Ouvir pela segunda vez a mesma música, e voltam ricas memórias das tardes bonitas da cidade, há três décadas, quando se ia ao cinema nos sábados para sessão de filmes raros, no Cine Moderno.
Ruas desertas e uma chuva miúda a escorrer levemente pelas casas pintadas de cal. A serra altiva cobria o tom claro com a sisudez de sua mata verde escuro orvalhada de nuvens.
- Névoa na serra chuva na terra. Névoa na baixa sol que racha.
O cabelo das velhinhas que rumam à missa a se parecer, na alvura, com asas que passam céleres sob as carnaubeiras da praça rumo ao escurecer do dia.
A vida é imortal, isto por sermos espíritos dotados de eternidade após o momento de nossa criação por Deus. Quem passa é o Tempo, primo-irmão da matéria, que também se dissolve na energia, fonte eterna do depois.
Na leveza desse início de conversa, escrito em 28 de março de 1987, regressa o mesmo instinto de falar do que esteja agora no coração, na intensidade de novos momentos que sustento nas horas cálidas de outras histórias e que, vivas, permanecem a correr soltas pelos vales e céus da consciência, nos seus pedidos sucessivos de recordar outros sonhos.
Neste silêncio de ficção do que nós somos resta sobreviver a tudo e desvendar o mistério lá desde longe infinito. Pequenas criaturas e as marcas que deixam nas estradas, quais meras perguntas ao relento, todos assim transitamos nos braços das visões e significamos fragmentos de nada da forma submissa ao desejo a qualquer modo nesta epopeia de luz. Daí a fome selvagem de viver dos seres em êxtase nesse barco do Destino.
Vê-se além o céu azul de um novo final de tarde, derradeiros raios de sol ao Poente, raras nuvens que deslizam solitárias longe de tudo, enquanto caminho ritmado ao sabor de uma brisa maneira. Entre mim e a realidade tão único o instante de percorrer as derradeiras dobras das encostas da Serra. E acalmo o pensamento a andar na força do quanto existem a forma dos sentimentos e a busca de conhecer mais da plenitude do que venho a este chão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário