quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Abismo do Tempo


Fruto das indiferenças ou dos descasos, agem os humanos feitos quem ignora as partilhas que o Tempo fará dele e dessas pequenas criaturas. Numa divisão igual e justa, reserva surpresas mil aos elementos que circulam soltos, espécie de corrosivo químico que espalha no lençol das existências o horizonte dos bens aparentemente definitivos e retira só a parte essencial, reagente poderoso ao extremo, sem apelação ou tremor. Ao langor do Sol em movimento, dias significam esses leilões de valores que representam a melhor parte, e larga no laboratório da natureza o que sobra, triturador emérito e solvente universal.


Quantos querem que não seja assim?! Talvez a maioria dos incautos que dançam à borda do abismo onde, sob a luz das interrogações, habita o rei devorador das vaidades humanas, ser imbatível, fera descomunal e faminta, ordenadora das vidas e senhor das circunstâncias. Nem dormir ele dorme, o Tempo, perante escuros e madrugadas, e no calor intenso dos dias. Reina, por conseguinte, sobre os seres, à beira constante da cidadela inadiável; o Tempo rei.

Muito mais a falar do mistério que circula o cinturão das histórias e diverge dos caprichos, das personagens e dos impérios. Ninguém, entretanto, reserva, quem sabe?, o amor dos sonhos a nutrir nessa criatura abstrata tamanha envergadura, o respeito à fronteira entre o sólido e o gasoso, drama das horas mortas e senhor absoluto das tantas vidas. Morigerado ator das maravilhas, passeia de nosso lado, rege a orquestra dos pensamentos, administra sentimentos e ri das ilusões que envolvem as névoas dos desejos e das desventuras.

Longe, infinito, lá nas montanhas de cumes inalcançáveis, ali moram os gnomos que sustentam esse portal de experiências e oportunidades; mantêm as determinações e os limites do Senhor; e apenas observam, de olhos lavados, as preocupações dos pequenos insetos que experimentam o nascer das esperanças de, um belo dia, aceitar de bom grado viver para sempre ao sabor das sombras que passam à procura do Invisível.

(Ilustração: Foto de Emerson Monteiro).

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A floresta das palavras

Eram muitas, eram tantas, num emaranhado de sons disformes, que ninguém sabia quantas. Quais seres soltos neste universo de pensamentos, falas e sentimentos, os humanos vagavam pelo mar desses acordes, isto nas próprias vivências, entre objetos e outros seres reluzentes que nem sempre possuíam o dom igual de usar usá-las, todas palavras conhecidas antes presas nos dentes. Espécimes bizarros, deslizando de uma a outra experiência, e por vezes adquiriam verniz de sabedoria, ou talvez até a sabedoria que fosse, pois nessas horas mortas silenciavam de tudo e sumiam assustados de volta às cavernas escuras do antigo isolamento, feitos ausências em novo desaparecimento.

Eles, os tais seres humanos, viviam assim calados aqui do perto da gente e a gente nem de longe desconfiava que existissem, quiçá dentro de nós, fantasmas de sombras imaginárias que flutuavam e passavam apressadas sob o manto de toscos acontecimentos, de nunca fazerem parte de um todo que assim o pensassem. Criavam as cenas e as interpretavam enquanto escorriam embaixo de livros abandonados em lojas empoeiradas; visitavam a si mesmos nas noites mornas e depois faziam de conta que jamais se conhecessem; participavam dos dramas satíricos e eram as fantasias de épocas esquisitas, gritando frases de efeito pelas ruas desertas. 

Seres em agonia, pudessem ser, lançados nas garras do tempo devorador que os desfazia em cascas apodrecidas das árvores e adubavam o solo da imaginação dessas criaturas girantes, mecanismos de folhas e galhos, no laboratório da Criação. Parceiros da arquitetura divina, choravam e riam, falavam e sentiam, fiéis dançarinos das estrelas e atores de um circo de variedades, senhores nem do pensamento em busca do mistério tenebroso de que participavam inconscientemente; bonecos da sorte nas mãos do Destino.

Nessa dança circular de notícias fabricadas no vento, eles nutrem ainda de medo as aventuras dos dias e preenchem as horas de ilusão, em pleno acordo com o prazo rápido de viver neste universo. Vez em quando um virá só a memória e larga os fardos pesados de palavras de volta nas fogueiras acesas, a herança das novas gerações, pedaços de paixão e restos de inocência radiante; desejos e ansiedades feitos noutros animais o antigo solo das almas mortas que renascerão na forma de outras luzes, novos corações em festa.

Palavras, palavras, afinal, que dominam desde aqueles primeiros viventes e engolirão, na certa, os derradeiros, todos submissos à trilha dos passos no andamento do silêncio que logo mais consumirá, no final feliz, as longas estradas do firmamento. 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Brincar com fogo

Os riscos maléficos da geopolítica refletem o nível das civilizações. A superpopulação, por exemplo, quando administrada inconsciente, impõe determinados frutos amargos, nem sempre conduzidos de acordo com os princípios da real inteligência. Daí as guerras, revoluções armadas, lutas entre os povos. Em nome de aparente progresso e buscando acomodar as arestas em movimento no tabuleiro das dominações, as leis ditas civilizadas fogem do controle dos mandatários e ocorrem os desmandos e desordens. 

Nos dias de hoje, numa fase de relativa calmaria, sujeita ocorre outra guerra de conquista a fim dos poderosos do mundo manter seus privilégios da Era do Petróleo, e a bola de vez parece coincidir às terras latino-americanas, visando reservas de petróleo da Venezuela, ditas as maiores do Planeta. Vários interesses acham-se manifestos, isso da parte de importantes potenciais mundiais, Estados Unidos, Rússia e China.

Uma possível avaliação do quadro que se desenha leva em conta o consumo excessivo dos combustíveis fósseis na manutenção do padrão industrial dos tempos atuais. A humanidade criou inadiável dependência do automóvel e as fábricas já não mais funcionam sob outro padrão de energia, com ênfase nos países do Hemisfério Norte.

Caldo grosso dessa cultura armamentista, a maior de todas elas, irresponsavelmente as lideranças em jogo promovem um festim maquiavélico de manipulações políticas, que duram décadas, sem que a grande população adquira suficiente consciência dos percalços a que toda a Humanidade sujeita defrontar, pondo em xeque a própria existência. 

Eis o momento presente em rápidas pinceladas, a demonstrar os pendores humanos à destruição, qual desespero e pouca ou nenhuma disposição à paz e ao progresso. Nas avaliações a serem feitas de toda a História, esse jogo de sadomasoquismo demonstra o quando ainda haveremos de caminhar até, um dia, viver num sociedade ideal, resultante de tanto estudo, tanta pesquisa e, até hoje, nenhuma maturidade social.  São sintomas tais que refletem o grau de animalidade e a ausência de senso crítico de carecemos nessas horas. 

(Ilustração: Colagem de Emerson Monteiro).

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Filmes bons

Filmes, livros, histórias, músicas, notícias, tudo de bom, eis o de que mais carecemos sempre diante dos dias que nos esperam. Rever as cogitações, evitar maiores preocupações, alimentar alternativas positivas, sonhos de esperança e paz, construir dentro de nós a vida que queremos viver de verdade. Trabalhar a energia do pensamento, adotar ideias claras em relação ao futuro, sustentar uma consciência firme de que seguimos numa estrada de luz e progresso, amor e felicidade.

Lembro alguns filmes que trazem mensagem assim, construtivas, realização de fórmulas benfazejas, os quais mostram a grandeza da fé, a certeza dos dias de perene evolução de todos. Ainda que haja provas, o alento das certezas de que impera um Poder grandioso, superior a todas as limitações humanas isto conduz a trilhar horas de paciência, humildade, compreensão de que frequentamos uma escola de sucesso, a meio dos recursos necessários à plena compreensão.

A felicidade não se compra, do diretor americano Frank Capra, é um desses filmes que oferecem bem-estar ao nosso ser interior, transmite coragem de superar crises e desafios, jeito próprio de adquirir esclarecimento e galgar níveis superiores de aprimoramento. Trata-se de película produzida em 1942, época da Grande Guerra, que galgou altos índices de bilheteria, e continua ao dispor de todos através desses recursos inovadores da comunicação.

Outros há, no entanto, que bem merecem nossa atenção no sentido de revelar o potencial dos valores positivos da indústria cinematográfica. Digo filmes, sem esquecer os grandes e prodigiosos livros que também oferecem momentos de rara enlevo, acalmam nosso íntimo e revela esse aspecto formidável da Arte aos quantos assim o desejem de buscar na criação dos humanos a estrutura de que tanto precisam. Quando busco as ofertas dos canais fechados de televisão, quero me permitir a descoberta dos motivos de otimismo e tranquilidade das histórias que renovem e fortaleçam.   

(Ilustração: Colagem de Emerson Monteiro).

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

As Naus do Infinito


Desde quando os primeiros foguetes rumaram a Marte que vazio profundo permaneceria no peito dos que aqui ficaram; de olhos fitos nos céus de depois daquele dia, névoa cinza cobriria as cabeça. Os pioneiros deixariam de lado a suposição de que estávamos sós no Universo; haveria possibilidades de encontrar outras humanidades noutros planetas distantes; e seguiram o sonho. Que direito houvesse na imaginação do povo, reveria as atitudes dos quantos que consumiam as riquezas deste mundo; persistiria, sobremodo entre os jovens, um gosto fantástico de que outros e mais outros foguetes também subissem, e nisso trabalhavam muito, no intenso calor do Sol, e à noite permaneciam até as altas horas de pensamento fixo nas luzes que riscavam o espaço a meio das raras nuvens, pois bem dali que eles voltariam numa doce madrugada, argonautas, desbravadores que partiram cheios da certeza de trazer notícias boas de haver, nalgum lugar, mundos de mil e uma noites em que coubesse de todos continuarem a rica aventura dos humanos. 

Horas, luas, meses, longos e frios temporais de novos invernos, sempre de almas levadas nas marcas deixadas naquela partida luminosa, de quando eles sumiram; vidas voltadas a retornar e oferecer saídas, de mãos beijadas e sabor aos corações da Humanidade.

E seguiram inúmeras as novas gerações; passadas se foram as originais, que guardaram a tradição dos homens errantes mandados ao firmamento, a salvação que nutriam os próximos passos da história. Voltados, no entanto, aos afazeres mundanos, muitos esqueceriam os astros lá nos céus, desistiriam do ânimo de que, num fria madrugada, desceriam de olhos vivos e alegres naquela primeira leva a distribuir nacos de esperança e festa; eles, os viajantes que avançaram na intenção de revelar aos que ficassem o mistério das alturas. 

...


Qual dizíamos há pouco, séculos, milênios se desfizeram no furor do tempo, e apenas raras lembranças restaram, nalgumas comunidades afastadas, de que, a certo momento, alguns deles mergulharam no desconhecido à busca da sorte. Assim, dos poucos resquícios, surgiria uma religião que denominaram As Naus do Infinito, e que reza de olhos focados nas luzes que brilham nas noites, enquanto aguardam, silenciosos, as notícias que venham deles, nascidas na imensidão longínqua. 


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

A formação do caráter

A essência de tudo, da educação do ser interno nas criaturas humanas, o caráter, base principal do comportamento durante todo tempo; a edificação dos sistemas de crenças e valores; as tendências da personalidade; o berço do conhecimento, do isto que significa perante a continuação da espécie; o que vem de dentro das pessoas, lá da origem primeira; a educação verdadeira.

Isso dito em um tempo do calendário quando pedem tanto educação nos discursos, que parece até dizer o óbvio, e as justificativas dos gastos públicos indicam criação das escolas, expansão das especializações, abrangência dos programas de governo. Que as nações mais avançadas têm as melhores universidades, que reúnem gênios que alimentam o mundo de cérebros de proporções inigualáveis no decorrer da história. Que nunca chegaram a tanto em termos de progresso científico, na construção das indústrias. Que beira as raias da exatidão o nível de sapiência, de títulos e significados daquilo em que sempre sonharam os filósofos do conhecimento.

No entanto, a cara desse universo está nas tetas dos jornais e televisões; jamais tamanho arbítrio registraram os acontecimentos; extrema discórdia e competição nos mercados; poluição e desequilíbrio. Que progresso é esse de que cantam maravilhas, refutam de evolução e indicam de exemplo?!

...

Sim, que vale a pena ensinar normas de bom caráter ninguém questiona. Porém como fazê-lo com eficiência. Uma amiga professora falou que se daria na ocasião da primeira infância, nos lares, na educação doméstica. À medida dos pais, os filhos aprenderiam pelo que presenciam na prática, na demonstração da família, nas atitudes que presenciam; e guardam consigo ao resto da vida. Assim, desde os começos do crescimento, nesta vida, as crianças adquirem o caráter, amoldam o espírito ao que é certo, ideal.

Já no ponto de vista das religiões, existem considerações a respeito de que o espírito grava na consciência a evolução de outras vidas, segundo ensina budistas, judeus, espíritas, aqueles que admitem vidas sucessivas, ou reencarnações, que pensam de tal maneira. Há filósofos clássicos, quais Rousseau, que consideram os homens nascerem bons e a sociedade os corromper.

Contudo persiste, ainda, uma nítida diferença entre educação só formalista, intelectual, e a formação do caráter propriamente dito, esta doutra gradação, de ordem ética, além dos interesses só materiais.

(Ilustração: Homens lendo, de Francisco de Goya).

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

A busca imortal

Vem do mais antigamente de os humanos empreenderem o gosto de descobrir a que vieram a este mundo; donde e aonde também contam; mas, muito mais, conta esse motivo de estar aqui; será só de comer, sobreviver e voltar?, há de tudo nesse desejo insano, inclusive nas atitudes menos aconselháveis; até as aconselháveis, essas também não revelaram com clareza coletiva as razões da paixão humana. 

Pois bem, criaram explicações desesperadas, desde guerras de conquista a extermínios em massa das outras espécies; porém nada que mereça o desgaste que vêm acarretando ao Planeta já cambaleante nas mãos dos desavisados e pródigos; são meros atores de dramas inventados, a pretexto de preencher as lacunas das gerações de ansiedade; no entanto adversários até de si mesmos, que afrontam o desconhecido nas diversas culturas, feitos irracionais e ignorantes, touros bravios soltos em lojas de porcelana. 

A seguir assim, rigoroso, doutrinário, poucos, talvez, hajam passado deste parágrafo. Cabe, contudo, alimentar, sempre alimentar dias melhores, nas certezas vivas da Inteligência maior, nas conquistas tecnológicas, nos direitos adquiridos, na família e noutras instituições importantes por demais; isto sem desacreditar do instinto de controlar o fugidio, ver nas artes, na cultura, sinais de tanto crer numa visão próxima de bênçãos, profecias positivas e amor no coração dos seres humanos de que somos partes indissolúveis. Acreditar sobremodo naqueles que plantam o bem no transcorrer das existências. Viver as utopias, independente das experiências nefastas dos estados totalitários, leviatãs e perversos. Preservar a todo custo os sonhos de nova humanidade nascida de nossos filhos, dos filhos deles e das futuras civilizações. 

Dessa busca, lá diante remotas histórias contadas pelos séculos e milênios, existem poucos resquícios de vitória, encontros aquinhoados de glória e união; isso, entretanto, viverá para sempre na memória dos sábios, santos e líderes que sustentaram as longas trajetórias que nos trouxessem até este lugar e dele empreenderemos no tempo nossos próprios valores de liberdade, justiça e honestidade. 

(Ilustração: Campo de trigo com corvos, de Vicent van Gogh).

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Dos sentidos

Algumas avaliações chegam quanto aos cinco sentidos, maravilhas das maravilhas do corpo humano, que ora as quero dividir, inclusive na intenção de levar adiante tais considerações. Eles, os cinco sentidos, visão, audição, tato, olfato e paladar, são as portas de contato da gente com o restante do Universo. Através deles, sabemos quem o somos, existimos diante de nós mesmos. Reconhecemo-nos mais do que apenas objetos em movimento, dotados de pensamento, inteligência, sentimento, fala, respiração, equilíbrio, digestão e movimento; memória; juízo, ainda que parcial; senso de conhecer a que viemos face ao destino, dias e dias, enquanto pisar este Chão. 

Apuramos as realidades por meio dos sentidos, estando, um a um, escalados a dizer daquilo que queremos considerar, na ação de aprender a viver sob o peso da mínima coerência perante os desafios e as exigências da natureza de sobreviver. Nisso, eles têm suas funções nas quais demonstram refinada perfeição.

Quando paramos a examinar, eis a que conclusões: Uns são mais ou menos materiais, de acordo com o que precisam adquirir de informação e as transmitir ao centro das destinações, o eu que os utiliza. Daí serem feitos de elementos nervosos de que se utilizam na coleta dos dados. Por exemplo, o materialista principal, o tato, que deve recolher sinais a transferir à caixa de comando, o sistema nervoso central, e este que, junto do paladar, necessita dos bens materiais para formar as mensagens, os impulsos. Pegar e comer, portanto, eis os dois sentidos que exigem de presenças físicas de outros seres e objetos.

Já ao olfato e à visão lhes pesam menos os conteúdos só materiais no instinto de receber e transmitir o que lá de dentro aguardamos. O olfato quer sentir o cheiro das circunstâncias, e a visão presume que algo exista fisicamente na intenção de recolher seus conteúdos.

Enquanto isto, a audição representa o sentido mais abstrato deles, uma vez ouvirmos até na distância, no vazio de presenças outras; fator principal da música, arte por excelência, mergulha além das existências físicas.

Muito teremos a conhecer dos mistérios dos sentidos queiramos avançar nessas descobertas das raízes da Consciência, únicos corredores de revelação do Infinito ao íntimo da percepção de todos nós.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Razões de ser feliz

Por vezes sentimos apreensão, qual pisar em solo pedregoso, em lama escorregadia, e as percepções reclamam as ocasiões melhores que somem, parecendo não virem mais. Nuvens sombrias sujeitam, nisso, cobrir o panorama imediato, deixando pouco espaço de alegria nas horas transitórias da felicidade com que sonhávamos. Fecha o tempo mental, espécie de eclipse de nós próprios, isso que acontece três por dois com os humanos, a pedir clemência dos pais da humildade e senhores da paciência. 

Diante dos tais momentos de contrapé, face aos riscos desanimadores das lides cotidianas, que instrumentos adotar de reverter o quadro dessas limitações, reconstituir as horas de leveza? Que normas adotar no pensamento, palco das fraquezas e desânimo, invés de fugir da raia, se esconder das sete capas do destino, recalcitrar aos desafios e sustentar a barra de seguir?, conquanto logo bem perto, na essência de nós, sobretudo, persistirá a força que guia nas penumbras. Jamais considerar, pois, a derrota por justificativa das limitações.

Isto no que tange às pessoas em particular. No todo, entretanto, funciona de igual para igual; há sempre um novo amanhã, modos clássicos de conformação e repouso da alma, isto nas religiões, nos folguedos populares, nas grandes movimentações de reconstruir o desejo de viver, seja perante o que vier de acontecer, sem a menor a discriminação. Quanto à criatura no seu íntimo, cabe erguer olhos aos espaços da consciência, à Natureza aqui presente que a tudo permite todo tempo. 

Lembrar as tantas vitórias em circunstâncias idênticas, horas de desânimo que o passado triturou doutras vezes, porquanto somos o princípio e o fim de nós mesmos, matrizes da esperança. Sustentar degraus sob os pés ao ritmo do crescimento que vier, vez acharmo-nos instalados no império de leis inigualáveis, onde todos já agora fertilizamos a Paz e o Amor, nos caminhos da absoluta Perfeição. 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Palavras soltas

Aonde se banham sentimentos, refastelam as paixões e lavam as mágoas de viver ainda sob o manto das sombras. De cujas praias partiram os grandes navegantes e conquistadores, praias das longas possibilidades humanas, centro de tudo que diz respeito existir e ter personalidade, que possa pensar e dizer, sem perder o senso. Mar do infinito, das luas ensolaradas e manhãs frias e cinzentas. Lâmina de saudades e conforto da solidão, crateras da liberdade e cárcere das ilusões. Mar imenso em ondas descomunais de vícios e virtudes, horas de sonhar e séculos e arrependimentos, abismo escuro das esperanças em vista.

Antes de ser, assim existia o Verbo... Faz em nós habitação e moureja ao nosso lado, no decorrer das escrituras sagradas, nas orações e litanias, Alguém que sussurra as santas preces no coração das almas. Luzes que acedem no transcorrer das tempestades; conforto dos insanos; cantos suaves do amantes em fúria; células mínimas do corpo das humanidades; candências ligeiras das tropas em retirada deste mundo que flutua pela recordação dos poetas.

Caminho de casa dos perdidos nas noites, as palavras viram pensamento, que revira as fibras do coração na festa de sustentar as leias da existência. O poder das palavras ao pendor das criaturas, força viva da criação em forma de momentos que esvaem ansiosos de desaparecer no firmamento das consciências, e depois a nunca mais... Pequenos gravetos de fogueiras acesas na crepitação e na dor de viver. Átomos da energia que nutre o monstro das eras e consome derradeiras imagens dos dias que somem na voragem incessante do Tempo. 

Mundo de palavras em eterno movimento... Sons de natureza pensante... Blocos siderais de faíscas luminosas que saturam espaços e crescem ao término dos instantes eternos. Palavras, luzes que apagam e acendem ao sabor da respiração e combustível nas transformações e nos deuses.

(Ilustração: Colagem, Emerson Monteiro).

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Dias alegres

Os olhos que enxergam a paisagem são os nossos olhos. A cor da paisagem quem vê somos nós. O mundo existe independente, mas nós lhe damos o tom, a melodia. A paisagem existe lá fora, no entanto de dentro quem a vê seremos sempre nós. Daí a imaginação de que fomos criados a fim de dar sentido aos mundos e seres. Isto é, o panorama existe objetivamente, não fosse, contudo, a nossa existência ninguém registraria tais existências. Somos o sujeito das existências, inclusive de saber da nossa existência. 

Dizem os existencialistas que, nos outros seres, a essência precede a existência. Vêm do jeito que serão. Já nos seres humanos a existência precede a essência; ainda não sabem o que virão a ser ao sair de volta. Animais, coisas e lugares nascem animais, coisas e lugares. O ser humano haverá de se fazer ser humano, deixar de ser só um objeto em movimento ocasional. A essência, o ser, nos humanos virá depois que existir, condição necessária. Se não, estará sendo tão só mais um animal, ou coisa, ou lugar, em que a essência estaria em potência sem realização daquilo que trazia quando chegara à existência.

Bom, essas tiradas conceituais resolvem o desejo de contemplar a paisagem do dia, uma manhã bonita de nuvens de chuva, chão molhado e frio gostoso pelo ar. Os dias que sucedem aos dias. As belas manhãs que enchem de vistas a alegria, quando a gente abre o coração e recebe de bom grado viver com intensidade o deslindar do tempo. As certezas, as pessoas integradas no gesto de viver em paz que elas delas conseguem obter. Horas de boa vontade. 

Todo instante traz frutos bons, desde que plantemos à luz dos sóis em nossas almas, trabalho de quem busca inteiro o motivo de viver. Há, no que há, religiosidade plena, que nos resta desvendar através da sabedoria. Oferecer o melhor de si aos acontecimentos do Universo. Espécie de doação boa a nós próprios, viver pede inspiração. Dias alegres durante as existências, eis, em resumo, a razão principal do ato de existir. 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Artes da ficção

Antes alguns dias ouvira aquela notícia de que nossa Terra sofreria uma mudança radical de polaridade cósmica, Norte seria Sul e Sul, Norte. Isto que tem data marcada; as proféticas notícias falavam de inversão extrema na mobilização do Planeta perante o espaço infinito, transformações dos movimentos de rotação e translação e outras consequências mais.

Mas o que contava mesmo, naquela tarde logo após a sesta, foi de ele sair ao quintal já munido da escova de dentes e começar a escovação, o que fazia sempre pela manhã no despertar corriqueiro e agora seria levado por estranhas forças a cumprir o ritual do asseio em pleno calor da tarde. O Sol era, no entanto, igual ao dos dias anteriores, apenas com um pequeno detalhe, pequeno e importante, vez que nascia no poente, da outra banda, no horizonte do lado contrário, desde aquela primeira vez. 

Nisso pensou que estivesse em outra dimensão, ou mais precisamente, noutro lugar do Chão que não fosse idêntico ao que deixara na hora em que adormecera cedo na tarde. Contudo, ainda desse jeito, raciocínio insuficiente a esclarecer a revirada total que pareceu lhe ocorrer no humor, de o mundo girar em sentido contrário, sem o que dissessem de certo pela televisão, pela internet... O que aquilo que houvera, então, sido até ali esdrúxulo ao máximo de inverter a tal polaridade?!

Bem, iremos devagar; veio sendo assim desde aquele instante em que notara, a ordem do Universo conspirava naquilo nas mínimas funções, pela reversão cronológica dos equipamentos eletrônicos, que aos poucos regressaram, dia após dia, aos velhos modelos lá de antigamente, outro sinal imbatível. Revia aos passos de ocasiões sucessivas os modelos dos rádios que conhecera no passado, rádios a pilha, a válvula, invenções da época das ditas modernas produções, imaginação fervilhante dos primeiros cientistas, os metais, as madeiras. O telefone, esses, dos esmartes aos da manivela, revelavam as marcas dos períodos; telegramas, correio a cavalo, a pé, a caravelas; tambores tribais, nuvens de fumaça nas montanhas afastadas; relâmpagos e trovões. 

Num processo repetido, visto momento a momento, vidas adentro observava o corpo, a própria pele, que limpava gradualmente cicatrizas das batalhas de que participara, das jornada terrenas, e ganhava elasticidade jovem a princípio, e infantil na sequência da comédia. Quando menos esperou, acompanhava às avessas o parto da sua mãe, e logo depois o seu desparecimento individual de esperma antecedendo a relação donde fora gerado. 

De regressão em regressão, entrou dessa maneira em um nível mórbido de flutuação nalgumas paragens que nem delas lembrava existir a memória, de outras esferas, outros universos, invisíveis que fossem; vagou num tempo sem velocidade, mas de paz e neutralidade crucial; luzes mergulhando na inexistência em ritmos ora alucinantes, acelerados, ora suaves, etéreos e vastos, conquanto nunca houvessem sido hora nenhuma que pudesse haver existido nalguma quimera.

Qual numa sucessão caleidoscópica de gerações, gerações, idades e acontecimentos, viu cruzar pela retina assustada, de tantas tradições revividas de modo inverso, inúmeras histórias de gente, civilizações do que antes registrara durante as muitas vidas, inclusive testemunhando a presença constante daquelas pessoas conhecidas com quem privara as estações geológicas que foram embora, e julgava que acharia de novo. Mundos e mundos, horas e horas, dias, meses, anos, séculos, milênios, bilênios... Perlustrou a era dos elementos originais; acompanhou de perto os esturros das manadas de búfalos nos sertões americanos; os dinossauros vagando famintos pela África; as cheias do Nilo; as aflições do Dilúvio; olhou de perto a crueldade insana dos reinos bárbaros e seus banhos de sangue ao preço da ganância nas fúrias de riqueza; ilusões; páginas sem conta de livros clássicos sendo jogadas às chamas das fogueiras e das guerras; fome campeando solta nos impérios devastados; vaidades vendidas, vencidas desde o nascedouro das paixões humanas.

Então, surpresa a sua, sentiu a paz deslizando pelos campos vivos dos lugares equilibrados, de animais pastando entre si sem a fome voraz das outras feras...

Um casal que assistia aquilo tudo sorria embevecido quais seres iluminados; seriam, avaliou consigo, os primeiros viventes daquela humanidade que sumia na voragem inversa dos movimentos.

Impacto inigualável, algo aconteceu de inopino; explosão monumental de mundos, espécies, formas, nisso ocasionou depois o silêncio solene no transcorrer daqueles sonhos intermitentes que viraram neblina em sua consciência. Unicamente ausência, de habitantes e objetos, tornou a visão íntima em um quase nada poderia persistir, sensação pouco a pouco revestindo apenas vazio imenso que pairou infinitesimal nas derradeiras pulsações que balouçaram nas ondas do mar de luz absoluta e um Sol a refletir claridades superiores ao que quer que esgotassem os rios das vivências arcaicas desaparecidas para sempre; e Ninguém a ver... A ver... Nada...

(Ilustração: Colagem, Emerson Monteiro).

Sistemas de pensamento

Insistem algumas filosofias dividir seus fundamentos a fim de instalar a discórdia. Querem muitos, por fina força, que o mundo seja esse campo de batalha entre seres, seitas, raças e nacionalidades. Criam motivos que atendam aos instintos da agressividade e revendam razões de lutar entre si, isso quais fatores de progresso e predomínio no decorrer dos séculos. Impõem até condições de ser assim, porquanto há competição noutros reinos da natureza.

Entretanto persistem outras razões de sábios, e místicos propugnam, através de novas interpretações a evolução; distinguem causas primeiras desse progresso que sejam unir os descompassos e pleitear a reconstrução da História por meio de sociedades melhor constituídas aos moldes da solidariedade e dos sentimentos de união das classes, trabalho coletivo e consolidação dos credos, desde profetas que oferecem paz qual justificativa de andar aqui e visar o senso comum de uma Salvação espiritual.

Há sistemas filosóficos de tempos remotos que pretendem compreender a ordem sob um não dualismo, o monismo único e perfeito da visão dos fenômenos em contraposição aos conceitos das doutrinas da ilusão, isto como um requisito de encontrar o segredo e o conhecimento. 

Nesse passo, adentram os valores além da matéria, aspectos metafísicos, o que toma a vida moral por pré-requisito, caminho necessário a chegar no objetivo último da vida, conhecer a identidade essencial do Eu, ou essência dos seres face aos avanços da realização do Ser.

Em tudo, portanto, o sentido da descoberta do por quê do quanto vivem os entes à norma de achar algo que justifique as ações e os acontecimentos das existências. Um ser pensante testemunha, pois, o quanto decorre do Universo e anseia desvendar as trilhas que lá num belo dia indicarão o pouso do destino que buscamos na real felicidade. Sem divisão, sem agressões e com amor definitivo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Nas fronteiras do Infinito

Bem ali aonde ir ou chegar pouca ou nenhuma diferença faz. No íntimo dessas visões de mistério, de quando o silêncio grita e os sons desaparecem como que por encanto por dentro das montanhas mais afastadas. Durante as horas mortas no chão da noite, sombras sobre sombras, e os bichos arrastam passos feitos quem quer se esconder da própria carne que carregam quais almas penadas diante do que lhes resta face a face do desconhecido. 

Assim tais fenômenos inexplicáveis dessa luz baça da escuridão, os humanos desfazem rastros nas florestas do presente que esvai, lesmas a deixar listras surdas nos paredões desta vida, admiráveis entes de visão ainda insuficiente, a percorrer o mundo sem a leveza da sabedoria. Trilham os campos da própria glória neste chão de lágrimas e parecem contentes com o que encontram nas marcas do destino. Vagos, vacilantes, embriagados e pródigos, destroem a substância preciosa do tempo a bater nos céus as mãos imprudentes, apressadas, rudes.

Olhar as oito direções e nada enxergar além do horizonte curvo das horas impacientes pulsando nas veias ao ritmo da inevitabilidade. Querer discordar das possíveis respostas, no entanto, a dizer pouco do que precisa saber. Atirar às frestas das compreensões filosóficas o desejo de acalmar o fugidio, porém afogar nas mágoas do desespero, razão do quanto percorrer na ânsia dos abismos, roteiro impecável das circunstâncias em volta. Pedir, implorar, justificar, contudo submissos a leis que desconhecem.

Pássaros de asas rotas de tanto voar em círculo, decidem abraçar os troncos calcinados das árvores tortas e somem nas gretas do escuro, a sacudir aos noutros seres as respostas que precisam, prisioneiros da ausência de luz na consciência. Nisso, as caravanas deslizam sorrateiras a recomeço doutras vidas, pedaços em fragmento nas horas que ninguém sabe pronde foram. 

Essas bólides que percorrem o espaço, dotadas de gente dentro delas, são aquilo que denominamos fronteiras do Infinito e seguem firmes a insistir nos sonhos de libertação que sempre carregaram consigo durante todo tempo de solidão.

Elias e os sacerdotes de Baal

Há que reunir elementos de três histórias a fim de contar a que aqui pretendo. Lá era um tempo passado, época do Rei Acabe no comando de Israel, esse que foi um dos reis malvados e que matou diversos profetas de Jeová, ele e sua rainha, Jazebel. Seguiam os profetas de Baalim, que pregavam outras práticas, alheias aos ensinos do verdadeiro Deus.

Já transcorriam três anos que não chovia face aos desmandos exercidos pelos falsos profetas. E Elias saíra das terras de Samaria em rumo desconhecido. Ao regressar, encontrou o profeta Oseias a recolher os derradeiros profetas de Jeová em cavernas das montanhas no sentido de evitar suas execuções. Pede Elias a Oseias que comunique ao Rei Acabe a sua volta.

Ao avistar Elias, Acabe acusou de ele ser o responsável pela situação de penúria que vivia o povo. Elias retrucou, transferido a acusação aos costumes trazidos pelos sacerdotes de Baal. Então propôs um teste de que saber quem seria o Deus verdadeiro. Os 450 sacerdotes de Baal e Elias ambos fizeram altares oferecendo sacrifício de animais aos seus deuses, e o que viesse receber a oferenda este seria o verdadeiro Deus. 

Por mais clamassem aos céus a presença de seu deus, nunca que Baal ali apareceu a fim de receber o sacrifício, enquanto, em seguida, instado por Elias, Jeová fulminaria em um sopro o que se lhe oferecia.

Ciente da verdade do Poder, indagado por Acabe o que fazer dos 450 sacerdotes de Baal, Elias sentenciou que eles fossem executados por decapitação. Voltariam, sim, as chuvas e o reino judeu normalizaria sua vida.

No entanto dali restara a Elias, homem considerado virtuoso e obediente a Jeová, o carma adquirido por conta do que ordenara, numa medida extrema de justiça capital.

...

Séculos adiante, porém, reencarnaria como João Batista, o Elias que havia de vir, segundo predisseram as profecias da vinda o Messias (De o Evangelho segundo S. Mateus 17,10-13: Ao descerem do monte, os discípulos fizeram a Jesus esta pergunta: 

- Então, por que é que os doutores da Lei dizem que Elias virá primeiro?

Ele respondeu: 

- Sim, Elias virá e restabelecerá todas as coisas. Eu, porém, digo-vos: 

- Elias já veio, e não o reconheceram; trataram-no como quiseram. Também assim farão sofrer o Filho do Homem.

Então, os discípulos compreenderam que se referia a João Batista.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Os sons do inesperado

Escrever, no mínimo, é prazeroso, instigante. Oferece ímpetos de a gente correr em busca de novidades e encontrar alternativas de jogar com as palavras, em meio às rotinas, viagem por vezes surpreendente. Os sons das palavras saem batendo nas paredes da visão, escarrancham sótãos de lembranças, notícias, pensamentos, sonhos, assim quase vadias, destituídas de propósitos ou direitos, no entanto firmes na intenção de revelar os segredos guardados nas sete capas do inexistente. Muitas, inúmeras, as chances de acalmar o instinto dessa função de transmitir, porém, ainda que tranquilizem durante algum tempo, lá adiante vêm de novo neste desejo de saltar fora e trocar em miúdos o que restara das refeições cotidianas, e tem mais, acham que queiram parar aqui e dividir a solidão das existências, nesta comunhão de pensamentos na mesma aventura das revelações interiores. Palavras, palavras, palavras...

E quando, outra vez, elas descobrem a gente presa da angústia de querer contar o inconfessável, psicografando junto o séquito de andarilhos, de longe, observam os desavisados e trazem sons do inesperado ao texto.

Outro dia, Ceci me falou que, recentemente, ouviram profundo estrondo nas imediações do litoral norte da Bahia, quando identificaram naquilo a queda de um meteoro de maiores proporções. A notícia gerou empenhos dos estudiosos em localizar os pedaços do corpo celeste, disso pedindo à população que tragam às pesquisas tais pedras de corisco que recolheram. Eis dos tais sons do inesperado em que falei. Quantas e tantas ocasiões correm nos céus as estrelas cadentes, riscos de luz desses corpos que penetram a atmosfera da Terra e incendeiam nos fachos luminosos. Deles veem-se os claros, no entanto há dias em que deles também se ouvem o estrondo ao tocarem o solo das proximidades dos núcleos humanos. Gabriel até me disse que todo o ferro que existe na Terra veio do espaço, que leu nalguma revista.

Isso lembra os sons das palavras quando invadem o silêncio em volta e chegam ao coração, no instinto de serem transmitidas uns aos outros, pela escrita, no discurso de papel. Algumas viram coriscos e chamegam o território íntimo de quem escreve e adiante dos que leiam.

(Ilustração: Pieter Breguel).

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A ilusão da dualidade

O Um é um nem mais, nem menos: o erro começa na dualidade; a unidade não conhece erro.  
                                           Hakim Sanā'ī, poeta persa e mestre sufi 

Insistir em confortar a Natureza, eis o pecado capital dos humanos. Andarem de mãos dadas com a destruição dos bens naturais qual leopardo à procura da próxima presa guardada no pensamento. Houvesse menos razão e maior intuição existiria no senso do equilíbrio a dominar o mundo. Perder-se-iam na inutilidade os valores estéreis da ganância e só o bem dominaria os instantes, tais perfumes da realidade, acima de todas as provações.

Porém há espécie de embriaguez no instinto de devastação que a tudo revolve feito animal desesperado à busca da carne que transporta no íntimo de si mesmo, sob o desespero de descobrir o Universo em destruí-lo, invés de aceitar viver em comum acordo com as normas do amor. Já foram tantas vezes assim que, entretanto, a fera tem hora que parece querer tomar conta do espaço. Sombras das sombras que transportam estradas afora, escodem na dúvida o faro da morte, que aceitam de conclusão, e olham o tempo menos consciente do que as presas os que devoram.

A orquestra executa as peças mais fervorosas e o rebanho contorce os corações endurecidos, inimigos entre si, aleijões da imaginação e cegos que nem querem ver jamais. Quando na verdade somos um e única criatura durante todo momento. Irmãos de irmãos, que desconhecem até quem pudesse pensar doutro modo e encobrem, na dança esquisita, a paz que viceja no sentimento e nas pessoas. Alimárias do destino inverso, criaram a guerra que lhes trará as dores do parto que nunca imaginaram.

...

Passados que sejam idos e vividos, longas jornadas os aguardam nas curvas do caminho, espreitas de esperança e felicidade. Porquanto persistiram luzes em diversas continentes e a renovação far-se-á nessa manhã esplendorosa.

(Ilustração: Na Cracóvia, um homem alimenta gansos).


A certeza da convicção

Nos primeiros séculos do Cristianismo, quando a fé em Jesus galvanizava multidões inteiras necessitadas de esperança, quais as de hoje, a força com que aceitaram a transformação interior entre as pessoas a ponto de marcharem altivas às primeiras perseguições. Iam aos circos romanos de almas livres ao sacrifício. Seriam ali vítimas das feras famintas, dos gladiadores insanos, das fogueiras, o que divertia sobejamente aos instintos dos césares e da massa ignara, delirante nos poleiros dos estádios superlotados. Cenas de horror, a pão e circo, que alimentavam o sadismo dos ignorantes, a troco da exploração política e ditatorial de profissionais da descrença.

Hoje as manias dos humanos nivelam as épocas parecidas. A própria fé mudou de espírito. O que fora amor extremado na busca da Salvação virou interesse desnorteado pelas posses materiais. De que vale ao homem ganhar este mundo e perder a Eternidade? – indagou Jesus nos evangelhos.

Espécie de loteria da religiosidade, o valor das consciências pende aos paraísos artificiais do dinheiro, da fama, do sexo, dos vícios de outras espécies. O prazer pelo prazer, pouco ou nada importa o preço de pagar no correr dos ponteiros. Meros bonecos de marionetes absurdas, seres se exaurem na lama da autodestruição. 

Daí apresentarem os tempos espécie de mutação moral que reclama inteligência. Quantas aberrações nessas fases críticas. Valores perdem o sentido, e enquanto nos tempos antigos desciam aos circos, de olhos abertos, os mártires da perseguição em nome da fé, agora carece de razões até às vítimas abandonadas nos guetos, paupérrimos e marginais. Fase escura de esperança, onde os vendilhões oferecem as almas no mercado da desonra e exploram o povo a mantê-lo escravo da mesma ignorância que lhes possui.

Mais que nunca, o presente requer a certeza da convicção, em que os princípios cristãos sejam o motivo forte de salvar si e aos irmãos de humanidade.  

(Ilustração: Colagem, Emerson Monteiro).

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O outono das cidades

De observar as ruas da cidade, notamos forte tendência nos atuais moradores para se transferir ao campo, escapar do barulho, dos engarrafamentos, insegurança, e respirar libertos da fumaça. Nos fins de semana, então, a coisa ocorre sem deixar dúvida. Os grandes centros viraram só compromisso de segunda a sexta-feira. Depois, fuja quem puder.

Tal avaliação sugere a falência de um sonho que alimentou muitos séculos. O instinto de procurar vilas e repartir preocupações lotou o espaço das cabeças todo tempo, que povos não pensaram em mais nada como outro modo de racionalizar o povoamento.

A proposta seria somar forças. Entretanto a sofisticação da vida em grupo gerou dificuldades, no princípio superáveis pelo trabalho partilhado, depois intransponíveis face ao crescimento, rompendo previsões e limitando alternativas para ocupação de toda a mão de obra concentrada.

Os núcleos de prosperidade em que se haviam modificado as povoações resultaram nas baías interiores, com classes sociais dilatando o fosso divisório do abismo social, desvirtuando o impulso gregário dos indivíduos subtraídos da ordem natural que ficara no campo. A tendência afluente se reverte agora num isolamento coletivo, hoje bebido com náusea nos passeios neuróticos das madrugadas urbanas.

De qual maneira as chagas têm sangrado que maioria incalculável de cidadãos passou a descrer das soluções comuns, adotando iniciativas particulares, mesmo em detrimento dos que nada podem fazer.

Seriedade não falta para o estudo de sintomas. Congressos, mesas redondas, discursos, prepotência, pirotecnia. Interesses próprios mascarados de usurpação de atribuições. Fórmulas mágicas preenchem as prateleiras - critérios exclusivos e bilionários nos programas de governo.

Em compensação, risco ocorre no achatamento dessas intenções, vez ficar difícil dizer quem pode ou quem quer só o poder; saborear o mel e descartar o fel. Do pecado na escolha ruim fica um preço a ser pago, tamanho do tempo perdido, multiplicado pelas vidas em jogo, milhares que habitam os guetos das cidades; seria, talvez, a democratização da miséria, invasora dos lares e destruidora da vida social, espécie de submissão aos valores piores, quando se descartou a chance de escolher melhor, vezes perdidas para sempre.

No passado, as guerras reviravam ordens estabelecidas e desfaziam os problemas críticos a toque de caixa. Depois, técnicas potencializaram a riqueza, comprimindo exércitos no atributo de forçar direitos. Resultado: polos urbanos transformados em campos de concentração e desavenças. Os instrumentos de lazer eletrônico restaram desmantelados nos cubículos escuros sem ar, nem paz, quais sucatas de luxo.

O retorno ao seio da floresta mais do que nunca antes parece lenitivo provável; estudiosos da alma acreditam que trazemos o mapa desse percurso, algo semelhante ao que perfizeram os hebreus, na saída do Egito empós da Terra Prometida.

(Ilustração: Colagem, Emerson Monteiro).