segunda-feira, 31 de maio de 2021

A difícil arte do perdão


Começa em si o itinerário, nisto de aprender a perdoar. Somos o campo de prova de tudo quanto existe, desde a comunicação ao exercício do conhecimento. A prática em si mesmo permite transferir a experiência aos demais. Dura um longo tempo compreender que temos quintilhões de erros os quais precisamos limpar e vir merecer confiança de nós mesmos daí em diante, a fim de exercitar as leis do Universo; carecemos de trabalhar até cortar laços com os erros e ganhar novo merecimento. Nisso, desenvolvemos o poder de perdoar também aos outros, consequência natural das ações internas da alma.

Portanto, primeiro exercitar o autoperdão, reconhecer que ainda não somos seres de absoluta perfeição; com isto, devemos vencer as limitações de quem conosco viva, e dominar o instinto de superioridade. À medida que tiramos essas marcas de consciência que ferem os nossos sentimentos nas amarguras do passado, elevamos a compreensão com vistas aos relacionamentos, melhor adaptados às condições de uma essência verdadeira.

Enquanto, pois, nos achar imaculados, isentos de culpas e erros, corremos o risco do radicalismo, do fanatismo, impondo irrealidades. Daí, as inadequações face aos relacionamentos com os demais. Temos que nos conciliar primeiro conosco, depois promover o exercício da paz na sociedade.

A ninguém resta o papel de condenar os semelhantes, sobremodo que ainda não galgamos níveis perfeitos, e quando isto acontecer haveremos de clarear bem mais a nossa capacidade quanto aos princípios da boa presença no meio dos humanos.

No intuito de se perdoar existe a disposição de mudar de atitude e deixar de lado o impulso às velhas práticas das tais barreiras de contenção de nossa boa natureza escondida sob as crostas da acomodação. Persistem um tanto nesta função reveladora as nossas fraquezas, contudo temos de agir e criar um novo ser em nós, que edifique de coragem nosso interior.

São palavras simples, todavia dotadas de força de transformar as nossas vidas e trazem a tão sonhada paz à consciência.

sábado, 29 de maio de 2021

O Campo de Concentração do Buriti


Diante da ocorrência da grave Seca de 1932, vista como uma das piores verificadas durante todo tempo no Brasil, visando prevenir o possível deslocamento dos sertanejos para a zona urbana de Fortaleza, o governo do Ceará instalou sete campos de concentração de retirantes, pratica adotada antes, na seca de 1915. Tais campos seriam instalados em Crato, Senador Pompeu, Quixeramobim, Patu, Cariús, Ipu e Fortaleza (nos lugares Otávio Bonfim e Urubu).

O campo do Crato localizou-se nas cercanias atuais do bairro do Buriti, trecho correspondente às margens da linha férrea desativada, próximo de onde funcionou a antiga usina de açúcar, que ora abriga a fábrica de papel.

Transcorria a era getulista, período esse correspondente a duas grandes secas: as de 1932 e 1942. Naquele tempo, ações de emergência sofriam restrições de modo e intensidade, conforme o contexto nacional e internacional e os pactos firmados junto às oligarquias estaduais.

Os campos próximos a Fortaleza reuniram em torno de 5,5 mil pessoas. O do Buriti, por sua vez, programado para uma lotação máxima de cinco mil, chegou a manter 18 mil no período de maior intensidade. O comando desse campo coube ao tenente João de Pinho, do Exército Brasileiro.

Nos tais campos de refugiados, também denominados currais de flagelados, na linguagem popular, houve registro de epidemias diversas, com óbitos em massa, além de reações e levantes, qual registra Irineu Pinheiro, dia 13 de maio de 1932, no livro Efemérides do Cariri: Revolta no campo de concentração de flagelados, no Buriti, lugar próximo do Crato cerca de meia-légua. Limitou-se a uma das secções do campo o movimento subversivo, que foi logo abafado.

Ainda que livres em certas horas para circular fora do campo, os refugiados recebiam ração constituída de derivado da mandioca (conhecido por farinha do barco), de cor amarela, trazido do Estado do Pará, cuja má digestão causava males digestivos e insistentes mortes. Em virtude da desnutrição e de doenças, morria gente todos os dias, e um caminhão passava recolhendo os corpos no final da tarde para jogá-los em valas na parte alta do campo, afirma a historiadora Rosângela Martins.

Naquele ano, à época da moagem, por volta do meio do ano, levas de refugiados saiam pelos brejos do sopé da serra, na busca de alimento. Derivados da cana e o pequi auxiliaram sobremodo na preservação das vidas, apesar de existir ordem expressa do comando do campo para que os proprietários dos engenhos não fornecessem alimento aos famintos. Alguns desobedeciam, a exemplo de José Pinheiro Gonçalves, no sítio Belmonte.

Segundo a historiadora Kênia Sousa Rios, os campos Eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber do governo comida e assistência médica. Dali não podiam sair sem autorização dos inspetores do Campo. Havia guardas vigiando constantemente o movimento dos concentrados. Ali ficavam concentrados milhares de retirantes a morrer de fome e doenças’ (in ‘Campos de Concentração no Ceará: isolamento e poder na seca de 1932’).

O mesmo estudo informa que, entre abril de 1932 e março de 1933, pereceram mais de 1.000 refugiados somente no Campo de Concentração de Ipu.

Ao final da malograda experiência de controle social, no Cariri, restaram centenas de crianças órfãs, muitas delas que aqui permaneceriam, abrigadas por famílias da Região.

(Ilustração: Foto de Wilton Junior, Estadão).

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Neste mundo de ausências


Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”.
Mateus 8, 20

Isto é aqui, neste chão, aonde viemos no sentido de largar o apego e vencer os liames que nos prendem à matéria. Aparentemente um contrassenso, no entanto a real finalidade de tudo nos levar ao nada. De, num gesto simples, então, lá um dia esquecer de vez todos os favorecimentos do reino material e se erguer, nos próprios pés, aos planos superiores da Criação. Somos nós esses tais autores de nós mesmos diante das interrogações com as quais viemos nos deparar ao nascer aqui. Missão por demais extrema, contudo a única essencial, nos conceitos filosóficos, místicos e proféticos. Sem outra que seja alternativa, os seres humanos dispõem dos meios suficientes a isto realizar.

Vivemos entre os dois reinos, este daqui, perecível, venerável, estanque, e o Reino de Deus, qual nos ensinam os mestres, que simboliza o objetivo principal de tudo quanto há neste universo ora conhecido. Assim, no decorrer das tantas existências, através das muitas reencarnações, nos aprimoramos, pouco a pouco, depurando valores materiais, até obter o salvo-conduto da Realidade definitiva, o que ensinam as escolas espirituais.

Enquanto isto, a vida vale de treinamento. Não tenho amigos, não tenho inimigos, todos são meus professores, Emmanuel (Francisco Cândido Xavier). E a resposta desse processo evolutivo somos todos os habitantes deste mundo cheio de contradições e desafios. Desfrutamos das oportunidades necessárias ao aprendizado, dia a dia, nas atuais condições, horas que se desfazem nas experiências vividas e guardadas ao transcorrer do tempo.

Nessa ordem universal, desenvolvemos a missão de nascer de novo ao eterno ser de felicidade que já o somos e ainda não saibamos. Havemos de decalcar em nós esse ente de plena luz que trazemos na nossa essência. Eis a síntese de todas as crenças e de todas as culturas, durante todas as civilizações.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

A vida e suas escolhas


Nessa constante dos movimentos bipolares que tem a existência, noite e dia, dentro e fora, pequeno e grande, triste e alegre, resta considerar a função de todos os indivíduos diante das próprias atitudes. Quer-se avaliar acima do mal e do bem, contudo resultados demonstram ser o produto das tantas escolhas particulares. Dizer que isto é a vida bem que fala do que seja a nossa participação. Quem planta há de colher. Toda maré que enche vaza. Assim na Terra, como nos céus. Com  a medida com que medirdes medir-vos-ão também a vós. E segue esse andamento, frases conhecidas desde sempre no falar das criaturas.

Se antes soubesse o que hoje sei, agiria de modo completamente diferente. Agir significa isto, de fazer escolhas. Sempre, nessa dicotomia entre um lado e outro de tudo quanto há, qual trocar de pés nas passadas, desse modo vivemos. Adiante surgem os resultados daquilo que escolhemos, e nisso fica bem demonstrada a coerência do Poder que domina e conduz todo acontecimento, dentro da perfeição das leis universais. Simples de saber, porém difícil de exercer.

As tais escolhas bem representam a emissão dos dados que norteiam os pensamentos vindos da imaginação. A gente recolhe pelos sentidos as percepções; seleciona o que melhor agrada; e lança à decodificação dos pensamentos, os quais, a seu jeito, formulam as palavras e as atitudes que representam as escolhas entre os resultados daquilo que traz a marca registrada de cada pessoa.

Isto de sermos os frutos de nossas escolhas demonstra bem as leis do Universo das quais somos peças. Fugir, sem ter aonde. Lugar inevitável ocupamos, neste mecanismo. Entre o passado e o futuro, aqui vamos nós, fragmentos do presente, de onde vemos o mundo. Testemunhas de nós mesmos, vivemos e aprendemos todo tempo. Daí a importância de compreender a importância valiosa das escolhas pessoais.

terça-feira, 25 de maio de 2021

Os sobreviventes do Tempo


Por detrás da casa de Seu João Preto, no Tatu, havia uma cajaraneira frondosa, bem numa cabeça de alto donde a gente avistava o vale dos lados da Santa Catarina. Víamos o brejo da cana, o Riacho do Meio e paisagem longa, que escorria pelo horizonte azulado. Descia ladeira íngreme que dava em um bosque de jurema lá embaixo. Nesse ponto se notava nítida a diferença do solo típico sertanejo, pois mostrava terra arenosa, esbranquiçada, espécie de restos de pedras trituradas, bem característicos, qual sendo doutras eras, e que guardasse histórias sob aquela capa de chão macerado pelo tempo. Nisso, eu viajava na imaginação, considerando presenciar de perto relíquias acumuladas de um passado distante, a trazer sinais de outra civilização que tivesse existido nas cercanias e desaparecera com os milênios findos. Sempre que andava ali, demorava nalguns momentos a considerar tal possibilidade, vinda ao acaso no juízo fértil de criança.

E quantos e tantos lugares são assim, cheios de lembranças soltas de outras horas, destes povos que somos nós, insólitos e vagos segmentos do Sol. Às vezes, recentes resquícios até de pessoas ainda presentes em dias anteriores; outras, porém, de longe, de quando nem testemunhas ainda seríamos, marcas indeléveis deixadas pelo fluir incessante das horas. Enquanto resistentes ao rio do Tempo, permanecemos no que somos agora diante desse todo universal, desde quando, que inícios tivemos, nítida interrogação  transportamos pelas rotas disso em que vivemos.

Quais instrumentos destinados a decodificar o mistério do Infinito, mergulhamos no depois, romeiros livres que o somos, senhores de segredos que venhamos, certa vez, a revelar. Livros abertos que falam sozinhos das histórias aqui vividas no transcorrer das existências. Esforços de não desaparecer, civilizações insistem gravar nas rochas, nos lugares, nas areias, suas marcas, nalgumas ocasiões notadas, talvez, que preenchem de páginas a Natureza aberta.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

O vendaval


Às vezes voltam os roteiros de filmes, de contos, romances, que ficam passeando por dentro das lembranças na maior sem cerimônia e a gente bem que gostaria de rever, reler, reviver nos originais. Assim acontece comigo em relação a um conto de Saki, pseudônimo de Hector Hugh Munro, escritor britânico, cujos contos satíricos e macabros expunham a natureza da sociedade inglesa na primeira década do século XX. Wikipédia

Bom, de tão expressivo que o considero, trago aqui seu resumo: Viviam próximos, em propriedades de vastas florestas, dois ricos senhores. Nas suas matas era costume caçarem aos bandos e, nalgumas ocasiões, entrar nas cercanias um do outro, gerando animosidade que já durava algumas décadas, enquanto as situações persistiam.

Mais adiante, sob o peso daquela tradição desagradável, resolveram pela consciência deles desistir das querelas e fazer as pazes, o que, de certeza, geraria união e melhores dias. Então aconteceu de ambos saírem numa caçada noturna, alimentando possível encontro em que pudessem estabelecer os novos sentimentos, motivo da alegria dos dois.

Altas horas, ao se aproximarem, forte vendaval sacudiu a floresta onde estavam instalados debaixo de vetusta e frondosa árvore. Sem qualquer previsão, o tronco cederia aos fortes ventos, vindo abaixo, prendendo nos galhos os dois ditos senhores, deixando-os próximos naquela solidão noturna.

Em meio da imprevisão do que viviam nessa hora, já desenvolvendo as conversas amistosas que previam, lembraram os demais companheiros da jornada e começaram a gritar, em pedidos urgentes de socorro.

As horas foram passando, no entanto, e nada de serem ouvidos. O tempo arrastava consigo a escuridão da noite, quando escutaram estalidos de madeira, passos distantes na folhagem seca e logo imaginaram ser dos outros homens que lhes acompanhavam. Qual o quê, bando de lobos famintos surgiria voraz e nenhuma chance restou aos dois personagens, que, desvalidos, apenas sucumbiriam na face do inesperado.

Quanto disso acontece pelo transcorrer das existências. Vêm oportunidades dos bons propósitos, que ficam relegadas a planos secundários, de perder o tento das novas histórias, farsas que muitos pregam a si mesmos, tudo sujeito a desaparecer qual em um passe da mágica, instrumentos que sejam de fazer o bem.

domingo, 23 de maio de 2021

O boi do bagaço


Depois de a cana passar pelas moendas e deixar o caldo que escorre para o paiol, dela resta o bagaço, que desliza numa rampa ao couro que espera logo abaixo, a ser arrastado pelo bagaceiro por meio de um animal manso, o boi do bagaço, indo para ser espalhada ao sol da bagaceira do engenho. Nos dias posteriores, numa sequência cronológica, esse mesmo bagaço, já seco e revirado ao calor sertanejo, levado, dessa vez, à boca da fornalha, onde o metedor de fogo alimenta os tachos de garapa no caldeamento, ao ponto de engrossar e virar mel, que, após indicação do Mestre da Fornalha, bem mexido nas gamelas, açucara e vira rapadura nas formas de madeira a isso destinadas. Esta a linha de produção de um engenho de rapadura no Sertão nordestino. Desde o corte vêm os feixes de cana que lotam o salão do engenho; sendo socados nas moendas, viram garapa, que, cozida em vários tachos quadrados de zinco, chega ao tacho principal, feito de cobre, até chegar ao ponto de gamela, qual dissemos.

Do tempo de criança, lembro haver acompanhado as moagens, verdadeiras festas de trabalho, rapadura quente e alfenim, a que percorríamos, nos diversos setores do beneficiamento da cana, qual das mais alegres diversões de menino. Dentre as peraltices, acompanhava o boi do bagaço que descarregava o couro e retornava sem carga. Subíamos no transporte do bagaço e vínhamos num passeio divertido, porém que, nisso, tínhamos de fugir das vistas de meu avô, meu pai ou Tio Jorge, pois reclamavam que estragava o couro sendo arrastado no terreno pedregoso com os meninos em cima. Mesmo com essa restrição, dávamos nosso jeito, fazendo amizade com o bagaceiro e driblando a guarda.

Bons tempos da infância no Sítio Tatu, em Lavras da Mangabeira, cheio de lembranças bem guardadas daquelas atividades, época de inocência e paz.

Ao final das tardes, no tendal, eram batidas as caixas de rapadura, ainda mornas, donde os trabalhadores colecionavam as cargas e traziam ao quarto de depósito, do outro lado da estrada entre o engenho e a casa grande, no Beco, agora restando daquilo tudo só fragmentos de memórias.

sábado, 22 de maio de 2021

A dança dos amores


Bem que poderia dizer A guerra dos amores, que é assim que se parece, como a um fortim depois dos longos combates, quando sobram mais escombros do que construção, cacos de todo lado, destruição e abandono. Assim a dança dos amores desta vida. Tantos desassossegos ao coração que dói de não ter tamanho. Lembranças boas, mas que ficaram largadas na estrada. Saudades acumuladas pelos cantos desse cômodo amarfanhado da alma da gente. Lindas noites, belos dias. Viagens, despedidas, sonhos desfeitos nas dobras do sentimento; distâncias, ilusões, promessas descumpridas, arrasos de causar espécie dentro das memórias já gastas e juras esquecidas nas poeiras do passado. Cartas perdidas, fotografias desbotadas, livros rotos.

Inexistissem amores, o que seria da música, dos romances, dos filmes, dos dramas e das óperas deste mundo. Que valeriam os esforços de competição e crescimento nos dias que sumiriam nas frestas do tempo?! Da beleza, da juventude, do sucesso romântico das histórias e lendas; dos reinos e epopeias?! A que serviriam tantas aventuras de heróis lançados aos desafios, nas batalhas mais cruéis?! De que sacrifícios os paladinos nasceriam, a enfrentar tempestades e dragões, não fosse o pulsar intenso dos corações aflitos de rever princesas nos condados impossíveis, nas dimensões do Infinito?!

Assim persistem os amores deste mundo, vidas adiante, largas margens dos rios de paixões desenfreadas, a nutrir de população a face dos séculos. Nisto, no ferver das contingências, domínio das criaturas ansiadas e febris, a desejar conter o movimento das marés dentro do peito. Desde sempre, lá dos inícios da adolescência, que guardamos essa mensagem que pede alimento dos deuses de ter alguém que nos ame, e a que amemos das entranhas, fragmentos de vontades que nunca pode dominar face aos impulsos dessa verdade, dos amores.

Ninguém, que nós o somos, desista do poder inigualável dessa energia maravilhosa de uma força descomunal que significa sonhar e trazer à vida o valor dos nossos sonhos e seus amores.

(Ilustração: O beijo V, de Roy Lichtenstein).

Dias claros


Esse instinto de querer iluminar a sombra que ainda existe em nós traz ao tempo desejos de que tudo seja positivo face às circunstâncias. De que cheguemos ao momento de ver o mundo com olhos luminosos, ricos de calma e dedicação às boas causas de melhorar a vida. Erguer o ânimo aos níveis de aceitar as determinações quais senhores de si, e amar a existência no intuito de crescer e lá um dia obter o visto de entrar nos páramos de uma luz mais intensa. Nós, estes principais responsáveis por renovar a face da Terra e distribuir esperança entre as gerações. De ver os desafios quais instrumentos de transformação. Abraçar os instantes tais sejam passageiros do encontro da verdadeira paz no íntimo do coração.

Isto que nos falam os dias claros, de querer iluminar o escuro que ainda existe, porém mostrando quanto de possibilidades dispomos na forma de pensamentos e sentimentos, palavras e atitudes, dotados que somos da força de modificar as condições, por mais difíceis que sejam. Sonhar de olhos abertos com a perfeição da Natureza. Sorrir, mesmo quando contrariados perante os detalhes da caminhada. Construir esse novo universo que vem de dentro da gente, testemunha das chances que perpassam o presente e oferecem meios de jamais deixar de lado a coragem e o trabalho para o bem.

Essa disposição que vive em nossas mãos será o valor maior de que carece a história de todos, na busca dos dias de harmonia e justiça que aguardamos há tantos milênios, ora em movimento nas nossas consciências. Exerce, pois, esse papel essencial que traz à tona o que desejamos, motivo suficiente de exercitar a pureza da verdade enquanto aqui estivermos. Dar uma chance ao conhecimento do que seja bom e traga felicidade a todos.

(Ilustração: O restaurante, de Maurice de Vlaminck).

quinta-feira, 20 de maio de 2021

A vontade que as palavras têm


Nem de longe a força do querer, só a força do querer, possuiria o condão de poder que as palavras têm do que a dizer, que elas falam bem antes do desejo das pessoas que as usam, em toda e qualquer conjuntura. Fazem e acontecem à medida dos seus mesmos instintos naturais de que são dotadas, as palavras. É tanto que são elas que colecionam seus significados. Dizem por si o que bem assim pretendem, e contam conosco, os seus fieis servidores, no jogo de armação dos significados definitivos neste chão das memórias. Tais meros instrumentos das palavras, agimos ao sabor da sorte que elas nos impõem a todo o momento. Vêm os gestos dos sentimentos, e tocam no teclado das palavras a crescer junto daqueles que as intentam, nas respostas aos diálogos entre os personagens de que somos nós. Chegam quase ao mesmo tempo dos impulsos, por vezes devastadores, destrutivos, ferindo populações inteiras na face do Planeta.

Com isso, as palavras dominam o território dos humanos, criando destarte razões antes inexistentes de determinar situações incontáveis, improváveis. Estava tudo tão calmo, quando, então, palavras foram pronunciadas pelos regentes, nas turmas de combate, e o resultado ficou sendo aquele das farras de agressões vãs. Porquanto determinam os disfarces das peças, no tabuleiro, com real antecedência, concatenando respostas que a vida naturalmente produz, espécies de parábolas, de profecias, contos, lendas, vindas de outras dimensões, lá distantes daquilo previsto no senso comum das criaturas.

Chegam nas asas do destino e pousam céleres ao meio da praça, alertas das condições de vida, nestes mundos imprevistos. Animais esquisitos, pois, de planos além dos nossos, circunscrevem lagos e florestas, desertos e superfícies geladas; ferem a ferro e fogo o sentimento dos mortais, no que desaparecem no caldeirão do desconhecido, tal quais aqui vieram. Palavras, instrumentos dos infernos ou dos céus, a depender unicamente do ouvido que as recebam, no fluir das plenitudes. Palavras...

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Aos cair das folhas


Quando nas estações vem o outono, pessoas também resolvem regressar ao mundo invisível e deixam saudade naqueles que aqui permanecem no ritmo sucessivo das trocas de guarda. Nisto, o mundo gira numa celeridade estonteante, por vezes no entanto monótona aos que desejam encontrar os que amam e agora vivem longe. As sensações deste chão a sumir dos pés, que tomam de chofre as mentes, parecem revirar as folhas e fazem morrer e nascer novas ilusões.

Quase que nem adianta buscar motivos de conhecer os segredos deste adeus das pessoas, porquanto elas revivem no mundo da lua suas criações individuais, desafiam a lei da gravidade e superam quaisquer justificativas que fossem, no tocante de continuar seus afazeres impacientes, porque a vida sempre segue e mantém seus continuares. Correm atrás de si próprias, nos caminhos imaginários das vidas, atores pois dos dramas da humana criação. Porém carecem, isto sim, de mil razões de sentir felicidade, e padecem da síndrome do dia seguinte, diferentes que sejam, ainda que todos assim acreditem de antemão que há uma imortalidade ali logo afora.

Viver, por isto, pelos fascículos das semanas, permanece ao dispor de todos nós, livres que fôssemos e não devêssemos responder face tudo que fizermos do direito de fazer. Migalhas do Infinito, jogamos as fichas do destino ao sabor das compreensões, enquanto padecemos do desejo do prazer, máquinas que trituram os instantes e descascam realidades. Nisto, seremos meras histórias de romances que se desfazem às nossas mãos numa velocidade estúpida.

E os outonos chegam e vão, trazendo distâncias àqueles que regressam no território do Infinito quando menos esperam, fascinados pelos fulgores exatos do tempo sem restrição. Senhor das individualidades, bem que reconhece aonde deixa os que leva consigo à presença constante da inexistência que eles terão de preencher na força das consciências, mais dia, menos dia. Nisso de que caem as folhas da estação que chegou inesperadamente, todavia tão consistente qual a ausência dos que desaparecem nos corredores sombrios da saudade.

(Ilustração: Saudade, de Almeida Junior).

Algumas notas do Instituto Cultural do Cariri



Vimos seguindo de perto o Instituto Cultural do Cariri desde a década de 60, quando ainda era instalado na residência do Prof. Figueiredo Filho, à Rua Miguel Limaverde, em Crato, inícios de minha amizade com Tiago e Flamínio, seus netos. A sala da casa via-se preenchida de relíquias dos índios da Região, pedras raras, livros e outras relíquias, numa biblioteca especializada nos assuntos do Cariri e quadros e peças de valor inestimável, pertencentes ao ICC, isso bem nos seus primórdios.

Depois, ao regressar da Bahia, década de 70, passei a desfrutar das benesses do Instituto isto já na Praça Três de Maio, na gestão do Dr. Raimundo Borges à frente da Diretoria, de quem foi secretário, e onde permaneceria até ser transferido para duas salas no edifício defronte ao Colégio Pequeno Príncipe, sob a presidência de Olival Honor de Brito.

Vista a construção da sede própria, nas atuais instalações da Praça Filemon Teles, graças à doação de um terreno pelo prefeito Ariovaldo Carvalho e verbas do Governo do Estado, na gestão do governador Lúcio Alcântara, mediante os esforços administrativos do então Presidente Manoel Patrício de Aquino passamos a dispor de uma localização definitiva em edifício de esmerada construção.

Na gestão seguinte, tendo à frente o presidente Huberto Tavares de Oliveira, mereceríamos a regularização oficial da nova sede, através do prefeito Ronaldo Gomes de Matos, o qual custeou as despesas cartorárias a fim de termos a posse efetiva do belo edifício sede.

Na próxima presidência, sob minha responsabilidade, fizemos a segunda reforma dos Estatutos Sociais da instituição, os quais ora permanecem vigorando, visando a atualização das normas e ampliação do número de secções e cadeiras, face à demanda dos tempos, que assim o exigiam. Depois, passados 14 anos sem circulação, cuidamos de reativar os lançamentos anuais da coleção da revista Itaytera, órgão editorial da entidade, que perfaz agora 49 edições, e que permanece em franca circulação, passados que foram, até aqui, quase 70 anos desde a fundação do sodalício, em 1953.

Na gestão seguinte, do presidente Heitor Feitosa Macedo, a Itaytera seria digitalizada e disponibilizada na Rede Mundial de Computadores para todo o mundo, outro marco valioso e exponencial de nossa história.

São, pois, alguns registros a propósito da história da casa máter da cultura caririense, detentora dos melhores adjetivos na preservação das tradições históricas, antropologia, literatura, etnografia regionais.

domingo, 16 de maio de 2021

Impressões


Este som constante que há em tudo fala bem aqui dentro de nós. Indica os meios de saber que não estamos sozinhos diante da realidade que perpassa os fios da memória onde deslizamos constantes feitos peças definitivas. Que seres se movem no ar em volta das outras criaturas, numa dança cósmica inigualável. Que há um código secreto em movimento no decorrer do tempo que passa aos nossos olhos. Que nuvens vagam no céu, a demonstrar o eterno circular das ondas pelos mares das horas incessantes. Que vidas insistem viver enquanto, por vezes, esquecemos que também somos destes seres vivos que carecem conhecer a razão disto, desse viver. Que o Universo é infinito em todas suas direções, tal qual esfera de raio sem fronteiras, jamais, em lugar algum. Em quaisquer direções ali persistirá o infinito de mundos misteriosos e profundos, aonde existem outros seres talvez semelhantes aos que ora somos. Que durante os instantes de presenciar o quanto existe, seremos partes integrantes desta sinfonia esplendorosa a falar de um Criador, porquanto em todo nascedouro haverá uma origem e seu autor por demais poderoso e sábio. Que ninguém está sozinho perante os fenômenos que integram os componentes de uma peça única, contida neste todo universal. Que conhecer produz em Si a consciência, motivo primordial da comunhão dessa unidade original consigo própria. Que o silencio é a voz profunda de um código sob o que tudo acontece e de que somos peças integrantes. Que, à medida quando avançamos dentro de nossas camadas interiores, iremos nos deparar com essa causa primeira da existência no seu sentido mais amplo, luz necessária de seguir adiante através das jornadas sucessivas do conhecimento. Que a perfeição revelada nos detalhes mínimos da música dos céus, bem ali habita soberano o segredo de tudo quanto significa viver e amar. Que as vidas possuem o poder guardado no coração de encontrar essa perfeição à medida dos séculos. Que percorrer dentro da alma da gente os caminhos da humana finalidade desta revelação inestimável, eis o sonho maior de todos os seres enquanto durar a Eternidade.

sábado, 15 de maio de 2021

Até encontrar a Paz


As tantas vivências deste mundo, nas noites mais escuras, nos sóis que se sucedem, eis os quantos degraus ainda a subir na busca da sonhada Paz. Viver, repetir o mesmo gesto dos dias, construir os sonhos no modo de manter o gosto de continuar, essa a longa caminhada no sentido maior de resolver todos os dramas, de deixar fluir a força que mora em nós. Que mais querer se não isto, de achar o pouso das jornadas, nem sempre vitoriosas, porém único caminho aos passos de todos. Ter o prazer de saber que andamos nos lugares onde descobriremos meios de tranquilizar a consciência e aproveitar as oportunidades do melhor jeito, concretizando intenções sinceras, de realizar o suficiente, e, lá um dia, desfrutar a paz dos justos, e revelar o equilíbrio e a satisfação.

Nisso que se destinam as chances de estar aqui, de plantar a semente da Verdade no coração deste lugar. Ser, sempre, instrumento da virtude; nada tão significativo a fim de existir durante todo tempo. O campo em que isto acontece está naquilo que ora somos. Quais artífices dessa imensa perfeição, trabalhamos sem cessar no objetivo de resolver a equação das horas e desenvolver os instrumentos de humanidade vivos na nossa essência. Sobreviver ao vazio dos objetos e concretizar o novo que trazemos na nossa alma. Todos os caminhos levam a isto, porquanto assim fomos destinados. O que nos reserva o tempo em forma de poder chegar ao momento de germinação.

Os desafios, as contradições, os instintos e desejos, tudo tende a encontrar a Paz e compreender por que viemos, que transportamos nesse valor maior de superar as limitações da matéria e desvendar os mistérios do Espírito, motivo de vir onde estamos agora.

(Ilustração: Vincent van Gogh pintando girassóis, de Paul Gauguin). 

quarta-feira, 12 de maio de 2021

A certeza das crenças


Eis um valor individual que a ninguém cabe contestar, toda crença, que as pessoas alimentam vidas afora, estruturando modos de pensar e praticar diante dos próprios passos. Significa a assinatura particular das criaturas humanas. Fruto do decorrer das vidas, cresce em nós esse valor maior de compreender todo fenômeno, desde tempo, merecimento, justiça coletiva, paz social, oportunidades, amores, família, saúde, aceitação, etc.

No andar dos acontecimentos, pessoas desenvolvem isso de interpretar a existência perante os fenômenos da natureza. A gente toca os elementos na medida dos nossos entendimentos. Daí a impessoalidade que norteia o jeito de todos verem o mundo. Uns vão numa vertente, outros noutra. Modos díspares da visão particular representam, por isso, o resultado das experiências e conflitos, aulas abertas das histórias de todos. Livros e livros jamais dariam de conta da transcrição que isso bem merece, patrimônio que some à medida das gerações. O que hoje revela, amanhã pode haver sumido para sempre na fragilidade das horas que passam.

Tais conceitos demonstram o valor deste patrimônio inalienável e peça valiosa da herança coletiva. Vezes me pego a cogitar no que acontece por dentro das pessoas, formatos intransferíveis de tantos valores, vivências e conteúdos. E no quanto é difícil saber o que, na verdade, cada um pensa e sente, planeja e desenvolve, longe das vistas dos demais. Nisso, também, naquilo que creem, estabelecem seus contatos junto dos planos mais avançados da consciência. Muitos até adiante da grande maioria, seres afeitos às lutas da sobrevivência, nos sonhos e práticas de vida; místicos, conhecedores do que poucos avaliam.

Nisso a importância da comunicação, das leituras, dos métodos de educação e registros preciosos da Humanidade, durante as civilizações. Dentre esses, as religiões, os ritos, mitos e culturas, vindo neste segmento artes e testemunhos que permanecem naqueles que os preservam e transmitem através das gerações sucessivas.

terça-feira, 11 de maio de 2021

As palavras


Elas têm vida própria. Diante deste silêncio que trazem as horas noturnas, quando o vento sacode as árvores e os animais acham lugar nas sombras, ainda assim elas mexem por dentro de tudo isto, as palavras, filamentos sublimes de eternidades. Elas que querem por que querem vir à tona. Mais que ninguém, sabem o que dizer daquilo que carregam nas entrelinhas das ausências, e trabalham os sentimentos das pessoas que dormem, querendo, dalgum jeito, reviver memórias acontecidas, sacudir conceitos e modificar o instinto das almas penadas que vagam pelos desertos das visagens. Quais movimento das marés, insistem acordar as criaturas e lembrar-lhes do mistério que transportam  vidas afora, instrumentos insatisfeitos de esperança e fé, nem sempre alimentados pelos humanos nessas horas mortas. E nisto querem fazer valer o peso dos instantes que passam velozes; dormem, contudo, face a face com o ritmo de um tempo largado lá fora.

Palavras, motivos soltos nos sons do silêncio. Depois que a pressa recolhe suas asas, os significados, no entanto, permanecem grudados às colinas do pensamento dessas criaturas que fazem de conta que adormeceram. Daí, vêm os sonhos na forma dos roteiros e argumentos, e aceleram o senso de saber mais dos sentimentos escondidos. Tantas histórias que buscam acordar na gente o tal poder de criação, porém se esquecem de revelar o sentido logo que despertam ao nada desses dias que viram farelo em nossas mãos desajeitadas.

No entanto elas ali permanecem indefinidas pelas esquinas do firmamento, animais vadios, indomáveis, plantas vivas. Transitam impacientes de achar nalgum dia, quando menos presos estivermos aos hábitos, de nos encontrar de verdade. Bichos afoitos e selvagens, nos tomarão apegos ao nada, e farão de tudo quanto somos só instrumentos da velocidade do ser que foge de si, atirando-nos ao clarão das madrugadas, transformando de pedras em poeira e, nesse momento sagrado, havemos de amar e dominar o destino de tudo.

                                                                                                      

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Os cambiteiros


Desde logo, o próprio Word que cuida em desconhecer a palavra (cambiteiros), porquanto se trata de um termo de pouco ou nenhum uso mais nestes tempos de agora. Cambiteiros, aqueles trabalhadores que transportavam os feixes de cana do corte ao engenho, isto no lombo dos burros de carga, animais tão brutos quanto seus operadores. Espécimes treinados nesse afazer, munidos de alimárias equipadas de cangalhas e cambitos, pedaços de madeira fornida no formado de um “v”, em que, dois de cada lado, eram apostos os feixes de cana previamente montados pelos cortadores, amarrados com as embiras feitas da palha verde da cana que cortavam. Esses feixes iam até em cima da cangalha, até o suporte dos burros. Daí, partiam em tropas rumo do salão do engenho, do onde as canas seriam levadas às moendas e desfeitas na garapa.

Um ofício rude e por demais ingrato, porém respeitado no transcorrer das moagens. Essenciais nesse transporte, os cambiteiros marcavam presença todo tempo, a fim de abastecer devidamente o processo de fabricação da rapadura. Eram eles os primeiros a chegar, tão cedo amanhecia o dia. Arriavam seus burros defronte da casa grande, a retirar do quarto das cangalhas e cabrestos os arreios e equipar suas tropas, nas quais todo burro tinha um nome próprio, sendo assim comandados. Sempre dispostos, bem alimentados, agiam com extrema precisão naquele ofício, rápidos, forçudos e dóceis, apesar de firmes no compasso das ações.

Destarte, lembrei esses dias do valor ímpar dos cambiteiros nas moagens sertanejas, verdadeiros e audazes, a tropa de choque dos engenhos. De manhã aos finais de tarde, cumpriam à risca o compromisso desse abastecimento constante da cana desde o eito do corte ao início da linha de produção, e que bem que merecem um monumento aos que fizeram o ciclo da cana-de-açúcar do Nordeste brasileiro.

(Ilustração: Cambiteiro, de Vicente do Rego Monteiro).

domingo, 9 de maio de 2021

Jornadas em volta de si


Isto de viver, que alguns chamam existir, das jornadas dos pensamentos e sentimentos em torno da esfinge que a gente cria, nesse processo de experimentar os dias e as horas. Feitos pajés dançando ao redor dos totens que eles trazem no juízo de muitas luas, os demais aceitam, por força da necessidade, acreditar nesse desenrolar dos acontecimentos. Nós, enfim, estas massas informes que ganham terreno dentro das linhas do tempo, e depois tudo perdem sem a menor cerimônia. Qual quem se entregasse antes do momento definitivo, fazem de conta que usufruíram de sentido, quando, por vezes, viver nem de longe deixa assim parecer, nas dobras do firmamento.

Esses pensamentos que vagueiam soltos dentro da gente, pelas estradas do desaparecimento, são espécies de buscadores da Verdade, sendo, no entanto, só apenas joguetes que querem dominar vidas inteiras. Significam bem isso, de bancar heróis nos filmes dos dias; uns que pousam de valente, e outros que admitem representar o papel de curinga, canastrão, pretendendo, talvez, impedir o artista de ganhar a mocinha antes da cena derradeira, já que sabe não terá outro jeito senão este.

Enquanto que parecem conhecer a história, contudo eles fogem pelo labirinto dos dias, a fim de sobreviver às horas que escorrem. Muitas, por isso, as normas de controlar os arcos do silêncio, e deixar correr o barco nas águas do Infinito, conquanto, melhor do que ninguém, um a um ergue o sentimento de que tudo tende acalmar o espírito e usufruir da certeza de quem, um dia desses, será feliz e viverá a paz dos justos, afinal.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

A força que mora em nós


São conceitos vários, espalhados nos caminhos, a falar de meios os quais permitem que venhamos a encontrar as respostas que a vida impõe. Por vezes, filosofias, crenças, experiências, no entanto formas possíveis de nos convencer, pouco a pouco, dos instrumentos necessários ao despertar de uma nova consciência. Que se sabe aonde vai dar a existência pura e simples de deixar o tempo correr; disto não existem dúvidas que resistam. Seria rotina ocasional de todos os viventes. Princípio, meio e fim, tão só que na matéria. No entanto resistem ao tempo os sistemas de outras avaliações, as percepções dos místicos e filósofos. De uma vida além da vida ninguém questiona mais, transcritas as experiências.

Há que dizer sermos os autores dessa descoberta. Não fosse assim e nada teria significado definitivo; seríamos meros joguetes das eras, barcos perdidos no mar imenso das circunstâncias, puras aparências do destino. Porém resiste ao tempo o poder da cultura dos sábios que noticiam formas novas de encarar a vida e produzir um novo ser do ser que ora somos.

Além de meros objetos da natureza física, em nós habita o senso do autoconhecimento, porta doutras dimensões, às quais viemos destinados. Esse fator de que somos a revelação representa, pois, a causa essencial de tudo quanto existe. Temos, com isso, uma vida secreta em movimento. Superar o lado escuro de que fomos dotados, a fim de comungar doutra percepção do Universo, porquanto possuímos disto a fórmula, restando apenas desvendá-la através das existências e exercer o papel de autores conscientes da própria percepção.

Creio que disso existe suficiente informação durante as jornadas de cultura a que fomos submetidos. Uns insistem na negação dessa chance, restritos ao materialismo. Outros sabem, ou têm intuição, das probabilidades espirituais; isto resume a aventura humana deste mundo. Dentro das tantas histórias individuais se impõem conclusões e confortam o viver da esperança, sobretudo naqueles que sentem a fragilidade temporal e buscam na luz a consistência de uma verdade bem maior.

(Ilustração: O olho, de Paul Klee).

Testemunhas da condição humana

 Nós, cada um, pedaços deste todo, centros ambulantes do Universo. Às vezes quer-se saber o que se passa dentro das outras pessoas, e vem isso, de sermos todos estes um só e único ente igual a todos os demais. Testemunhas privilegiadas dos mesmos direitos e das mesmas obrigações perante o nascer e o morrer; o amanhecer e o anoitecer; acordar, comer, andar, trabalhar, sorrir, amar, sonhar, dormir, desaparecer. Frutos da árvore da existência, tocamos aqui os sentimentos e os pensamentos diante da enfieira das horas sem fim, amém. Nós, estes seres dotados de cabeça, tronco e membros; ramos do tronco da humanidade; lustres do teto do firmamento; chances de acertar nas loterias da inevitabilidade; descobrir a que veio; de como atravessar o rio do tempo e encarar o mistério eterno do movimento que carrega no peito, no pulsar dos corações insistentes. Grandes, pequenos, trajados, nus, gordos, magros, azuis, avermelhados, ricos, pobres, velhos, jovens, mulheres e homens; milhares de números em profusão às portas do Infinito. Da gente que lá um dia para, querendo as respostas que demoram de vir, e observar um por um olhares do destino dos dias na forma de pequenas gotas que caem e somem na justiça das interrogações. Quer saber o que acontece ali no íntimo das criaturas que andam nas ruas, nas praças, nos caminhos, idênticos nas buscas, aprendizes das escolas deste mundo vazio, quase felizes, ainda andarilhos dos céus em desejos perenes de paz, contudo existências acesas nas fogueiras da multidão de semelhantes, com nome, endereço, família; solidão a dois, no oceano da procura de si em si; conflitos que preenchem a pauta dos momentos, e disso jamais podem sequer pensar em fugir, que não tem aonde. Parceiros da sombra que deseja piamente clarear no transcorrer dos séculos, da ausência do pouso que tanto anseiam, na certeza da dúvida. Nós, cada um, pedaços deste todo, centros ambulantes do Universo.

(Ilustração: Composição VII, de Wassily Kandisky).

quinta-feira, 6 de maio de 2021

O caminho dos livros


Adolescente ainda e presenciara a inauguração de uma boa livraria em Crato, à Rua Miguel Limaverde, próximo à esquina da Praça Siqueira Campos, a Feira do Livro, cuja matriz existia em Fortaleza. Numa noite festiva, o salão se encheu de pessoas interessadas em leitura, a conhecer loja que propiciava alternativas aos aficionados, tempo aquele de cultura e quase só esse meio de entretenimento, fora cinema, bares e clubes. Lembro que comprei, na ocasião, o livro O velho e o mar, de Ernest Hemingway, autor americano de sucesso e prêmio Nobel da literatura.

Ai de mim se não existissem os livros. Sempre frequento livrarias, nos lugares aonde vou. Espécie de mania, costumo observar as prateleiras de livros qual quem procura janelas para olhar o nascer do Sol. Quando revivo outros cantos em que pisei, retornam à memória mais os títulos que manuseio do que mesmo os célebres pontos turísticos preferenciais dos roteiros. Aprecio ver livros e também fotografar paisagens, interesses inevitáveis. Talvez, quero crer, não despertei até hoje para as viagens distantes porquanto na maioria dos países livros são noutras línguas, e conheço pouco, ou nada, dos idiomas, exceto o raro português de onde nasci.

Em Crato, noutros momentos, havia boas casas de livros, suficientes aos apreciadores das letras neste interior. Livraria Católica, de Vieirinha; Livraria Ramiro, cinquentenária empresa de Ramiro Maia, meu amigo de saudosa memória; SMB, de D. Auri, que sustentou a oferta de livros por longa data; Distribuidora Zé Osmar, responsável por lançamentos raros e que vendia jornais do Sul, inclusive O pasquim dos anos 60; e, já mais recente, Livraria Apoio, para falar nas principais que existiram no centro da cidade.

A fama cultural de Crato procede das suas escolas tradicionais, a começar pelo vetusto Seminário São José, passando por Colégio Diocesano, Colégio Santa Teresa, Colégio Estadual Wilson Gonçalves e Faculdade de Filosofia. Isto sem deixar de citar o Instituto Cultural do Cariri, detentor da publicação da respeitada revista Itaytera, com a marca de 45 edições anuais no decorrer de uma história iniciada em 1954. A história cratense e os livros se integram toda vida.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

O senso do inesperado


É preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina.
 Nietszche

Bem isso de viver os séculos de noites insones e poder continuar sonhado diante das tantas câmeras em ação, nas dores inesperadas de horas em movimento, e saber conduzir o barco das vidas, ainda que face a face com os desmandos da inconsciência e dos tempos. Um tanto disso, e o azul de céu a contemplar os afazeres inúteis, porém de acordo com as leis do Cosmos, que os permitem, porquanto necessários ao aprendizado constante destas gerações. Ir ao fundo de mil poços e voltar à imortalidade.

Quero crer ser possível, pois, recomeçar a qualquer momento o que nunca existira, nem na imaginação. Precisar desaparecer até reviver das ilusões; admitir ninguém ser maior que ninguém, que inexiste o inevitável e que sobreviver significa isso de mergulhar a fundo à cratera de si mesmo e de lá reaparecer, razão de tudo, durante todo tempo.

Perder-se e, de novo, descobrir o motivo do que persistia dos universos perdidos no espaço. São muitas as histórias individuais de criaturas largadas aos sóis e que, outra vez, regressam à luz das manhãs de primavera. Andar, portanto, nas estradas do instante quais minúsculos seres doutras galáxias e assistir ao renascimento de espírito simples, suave, espécie de semente do eterno que fertiliza de esperança e fé nos corações.

Aparentemente lançados no abismo vazio doutras energias, as condições dos voos noturnos, sair-se-á noutras dimensões bem mais claras do que o quanto até aqui, então, neste universo estreito que, de certeza, abrirá circunstâncias nunca vistas aos países deste mundo. Nas vozes das montanhas, gritarão além do além, e reverter-se-ão sobre as canções das tantas jornadas do passado.

Conquanto persistam os desejos jamais imaginados dos super-heróis, maiores delírios de luz quedar-se-ão aos olhos do firmamento e dormirão o sono de paz da Felicidade.

(Ilustração: A tentação de Santo Antônio, de Hieronymus Bosch).

terça-feira, 4 de maio de 2021

O quarto de Tia Auta


Na casa grande do Tatu havia alguns cômodos característicos; o quarto da cera, onde rasgavam as palhas de carnaúba, depois de secas ao sol, extraindo, assim, o pó que levavam ao fogo e faziam a cera, produto bem apreciado, com fins industriais, em determinada época; o sótão, ao qual uma escada de madeira grossa dava acesso, depósito dos trastes da família, aonde nunca lembro de ter entrado, mesmo porque era proibido que tal acontecesse; daquela escada foi que Tio Gentil veio de cair e ficar prejudicado, o que ele conta num dos seus livros; o quarto da rapadura, em que meu avô guardava parte da safra a ser utilizada no sítio entre duas moagens, também ali estavam silos de zinco para depósito de grãos no intervalo dos invernos; ao lado, um cubículo escuro, que, dizem, no passado servira de prisão aos agregados desobedientes, à época de Fideralina, em que, nas paredes, existiam letras e desenhos, que, talvez, ainda hoje lá estejam; e um quarto mais isolado, com janela gradeada, ao que, contavam, servira de prisão a Tia Auta, por conta de um namoro indesejado de seus pais, mas que desconheço maiores detalhes. Tudo aquilo cheio de mistérios, num morada sertaneja ampla, de piso de cimento queimado, ou de tijolo aparente, império de muitas ocorrências e dotada de silêncio extremo aos meios-dias, só ouvíamos o zumbido das moscas, quando eu, menino, deitava de barriga no chão, na friezinha boa, amenizando o calor causticante do verão nordestino.

Adiante, naquele quarto de Tia Auta, foi ali que Tio Jorge, numa madrugada, avistou o vulto de Fideralina a lhe sacudir o punho da rede. Ele, de um pulo, levou na cabeça o farol que estava no frechar da porta e correu para o terreiro. Nunca mais teve quem lhe fizesse dormir de novo na casa grande, pelo resto de sua vida. A botija que ela quis entregar a alguns não foi encontrada, apesar de haverem revirado o chão da casa inteira, em todos os cômodos, sem achar o que desse de localizar o tão sonhado tesouro. Ao que se supõe, os tais pertences de valor, em um tacho de cobre, foram enterrados noutro lugar distante da residência.

domingo, 2 de maio de 2021

Portais do Infinito


O passado não existe mais. O futuro ainda não chegou. Estamos exatamente na fronteira dos dois infinitos. Dois lados de uma única estação. Somos os heróis de nós mesmos a transportar este fardo de um lado a outro, e nem seguiremos juntos dele, porquanto haverá outros níveis de compreensão que precisamos conhecer. Restos das horas, isto é o que somos durante todo tempo. Ânsias, vontades, ausências, tudo, afinal, em uma só persistência de vencer a fuga dos momentos que escorrem pelos nossos dedos na direção do Infinito. Houvesse alternativas outras que não fossem deixar correr o rio do Tempo e seríamos os criadores da Natureza. No entanto cabe assistir esse fluir do movimento e admirar as possibilidades que pesam em nossas mãos. Enquanto que, mesmo assim, dispomos das razões de viver com intensidade o direito de investir nessa construção da consciência diante do fugidio. Trabalhar todos os meios de que dispomos a fim de encontrar a libertação da fragilidade humana. Quais destinados à preservação de nossas almas, relutamos em desaparecer, vez que inexiste tal perspectiva.

Sempre nos deparamos com este quadro a qualquer instante. Ninguém significa inexistência. Dentro de toda pessoa viverá acesa a chama perene na descoberta dos caminhos que levarão ao definitivo, fruto da condição de todos, no senso da Eternidade. Detectores da verdade, seguiremos estradas afora, artesões da nossa presença no trilho das leis definitivas. Este o condão essencial do que somos, seres talhados ao crescimento e senhores, lá um dia, do poder de partilhar diretamente dos segredos universais da Criação.

Essas aves da salvação, conduzimos a perfeição em forma latente, força inesgotável da ciência e espíritos da imortalidade. Bem aqui, por isso, trazemos a luz guardada em nossos corações, que brilharão aos céus no tempo certo da plenitude, que ora trazemos em nós na forma de filhos diletos do Infinito que aqui habitamos. 

 (Ilustração: O espelho infinito, de Yayoi Kasuma).

sábado, 1 de maio de 2021

O valor da cultura


A história mostra bem isso que quero aqui dizer, de quando um povo pretende dominar outro o primeiro que faz é minar gradualmente sua cultura até o total desaparecimento. Vai sendo assim no decorrer dos tempos, o imperialismo que o diga. Antes quebram os laços originais das tradições, das famílias, dos monumentos, das religiões, da literatura, dos folguedos populares, das lendas, dos dialetos, e depois trazem as latarias das dominações deslavadas, destruindo a alma de um povo na maior sem cerimônia. Quem deseja pode pesquisar e ver de perto o tanto de perversão que arrasta a ganância dos impérios. Ameaçam, agridem, desfazem tudo de sagrado na consciência daquelas culturas, e fomentam superficialidades outras fora de raízes; massificam, pois, usando termo dos dias recentes.

O século XX apresenta essa cara nos diversos continentes. Primeiro, com o Império Inglês, seguido pela fúria nazista, adiante os russos e os americanos, máquinas de guerra que, infelizmente, solaparam os anseios de paz das muitas horas de sonhos. Havíamos vistos outros exemplos, no cordão do passado. Roma. Israel. Portugal. Espanha. Tantos e tantos predadores que marcam o elenco dos poderosos, tudo a troco de nada, qual se vê hoje, na devastação que repetem, ferindo de morte as possibilidades da Civilização.

Isto deixando de lado a utilização inconsciente dos recursos naturais, da herança da humanidade inteira, nesta época de superpopulação e fria indiferença dos líderes, voltados tão só a interesses imediatos e benefícios de grupos, num acúmulo de obscurantismo de causar apreensão, diante de fase escura que atravessa o mundo inteiro.

Na década de 60, as nações ricas mobilizaram seus conhecimentos científicos na intenção da descoberta de uma saída para os céus, através da corrida espacial. No entanto viu-se, porém, face à irrealidade; eram insuficientes os meios disponíveis a vencer o mais pesado que o ar. Pelo que indicam nítidas conclusões, a raça humana terá de resolver consigo mesma esta equação e aceitar que todos somos irmãos navegando os mares do Infinito.

(Ilustração: A dança dos camponeses, de Pieter Brueguel o Jovem).