sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Fins de setembro

Os místicos insistem no conceito de que, em verdade, apenas o chamado  presente representa mera transição entre o futuro e o passado. E que consciência significa esse eu que testemunha o movimento do tempo na pele das criaturas. Que o passado nada representa senão os arquivos dessa memória, a conter os registros guardados na chamada consciência. Que somos algo além da memória, porquanto somos quem se apreende do seu conteúdo, porém um ente bem maior, que precisa ser identificado e preenchido por nós mesmos no decorrer das existências.

São considerações assim dos que buscam insistentemente encontrar a resposta, o sentido de tudo isto, considerando a oportunidade do aprimoramento que possa lhes oferecer a estrutura da realização.

Nisso, a cada passo conduzimos esse barco de viver pelas marés do sentimento, preenchendo os instantes através de pensamentos e palavras, sempre a dar um jeito de responder, ainda que de modo provisório, a equação de estar aqui. Há urgente necessidade desse código que justifique, mesmo que provisoriamente, a circulação do Tempo em nós, quais espelhos, no nosso desempenho, em acompanhá-lo incessantemente, seus coadjuvantes. Quer-se fugir, nalgumas horas, sem, no entanto, ter aonde chegar.

O resultado são as infinitas hipóteses de justificativa no continuar diante de tudo. Querem-se donos de si, porém as ondas desse mar de sentimentos sujeitam tanger lá longe planos e metas individuais. A tal existência humana desses tais seres ditos inteligentes implica nessa busca persiste de uma felicidade plena.

Ao ouvir o farfalhar harmonioso do vento nas folhagens da mata bem dizer escuto essas antigas narrativas que agem por dentro da gente e descrevem quantas vezes já vivenciamos esse claro/escuro entre passado e futuro, uma melodia do que se procura, sem letra e ritmo. As vezes em que insistem continuar, contudo, mostram muito mais daquilo de que carecem os viventes da Natureza e pouco ou nada conhecem de uma consciência definitiva.

Igualmente, isso importa numa responsabilidade urgente de encontrar as respostas que gritam, já agora, incansáveis através da carne viva do Destino em nossas próprias mãos.


quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Divagações



Isso de escrever tem lá seus mistérios. Num deles, a gente fica discriminando o que dizer, deixando de lado até as movimentações ordinárias e buscando entrar noutras dimensões. Fico, assim, procurando romper essa barreira insistente de conter o que dizer, quando ao fazê-lo algo se desprende por dentro e sinto alguma satisfação em dividir com uns poucos leitores aquilo que nasce da mania de contar o que aqui no íntimo movimenta uma série de pensamentos e palavras cruzando entre eles. Depois dos computadores ficou menos ronceiro escrever. Venho da uma geração que acompanhava os grandes cronistas da hora, lá do Rio de Janeiro, mestres da máquina de escrever, Paulo Mendes Campos, Raquel de Queiroz, Stanislaw Ponte Preta, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, e tantos e tantos de quatro costados, atração de jornais e revistas. Quando hoje lembro, eles simplesmente contavam pedaços do dia-a-dia carioca a preços módicos e alegravam com aquilo a vida do País inteiro.

Fiquei meio sustentado nesse gosto de esquecer naquele prazer de ler esses escribas, o que praticamente sumiu das vidas nacionais. Em mim isso logo adiante me faria gostar dos contistas, dos romancistas, daqui e doutros países, mergulho que o tempo me levaria a conhecer nomes inesquecíveis de grandes autores, cujas produções me alimentam até agora, no afã de satisfação como poucas das minhas atividades. Na sequência, descobriria as filosofias, a poesia, a psicologia, a religião, filões inesgotáveis de tantas maravilhas das existências pelo mundo afora.

Quando sei de nações imperialistas devoradoras que avançam sobre os países menos poderosos à procura das riquezas do petróleo, novos mercados para as armas que produzem, além de consumidores para suas cacarias e outras doenças da ilusão, reajo com furor ao tanto de prejuízo que causam à cultura inteira dos povos, das tradições, da música, literatura, danças, histórias, tudo na pura imbecilidade da destruição fortuita, inútil. Claro que pergunto a mim mesmo, onde erramos das quantas farsas de ser os mesmos e perigosos animais dos inícios desta sofrida Civilização. Ainda que seja tal, segundo os cálculos que de tudo fazer, apenas três por cento da história e da cultura humanas ficam registrados no transcorrer dos milênios, e desse modo segue tosca a Humanidade...

terça-feira, 27 de setembro de 2022

O dragão e o riacho

                                                                             Dedicado ao meu neto Ian

Ainda pequeno, sairia nessas aventuras de primeira vez; o dragãozinho mergulhou na floresta. Anda que anda, e logo enxerga o brilho claro de um riacho entre troncos e folhagens. Tímido, medroso, aproximou-se devagar daquelas águas brilhantes, sonolentas, suaves. O riacho, de começo, fez de conta que não avistava ninguém. Nisso o dragãozinho chegou mais perto, mais perto. Experimentou as águas limpas do pequeno rio, depois lavou o rosto, bebeu um pouco do líquido e tomou susto quando o riacho lhe deu um “bom dia” cuidadoso.

- Que fazes nessas bandas, seu menino? – perguntou o riacho.

Sem saber direito o que responder, o dragãozinho quis correr, mas demorou um pouco e resolveu aceitar a conversa.

- Vim ver até onde vão dar os caminhos da floresta – retrucou desconfiado.

- Então quer aprender dos encantos das matas – acrescentou o riacho, - apreciar o que a natureza tem de belo.

- Sim, e descobrir como crescer, voar, do jeito que voam os meus pais.

- Que bom. Só com o tempo resolverá este desejo.

Nisso, ao escutar algum barulho mais forte vindo das ramagens em volta, o dragãozinho correu pela mesma estrada de onde viera, afastando-se do riacho.

...

Dias e dias, na primeira oportunidade que surgiu, ele busca aquela direção em que encontrara o riacho. Desta vez com outra disposição, agora compreendendo que ali havia alguém conhecido, quem sabe um amigo?!

- Bom dia, seu riacho! – animado, gritou ao chegar próximo. 

- Bom dia, dragãozinho – ouviu de resposta.

Daí, foram conversando, conversando:

- O que o senhor pretende nessa viagem que sempre faz com suas águas? – quis saber a criança dragão.

- Bom, dentre outras vontades, a maior delas é que quero chegar ao oceano, longe, longe daqui, de quem ouço as melhores notícias. Um lugar enorme, sem fim, espalhado pelo mundo afora. Azul, movimentado, animado – respondeu o riacho. – E você, dragãozinho, qual sua grande vontade maior?

- Ah, quero aprender a voar, qual lhe falei da outra vez. Com isso, pretendo chegar no Sol, ali no alto, bem nas vistas – em poucas palavras o dragãozinho desenvolveu seus pensamentos.

- Isto, que bons seus planos. Acredite neles, pois. O maior motivo de viver é saber aonde quer chegar. Ter um sonho. Viver esse sonho.  – suspirou o riacho.

...

Desses vieram vários outros encontros deles dois, do dragãozinho e do riacho. Na verdade fizeram estreita amizade, que seguiu crescendo e trazendo bons frutos, bons ensinamentos.

...

Passados que foram alguns anos, eis que certa vez o dragãozinho, numa voz forte de quase gente grande, informa ao riacho haver aprendido a voar.

- Que notícia boa, meu amigo! – exclamou eufórico o riacho. – E agora, quando pretende realizar sua viagem, visitar o Sol? – quis saber.

- Sim, sim, será meu próximo passo. Estou juntando uns mantimentos e praticando exercícios, e você saberá o dia dessa nova experiência – ouviu do dragãozinho.

...

Dias continuaram e o riacho a marulhar suas águas sucessivamente, enquanto esperava paciente a ocasião de ver o seu grande amigo subir no azul do céu e chegar na superfície do Sol, o que custaria um tanto mais das suas águas a escorrerem na direção do Oceano.

Até que esse momento, a bem dizer impossível, veio acontecer numa manhã de intensa luminosidade, com pássaros cantando felizes e ventos primaveris soprando agradáveis.

Ao observar o alto de montanha próxima, eis que um vulto pequenino ganharia as alturas e subiria aos céus numa coragem jamais vistas naquelas proximidades. Era ele, o amigo, o dragãozinho, agora maior, um dragão já feito, que deslizava pela imensidão no objetivo maior de conhecer bem de pertinho o Sol, o rei do Universo.

...

Ninguém sabe dizer de quem foi maior a emoção, se dele, do dragão, ou do Sol propriamente dito. Foi um abraço que ganharia as histórias de todos os tempos na imensidão cósmica. No princípio, nem souberam direito o que dizer um ao outro. Só no transcurso de alguns instantes conseguiriam solta a voz:

- Quanta maravilha, seu Sol, vir lhe ver de perto, sentir o calor de suas emoções, de sua bondade, seu poder... – assim que conseguiu, o dragão desse modo expressou seus sentimentos comovidos.

- Ora, ora, imagine o quanto da minha felicidade vejo aqui – falou o Sol também dizer do que sentia -, eu que vivo tão distante, tão solitário, de tal maneira, agora ao receber visita de quem acreditou no seu sonho precioso de vir até aqui, isto representa uma hora única na vida de tantos infinitos.

E desenvolveram boas conversas, as quais ecoaram pelo firmamento, ouvidas na distância do silêncio da água do pequeno riacho, a comungar de igual felicidade inédita dos dois lá em cima.

Com isto, o dragão permaneceu alguns dias na companhia do Sol, vivenciado a rara chance daquele primeiro encontro. Quando satisfeito de haver realizado seu maior desejo, o dragão buscaria o Sol e lhe perguntou aonde ficar instalado naquela superfície tão abençoada, rica de paz e amor.

- Bom, agora que me conhece, que pode vir até aqui sempre que pretender e fizemos amizade sem fim – veio respondendo o Sol -, lembre-se daqueles que ficaram lá embaixo precisando encontrar a resposta das vidas que vivem no tapete escuro do Chão.

Atencioso, o dragão foi escutando: - Agora organize sua viagem de volta e regresse aos seus, na intenção de dar minhas notícias daqui, e que eles possam, um dia, realizar tamanha travessia e vir me conhecer, como fizeste com a exatidão dos que amam.

Até meio tristonho, porém obediente, o dragão se sentiu de novo pequenino e embalou seus pertences para, de novo, levantar o voo de volta ao firmamento e pousar no mesmo lugar de onde partira naquele dia de rara beleza.

...

Tempos de cumprir a distância de muitas horas, a primeira lembrança das que deixara atrás antes de partir veio a ser o leito suave do seu amigo, o Riacho, que lhe recebeu de braços abertos, numa felicidade sem par.  

 


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Herdeiros do Destino


Eles, nós, esses viajantes da sorte. Ambulantes dos dramas humanos, que lhes contorcem as entranham e impõem continuar sem sombra de dúvidas ao lugar de onde vêm. Ir, ir sempre a lugar algum das estradas da solidão. Os cavadores de alternativas de ser feliz qualquer hora. Buscadores de alegria. Sonhadores do Eterno. Eles, nós, e este mar de vendavais. Os descendentes de Adão à procura de um Paraíso perdido lá certa vez. Vagamos, assim, na pista das oportunidades. Senhores das escolhas e escravos dos resultados. Frutos de nós mesmos. Penhores na loja dos destinos. Apenas lentamente a gente desvenda o véu do esquecimento e descobre as naus catarinetas de perdidas aventuras. Corações que pulsam. Mentes que leem no céu e adormecem na escuridão, essa vontade inesgotável de ser alguém nalgum momento quem sabe?!. Eles, nós, e aqui o rastro dos próprios laços.

Vistos desse modo, somos, pois, herdeiros universais de nós mesmos, nessa história do mistério em formação dentro de todos. Atores dos dramas elaborados a cada manhã, exercitamos esses papéis diversos quais fôssemos criaturas privilegiadas tão somente dos nossos atos. Contudo todos aguardam todos nas mesmas estações donde vêm, afeitos que são aos dramas que encenam e morrem logo depois neles, face ao poder da cena final. Eles, nós, fila imensa de esperanças e dúvidas, pequeninos seres no bairro do Infinito. Uns que padecem; outros que esquecem que um dia também padeceram.

Nesses tempos quando esquenta o calor, na permuta das estações, de alguma forma surge com mais intensidade o aceno da realidade. Gritos de sequidão preenchem as matas antes silenciosas e verdes. Animais somem nas poucas sombras que restam. Brisa de poeira invisível flutua no tempo a contar dessas histórias guardadas aos poucos no seio da mata virgem.

Vem daí um gosto forte de revelação do que se passa dentro da gente a dizer das proezas de viver e sorrir face tudo quanto existe, na certeza dessa exatidão matemática que sustenta as incontáveis galáxias na tela do impossível, nas distâncias monumentais. De nós mesmos e da luz que nos acende a todo passo, eles, nós, seres tão iguais, apenas rasgam o couro das palavras e derramam no vazio as cores dos sentimentos.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Política e o jogo de interesses

A extrema proximidade que existe do poder com a posse dos bens ocasiona as contradições do espírito público. Outro dia, escrevi quanto à espera de um estadista autêntico, isso no mundo inteiro. Houve tempo em que grandes líderes se impunham pelas qualidades morais e senso de responsabilidade em nome de todos. Hoje, no entanto, tal virou avis rara e o comando das nações envolve milhares de outras fragilidades que sejam, além do bem comum. Nisso, a política equivale a grupos econômicos, facções ideológicas, lucros, negociatas, transferência de capitais, fome de lucro, violência, sucessões, etc.

Digo hoje por ser agora que presencio mais de perto. No entanto, a História demonstra esse enquadramento séculos a fio. Civilizações inteiras conquistam povos menos afeitos à guerra, transações entre aliados, sacrifício da juventude nos campos de batalha, armamentos sofisticados, sendo só um painel de longas batalhas e tristes resultados nenhuma fraternidade.

O sentido prioritário da política, portanto, significa o jogo de poder entre os donatários dos botins, nesta fase qual nunca antes vista. Outros instrumentos pesam nas costas das populações anônimas, a dita massa de manobra. As filosofias da evolução do pensamento significam apenas o resumo das teses de Nicolau Maquiavel (O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio).

Conquanto existam centenas de grandes pensadores a defender fraternidade, compreensão, harmonia social, justiça, solidariedade, progresso, paz, o que resta de prática efetiva são as atitudes brutais das hordas humanas em sua aventura pelo domínio coletivo.

Qual quem há de resistir a tudo e vencer o teste da sobrevivência, vive-se um eterno pós-guerra em preparação a novas escaramuças. Desde criança observo essa realidade catastrófica. Em minha casa, havia uma coleção das Seleções do Reader’s Digest que tratava sobremodo da Segunda Grande Guerra. Cresci ouvindo notícias da Guerra da Coréia, da Guerra do Vietnã, das lutas entre árabes e judeus, das guerras do Oriente Médio, das invasões de países à conquista de reservas de petróleo, e mais recentemente a Guerra da Ucrânia, no meio de tantas e tantas. Persistem as organizações de paz, porém de poucos resultados.

Os projetos políticos vivem na imaginação de todos, porém são raros seus frutos. É de se perguntar a função dos ideais de humanidade que somem face aos arcaicos desejos daqueles que obtêm a delegação de comandar as sociedades.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Solidão de princípios

Há um tempo em que tudo parece igual ao que nunca foi e as peças de vestuários viram tapetes, lenços viram gravatas, ternos de galã vagueiam soltos ao vento quais pássaros esquisitos de estórias desencontradas nas circunstâncias em volta. Todos têm motivos, invés de clandestinidades as pessoas passaram a viver sonhos de loteria e mergulham no firmamento quais naves fugitivas em um mundo de armadilhas e ciladas. Todos assustam todos. Espantalhos que largados nas estradas espantam a si mesmos.

Nesse tal proceder de um mar de ondas agitadas, cada palavra cresce nas bocas tais pedras que avançam umas às outras, por vezes machucando pessoas e objetos, num furor que demonstra fome de senso. Nalguns existe só a perda do juízo e a dominação diante de dores acumuladas debaixo dos lençóis da indiferença.

Assim, batendo nas próprias carnes, esses ditos humanos vasculham o passado na busca de reverter o que produziram, tudo face o tempo solitário no coração. As florestas, os rios, as feras todas, isso que virou longo silêncio e penetra as vidas e avança sobre os mistérios o ritual com que iniciaram os movimentos da multidão enfurecida de si contra si mesma.

É isto, querer definir o quadro que aí está na história mundial quando os primatas, números e instrumentos demonstram as ações da horda, espécie de síndrome de um depois inevitável. Apenas vultos sombrios que recuperam o poder e saboreiam o desejo dos grupos egoístas que eles formam, numa espécie de modificação a valer tão unicamente nas eras de fama tardia.

Conquanto as letras queiram dizer o que elas resolvem, fico cabisbaixo de tanta contradição nesse palco de vastas proporções que constrange os engenhos e deforma o tempo jogado às traças, nuvens distantes de renovação e vontade adormecidas, ainda que com razão de sobra na ânsia da descoberta do motivo de estarmos aqui. Quais lições difíceis, aprendemos o que possa transformar o horizonte numa válvula de Luz em cada pessoa.


quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Monsenhor Montenegro II


Certo momento e revi na memória alguns traços do Monsenhor Francisco de Hollanda Montenegro, diretor do Colégio Diocesano do Crato, onde estudei por sete anos. Personalidade forte, ele marcou gerações e gerações durante mais de 50 anos de sua administração, nesse que foi um dos destacados educandários do interior cearense no século XX..

Vieram lembranças de duas ocasiões, quando, numa delas, fomos visitar, em Juazeiro do Norte, o Colégio Salesiano e lá conheci Padre Gino Moratelli, um sacerdote próximo ao monsenhor. Nessa visita, presenciamos Padre Gino a demonstrar uma prática de localizar veios de água com a utilização de um gancho de arbusto verde que, pressionado entre pelas duas mãos, se move ao chegar sobre o ponto indicado a cavar e achar um filão de água. Técnica da radiestesia, depois presenciei, em Crato, praticada por Antônio Hélder (Pirita), meu primo, que assim indica poços e cacimbas, tendo realizado esse mister com sucesso em mais de 100 oportunidades. O Padre Gino, italiano dotado de boa desenvoltura na Língua Portuguesa, nos proporcionou momentos agradáveis a trazer assuntos vários, o que ainda agora permitem reviver a chance daquela hora.

Doutra vez, isto na sacada do Colégio Diocesano, Monsenhor Montenegro me convidaria a estar próximo dele assistindo ao desfile cívico do Sete de Setembro, ao lado do qual também estaria o destacado historiógrafo cearense Gustavo Barroso, de quem leria posteriormente algumas de suas obras. Este momento também marcou bem a minha ligação com Monsenhor Montenegro, sacerdote carismático, verdadeiro apóstolo da educação no Ceará. Filho de Jucás, município do centro do Estado, viera residir em Crato desde a ordenação, aqui desenvolvendo o seu magistério com excepcionalidade no colégio fundado pelo Padre Francisco Pita no princípio do século.  

Outras lembranças que guardo dele foram as vezes em que nos avistávamos nas viagens da Rio Negro, nas suas idas a Fortaleza a compor o Conselho Estadual de Educação, após aposentado da Direção do Diocesano. Eis, pois, uma figura exemplar que influenciou quantos vivenciaram o seu empenho em formar a nossa juventude por décadas e décadas.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

A sequência natural de tudo I


Nem de longe imaginar que existissem dois tempos, porquanto eis aqui o único dos momentos eternos. E nós, este ser em movimento à procura da Luz. Um movimento em conscientização. Isto é, o Tempo em formação dentro de Si. Nós, a consciência do tempo em movimento rumo da Eternidade.

De início, pensei escrever a propósito dos deuses e Deus; mergulhar nesse princípio de jornada quando havia tantos altares e pouca ou nenhuma devoção. A cada passo o senso de compreensão nas criaturas. Daí tantas eleições, tantas respostas provisórias, a dizer de tanta ilusão. Ao menor instinto, ali se formava uma filosofia, um comportamento, um teto parcial desse tudo onde aqui pisamos e sumimos de tempos em tempos.

Alimento dos deuses, quais repastos de entes elaborados na ânsia humana do definitivo, já ocupamos muitos lugares e cantigas em volta da fogueira dos séculos. Enquanto isto, repomos nosso barco na correnteza e desejamos achar o senso que ainda alimentamos desde sempre do Ser imortal.

Nisso, as vertentes, tendências guardadas nas malas escuras que os cativos carregam às costas feitos condenados das longas epopeias, cavaleiros andantes dos filmes bem antigos, hordas em formação nos grupos em conflito. Essas folhas secas que deslizam nas águas do Infinito, sonhamos e despertamos aos poucos do vazio da memória que esquece os números dessa loteria de saudade.

E ter de gostar, ter alegria de viver qual fator de sobrevivência e paz. Sustentar o trapézio do mistério às nossas mãos calejadas. Mesmo porque nem existe aonde fugir. Das luzes que acendemos nessa escuridão que persiste somos o foco principal. Aguentar e sorrir, agradecer e alimentar o sentido da sorte que somos de existir. Nós, a lição essencial de todas aventuras do Destino. Esquecer os deuses e revelar Deus de tal descoberta do Céu na própria consciência. Nessa hora, então, o fim ganha o motivo dos inícios verdadeiros.

domingo, 11 de setembro de 2022

Entre o eterno e o transitório


Nalgumas vezes isso significa tão só matéria de sonhos. Quem se ser sem o saber real, portanto. Sombras de si mesmas a vagar soltas no impossível das eras imortais. Daí a sede da Ciência em querer responder ao intocável pelas palavras e mãos humanas. Vontade insistente de encontrar no pouco o que seja de interpretar a razão nem de longe sustentável do invisível. Estado de neutralidade absoluta bem claro que ninguém saberá jamais, ninguém conhecerá desse conhecimento definitivo. Por mais que represente a elite da sapiência neste mar das indagações, vagamos quais dúvidas em perspectiva, ao sabor dos ventos e das vagas. São muitos laços que circundam a mente e retêm o véu denso do mistério. Ao que parece, olhos brilham nas trevas, porém ainda submetidos aos ditames desse poder mágico da interrogação de resposta desconhecida de tantos, senão de todos.

E neste espaço intransponível de tempo desfilam as gerações sucessivas. Algumas chegam quase a decodificar os segredos, no entanto só a dizer perderam o senso da realidade e ofegam extasiadas na ausência do Infinito em volta. Um vazio sobre o outro. Uma lâmina de luz sobre outra, nisso em que padecem os iguais a nós, pedaços de universos em flagelação constante. Houvesse claridade na consciência das pessoas e haveríamos de unir em cada um a compreensão disso tudo quanto existe e desconhecemos, no âmbito das palavras e silêncios.

A fragilidade dos pensamentos impõe esta atitude calejada do pouco ou quase nada que ainda somos de conhecer. Os detentores do poder temporal avançam na própria carne das almas e se devoram, na ânsia de vencer o invencível. Daí os quantos condenados imprudentes a transportar a forca da justiça contra sua particular existência. Com a medida com que medirdes medir-vos-ão também a vós. São eles os impostores que a si condenam no passo perdido que já carregam consigo vidas afora.

Bom, bem isso da provisoriedade do que antes acreditávamos eterno e que se desmancha pelos ares às nossas vistas e perante nossas limitações de encontrar o sentido absoluto de tudo. Até aqui, igualmente, eis o destino de todos nesse transe parcial.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Aceitação


Isto nasce de uma decisão, de uma escolha. As lembranças falam nisso, nas vivências, o tanto imperativo das eras largadas no cordão do tempo implacável. Todos temos, assim, um manual de emoções que se abre aos nossos olhos sem cessar um só segundo. Horas de um todo, jeito largado pelas estradas, ao sabor dos instantes. Vidas esdrúxulas, desgostos, odores fortes de um tudo circulando nesse rio de memórias que distorcem a que se veio, no entanto. Cenas fortes, frustrações, expectativas, um feixe de mato seco a percorrer os dois hemisférios.

Vá a gente parar no passado e mergulhar nessas qualidades, disso sujeita a vir constrangimentos. Nesse império da inconformação vivem muitos, vivem todos. Padecem da fome de aceitação. Conflitam consigo e desconhecem a razão de ser em verdade diante do que existe.

Observo os obstáculos de seguir em frente face aos empecilhos, conquanto em cada tempo há sabores diversos a preencher o universo da gente. Só o indivíduo sabe o que lhe seja melhor. Essa impermanência permite, pois, escolher o que precisemos daquilo a que significamos, o ideal das vezes sem conta. Seremos, pois, esse instrumento de seleção de sensações, num palpitar constante. Quais adversários e parceiros de nós mesmos, face a um tabuleiro inevitável, trocamos peças frente a frente com a gente e desfrutamos de uma endeusada liberdade.

Tal mudar de parágrafo, escolhemos as palavras e continuar o jogo. Seria bem um jogo da felicidade, forma definitiva de conviver por dentro de si, na trilha inesgotável dessa busca. E saber que viver é plantar no solo donde iremos colher o sustento da consciência toda hora. De certeza somos o que nunca foi, nem nós ainda fomos.

Numa intermitência de causar vertigem, na forma dos pensamentos, sentimentos, impressões, indagações, procuras, levamos grudado em nós esse personagem misterioso que elaboramos nas horas a fio. Ente de tantas faces, trabalhamos os céus na alma e aguardamos logo em seguida o sol da realização, que tracejemos os pés de herói que ora sonhamos ser.

(Ilustração: Pintura grega clássica).

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

A coragem de mudar


As pessoas têm dificuldade de abandonar seus sofrimentos. Por medo do desconhecido, elas preferem sofrer com o que é familiar. 
Thich Nhat Hanh

Pois somos isto, dois em um único ser, à busca do equilíbrio entre eles. A aparente dualidade preenche o Universo inteiro, e viemos no propósito de revelar através da consciência o princípio desta unidade absoluta. Dito assim talvez represente mais tese que prática; desde então que adotemos o princípio da compreensão e pratiquemos a tal unidade que vive na presença de todos ainda que desconheçam de todo. Isto significa dizer que somos espíritos vivendo a matéria. Há o pensamento de que espírito e matéria vêm a ser um ser único e a consciência.

Por vezes me pego a desfiar quais pensamentos na busca de decodificar o que não pode ser dito, mas só compreendido, porquanto somos o intérprete privilegiado desse mistério, a existência. Tantos indagam o motivo de viver, a razão de estar aqui. Temos esse compromisso de tocar adiante a Natureza de que somos e aprimorar o destino. O mais de tudo é isto o que fazemos pela a evolução em andamento.

Quando os mestres nos visitam, trazem consigo a resposta ao enigma e oferecem o código dessa transformação. Mesmo que soframos os limites da aceitação, face ao nível de percepção individual, até a dificuldade vivida resulta no aprendizado da limitação, a produzir superação ao instante em que preciso seja, tudo dentro dos valores eternos da existência, o que compõe o quadro dessa composição original.

Aparentemente simples aceitar a larga história do que vivemos na própria pele, no entanto eis a real identificação com o Eterno que carece de largo aperfeiçoamento e o desencanto dos apegos a este chão que supomos a ele pertencer. Daí os tantos equívocos e atrapalhos sucessivos até o fechamento da jornada. Surgirão daí as perspectivas das novas chances e do equílíbrio de tudo quanto há.

sábado, 3 de setembro de 2022

Palavras-alimento

E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória.  João 1:14.

Vêm na ânsia de chegar a algum ponto no mapa dos mistérios. Dentro, lá dentro das pessoas e dos objetos, elas vivem, respiram, se nutrem da mesma  sede que fervilha no que existe. Constroem seus castelos das areias do Universo. Remexem a alma das criaturas e revivem laços e sentimentos, despejando lavas e lavas do tempo em forma de compreensão. Estão aqui, ali, em todo lugar. Nas folhas que, nas árvores, o vento sacode e tira sons inesperados. No pipilar dos pássaros friorentos das manhãs. No som mais afastado de automóveis fugitivos. Palavras, sentidos que voam ao léu da sorte no âmbito do firmamento. Lá longe, nas estrelas, asteroides e galáxias, feixes de ruídos que buscam o sentido que há em tudo, no antes e no depois. Sobras de pensamentos que viajam os ares sob o peso da vontade invisível de milhões de ostras largadas nas praias do Destino. Horas a fio e elas circunscrevem o que as luas determinam, escrevem no infinito os pecados e credos de tantos à cata de insanos desejos. Nós, filhos diletos da imaginação e do sonho. Átomos dispersos de história que se desfaz aos nossos pés. Enquanto que cigarras ciciam no desfiladeiro, as luzes e as palavras percorrem profecias e acontecimentos bem às vistas dos seres em formação. Sempre assim, peregrinos que cascalham as margens no jogo de salvar o essencial de si. Depois retornam em cânticos de amor e paz, vontade incontável da revelação de tudo quanto existirá no transcorrer da pena que vivem. Força de encontrar a resposta, somos esses astros da certeza da Luz. Vozes na brisa que sopra dalgum lugar e forma o transe do céu em formação no íntimo das criaturas que dizem, fazem, escutam e adormecem nos braços do Sol em movimento.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Fome de ser feliz para sempre


Saudade, a síndrome da ausência inevitável. O senso de perceber, de receber sentimentos na caixa da consciência, é isto que a ocasiona. E na gente vem juntando os resultados no transcorrer de tudo. Outras palavras, viver dói a dor da saudade. Só se tem saudade do que é bom. Essa vontade de que nunca fosse haver a separação do que seja agradável ao nosso espírito agora. No entanto o peso das eras reflete seus tormentos. Saudade das pessoas, dos lugares, épocas, desejos, sensações, até saudade das próprias saudades. Um trem no encarceramento das viagens, no sumiço das curvas longas, das manhãs ensolaradas, dos relacionamentos felizes, das horas de alegria que se passou junto de tantos; dos sabores, dos odores, das cores, dos filmes, dos livros, da solidão meditada, das reflexões e dos sonhos...

Solidão. Solidade. Saudade. Ao que disseram, é palavra originária da Língua Portuguesa, que a tem qual privilégio. A dor da nostalgia, dos dias que somem no cipoal das lonjuras; nos muafos, nas bibliotecas abandonadas pelos que se foram; nas estações, rodoviárias, escadas, porta dos elevadores indiferentes; ausência inevitável que seja, uma dor plangente na forma das existências anônimas. Distância. Distâncias. Décadas. Séculos. Às vezes despedidas forçadas pelas guerras, fugas, nos desencontros, desencantos, adeuses trazidos à tona dos longos amores perdidos.

Uma fome/sede que gruda lá por dentro e fere qual instrumento cortante, espinho afiado, garras agressivas de gritar, espernear, chorar, porém há que se haver tido o que seja bom que justifique saudade; voo de pássaros, sumiço de animais de estimação, criaturas de nosso amor jamais esquecido, felicidade insistente de nunca mais acabar. Das músicas, dos flertes, dos afagos, das palavras doces, orações, festas, ruas, casas, roupas; quantas razões de sofrimento desse apego que a gente traz conosco no decorrer dos dias sem fim. Uma constante máquina de alimentar emoções, treinar corações, iluminar nossos credos, esperar com afinco dias bons da felicidade mais plena, que vive solta em nós pelos planos de Deus, o pai que quer a realização maior das almas que somos nós. Nesse dia, de certeza, somaremos todas as saudades vividas, acumuladas, e as reavivaremos num único sol de Paz e Luz bem no íntimo do ser e em todo Universo que nos rodeia para sempre.