos disso ouvirão o decorrer das aventuras errantes do espírito através dos tempos, o Senhor saberá de tudo. Porém existirá sentimento puro no furor das tempestades que vasculham a história diante no caldeirão das almas mortas. E fugir sem ter aonde representará o clímax desse mistério.

Disso, dos sonhos resolvidos, serenos e definidores de opções de entrega ao tapete mágico dos filmes de final feliz, há um gosto inigualável dos alimentos sadios na paz inextinguível das emoções do movimento eterno.


sexta-feira, 7 de abril de 2023

Idos de 1968


Assim qual dessas lembranças que regressam afoitas pelas notas das músicas dos filmes, vez por outra chegam retalhos desse tempo, finais da década de 60 no mundo. Fragmentos espalhados na tela da memória, daí vem o panorama de uma época de profundas alterações de mentalidade. Sobretudo na Europa, daí pelos outros continentes, chegavam as notícias. Os Estados Unidos deslocavam tropas em quantidade à Guerra do Vietnam. Os Beatles invadiam as paradas de sucesso. Na França, a Primavera de Paris, com os estudantes confrontando o sistema de um modo nunca visto. No Brasil, o Movimento Tropicalista que impunha nova linguagem à música popular e chegava às universidades e festivais. Seriam os primeiros sintomas da Era Cósmica ou Era de Aquarius e suas radicais transformações ainda hoje em ação pelas mudanças radicais impostas à Civilização pelos meios de comunicação de massa.

Tempos jamais imaginados que abriam fossos enormes entre as gerações e ocasionaram atividades ainda agora difíceis de acomodação. A cultura humana viveriam os estertores dos velhos tempos, a ponto de graves reviravoltas na Guerra Fria, cujas consequências persistem na desigualdade e nas divisões entre os povos.

Vistos tais resultados, o que agora se imagina é que desse esvaziamento de mentalidade, sobretudo entre os países ricos, ou redutos de acumulação de riqueza explorada pelo resto do mundo. Temos presenciado a inevitável necessidade com que os continentes africano, latino americano e asiático carecem de atenção dos outros países melhor aquinhoados.

Desde que haja de verdade uma real consciência do bem-estar humano, problemas mil precisam urgentemente de solução, sob pena das surpresas antevistas naqueles dias críticos dos anos 60 e que persistiram décadas adiante, sem serem vistos de frente pelos que exercem o mando e dispõem dos meios de resolução das extremas dores por que passam os menos participantes dos recursos naturais deste Planeta, problema este que só revela o atraso da evolução e dos bons sentimentos da raça tão pretenciosa qual esta que aqui demora um tempo na imensidão dos infinitos.

domingo, 2 de abril de 2023

Mundo de ficção


Mas que outro se não esse daqui, palco da mais pura ficção, aonde os seres jamais morrem, e sim se encantam feitos pedras sagradas?! Eles, os alienígenas do espaço que fogem apressados quais farsas debaixo das nuvens, nas horas, e só desaparecem livres. Somem, simplesmente, astros de outras histórias que, de uma hora a outra, resolvem aceitar que autores os excluam da memória dos deuses e do capítulo seguinte, aqueles tais que antes fizeram a alegria de gerações inteiras, nos programas de auditório dos domingos à tarde, ou das tiras matutinas dos jornais, nas segundas-feiras. Surpresas desfeitas no ar, espécies de mágica de saltimbancos alucinados em feiras distantes, e nem apresentam as derradeiras cenas de despedida; só vão embora pelas portas dos fundos, e nunca mais.

São que nem peças de museus abandonados depois das guerras; elas viram sucatas de ponta de rua, largadas nas calçadas dos ferralheiros embriagados, ainda com o odor esquisito de fumo velho misturado a incenso das farras escurecidas, sombras das chuvas ao soluço do Verão. Isto que significa longas trajetórias das epopeias clássicas, heróis adormecidos e amarrados na popa dos barcos, a que nunca escutem o canto das sereias, restos de paixão e desengano.

Esses tais passageiros da agonia quando aqui descobrem, pois, que podem encantar-se nos mistérios gozosos, souvenires de antigas civilizações, saem conduzidos no bojo das naves interplanetárias. Bom saber quando descobrem o senso dessa imortalidade ainda durante o correr das luas; nisso, bem viver os acordos de paz e dormir sobre as vestes imundas de si póprios, lá longe dos temores e pesadelos. Mártires de lendas fantásticas alimentadas séculos para sempre, serão senhores de vida e morte, agora que encenam felizes diante da Eternidade. Nós, criaturas às vezes desumanas que passeiam pelas veredas da Sorte, os salvos que a isto esperam até o momento de regressar aos braços carinhosos da divina Consciência.