domingo, 28 de fevereiro de 2021

Cores do silêncio


Escrever tem disso, de falar consigo mesmo defronte do espelho de um mundo desconhecido, no entanto ao nosso lado, todo tempo, interpretando as necessidades e contingências do silêncio. Qual escultor diante do frio bloco de mármore, a gente decodifica a ausência dos sons e pede perdão pela audácia de falar, quebrar a mágica das folhas em branco. Espécie dos navegantes de mares profundos, mergulhamos nas ondas feitos senhores nórdicos dos reinos impossíveis, e colhemos palavras, forjamos frases e aguardamos só o momento de, outra vez, regressar ao silêncio original, em um clamor de quem cometeu heresias por não resistir às cólicas do parto da solidão. 

Daí vêm lendas, fábulas fantásticas cheias de inexistências. Contos surrealistas. Narrativas de mistério. Luzes afinal que se despejam nas teclas das máquinas de sonhar. Olhos fixos na escuridão das pessoas, esfarelam esses mundos exóticos das madrugadas, saltimbancos impacientes dos autores que viajam pelos livros abandonados nas prateleiras do vazio. Letras que conspiram desde os mundos invisíveis das horas em movimento, impacientes, que correm soltas pelas linhas de parágrafos imaginários e surpreendem os animais que vagam perdidos nas esquinas dos céus. 

Ação de quem deseja continuar nas trilhas do tempo para sempre, através do artesanato das vidas, escrever significa, sobremodo, esforço de conter o pensamento e dele extrair sentimentos da própria alma e lançá-los às almas penadas do Purgatório. Pintores de quadros apressados que se desfazem na tela do Infinito, eles, os que escrevem, insistem nisso, de dizer o indizível, contar o improvável e estabelecer contatos junto de seres inexistentes. Algo, pois, semelhante a invadir searas do Tempo e fixar moradia perante abas soltas lá no Firmamento. 

Assim são as cores do silêncio com que místicos constroem suas histórias sagradas e refazem os caminhos da Humanidade por meio dos credos e profecias, brancura rude das vozes sussurradas nesse cosmos magnânimo da criação. Nisso, convictos da violência que praticam por meio das palavras, reencontram o vigor maravilhoso do silêncio, e deitam por terra qualquer anseio de virtude; aceitam, sem outro jeito, acalmar os ânimos dessa multidão calada, regressando ao sono inevitável e puro da doce realidade. 


sábado, 27 de fevereiro de 2021

As malhas da consciência


Por mais queiram negar, os que se acomodam em viver ao léu de seus instintos, no entanto existe um clímax, ou ponto ideal, aonde iremos depositar o desenvolvimento do que agora somos. Esse instrumento de adquirir evolução que significamos representa bem esta necessidade do conhecimento interno do ser e do existir. No impulso de buscar aquilo que, de longe, falaram os grandes autores desde o Oriente, precisamos atualizar isso de revelar a si o que precisamos saber. Abrir as malhas da consciência ao nosso uso daqui dessas brenhas do Sertão das horas.

Ninguém viverá à margem da evolução, por isso o desejo constante de conhecer o mecanismo interno da alma da gente. Desvendar os caminhos da paz, da ciência que transportamos a qualquer instante, tão só preenchamos o corpo humano, raiz dos segredos de tudo quanto há todo tempo, pois trazemos conosco tal possibilidade; pois a isto viemos.

Dominar a escuridão e chegar na luz, eis o percurso dos seres viventes. E todos, por igual, existimos nessa mesma intenção do Universo. Os modos são as escolas que transmitem lições de achar o destino. Nem adianta querer ignorar, porquanto já viemos previstos pela infinita Natureza; quando ocorrerá o encontro dessa revelação, grosso modo, caberá aos humanos. 

Bom, até dizer isso, de ter uma finalidade, que ninguém é pedra que rola pelos tempos, importam detalhes essenciais, de reconhecer nas existências alguns fatores, a vida, a imortalidade e o progresso das gerações através das tantas vidas; passar de um corpo a outro por meio das vidas sucessivas e, lá um dia, obter a percepção da luz na Consciência, o portal da Eternidade em cada um de nós, fruto raro das forças em movimento neste plano de existência comum a todos.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Manhã de chuva


Das características de viver neste lugar, entre o semiárido e a serra, no Cariri cearense, tem isso, de, todo ano, esperar pelas chuvas. São chuvas de verão, no dizer da Ciência, porquanto nem inverno seria no período. E esta madrugada elas vieram com gosto. Algo acima de 120mm. Trovões. Rios cheios. Terra molhada. Animação dos sertanejos de ver barreiros, açudes, barragens, refazer suas reservas e as roças e os animais desfrutar das bênçãos vindas dos céus. 

Isso além das reações na alma da gente. Algo que regressa aos idos da infância, de noites frias, bichos contentes no curral, no terreiro, marulhar dos riachos no eito das capoeiras, alento, afinal, dos dias bons de esperanças e certezas doutro ano de fartura nas plagas do Sertão. Nessas revivescências, luzes diferentes reviram dentro das criaturas, que ficam mais silenciosas, mormacentas, caladas pelos cantos. 

A caboclada aquieta de imaginar dias menos densos, os refrigérios das matas, solo mais afeito aos golpes da enxada e menos intensidade no sol da roça, face ao nevoeiro que demora e persiste com a festa de deixar chover tanto quanto a terra necessita de gerar vida. Por si só, o canto dos pássaros parece afinado ao tom das gotas na folhagem e do escorrer da água pelo chão.

Bem isto de viver as glórias desta parte de mundo, espécie de roleta incerta dos que vivem aqui e contam nos dedos os dias nas possibilidades das nuvens que chegam ao Nascente. Primeiro, formam torrões, nuvens maiores, lá na barra do horizonte. Depois, crescem avassaladoras, e próximas, despejam dadivosas o alento das chuvas anuais.

Há segredos revelados nessas épocas do inverno sertanejo, exercício de religiosidade sacrossanta, algo semelhante a sonhos bons feitos realidade. Enquanto isto, desperta no coração das pessoas o desejo forte de que seja sempre assim na continuidade da vida que segue adiante, um plantio só de uma eterna felicidade.

(Ilustração: Tempo chuvoso, foto de Mateus Dantas (Jornal O Povo).


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

As leis do Destino


Do apurado daquilo que a gente conhece, nesse mundo de livros e palavras, há duas formas de conduzir o barco pelos mares da existência, a saber, se acertar naquilo que a vida oferece e obedecer aos critérios de um equilíbrio original, isto que os orientais denominam Dharma, ou o Caminho da Virtude. Porém, face ao nível da evolução ainda limitada dos seres humanos, à medida que se experimenta a tentativa, e consequentes erros ou acertos, assim trabalhamos o outro seguimento, o Carma, isto é, a Lei da Ação e da Reação, e da qual disse Jesus: - Com a medida que medirdes, medir-vos-ão também a vós.

Visto sermos tais frutos das vivências, nas respostas disso resultantes, somos também autores inconscientes do Destino, no resultado das nossas ações. Temos livre arbítrio de escolher, eis a liberdade em sentido pleno. Só que das escolhas haveremos de colher as consequências. 

Destarte, em sendo senhores de nossas ações, somos escravos dos seus resultados; portanto a cada ação corresponde reação igual e em nosso sentido. Ninguém que seja vive à margem dessa determinação definitiva, tão espontânea e natural quanto o ato de respirar, viver, sonhar, morrer, falar, conhecer, agir. Autores do próprio destino, movimentamos nisso o condão das ordens do Universo, nos nossos laços para com a existência que exercitamos.

Nisto consiste, pois, o Poder além das cogitações apenas imediatas, a impor sustentação de tudo quanto significa a ordem dos elementos e a persistência dos seres que vivem aqui. Vez em quando presenciamos detalhes dessa arquitetura universal nos fatores em volta, quais sejam o Tempo, o Cosmos sem fim, as estruturas que compõem o Todo onde habitamos, os mistérios das galáxias, o ritmo dos acontecimentos, mesmo a História, aparentemente orquestrada pela grande humanidade, contudo prenhe de enormes surpresas e condições inevitáveis.

Ao certo modo, vivemos conduzidos sob códigos secretos e mãos invisíveis, impossíveis até de tocar nas certezas de nosso discernimento, nos termos atuais. Daí aparentes caprichos da sorte, que envolvem a sobrevivência do que ora somos e a importância maior da firmeza de seguir os melhores propósitos e obter destinos melhor aquinhoados. 

(Ilustração: Obras de misericórdia, de Pieter Brueghel).

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Tempos de agruras e as razões da fraternidade


São fases assim que reclamam atitudes políticas exemplares, quando a sociedade atravessa épocas de vacas magras, fruto dos movimentos monopolistas das classes e da ausência de providências necessárias ainda sem o devido reconhecimento. As civilizações geraram o que ora passamos, vindo isto de bem longe na História. Há uma funcionalidade natural de tudo quanto existe em qualquer tempo ou lugar, porém a complexidade das sociedades humanas reclamam ações válidas, justiça, honestidade, dos cidadãos. Ninguém erra que não responda diante das tais leis universais da Natureza. 

Isso de exclusividade só de alguns é ilusão de não ter tamanho. Se imaginar herdeiros prometidos da Criação, que sejam famílias, grupos, corporações, reflete pouca ou nenhuma consciência da realidade verdadeira, neste carrossel das circunstâncias em que vivemos. Por isto, diz o povo, que quem tem olho fundo chora cedo. Conquanto em aparente naturalidade, no entanto a resposta virá do próprio agir e seus resultados no tempo.

Dizemos isso, nestas primeiras palavras, no sentido de interpretar que somos todo único na Humanidade, irmãos entre irmãos, independentes de países, continentes, raças e clãs. Durante milênios, porém, o que vemos nos tantos lugares são meras contradições a este princípio da fraternidade. Quem engana se engana. Amealhar em detrimento dos demais fere valores essenciais da existência, produzindo mais e mais dores no transcorrer das gerações. Pura falta de conhecimento imaginar que a Justiça maior dormirá sobre os louros de alguns e poucos privilegiados. 

Diante, pois, desta fase cheia de dramas graves e consequências dolorosas, persiste um clamor de coerência em tudo por tudo, perante a indiferença dos poderosos às vistas da fome das coletividades, das dores do desemprego, da insegurança, das drogas, o que vem desmascarando o progresso aparente das experiências humanas. Precisamos, pois, evoluir em maturidade e somar esforços a favor, sobretudo, dos que menos possuem e padecem atrocidades. Trabalhar o senso de justiça, nas instituições nacionais e mundiais, requer disposição inarredável dos ofícios de conquista da paz coletiva. Tenhamos sempre conosco os valores justos e posicionamentos sensatos, quando, afinal, construiremos a sociedade perfeita que tanto sonhamos vidas e vidas. 


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Mistérios do Inconsciente


Algo semelhante ao que, no conto de Aladim e a lâmpada maravilhosa, das 1.001 noites, significa descer às entranhas da Terra e conhecer a si mesmo vez sermos parte das existências daqui. A Arte vem disso, desse eu secreto das criaturas humanas, manifestação de um outro eu que flutua no interior da gente. Área reservada ao que nos cabe evoluir, se revela pouco a pouco, na medida em que aceitamos a intuição, a inspiração, sonhos, imaginação, sentimentos. Vem à tona universo inesperado que tende a preencher de novas oportunidades o instinto de conhecer o desconhecido e preencher o vazio ao dispor, e aceitar, pois, novos planos de fortalecimento de viver longe da rotina desses dias de angústia e tentativas que experimentamos no correr das horas. 

Território de que ninguém jamais fugirá, há nisto uma brisa de outras histórias que nascem de nós mesmos, ainda que disso queiramos buscar alternativas que não representem tanta responsabilidade diante das vivências, onde ninguém passa impune aos equívocos praticados neste chão. Esse eu secreto insiste manter anonimato, daí os nomes que recebe no decorrer das civilizações, de comum mistificado em códigos de sacerdotes e magos. Corpo maior daquilo que aparece no horizonte das circunstâncias, em livros, tratados, religiões. Mudar por dentro será, por isso, a fórmula ideal das revelações. 

Alguns mais afoitos até propõem soluções de continuidade ao que aprendem nos estudos e pesquisas, ocasionando roteiros de soluções aos males da alma humana. – Desça esta escada, disse o estrangeiro, e quando você chegar embaixo achara um salão. Atravesse-o sem parar um instante. No meio desse salão há uma porta que dá para um jardim. No meio desse jardim, sobre um pedestal, esta uma lâmpada acesa. Pegue a lâmpada e traga-a para mim. Se os frutos do jardim lhe apetecerem, pode colhê-los à vontade.

Sem a mínima dúvida, do tanto que sabemos resta muito mais a saber face à profundidade dos abismos da Sombra, nesta natureza de que somos parte essencial. 


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Todas as promessas


No exercício da fé, há que aceitar todas as promessas. Andar todos os passos e resolver o enigma de pisar este chão tais andarilhos tontos. Depois de chafurdar os cinco sentidos, decidir qual direção. Bem isto de revirar as peças desse jogo enquanto estamos a caminho, porquanto há dias contados. Externar o destino em forma de transformar o momento de viver num relativo absoluto, abrir e fechar de olhos às portas dos objetos que fogem aflitos de nossas mãos angustiadas e viver realmente o objetivo de tudo. Pássaros assustados com a natureza em volta, mergulham na luz e trinam sem cessar face ao furor da liberdade.

Quiséssemos apurar o senso dessa transformação, disso tudo restaria solucionado o mistério de andar nessas paragens do Infinito, e buscaríamos viver para sempre nos braços do que nos une às marcas que aqui deixamos. Colheríamos todas as flores do Universo em nós e acalmaríamos de uma vez por todas o desejo da felicidade maior. Gestos simples, largas plantações de alegria e paz invadiriam os corações, em festas inigualáveis de carinho e fraternidade.

Fosse isso, no entanto, que esperamos de nossos movimentos desencontrados, em verdade já vivemos a todo instante o pleno vigor de uma renovação mais pura. Filhotes do tempo, saberíamos resistir ao inevitável, no pretexto de conhecer o que ainda ignoramos. Vêm os sonhos e revelam segredos inesperados, mesmo que insuficientes a que aceitemos o mistério e deixemos de andar às tontas nas estações do caminho. Criamos algemas nos próprios punhos, frutos dos equívocos por demais. Agarramos às culpas feitos vítimas da conformação do sem jeito. Devemos disso nos livrar o quanto antes e reviver.

Daí o sentido único de sair da caverna do passado e fixar propósitos no presente, viventes da imortalidade que o somos. Querer praticar o que esperamos, na forma de criaturas refeitas no primor do Paraíso perdido, agora reencontrado. Isto depende exclusivamente de nossa decisão espiritual.


sábado, 20 de fevereiro de 2021

Um oceano de memórias


Nele, pois, navegamos dias e dias. Surpresas dos tempos que já se foram, carregando de nós os momentos, frágeis criaturas do Infinito que somos hoje. Tangemos as velas do próprio barco rumo ao depois das horas que somem no abismo do intransponível, quais tripulantes do tempo que esvaem no horizonte. Sacudimos os instrumentos de viver, equilibramos sonhos e dosamos o destino. Aprendizes da condição atual, submissos ao desconhecido, erguemos olhos às águas e esperamos existir para sempre nesse movimento das ondas impacientes.

Reunimos, assim, pedaços do passado e formamos ilhas de solidão, dividindo com pessoas e objetos as emoções sucessivas diluídas no abstrato. Sem quaisquer intervalos, remamos no mar das saudades e lembranças, rescaldos de tantas vivências que formam o que nos imaginamos ser, a gente na gente mesma. Peças que vêm à praia nos sargaços do que fomos, e gritam aquilo que ora vivemos, brados intensos das relíquias abandonadas de náufragos trazidos aos rochedos da vista interior. Quantas e tantas recordações que nessa ocasião ferem a alma de arrependimento do nunca mais poder reviver o que antes foi.

Bem isto, fragmentos de histórias, experiências, contradições, amores, que tudo somado dá nisso que transportamos vidas e vidas, arquivos esquisitos de tempos antigos, comandantes de universo à parte que aqui carregamos conosco em forma de imagens, músicas, festas, viagens, ausências, livros, filmes, amigos, farnéis de lutas, esperanças e anseios entranhados em nós feitos feras indomáveis.

Isto do ser das águas deste mar imenso e ao mesmo tempo sustentáculo de resistir a qualquer custo aos fatores do desaparecimento. Máquinas de contar as aventuras do passado ao presente, deslizamos a vontade livre pelas ondas de certezas impossíveis, fieis buscadores de conchas entre os farrapos da ilusão. Conquanto súditos desse reino invisível, alimentamos de perguntas o vento que, morno, sopra segredos em nossos ouvidos. Quando, afinal, tocaremos o reino definitivo dessas existências só de longe iremos saber, vez que haveremos de esgotar, de tudo, o instinto de sobreviver, enfim, às nuvens transitórias da mais fria realidade.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O mundo em nós


Desde mínimos detalhes, somos o espelho que reflete a realidade presente. Vivemos na medida com que nos apercebemos disto. Crescemos conosco próprios. Artífices da nossa consciência, elaboramos o caminho dos nossos passos e tocamos adiante esse mundo que nos é dado face a uma nova percepção. Daí vêm todas as escolas que transitam pelas nossas atitudes. Assim, tais maestros que se aperfeiçoam, vivemos mundo à parte do das outras criaturas individuais. Em segredo, construímos visão nova do universo e sustentamos histórias de que somos diretor e ator principal. 

No entanto havia de existir também aquele com quem nos cabe contracenar a peça desta vida. Enquanto viajamos pelos dias, temos em nós esta companhia incessante. Havemos, lá um momento, de compreender que a solidão é mero instrumento de revelar essa presença constante, contraditória. 

Foram muitos séculos até avaliar a dimensão de transformar a realidade que refletimos em consistente compreensão deste mundo, aonde todos seguimos na busca de encontrar uma verdade definitiva. Agora existem muitos que se trabalham neste sentido, adotando providências que possam sustentar a salvação de si mesmo depois de tudo, no quanto de concreto já exista.

Nisto, seremos os professores que ensinam outra visão do que seja viver, modificando-a incessantemente qual norma de resistência diante da transitoriedade desse plano material. Prudentes na resposta que providenciam no transcorrer das existências, trabalhamos outra possibilidade além do simples percorrer das vidas e desaparecer no firmamento.

Porém essa providência inevitável requer iniciativa de valor inestimável. Exige esforço de renúncia, e reclama superação das costumeiras respostas negativas dos comportamentos ocasionais. Algo de sublime que aconteça, vindo de nosso coração, misto de religiosidade e esforço. Fé e trabalho, em favor dos valores místicos; transformação de nós em novos seres, que significam o itinerário de Si a uma nova revelação. De meras presas do destino, seremos a fonte da Perfeição de que ora somos a semente. 


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Pelas ruas da cidade


Os tempos em movimento nas situações e lembranças vivas, tempero da sobrevivência dos nativos em horas vazias de tudo. Lugares, pessoas, vivências. Filmes projetados na consciência da gente. Superposição de imagens que insistem persistir aonde quiser, pois vêm de moto próprio e invadem as sombras da consciência. Mesmas cenas de antes que regressam e confundem o senso do agora. Ninguém dormiu no passado, e despertos seguem através das criaturas dolentes que ora somos. Impregnados pela arquitetura das cidades, sustentam a necessidade das existências inevitáveis. Quantos séculos andam assim soltos no ar do infinito?!

Dizem que, de vez em quando, eles regressam na forma de sentimentos, saudades atrozes dos momentos agradáveis que perdemos nas atitudes, luzes a piscar na escuridão dessas janelas apagadas. Imagens dos seres de antigamente que percorrem, de jeito fantasmagórico, por dento, a alma das criaturas humanas. Lado a lado com esses escombros de memórias, renascem das cinzas e crescem no horizonte os pensamentos, feitos visagens renegadas, impertinentes. Guardam relíquias que as esquecemos de largar, no descompromisso da sorte de hoje, parte integrante do que fomos. Alguém que jamais deixaremos de ser, porquanto tais registros fincaram garras ao teto das visões, tangidos na espiritualidade imortal. Veremos nas tantas ocasiões nossos pecados enterrados em nós, e de nós pediremos perdão pelos atos espúrios ali praticados. Temos implorado o favor do esquecimento, no entanto ser imaginário diz que pecamos e que, com isso, reconstruiremos os velhos barcos abandonados nas praias distantes da ingratidão. Pátria do impossível, seguiremos trilhas de ausências, espécies de criação de nossos desejos que nunca sumiram de todo. Que sejam tais duas realidades, a fruto da ambição e a verdadeira, que nos devemos a ela submeter e ganhar na luta contra o desespero e a saudade. 

São bem essas as ruas da cidade onde pisamos um dia e deixamos nelas pedaços de vidas agarrados às frestas das casas e do chão, a que voltaremos em cima do rastro sob o peso dos sentimentos ali presenciados. Nós, pedaços eternos de nós mesmos, marcas indeléveis da caminhada dos sonhos e que levamos conosco até depositá-los, um dia, lá nas florestas virgens da Eternidade.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O crime do aborto


O saber natural, em sua ação persistente, criou as condições de gerar filhos e os seres humanos em sua ignorância os expelem a sangue frio natimortos, quais eliminassem animais desnecessários, sendo seus próprios semelhantes.

Houvesse leis pela preservação da vida em soberbas características de contenção dos desmandos praticados em redor do mundo e, decerto, a história mostraria inegáveis oportunidades de felicidade a esses tontos mortais esfomeados de prazer imediato. Beethoven foi o quinto filho de uma prole de deficientes, ao que aconselhariam sua família a se livrar dele antes de nascer.

Jamais, senão agora, demonstrações de ausência de lucidez parecem crescer no horizonte esfumaçado da destruição na flor da idade, no meio dos escombros da barbárie que toma conta dos séculos. Símbolos de paz viraram motivos de ausência de critério, nas promoções desencontradas de minorias vencidas.

Mas falávamos da covardia do aborto... Que pouca honestidade para com os semelhantes a nascer essa atitude... Nem de longe se deve imaginar uma coisa dessas para o Brasil, povo ordeiro e lutador Tirar a vida, como querer? Não sabemos repor o viver de quem morre, por isso não se devem eliminar os seres humanos que aguardam as mesmas chances de brotar, crescer e conhecer.

A morte dos inocentes em gestação clama consciência, portanto. Falar na esperança dessas vidinhas em sumidouro, desejos de viver na lama dos ausentes, dói e requer disposição de ânimo dos que lutam pela paz. Aquilo que seria a festa das famílias chegarem novos filhos torna-se, por isso, chama apagada no vento abusivo das palavras vazias, derramadas no lixo.

E falar em amor exige coerência a uma civilização bandida, revirada nos laços das armadilhas, caminhos tortuosos, vilã matreira de poucas luzes. Gritos de promessas, entretanto, rasgam o espaço das sombras. A força de sobreviver, falando alto nas entranhas das gentes, indica o valor carinhoso de novos sonhos.

Quisessem reverter os quadros fantasmagóricos daquela indigência e praticassem hábitos justos e alegres de salvar os que, mais que antes, precisam viver...


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O balbuciar das canções


Houvesse o Sol ter que nascer sem o cantar dos passarinhos, sustento minhas dúvidas se com isso Deus concordaria. Nalgumas frases apenas as canções tocam forte nas fibras da alma da gente. Querer justificar o que cativam as melodias, nas letras, nos fás sustenidos, nas longas e breves, ninguém explica. E de onde elas vêm, quem sabe?! Doutros astrais, de longe das vistas, de longe, bem de longe decerto. Do campo das musas de profundas inspirações. Chegam aos abismos de dentro e ali permanecem plantadas para sempre na consciência distante. A beleza da poesia, da arte, da essência, que alimenta o desejo de felicidade traz consigo as pautas, os ritmos, o andamento...

Nunca esqueço o clima das canções que me fizeram a cabeça. Dos dias, daquelas horas santas de quando as ouvi. Bem claros os momentos, o estado de espírito, os sonhos incendiários. Lembro até das pessoas com quem, à época, mantinha aproximação e dividia as apreensões. Juntos tais pedaços de existências, posso, inclusive, formar, de novo, aquele eu que pensava ser e vagava nas calçadas do passado, e sofria, e angustiava, e ansiava. Espécie de romantismo crônico invadia os estágios entre as duas realidades e as canções trazidas à trilha sonora dessa perpetuação que hoje observo reviver nas audições daqueles turnos e de agora, únicas e iguais nos labirintos dos ouvidos. 

É quando escutamos a melodia, as letras, os tons, que daí advém quadros que apresentam primeiro os sentimentos, e só depois os pensamentos que dali nasceriam e salvos continuam. Tantas épocas de milhões de rostos anônimos que desfilavam à frente dos olhos, enquanto aos ouvidos vem esse comando insistente, definitivo, da música imaginária.

De comum, resumem ser saudade isso que se sente diante do que foi sem chances de regressar, a não ser que a música não houvesse, pois, de voltar. Saudade, que disseram tratar de palavra do Português no Brasil, com exclusividade. Saudade que vem de solidão, soledade, sordade, até virar saudade, tal jiló que arde nas entranhas da pessoa que padece. A música possui  condão de mexer o íntimo e reinventar do que sobrou através da arte, na sensibilidade, no sentimento que resta ao fim de nada mais. Uma fala doce que sussurra no peito as mesmas emoções antes vividas, tocadas de perto, guardadas com extremo zelo nos acordes e percussões.

De tanto esperar o invisível dos tempos, terminamos aceitando escutar, pelo sentido espiritual da audição, a presença forte e distante de tudo que retivemos às dobras do sentimento; são as músicas, que falam disso e alimentam a certeza da alegria eternizada em nós escondido na ausência. Por isso, bem melhor agora abrigar os acordes da canção no prazer de estar bem aqui e viver de novo tudo de bom.


Realidade provisória


Em 1978, voltaria a Salvador, onde permaneceria por sete meses. Nesse tempo, assisti a uma palestra de Huberto Roden, filósofo e ex-sacerdote jesuíta, autor e tradutor de dezenas de livros que eu lia e estudava com frequência e entusiasmo. Tratou de um tema relativo à filosofia oriental, tendo por base o pensamento hinduísta, da cultura dos vedas. Dentre outros conceitos, abordaria a noção de maya, ou ilusão.

Seu significado é complexo porque envolve ele mesmo uma dualidade, pois maya não pode ser real se consideramos o Absoluto (Parabrahman) como a única realidade, mas não pode ser irreal pois é a base de todo o universo objetivo. A realidade última, assim, envolve a compreensão da natureza de maya sem sua negação, mas distinguindo-a do Absoluto. Wikipédia

Depois de concluída a fala principal, vieram as perguntas. Um dos presentes indagaria que, se maya não existe, porque tanta preocupação, conquanto fosse só mera ilusão. Ao que o palestrante foi incisivo em dizer que enquanto estamos aqui ela se faz parte a influenciar o comportamento das criaturas no processo de viver. Possui existência transitória, porém determinante. 

Ainda que tenhamos ciência dessa transitoriedade ilusória, no entanto somos levados a agir, tantas vezes, sob sua influência.

...

A existência terrena significa, pois, mais que apenas agir, mas reagir em face das circunstâncias. Quais atores do destino, somos dele os responsáveis diretos, através das condições que se nos apresentem. Livres, contudo responsáveis pelas nossas ações na busca da realização pessoal. Ter por que viver e liberdade em aceitar as situações. Em nossas mãos, as rédeas do destino. Se eu não fizer, quem o fará. Se não faço agora, quando farei. Hilel Já que não se podem alterar as circunstâncias, que mudemos nós. 

Em nós, portanto, a alternativa de interpretar o Universo e dominar as malhas do desafio, até preencher de sentido a arte de viver.

(Ilustração: Arqueologia egípcia).


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Os deuses sabem que estamos aqui


Eles sabem e silenciam. Guardam consigo as surpresas que haveremos de viver dias e dias, nessa longa estrada. Nem de longe querem aparecer às nossas vistas, e silenciosamente até trabalham os obstáculos e as facilidades com que nos defrontamos a fim de crescer e subir aos céus. Eles exercem papel fundamental em tudo quanto existe debaixo do sol. Espécies de condutores de rebanhos selvagens, zelam e alimentam nos seus mistérios a luz do dia e na escuridão da noite, afeitos que são aos ditames da Natureza.

Destinados que foram a construir novos seres em nós, agem quais fieis servidores que o são, no ímpeto de harmonizar os destinos. Falam-nos pelos sonhos, pelo canto dos pássaros, pelo soprar dos ventos, o bater das ondas, o marulhar das correntezas e o ciciar das florestas em flores. Ouvem nossos gritos de socorro, e respondem à medida do nosso merecimento. Alimentam nossos passos quais amigos anônimos, deixando que façamos o melhor e desenvolvamos o talento da nossa salvação.

Tantos até habitam a morada onde vivamos, disfarçados de irmãos, pais, amigos, a dividir conosco a fortaleza de existir, na sabedoria do crescimento espiritual. Chegam sempre nos momentos críticos; sustentam o instinto de continuar as lutas mais insanas; trazem palavras de conforto diante das dificuldades cotidianas. Riem dos nossos risos, enriquecem a nossa imaginação e nos aproximam dos lugares mágicos que nos façam acreditar na realização dos nossos planos. 

Eles vivem, sim, bem junto de todos, instrutores da esperança, arautos dos dias melhores, da verdadeira felicidade e dos sentimentos nobres da fraternidade humana. Trazem as ideias geniais dos novos engenhos que movem o mundo; oferecem meios de elaborar aquilo de que precisamos no desenvolvimento e inspiram líderes pelos caminhos da verdade. Sobrevivem a tudo por que tenham de passar, vez serem eternos e valentes. Nisto, falam-nos através da inspiração, da intuição, quando insistem sussurrar aos nossos ouvidos que sigamos em frente rumo à libertação desta vida ainda ilusória que nos foge das mãos, e busquemos tempos de paz definitiva. 

(Ilustração: Aguirre, a cólera dos deuses, de Werner Herzog).

O princípio da religiosidade


Que é isto que aperta o meu peito?
Minha alma quer sair para o Infinito ou a alma do mundo quer entrar em meu coração?                                                                                                       Rabindranath Tagore

Desde sempre que a humanidade percorre os caminhos dessa procura, através dos meios de que dispõe. Num lado, a origem, nos tempos de uma existência em fase de perguntas, porém dotada dos instrumentos necessários ao encontro definitivo consigo nas respostas da Natureza. São mil tentativas em tudo que persiste diante do Infinito. Daí a religiosidade, que noticiam os místicos; a fase interna da evolução nas criaturas, a que viemos, nós, seres humanos. Daí as instituições religiosas, que, por vezes, quiseram deter a si verdades exclusivas, quais não fossem estas direito de todos. Assim, os dramas seculares que demonstram quanto à urgência no fim de responder coerentemente ao desafio do autoconhecimento, da busca da luz espiritual. São setas no caminho da Eternidade, em alguns momentos restritas a grupos isolados de estudos, no entanto que Deus está solto, qual diz Fernando Pessoa. Livre tal a vida, que gravita pelos céus na revelação da Consciência a se revelar no íntimo de todos. 

Destarte, haverá um dia quando tudo será claro e uniremos nossos planos aos planos do Universo, e falaremos linguagem única de sermos irmãos no real sentido. Haveremos de praticar o que ensinam os credos religiosos com toda intensidade. Nessa hora, iremos compreender, em toda plenitude, aquilo que falam os sábios. 

Este o sonho dos humanos durante os milênios, de revelar em si o poder maior da Criação. Saber com intensidade a que viemos. Evidenciar o motivo do quanto vivemos vidas a fio nas religiões, nas filosofias, em todo o conhecimento; a causa caúsica do quanto existe virá à tona. Ver-se-á, então, que as circunstâncias foram tão só a razão de estar aqui e praticar bons sentimentos, que trouxeram os livros e os cultos Pois em tudo habitará o senso da imortalidade fraterna e o Amor verdadeiro. 

sábado, 13 de fevereiro de 2021

O desafio das páginas em branco


Que mais além do silêncio desta noite... Dizer por dizer... Cobrir as falas do vazio com os ruídos esquisitos vindos das entranhas da Terra nos saltos da imperfeição... Saber que ninguém conhece as raízes dos mistérios noturnos... Ciciar do vento nas árvores, pássaros que cantam fora de hora, gritos distantes de solitários esquecidos; esforços e dramas ocultos na imensidão...

As horas feitas monges enfileirados pelos minutos que desfilam nas janelas da escuridão e desaparecem para sempre nesses nada que insistem sobreviver no colo das almas. Só um fragor de esferas e essa distância imensa das estrelas no céu. Dentro de mim, o rio da saudade percorre esse infinito, olhos perdidos na ausência que não mais existirá logo adiante, enquanto o amor macera o peito; o bater dos sinos impossíveis. 

E as palavras, flores do pensamento, derramam significados sobre o papel, no desejo insano de contar as histórias do inesquecível. Transpirações da consciência, elas inventam o espaço e revelam desejos insaciáveis de continuar, ainda que persistam a dor, a morte e o medo... Lembranças que circulam em volta da sala; gnomos, fadas, duendes teimosos, que comprimem a ânsia de existir, quando claros do dia anunciam novo amanhecer.

As narrativas dos sonhos falam disso, da fome inesgotável de transportar os segredos da madrugada aos que continuavam adormecidos. Questionam o paraíso das luzes, com suas vastidões de lendas. Assim, páginas pulsam de serem vivas na imaginação, vontade extrema de acalmar o que habita aqui nos animais inocentes à procura da Eternidade. São contos das outras dimensões que despertam no frio das manhãs. Trazem farnéis de esperança e esfregam os olhos, querendo despertar de si mesmos.

As falas do dizer dos humanos... Réstias das cavernas que o somos... Estilhaços feitos pedras, dramas no coração de todos... Estranhos em movimento na face do desconhecido, isto que transportamos, tanto no pensar, quanto no querer dizer nas páginas em branco.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Dimensões


A condição das pessoas de viver entre o antes e o depois significa divisão no tempo sem senti-lo nos próprios pés, tal fossemos estações de rádio fora da sintonia exata. Bem isso, a intenção da Natureza de nos trazer aqui e oferecer os meios de encontrar o hic et nunc (o exato lugar no exato instante); invés de se dividir a favor de um dos lados, uni-los. Isto também na rota da procura de Si mesmo, no esforço de nos unir conosco, poder sobre-humano de identificação das duas forças que trazemos: o ego material e o Eu espiritual, este a porta de acesso à nova dimensão: - Meu reino não é deste mundo – afirmava Jesus.

Enquanto que as ações de quantos ficam presas só ao chão, um ser interno dentro da gente aspira sentido real de tudo quanto há. Face às tentações da matéria, muitos prendem laços nas argolas dos dias e dias, e somem como que por encanto na cachoeira do que virá. Nem sei o motivo claro, a não ser de fixar interesses aos chamamentos imediatos, esquecidos das perspectivas da disciplina e dos mistérios que os somos. Presa, pois, de armadilhas equipadas de iscas quase irresistíveis, a horda vende almas nos mercados da ilusão. 

Tratar tema desta envergadura diante das palavras exige o mínimo de compreensão de quem diz e de quem escuta. Entretanto a ausência de respostas plausíveis, coerentes, ainda vaga feito quimeras assustadoras. Os desencantos do chão fazem disso as provas. São vidas e vidas, gerações e civilizações que passam, nos dramas da História. Ninguém que foi restou além de lembranças, obras criativas, e dos ensinos que deixaram. Grandes nomes de feitos magistrais. Igualmente, apenas isto, registros de memória e desejos largados nas estradas, vidas a fora. 

Futuro bom é hoje, esta hora, a todo instante, ocasião de revelar por que viemos, e transformar rotinas de sacrifício em missão evolutiva, até cruzar a fronteira dos destinos, nessa viagem de achar a resposta e despertar o nosso o ser definitivo no coração, morada dos sentimentos verdadeiros.


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O caminho nos próprios passos


Todos os que caminham de costas para o Sol estão seguindo sua sombra.
                                                                              Rumi

Tal seja assim, andar, de ir adiante, no ensejo de quem quer que exista nas quebradas do Tempo soberano. Mundos a fio, idas adentro da gente. Busca incessante de salvar o nexo de viver, nas missões dos que aqui e quantos existam. Sonhar, seguir nas estradas das noites, dos dias, horas sem par na imensidão de futuro imenso, réstia dos séculos. Nisso, revelar a essência de si aos rochedos da Eternidade. Entes misteriosos de histórias inesquecíveis, braços estendidos ao desejo das luas novas que passam velozes no trilho do horizonte, tateamos na procura dos Céus, frutos que somos do Amor divino, filhos diletos da Criação superior.

Caímos tantas vezes nesse agir das circunstâncias, que nós, titãs da Felicidade, só admiramos as belezas do Universo; no entanto queremos experimentar o fascínio das taças do mistério quais aprendizes dos erros de ignorar, experimentos da sorte que seremos, diante da perfeição do Paraíso, e tocamos em frente à luz que transportamos no íntimo, senhores do coração. O querer que nos conforta neste passar de momentos oferece os meios de nos salvar dos medos e das ruínas.

Há isto, porém, de vir revelar o ser primordial que já habita em nosso existir, pois viemos dotados de tudo o de que carecemos até localizar na alma o poder infinito de transformar o mundo em cada um e ser. Disso falam os credos, descrevem a paisagem onde formulamos o roteiro da felicidade. Seremos sempre esses artífices da solidão no exercício da paz, dotados de suficientes recursos de fazer do barro imagens luminosas, precursoras da esperança e da realização plena do que aqui viemos buscar.

Destarte, olhos postos na imagem que ora projetamos à nossa frente, saberemos que uma luz esplendorosa nutre o caminho sobre que andamos, nesta e noutras vidas, autores dos passos seguintes, no itinerário único da Fé.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Eles somos nós


Enquanto multidão ignara bate no peito e diz que odeia política e se esconde detrás das portas do anonimato, eles saem com vontade forte a dominar os poderes e cargos públicos, determinam as bases da sociedade, e o mais já sabemos. Frutos das árvores que deixamos de plantar, e eles plantam a valer no solo das nossas mesmas chances largadas ao vento. Bem isto, no fazes por ti que os céus te ajudarão, do dizer popular. Ou se deixares de fazer, outros farão dalgum modo, quase sempre a interesse próprio, longe dos valores da coletividade.

Depois saem vagando pelas malhas deste mundo de olhos vendados às responsabilidades deixadas ao léu da sorte, que sobram às garras fratricidas dos que investem na política feitos feras famintas, por isso perdas acumuladas há séculos, no decorrer da história. De todas as vezes pouquíssimas oferendas foram aproveitadas pelos cidadãos deste mundo.

Porém nunca será tarde a que possamos exercitar o direito das nossas escolhas e transformar os destinos sociais. Contudo é urgente a participação de todos junto às instituições políticas. Abrir os olhos e agir, invés de abrir mãos desse poder sagrado. 

A respeito disso, certa feita, ouvi do então deputado federal Lysâneas Maciel a seguinte narrativa: Na Alemanha, um reverente pastor zelava pela sua comunidade religiosa quando ocorreram as primeiras detenções do período negro que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Primeiro prenderam líderes comunistas. Ele pensou consigo: - Não sou comunista, portanto nada tenho com isso. E se omitiu de reagir em face das violências daquela hora.

Os senhores da ditadura de Hitler seguiram, pois, na escalada do terror, vindo deter também os socialistas, motivando no religioso idêntico descompromisso. Por não ser socialista, permaneceu indiferente, aceitando como normais as manobras da Gestapo.

Depois, levados seriam homossexuais, prostitutas, ciganos e outras minorias perseguidas; ele apenas repetiu o raciocínio de ficar inerte diante de tudo o que observava, sem, no mínimo, falar ou demonstrar qualquer posição perante o que presenciava dos desmandos às pessoas de sua comunidade.

Também prenderiam judeus e católicos; o religioso em nada alterava suas relações com as forças do poder, conquanto via fora de propósito tomar atitudes que pensava não lhe dissessem respeito. Nem de longe avaliava qualquer responsabilidade pelas arbitrariedades praticadas. Até que, na sequência dos acontecimentos, bateram na porta da sua igreja para levá-lo, e nessa hora ninguém houve que mobilizasse forças em seu auxílio. Todos estavam ausentes. 

Sei que alguns podem ler tais palavras, o que me faz trazê-las dalgum modo, sobretudo lembrando as gerações que nos sucedem e necessitarão, de certeza, das razões que justifiquem uma ativa participação política. 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

O fascínio da Arte


Lá num tempo bem distante, enquanto iniciava a busca impetuosa da consciência, os primitivos já desenhavam nas paredes das cavernas primeiras manifestações de querer reproduzir outras realidades, na magia simpática, raiz da Arte desde sempre. Esse impulso iremos ver noutras e tantas ocasiões; nas salas de cinema, nos guetos, nas praças; livros, telas, espetáculos mil espalhados neste chão. Das cavernas aos abismos de nós mesmos, bem de dentro, nasceram filosofias, religiões, escolas; os mistérios dos romances, de telas imensas largadas nos céus da beleza incontida, nas linhas dos códigos da Terra; nas histórias de adormecer; no anseio incessante dos andarilhos da sorte e, certo dia, achar o pouso das aventuras até construir os palácios da paz, vindos esses pelas rondas do destino.

Os artistas são os investigadores da alma humana, habitantes do coração das pessoas. A necessidade primeira da gente é a criação, qualidade latente que às vezes manifestou seu poder nas muitas horas das civilizações. Eles são também místicos, viajores doutros mundos na forma de visões que falam o que dizem e só eles podem escutar. Avisam, repercutem e padecem o preço de serem audaciosos na pauta comum das sociedades rotineiras. Qual provar doutro jeito aquilo que presenciam nas furnas de si e transmitem através dos tratados sobre-humanos ignorados?! Nisso desvairam diante das tradições, e indicam o que virá das colinas do depois. Eles, os artistas de constelações e muitos céus, senhores das sensações do alto aonde foram e jamais retornarão.

Lembro emoções de quando planejávamos, semanas a fio, ver os filmes em cartaz no Moderno, no Cassino, na Educadora, e quantas vezes passeamos por dentro de cenas em telas imaginárias, esses eternos viajores dos encontros guardados na película do Infinito.

Daí os grandes autores e as histórias maravilhosas, unicamente, mágicos da percepção e donatários de heranças inigualáveis. Há um brilho no olhar dos artistas, primeiros habitantes dos países da esperança e mestres das possibilidades que carregam conosco todo tempo. Algo de fascinante, pois, significa essa criatividade dos menestréis das lendas sem fim.

 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Nessas tardes azuis


Frutos de um desejo persistente, sem fim, de real felicidade, vamos aqui aos sóis de tantas luzes, quando esta fome de viver nos arrastar vidas adiante. Passos entre o crivo da ilusão e a vontade por vezes inútil de encontrar o céu, cabe resistir, pois, a todo custo face dos ditames do vazio que persegue as noites mais escuras das vilas esquecidas. Os quadros das horas que se foram regressam insistentes cheios das notas musicais que vagavam soltas pelo ar e chegavam fortes ao coração. Vozes quase gritos pedem socorro a si mesmas, na ânsia de dominar o movimento incessante das pulsações, fatalidades e destinos. Vêm de dentro da alma quais de calabouços imaginários. Sobem às bordas do firmamento e clamam veementes que lhes deem ouvidos, escutem as velhas cantigas do presente em chamas, vozes dessa oração de graves perguntas e poucas ou nenhumas respostas da humanidade extática. Só falas de almas penadas a deslizar nas telas do pensamento e virar dores no peito a meio palmo dos longos suspiros de saudade.

Horas cadenciadas ao sabor dos fiapos dessas palavras que escorrem pela boca do sentimento e refazem de lama as trilhas doutras histórias; passam ao largo feitos pequenos roedores soltos nas planícies de antigamente. Furor de existir a todo custo, querer vencer a guerra do desaparecimento e contar que tudo viveu ao clarão das fogueiras iluminadas. Reflexos de quantos dias feitos ausência, viagens noutras terras de outros filmes que repousam guardados na memória e voltam sempre, perante o instinto de sobreviver a tudo. Força descomunal da existência que ainda mantém aceso o tempo nas criaturas que haverão de concretizar qualquer sentido, mesmo que hoje de pureza inalcançável. 

Frações de segundos sustentam essa esperança de controlar o infinito da consciência, e nisso fincar as unhas na carne deste mundo em que percorrem as florestas do Sol. Duendes audazes olham os próprios olhos e vislumbram a montanha encantada de que disseram lá um dia. Sabem ser ali em que vivem os tais senhores da esperada Felicidade, e exaustos adormecem outra vez à sombra dos amores ausentes. 

(Ilustração: Centro de Artesanato Mestre Noza - Juazeiro do Norte CE).



terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Sem título


Mais à noite, quando todos dormem e o silêncio sai na busca de encontrar os solitários que vagam sem direção pelas ruas da cidade. Horas distantes até mesmo do tempo, quando ninguém encontrará ninguém que seja, nessas calçadas desertas. Só o bater de corações adormecidos lá no galpão dos apartamentos, e uma saudade imensa mantém o calor das paixões junto dos desavisados. Nessas horas, pois, há música pelo ar, acordes leves de blues, toques dolentes de pianos, e vozes suaves invadem a escuridão. Os estirões dos trompetes cadenciam a ausência forte das vivalmas no firmamento. Nisso, bem ali tudo acontece, qual jamais antes. 

Foram as tantas noites assim que construíram os pilares da Eternidade. Pessoas que deslizavam nos vultos das sombras e decidiram que devessem continuar para sempre com as horas, nas páginas acesas do momento. Criaram ficções de lugares e cenas onde pudessem acontecer os mistérios que hoje perlustram o senso dos vagabundos soltos em horas mortas. Reconstruíram de desejo a vontade incontida de achar alguém que lhes pudessem escutar na mesma linguagem, que nasciam dessas ocasiões inevitáveis. Aprenderam pelo amor da solidão a se lançar ao mar da sorte quais perdidos fossem de portos inexistentes.

Daí quantas vezes regressam fragmentos daqueles apegos dos turnos apagados na memória, porém que nunca esquecem reviver a saudades escondidas sob o manto concreto do passado que sobrevive aos escombros. Chamas de outras fogueiras apenas aguardam novas chances de gritar de dentro do peito e dizer que resistem a tudo. Desafiam na música, nos livros, nas flores, nas paixões... Acordes submersos daqueles sonhos antigos hoje voltam abertos ao Infinito, tais aprendizes do amor que viveu nos sentimentos esquecidos.

Elas são nítidas presenças que andam lado a lado com a gente nessas viagens internas que o coração realiza, nas excursões das noites, no entanto que as dominam, esses andarilhos dos céus entre estrelas e naves de aventuras errantes. Lembro a mim, umas muitas vezes, cruzando a ponte que divide o instante e a percepção; ali vejo cores e luzes que formam a existência e os mundos guardados nos refolhos do ser que ora somos. 


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

As histórias da História


O homem é naturalmente um animal político.
Aristóteles

Neste momento, aonde for, iremos nos deparar com situações nitidamente fora daquilo tão desejado desde sempre face aos sonhos da humanidade no decorrer dos tempos. Lá antes, ainda na Grécia Antiga, pensadores idealizaram época quando se faria, na prática, o que guardavam das suas cogitações sobre a alma humana. Porém desde então experiências vêm sendo elaboradas através dos povos, sem, no entanto, chegar à esperada perfeição.

De piores a melhores instantes são registrados, a partir da prática política. Líderes e líderes entram no cômputo das oportunidades, assim, de igual modo visando transformar as sociedades, contudo logo em seguida muito do que trazem aos dias desaparecem como que por encanto nas gerações posteriores. 

Nesta fase, por exemplo, há nítida confusão entre política e finanças em tudo que é país deste mundo. Virou investimento privilegiado investir em cargos públicos. Isto por conta do poder que representa a mobilização do erário e do afastamento imediato dos cidadãos na zona de comando, vista a sofisticação da sociedade. Por mais que pretendam, os afazeres cotidianos fraciona a participação política, alienação necessária aos moldes com que lutam pela sobrevivência. 

O pragmatismo dessas horas significa entregar aos eleitos à distância e sob a propaganda massiva dos meios de comunicação o destino de tudo enquanto, a partir da organização precária das instituições aos valores morais e espirituais. Ninguém sente segurança ao escolher os próximos titulares dos postos ditos democráticos, quando, no chegar aos níveis de poder, demonstram, moto constante, profundas contradições naquilo a que foram escolhidos. Hoje virou pecha de atividade inglória a escolha dos nomes que governam, com raras exceções, o que, inclusive, merece destaque, qual não seja esta a missão essencial de quem foi eleito. Ser-se honesto, justo, ético, nesses tempos inglórios, só de longe vem caracterizando o exercício pleno dos mandatos outorgados pelo povo.

Bom, foram algumas avaliações que me chegaram ao pensamento, na intenção de interpretar aspectos característicos desses turnos da política, fruto de resultados que nos trouxeram até aqui na História contemporânea. 

(Ilustrações: O Gato do Rabino (Le Chat du Rabbin) – França, 2011
Direção: Antoine Delesvaux, Joann Sfar).