sábado, 28 de fevereiro de 2015

Antônio Marcos

Por volta de 1968, quando os primeiros sinais de televisão chegaram ao interior cearense pelas ondas da Tupi, estação líder em audiência e carro-chefe dos Diários Associados, me achava trabalhando no Banco do Brasil, em Brejo Santo, onde permaneceria até 1971. Nesse período, Flávio Cavalcanti apresentava dois programas de sucesso na emissora, Um instante maestro e Esta noite se improvisa.

No primeiro desses, vi pela primeira vez Antônio Marcos. Mostrava composições suas sob a égide daquele famoso apresentador. Magro, de cabeça raspada, expressão agressiva, originava-se do Movimento Artístico Universitário, grupo teatral que sofrera consequências repressoras do desmonte cultural de anos anteriores.

De feições ainda adolescentes, cantava e se acompanhava ao violão, inspiração talentosa e letras sentimentais, com personalidade deixava notar o êxito que conseguira no mercado fonográfico, conquistando a Jovem Guarda, junto de Roberto e Erasmo Carlos.

Suas aparições se repetiriam nos programas da Tupi, enquanto sua produção ganhava o rádio no País inteiro, levando-o ao estrelado, um dos símbolos da juventude, na década de 70. Quem viveu esse tempo lembra de Menina de trança, Porque chora a tarde, Sempre no meu coração, Seu eu pudesse conversar com Deus, Como vai você, Namorada, Sonhos de um palhaço, Sou eu, Última canção, Vamos dar as mãos e cantar, O Homem de Nazaré, Tenho um amor melhor do que o seu e outras mais.

Em 1969, Marcos deixaria o grupo Os Iguais, com quem gravara compactos e um lp de canções estrangeiras (Yesterday, California Dreaming e Yellow Submarine, dentre outras), para começar carreira solo no disco Antônio Marcos, responsável por vender mais de 300 mil cópias.

Depois, faria cinema como ator (Pais quadrados, filhos avançados, de J. B. Tanko) e teatro (Hair, peça dirigida no Brasil por Altair Lima), em 1970.

Uniões amorosas intensas caracterizariam a imagem do artista. Casaria com Débora Duarte, atriz de reconhecida fama e, após tempestuoso romance desfeito, seria o marido da cantora Vanusa, e, por fim, de uma filha do rei Roberto Carlos, Ana Paula.

Nos inícios da década de 80, eu retornara ao Crato, e vim a conhecer Antônio Marcos, no Hotel Municipal de Juazeiro do Norte, apresentado por Francis Vale. Realizara uma apresentação no Cariri e conversamos longamente à beira da piscina da residência de Benedito Braz de Almeida, situada na Lagoa Seca, enquanto ele bebia e cantava.

Na oportunidade ouvi dele algumas revelações pessoais, ao revelar que usara cocaína durante 17 anos. E seus amigos lhe diziam: - Tu és um verdadeiro cavalo, cheirar coca todo esse tempo e ainda estar aqui para contar a história.

Já havia vencido a batalha contra aquela droga terrível, porém cairia sob as garras do álcool, de quem se tornaria vítima, alguns anos depois. Antes disso, ainda visitaria o Cariri, dando vexame, cantando embriagado e fora de si na Iguatemi Shows, no Triângulo Crajubar,
aonde planejei comparecer, mas que não pude fazê-lo, a fim de rever o ídolo popular de tão notória consagração.

Eram os meses finais e melancólicos da brilhante carreira artístico-musical do moço triste, que eu conhecera através do vídeo menos de um quarto de século atrás. Em 05 de abril de 1992, vítima de parada cardíaca em função de uma insuficiência hepática fulminante, morreria em São Paulo, com apenas 47 anos de idade.

Sabor das horas que passam

Submersos na condição inteligente do fenômeno vida, sentimos fluir as calhas da existência no pedido mais sincero de que devemos oferecer melhores respostas a tudo que nos cerca, as tais circunstâncias. E nisso resvalamos pelo corredor da sorte quais setas lançadas desde arco misterioso Ser, aonde e a quem seriam dirigidas as principais perguntas de buscar explicações. Da resposta que é o indivíduo na ânsia de acertar os próprios passos: Estou no lugar certo na hora certa? Faço o que me caberia neste exato momento, ou invento desnecessidades que apenas consomem meu potencial da energia de existir, quais seres alienados de si mesmo?


Contudo deve agir perante o poder de continuar no barco que nós somos na missão extrema de ser feliz. E desconfiados agimos todo tempo que nos fornece a existência, por vezes forçados cruzar mares tempestuosos; noutras, de alma lavada na liberdade do irresponsável, que sujeita a inúmeros exemplos dos que caem sob o peso de vícios e prazeres fáceis, gestos desencontrados a expor os que escolhem as contradições invés da virtude, da saúde e da paz.

Portanto, o projeto em elaboração que desfrutamos exercitar pede algumas coerências, nem sempre atendidas, de aceitar práticas abertas e sem alternativa de perder. Cavaleiros andantes dos sonhos harmoniosos consigo e com os outros, marcamos a longa história deixando nossas atitudes para significar o ponto a que pudemos chegar, limitados no saber e na arte de construir edifícios desta civilização.


O salto que daríamos sobre o abismo entre o real e o imaginário definirá por certo grau diferente da sabedoria já bem sofisticada dos que habitam o teto das existências desses dias. Que religiosidade nascerá de tudo isto apenas a luz da Consciência será capaz de indicar num futuro próximo que nos espera.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Diógenes de Sínope

Ou Diógenes, o Cínico, filósofo que existiu na Grécia Antiga e deixou história de vida marcada por episódios humorísticos face ao jeito de conduzir os acontecimentos sob o signo da irreverência. Desprendido das posses materiais, morava em um barril, de onde, certa feita, na presença solene de Alexandre Magno, quando este, ao se aproximar do filósofo quis lhe ser útil. Diógenes tão só pediu ao rei da Macedônia que se afastasse dali a fim de não encobrir o sol que aquecia sua precária residência. Não me tires o que não me podes dar! – acrescentou. Ao comentar o incidente, Alexandre afirmaria: Não fosse quem sou, gostaria de ser Diógenes.

Em outra ocasião, depois de andar longa data com uma pequena cuia na qual bebia água dos rios e lagos, se viu surpreso e desvanecido porque viu um jovem que usava apenas as conchas das mãos com a mesma finalidade. Sentiu o quanto perdera de tempo a transportar na cintura aquela peça desnecessária, vindo, então, a destruí-la com aborrecimento.

Buscava dar exemplo do viver simples, longe das luxúrias da civilização, testemunhando indiferença para com valores inúteis da acumulação das riquezas supérfluas. Nos seus conceitos, felicidade detém laços estreitos com a virtude, o autodomínio e a liberdade, práticas essenciais na suficiência da criatura humana neste mundo. 

Dele também consta haver saído em plena luz do dia a transportar lanterna acesa e, ao ser indagado quanto aquilo, respondeu que procurava alguém que merecesse o título de homem verdadeiro.

Avistado a pedir esmola a uma estátua, teria justificado que assim exercitava o costume de nunca depender dos outros, porquanto com certeza jamais seria atendido, dada a cegueira daquela a quem dirigia seu pedido.

Indiferente aos preceitos morais da sociedade onde viveu, Diógenes deixaria à posteridade o questionamento de época cheia das pompas da artificialidade, exercitando na própria pele as mudanças que tanto desejara aos gregos.  

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Os cavaleiros da Távola Redonda

Só nesses dias recentes, 53 anos passados desde que inauguraram o Cine Educadora, em Crato, assisti ao filme que fora mostrado bem nos inícios de suas atividades. Tinha de dez a doze anos e a censura restringira em 14 anos a idade dos espectadores. Fiquei fora, olhando a fila dos felizardos, cheio de vontade de acompanhar a exibição, sem, contudo, lograr êxito. O comissariado de menores da Comarca era irredutível. 

Depois de mais de meio século, pois, remexendo os tabuleiros das Lojas Americanas, dou de cara com o DVD do filme. Na primeira oportunidade deste mês de junho de 2011, sentei em frente à televisão e mergulhei com sofreguidão na história que já conhecia de livros, a saga do Rei Artur, da Inglaterra heroica de antigamente. 

Desta feita, variadas interpretações subiram à tona para atender ao desejo do menino contrariado; ver as cenas, que antes eram em celulose e projetadas numa sala fechada, agora através de máquina que nem existia a cores na hora lá atrás; o mesmo filme proibido com sabor renovado; analisar a produção de cinco, seis décadas anteriores sob a visão dos dias atuais; e reencontrar os personagens da lenda inglesa, tudo em alimento do sonho simbólico que a arte proporciona.

No vídeo, Robert Taylor, Ava Gardner, Mel Ferrer, e outros atores menos festejados, encenaram o drama dentro do prisma amoroso que quis abordar seu diretor, Richard Thorpe. Largou de lado os aspectos apenas épicos da história e prendeu a trama nas intrigas da corte e na paixão de Lancelot e Guinevere, aos olhos ardilosos de Mordred e Morgana, inimigos figadais dos titulares no trono. 

O que se vê: um Artur Pedragon encurralado entre o vínculo profético da condução do seu povo, substanciado pela espada Excalibur presa na pedra, e as questões palacianas, o que lhe custará o poder e a vida, desenrolar por demais solitário e trágico, conduzido à distância pelo mágico Merlin, guardião das forças do Bem no jogo de poder do reino de Camelot.

Em tudo isto, ainda uma esperança prevista com a vinda futura do salvador da Ilha, Galaad, o cavaleiro da promessa, filho de Sir Lancelot e Elaine.

Belo filme, posso dizer com tardança, que resistiu ao tempo devido à evolução da tecnologia da comunicação. Há esta chance de preservar as oportunidades e nutrir a perspectiva de nada se perder, guardado em algum lugar ao dispor das gerações. Quem diria houvesse a conservação de tantos registros através de monumentos e obras criativas, transmitidos no decorrer dos séculos? Músicas, livros, pinturas, esculturas, filmes, desenhos, jornais, revistas, elementos essenciais ao vasto conhecimento e à transmissão dos valores... 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Servidão tecnológica

As novidades tecnológicas produzem mudanças genéticas, morais, sociológicas, políticas, dos costumes, da cultura humana. Isso pode ser avaliado a cada instante, através dos dias, no cuidado extremo com que se anda nas ruas, exercitado pelos adultos e pelas crianças, ao atravessar uma rua, por exemplo; ninguém mais se arrisca a pôr o primeiro pé sem antes consultar a direita, a esquerda, duas ou mais vezes, pois os bólides motorizados espreitam os menores desavisados.

Isso independente de falar nas consequências transgênicas, das quais se desconhece o resultado e nem por isso se deixa de usar geração após geração, drama silencioso que repercute nas síndromes antigas e recentes da raça humana. A juventude repercute tais dramas, nas salas de aula, nos parques de diversão, nos cinemas, nos bares da vida.

Disso vêm manias modernas, a resultar nas dependências difíceis de solução, visto o desconhecimento dos seus efeitos. Todavia resistem ao fastio. As lojas de departamentos proliferam numa velocidade inimaginável, arrastando crianças, adolescentes e adultos à prática repetitiva e hipnotizante das armadilhas coloridas, feéricas e luminosas, acima de suspeita, criando os dependentes doutra droga perigosa.

Essas parafernálias envolvem mentes e prioridades, restringindo o tempo da disposição ao estudo, sob o consentimento frívolo das autoridades e das leis. Pareciam com coisa inofensiva durante anos, décadas, enquanto a civilização prosseguia nas pesquisas de vender engenhocas estapafúrdias.

Quando a televisão aumentava seus domínios no espaço brasileiro, alguns gatos pingados ergueram a voz para protestar contra aquilo que a denominavam máquina de fazer doido. E ela hoje se impõe com a mesma falta de conteúdo ou excesso de conteúdo alienante, imune a críticas, senhora de vida e morte de jovens e adultos, parasita da criatividade que falta ao povo e sobra às elites dominantes.

Os tais vícios emergentes, portanto, carecem de acompanhamento clínico de responsáveis pela comunicação social, na elaboração do senso imprescindível às respostas, nesta quadra cultural onde impera o poder do lucro a qualquer preço, inclusive da liberdade e da autocrítica necessária, imprescindível. 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Os pássaros

Homens, irmãos, todos os que estais crucificados pela dor: Ouvis o canto consolador da cotovia, da nossa Fé?...                                                                                                      Mons. Thamer Tóth

Há vezes em que o canto das aves, vindo lá de dentro da natureza, fala nisso, de um eu mais de dentro dos mistérios, pergunta que se destina a esses sinais soltos no silêncio das tardes mornais deste lugar. A pergunta insistente a propósito do porquê de manifestações aparentemente desnecessárias, flores, borboletas, variações de plantas, relevos do solo, temperaturas, cores variadas na luz do dia, o que sacode a rotina do comer, dormir, tomar banho, andar, falar, trabalhar...

Nessas horas o pensamento abre territórios desconhecidos nas entranhas da memória e conduz ao aberto da possibilidade, vasto império da imaginação. A que se destinam os pássaros e seus voos e cantos ao sabor do vento que desliza no trilho do Tempo. Pedem abertura na mente a permitir outras possibilidades vivas além da repetição pura e simples dos momentos sucessivos.

Chamam a fugir da prisão deste mundo tridimensional e exclusivo, janela de nadas grosseiros da visão imediatista... Indicam meios de ponderações invisíveis do ente abstrato, céus, luas, sóis, dimensões, do direito a reino de virtude porvindoura, hemisférios ideais da leveza e do sentimento... 

Eles, os pássaros, as folhas secas do verão que flutuam no azul quais fiapos irreverentes de pardais, andorinhas brincalhonas e festivas, vãos na água do Universo quais marcas indeléveis de felicidade até então desconhecida, aberturas a novas condições do Ser...

Tal a lenda polonesa que fala de quando o homem perdera o Paraíso e lutava contra as intempéries da servidão, olhos postos na aridez do chão de outra existência, que conta que de Deus, sentindo misericórdia, pegou um punhado de terra e o jogou no ar; daí nasceu a cotovia. Naquele instante, trabalhador melancólico, o ergueria pela primeira vez sua visão, escutou o canto da pequena ave e sentiu o instinto da fé no amor da pureza original de que tão pouco usufruíra. E pode, com isso, alimentar a esperança dos dias melhores que hão de vir no seio doce da Eternidade. 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A arte da miniatura

Certa vez, visitei exposição do escultor caririense Nélito Gonçalves, no interior do Shopping Cariri, em Juazeiro do Norte. A mostra se compunha de esculturas abstratas e figurações miniaturizadas de utensílios domésticos, peças confeccionadas em casca seca da cajazeira, árvore típica de nossa flora nordestina. Valeu considerar a expressiva qualidade do material exposto, elaborado dentro da melhor técnica e escurecido com acabamento no verniz copal.

Essa oportunidade me levou a considerar outras manifestações artísticas de infinitas potencialidades também na miniatura. A propósito disso, Paulo Tasso Teixeira Mendes, professor meu amigo que mora em João Pessoa, descreveu exposição que presenciara quando, nos anos 60, vivia na Europa e era aluno do Colégio Pio Brasileiro, da Igreja Católica. 

Tratava-se da obra de artista brasileiro, gravador em metal e que desenhava figuras mínimas em cabeças de alfinetes. Reproduzia figuras as mais diversas, desde paisagens a monumentos arquitetônicos. Em um desses trabalhos gravou a Basílica de São Pedro, de Roma com os detalhes da bela fachada. Toda a exposição do exímio criador cabia numa única caixa de fósforos e os expectadores ainda precisavam usar lentes para contemplar as pequenas produções mostradas no reduzido espaço.

Diante da minha admiração, Paulo Tasso então me informou que o mesmo lhe acontecera na ocasião, visto o teor de dificuldade do trabalho desenvolvido, quando soube, através do artista, que existem japoneses que descem ainda mais às particularidades da técnica de gravar superfícies mínimas, utilizando apenas a superfície localizada na ponta de agulhas, usando instrumentos milimétricos e equipamentos óticos adaptados para isso.

Aonde chega a sofisticação da criatividade humana neste mundo.

As miniaturas de há muito merecem relevo no âmbito da cultura, sobretudo nas civilizações orientais, dadas ao esmero do reducionismo. Museus de arte chineses expõem peças dotadas de tal minudência que, por vezes, uma única delas reclama a vida inteira de seu autor para inteira conclusão.

Isso demonstra o infinito do engenho criativo, considerando o valor apreciável das manifestações estéticas no estudo das populações e suas histórias fenomenais.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

As lembranças bem guardadas

O meu amigo Thiago Duarte mora em Crato. Antes estudara e fora casado em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde deixara uma filha, Aline, que agora tem oito anos e vive junto da família da mãe, longe, pois, do pai, que este ano resolveu visitá-la na quinta-feira da semana que antecedia o segundo domingo de agosto, o Dia dos Pais. 

Chegou à Cidade do Sal em tempo suficiente de participar da festinha anual do colégio que homenagearia os pais dos alunos. Passara rápido no hotel, tomara um banho e rumara ao local.

Às 16h, ocorreria a solenidade na quadra do colégio, sob os olhos animados de professores, alunos e familiares. Ao terminarem os pronunciamentos, apresentações artísticas e outras movimentações, os pais seguiram até as salas, no sentido de receberem algumas lembrancinhas dos filhos, como organizam os colégios em tais datas.

Nessa hora, Thiago observou que Aline recebera a sua lembrança das mãos da professora, mas evitara lhe repassar na mesma ocasião, qual faziam os demais colegas. Cuidadosa, guardara na bolsa a prenda e dirigira-se ao pai convidando-o para descerem ao pátio do colégio.

Ali, num ponto reservado, de mãozinhas delicadas, abriu a pequena bolsa e disse ao genitor:

- Papai, nos anos em que o senhor não pode vim eu guardei as lembrancinhas para o senhor. – Nessa hora, Thiago, que já disfarçava algumas lágrimas, observou emocionado surgirem enfileirados os mimos que a menina carinhosa guardara ano a ano.

Eram elas um chaveiro de moto feito um cordão grande e a medalhinha de São José na extremidade. Outra, uma lanterna pequenina, já meio gasta pelo uso, o que decerto a criança usara nas suas brincadeiras. A terceira, moldurazinha de praia de uns 10 cm de altura por uns 5 de largura, realçando fotografia de um pai pegado com o filho, levando-o ao alto, e a frase Pai, você é o meu herói. E, por fim, a lembrança atual, boné decorado pela inscrição do nome do colégio.

Em seguida, Aline também tiraria da bolsa desenho de seu próprio punho onde mostrava três figuras. A dela, Aline, e a palavra filha. De Gabriela, e a palavra irmã. Na outra, um homem e as palavras papai, Thiago. Todos felizes. Do lado, uma árvore bem delineada e um sol risonho. Em cima do desenho, este pensamento: Agora a família está completa.   

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Dificuldade mãe da transformação

A saída virá do íntimo, da essência mesma da dor, que é uma parte do drama humano. Ele, o dito desespero de se saber vivo e ainda não saber viver o tanto certo de não sofrer.

A ajuda nisso são a vida e o gosto de refazer a jornada todo tempo em prol da luz da paz, não as pessoas ou coisas...

O jeito vem de reconhecer nosso tamanho. Ninguém é grande. Criemos nossos próximos passos. Às vezes querendo passar as alternativas interiores aos outros, sem contudo levar em conta o esforço de vencer as fraquezas que são do que os instrutores da nova existência em formação no interior do sistema pessoal.

A religião vale qual primeira psicologia. Amar a nós mesmos, andar pelos corredores desertos da alma. Descobrir o trilho do labirinto, pois existe vida dentro de nós independente dos desejos. Aceite o seu jeito, sua arte, seu amor pelo viver. Ame, longe das dependências de quaisquer objetos externos ou movimentos assustadores. Somos sistema completo de alegria, paz e esperança, sempre. Estamos aqui no sentido de ser felizes. Isto, sim. Desejo que ache o conforto e grande refazimento, com pleno amor no coração.

Força, a força suficiente de vencer. Toda pessoa é especial, e o autor dessa definição é nosso Pai e Criador, o Poder Soberano que a tudo rege e conduz.

Os dependentes de qualquer ilusão enfrentam o passo seguinte perante as dores de um parto feroz que estremece as bases do ser e reclama resignação, outro nome da dor. Renda o desejo ao nada e deva caminhar de alma forte aos novos amanheceres. O caos que se instalara aparamente induz ao desânimo, porém não definitivo, por conta da energia viva do mistério que clama prosseguir a tempos de vitória.

Nesse fulgor das duas correntes de qualidades diversas que freme dentro do peito da individualidade, vencerá o ímpeto que melhor se identifique com a prática de dominar a tempestade em favor de Si no lugar certo.

A dor e o menestrel

Lemos em algum lugar história triste de um palhaço que perdera a esposa e se achava na condição de comparecer, no mesmo dia, ao picadeiro de um circo e fazer rir a platéia que lotava o espetáculo onde tantas outras apresentações levara a efeito em condições satisfatórias.

No momento em que todos gargalhavam com desempenho magistral nunca antes presenciado pelo distinto público, dentro dele fervilhava a mais pungente amargura e desciam lavas amargas de dor, disfarçadas com maestria pela máscara que cobria o rosto banhado de lágrimas.

Enquanto alegria sem igual naquela hora contagiava os espectadores, no peito do homem ardia crise sem precedentes, propósito de quem conduz vida de quase nada pode exprimir da veraz realidade que impera no ser, por força de produzir emoções nos outros lá de fora.

A situação descrita, mudando o que merece mudar, caberia feita luva na circunstância que se verificou em Crato, quando, no Espaço Navegarte, assistíamos a uma apresentação musical.

Lá no palco, o cantor pernambucano Geraldo Azevedo, voz e violão, que oferecia a numerosa platéia bela música do seu repertório, boa parte de própria autoria. Aplausos efusivos animavam o clima ameno do lugar, evidenciado nos flashs constantes dos fotógrafos a registrar o acontecimento, entremeados de relâmpagos insistentes que clareavam o céu escuro à distância, cenário detrás do palco, para as bandas da Ponta da Serra. 

Isso se manteve ao ritmo das letras e cordas afiadas do instrumento bem praticado, nas sombras chuvosas da noite caririense.  

Duas ou três canções antes do término da cena, porém, nas falas com que ilustrava os intervalos das canções, o músico comunicou aos presentes que, na véspera daquela data, ocorrera a passagem de sua genitora desta vida para a outra, pondo-se, logo depois, a interpretar uma composição de autoria dela, refletindo na voz o sentimento que se pode imaginar de filho em situação semelhante.

Ao lembrar os detalhes disso, nos vemos, emocionado, a refletir quanto à condição dos artistas e sua proximidade com multidões desconhecidas, vínculos que se estabelecem no decorrer da existência coletiva. Enquanto dentro de si lhes sacodem no peito um coração quantas vezes macerado pelas guantes imprevistas do destino, repassam, igualmente, a imagem de quem habita condomínios eternos da mais pura felicidade. 

Missão semelhante, a exemplo do palhaço de que falamos no início, uns dançam, riem, se divertem. Outros padecem, representam, dissimulam. De íntimo transtornado pelos ardores do sofrimento de perder a mãe querida, o músico prosseguiu com a função até o fim, debulhando versos e notas, na batida intensa do expressivo violão solitário, ausente das convenções deste mundo. Isso tudo em nome do amor ao sonho da arte, herói sobranceiro da magna inspiração, porquanto o show haverá sempre de manter o curso ininterrupto ao âmago dos corações em festa.         

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Mestre Vicente Marques

Iniciada no governo municipal de Raimundo Bezerra de Farias e concluída no de Moacir Soares de Siqueira, a reforma da Praça Francisco Sá, em Crato, evidenciou a beleza daquele que muitos consideram o nosso logradouro mais pitoresco, que na segunda metade do século XX vivia decorada com jardins alegres e benjamins recortados em variadas figuras.

Também conhecida por Praça da Estação, pois nela chegavam as composições da linha férrea, guarda no seu centro a Coluna da Hora, encimada pela escultura do Cristo Redentor de braços abertos para o lado Nascente, em dimensões proporcionais às do Corcovado, no Rio de Janeiro.

A edificação desse monumento de bela expressão e bom gosto se deveu ao prefeito Alexandre Arraes de Alencar em 1938, sob a orientação do arquiteto e escultor Agostinho Balmes Odisio, mestre italiano responsável pelo trabalho, segundo consta em placa numa das faces do pedestal.


No entanto, vale aqui destacar uma observação que ouvi de Raimundo Nonato Marques no decorrer dos dias da Exposição cratense deste ano de 1999. Afirmou ele que nos créditos dados ao escultor da imagem do Cristo existe a omissão de um nome que jamais deveria estar ausente. Trata-se de Vicente Marques da Silva, imaginário nascido em 06 de janeiro de 1908, na cidade de Juazeiro do Norte, e que morou em Crato por longo tempo, um dos irmãos de Raimundo Marques, Mundinho, autor da Samaritana, uma das fontes da mesma praça, inaugurada em 21 de junho de 1952. Mundinho também se destacou como goleador emérito do futebol de antanho, falecido vítima de acidente de automóvel num dos cruzamentos centrais da cidade. 

Segundo Nonato Marques, artista plástico nascido em Crato no ano de 1945 e que vive em Salvador, nono filho, dentre os 22 de Vicente Marques, o seu pai começou a laborar na arte da marmorearia aos nove anos, logo cedo evidenciando talento especial como aprendiz do Prof. Agostinho Odisio, esse que fora contratado através de sua firma para edificar a obra da estátua do Cristo Redentor, transferindo ao seu aluno Vicente a responsabilidade exclusiva pela execução primorosa da obra.

Na produção do trabalho foram feitas, primeiro, as várias peças, em 18 pedaços no total, em barro cerâmico, sendo delas confeccionadas as formas de gesso nas quais faria a fundição de cimento e, por fim, a montagem definitiva no ponto em que agora persiste, mérito dos habitantes do lugar. 

Os cratenses daquele tempo ainda sobreviventes recordam de Vicente Marques e seus familiares que, na década de 50, migrariam para Manaus, deixando em Crato a oficina de marmorito onde exerciam essa arte, à Rua José Carvalho, por trás da Sé Catedral. Lá na capital do Amazonas, em 17 de junho de 1994, se deu seu falecimento. 

Ficam aqui, portanto, as informações consignadas, no sentido de propiciar, depois de quantos anos, justos instrumentos de pesquisa na memória dos que estudam a história urbana da Princesa do Cariri cearense, onde há lugar para as pessoas de boa vontade, qual afirma dístico fixado aos pés da coluna da hora, na Praça do Cristo Rei.  

O caçador de papagaio e o milagre de São Francisco

Naquele dia, o caboclo acordou cedo, comeu qualquer coisa e cuidou de marchar para a floresta na procura de árvores velhas onde pudesse pegar mais papagaio, mercadoria de sua especialidade, que levava à feira assim tivesse boa quantidade, juntando com outros filhotes que conseguira desarranchar não fazia algum tempo.

Demorou quase nada, nem suara direito, quando avistou timbaúba velha que bem poderia abrigar entre os ramos secos ninho do pássaro. Nem chegou a se demorar, amarrou uma corda em volta do tronco esbranquiçado, prendeu-se em torno da própria cintura e escalou a madeira.

Instalado no alto da madeira, buscava analisar a superfície quando sentiu faltar o apoio dos pés. Daí afundou no vazio, de buraco abaixo, escorregando dentro no miolo podre do pau, caindo de toda a altura, desaparecendo lá na escuridão, sem a menor réstia de luz.

Depois de alguns instantes, tudo já quieto, cotejou as partes do corpo para ver se ficara inteiro tirando os arranhões inevitáveis. Apenas o bafo quente de coisa fermentada, abafada, e o silêncio pegajoso do escuro profundo. 

Sem alternativa, pegou de pensar; logo medo brutal tomou de conta dos seus pensamentos. Lembrou-se da mulher, dos filhos, da casa; sentiu impaciência, desespero. O gosto que restou foi de erguer o juízo e lembrar Deus, os santos, que lhe envolveu as pisadas do coração. 

- São Francisco, me ajude, meu santo! - gritou com vontade e apago à vida. Repetiu, repetiu várias outras vezes, com fervor desmedido, temperado no temor que invadia seu sentimento.

Nisso, demorou bom tempo naquela ânsia de sobrevivência e solidão. Horas passadas, fortes e desesperadoras, quando, sabe-se lá de onde, ouviu mexer fora na carne da madeira rapado de instrumento esquisito. Veja só, naquela hora morta, achou de cavar o pé da árvore inútil enorme tatu canastra que passava pelas imediações. Se animal tem curiosidade deve ser esse o nome do instinto de procurar alimento. Por isso, a salvação do caçador de papagaio nasceu das unhas afiadas daquele bicho, que rompeu o caule da timbaúba na procura do que comer. 

Daquele dia em diante, jamais quis o caboclo saber de tirar ninho de ave, reconhecendo o bem que merecera por força de São Francisco.

(Da tradição popular, história que ouvi de Manoel Ferreira da Silva Manu). 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

O mágico da vontade

E esse artesão das realidades, o ser sagrado, os humanos, que sai trocando pernas neste chão, pouco sabendo do quanto de poder guarda no íntimo de recriar existências, se disso bem souber trabalhar, transformar a si e aos outros por meio da imensidade descomunal que carrega bem dentro do ser que é, instrumento vivo de que a Natureza se reveste no impulso de trazer renovação aos instantes deste céu daqui onde habitamos no Universo. Sim, isto de nós mesmos, no falar do tanto das possibilidades que pesam em nossos lábios, nossas mãos, nossos ombros... Cavaleiros andantes da felicidade, transportamos nos nossos corredores internos a consciência, matriz de tudo.


Nalgumas gotas de orvalhos da alma da gente rebrilham todos os sóis, enquanto esfregamos olhos ressecados nas visões corrosivas da noite anterior diante da tela dessa tecnologia dos tempos. A luz que convida a enxergar o novo dia de carinhos a distribuir, a receber... Esquecidos por vezes da paz, e ainda explodem bombas de ódio pelas máquinas de guerra, por isso que tantos sofrem invés de ser feliz.

Bom isto, de propor um tempo de paz ao ser individual dos indivíduos, lembrar a própria luz no coração das pessoas, dos entes humanos, habitantes do território Humanidade a fim de levedar a massa com o sal que possuí. Essa expectativa que dói, no entanto, quando desliza conforme a vontade da força soberana do Jardim do Éden de cada um, apenas largada no seio do supérfluo. Só a grandeza de todas, a maior alternativa, que um dia livre chegará ao querer das criaturas. E o saber que dependerá do uso da liberdade em acertar com o foco da presença no amor de si mesmo, do Si Mesmo, lá dentro, cá dentro da Consciência, entregue ao preito da confiança que transporta aos tetos do Infinito.

Guarde, pois, algumas dessas palavras e fertilize o solo da alma, e deixe crescer a Verdade, permita que a Esperança desenvolva sua família no coração das novidades do momento. Guarde, pois... 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

O plano b da solidão

Isso de pensar que as coisas só acontecem em outros vagões e com outros passageiros deixou de ser novidade e caiu de moda numa veloz rapidez. Agora qualquer artista principal periga perder a mocinha para qualquer bandido em abrir e fechar os olhos. E filmes de finais bem sucedidos murcharam de orçamento nos tempos sadomasoquistas das telas do momento. Inversamente proporcional aos prêmios maiores das loterias, que dão só para lugares mais distantes e pessoas menos conhecidas, os titulares da pasta individual trabalham no elemento surpresa e sujeitam receber a conta dos desmanches dessa vida querendo ou não e a qualquer hora. Portanto, ligar as antenas e avaliar uma saída para as crises que queimam os corações alheios e outras barbas, que significa norma de sabedoria desses quadrantes televisivos que correm soltos na avenida principal e nas manchetes perdidas da terceira página.

Dizer palavras desse naipe devido as emoções interrompidas, que voam soltas em cima das histórias sofridas das gentes nos jornais. O cidadão juntara lá suas vaidades guardadas a sete chaves e esquecera-se de quem nem vaidade alimentava por causa da pouca vergonha dos chefes políticos. Os ausentes do amor sabem disso. Nunca mereceram um único beijo fervoroso e amarguravam o convencimento dos heróis, e que ficavam à margem dos romances, em face de haverem chegado tarde e os mais ativos comeram a rifa sozinhos, detrás das moitas, longe das visões coletivas.

As dores de cotovelo do percurso mexem no juízo de toda criatura, seja bicho ou gente bicho. Ninguém de sã consciência cantaria vitória antes do final, pois o tempo no nascente vira com a maior facilidade. Fere, e dói, e desatina.  Conquanto acumulem riqueza nas casas cheias das noites animadas, os vencedores duram no pódio apenas o intervalo dos comerciais, e olhe lá se chegam a tanto.  Cadernos andam abarrotados de situações nessa área empregatícia. De uma estação a outra, os vendedores de macaxeiras trocam de figura, porquanto coração vive de portas abertas e nenhum morador garanta o direito de manter endereço fixo todo ano naquele velho lugar. Inquilinos mudam de quarto a todo instante, no movimento das composições que chegam e saem na festa dos amores, nas espeluncas e nos hotéis de primeira classe.

Com tais argumentos, as humanas majestades necessitam quanto antes aprender os passos da dança e levantar a cabeça às nuvens, mas pisar com força no chão, para revelar a humanidade que têm todo dia. Aceitar as condições transitórias do capricho que empalha ilusões nas caminhadas e exige, contudo, renúncia dos acessórios do orgulho, dispensáveis na arte de trabalhar a emoção gostosa do amor comum, o que impõe certa sagacidade. Um olho no sentimento e outro no pensamento, até equilibrar sofrer menos a ingratidão adversária e correr menos o risco de reclamar as reservas de paciência que o mundo solicitar.    

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Bancos da escola da vida

A fé qual pressuposto de cruzar barreiras de sofrimento exige concentração e vontade firme, porquanto ninguém de sã consciência acredita que viver é ledo passeio nos verdes campos das histórias sem marcas e dores. O filme deve terminar com felicidade, porém o roteiro requer peleja de causar espanto. Nenhum soldado que entra na luta cuida só de manter a farda limpa e as armas lubrificadas, sem deparar inimigos que lhe mandaram combater, pois isso jamais significaria vitória ao final das contas. Um exemplo forte, de luta, de guerra, no entanto humano, do dia a dia da linguagem de quem estuda a coragem de defrontar os impasses do ofício. 

Tem se esforçado, o que querendo que caia do Céu sua felicidade? Goste de existir. Reagir às baixas, eis tudo que temos de exercitar sempre. Há situações extremas de pessoas que não se deixam levar pela tristeza. Há níveis bem melhores de pensamento e sentimento esperando, a todo momento.

Boas palavras. Boas lembranças. Deixar a tristeza de lado. Somos a possibilidade atual da nossa felicidade.

Viver é lutar. Sofrer é uma escola de crescimento. Ninguém, ninguém, está isento do sofrimento, senão não aprenderia e não cresceria espiritualmente. Tem que reforçar a guardas. Levantar os olhos à beleza da natureza. A derrota prévia é o alimento da infelicidade. Os fracos se entregam com facilidade. Nunca haverá vitória sem luta. Lutar é sustentar a barra, erguer os ombros e sair e vencer, conduzir os passos aos tetos da vitória. Diga e pratique. Com esforço, persistência, vontade de crescer, estudar, produzir, acreditar. Se cair caem muitos consigo, além do mau exemplo aos que lhe acompanham na peleja de superação. Não existe vitória sem luta.

O mundo gosta dos batalhadores e decididos. Reaja e conte uma nova lenda de si mesmo. Deixe o passado passar, e abrace um futuro grandioso. Seja...

Produza outra pessoa que mereça a admiração pelo valor, pela organização de vida, pelo desejo de acertar e obter êxito. Tudo está ao seu dispor, ao nível de suas mãos. Experimente. 

Abraço de sucesso e esperança nas maiores alegrias de poder sonhar com liberdade, quando tudo só depende da gente, por quanto somos artífices da persistência e da tranquilidade.

(Foto: Henri Cartier-Bresson).

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Jonas, o profeta

Um dia, o Senhor dirigiu-se a Jonas, filho de Hamitai, e determinou que ele fosse a Nínive, cidade pagã de reprováveis costumes, levar aos seus habitantes  palavras de salvação.

No entanto, Jonas o que fez: arrepiou caminho. Desceu a Jope, onde, no porto, avistou fundeado navio de arribada para Társis e meteu-se no rol dos passageiros, disposto a fugir de qualquer modo da face do Senhor.

Em alto mar, porém, quando a viagem parecia transcorrer na perfeita normalidade, sem transtornos ou percalços, cresceu monumental tempestade, a todos espavorindo de causar dó e piedade. 

Nessa hora difícil, a sono solto, Jonas repousava no porão do navio, isento de quaisquer preocupações terrenas. O comandante, que lhe conhecia os dotes espirituais, pediu que ele orasse em favor dos aflitos, naquele instante de perigo. De logo reunidos no convés, os membros da tripulação jogavam a sorte e reconheceram na figura do profeta o motivo da iminente tragédia que rondava a expedição.

Daí quiseram saber mais do passageiro, quais suas origens, profissão, e detalhes úteis que falasse dos maus presságios circunscritos.

Ele lhes respondeu: - Sou hebreu e adoro o Senhor, Deus do céu, que fez os mares e a terra, – Livro de Jonas l:9.

Cresceu-lhes ainda mais o medo, porquanto descobriram a intenção do profeta de esquivar-se perante o compromisso firmado com o Pai de Tudo, levando Jonas a indicar o jeito que via de escaparem daquilo, só que deviam atirá-lo às ondas fatais do mar revolto, remédio certo.

Eles ainda resistiram à ideia do estranho e, por isso, clamaram aos céus misericórdia. Todavia acabaram aceitando lançar ao mar o profeta.

A sequência dos acontecidos torna esta narrativa de domínio público. Nas águas convulsas, Jonas viu-se engolido por baleia descomunal, em cujo interior permaneceu três dias e três noites, tradicional conhecimento da humanidade.

Na barriga do peixe, ele reergueu as forças e pediu ao Senhor, com sofreguidão, que voltasse a ver a luz do dia. Na aflição, afirmou sua irrestrita obediência aos fatores do Bem. De volta ao chão firme, a ordem que recebeu repetia os inícios da história, que seguisse na direção de Nínive, a salvar-lhe o povo, reino que chegou após três dias de marcha cerrada.

Nas ruas, pregou com abnegação os rigores da mensagem fatídica: Ainda 40 dias, e Nínive será subvertida, clamava sensibilizando os ninivitas. O rei do lugar aquebrantou a alma e mobilizou toda população pelos caminhos da virtude. Juntos, jejuaram. Privaram-se. Converteram-se. Arrependeram-se e oraram com força.  

Por conta desse feito de Jonas, Deus revogou o futuro cruel de Nívive, exemplo clássico de transformação coletiva, na voz dos antigos profetas judeus. 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Equívoco

O marido libertino se imiscuíra na farra com duas ou três senhoritas e mais alguns cúmplices, percorrendo folgazão os barzinhos afastados, preferência da marginalidade. Entraram de ponta-cabeça na programação alternativa, dispostos a reverter o clima de tristeza que chegara junto com as preocupações financeiras dos dias críticos do novo modelo econômico nacional e a repercussão nas suas atividades. Vá lá que fosse assim.

Pança cheia do mel, juízo tonto, zoeira no mundo, trilha estridente de carros acústicos, enquanto o marido beijava mais do que de direito, na onda do faz de conta. Muito furdunço nas latadas, na alegria postiça que por vezes se instalava. Tudo parecia acontecer dentro das melhores previsões. Festa de ninguém botar defeito, como dizem. Embalo geral.

Ainda assim, um grilo fervilhava nas dobras da cabeça do homem. Alguma coisa não batia bem, algo ficava faltando naquele clima. 

De revisar a memória, se lembrou de que era a noite do sábado em que ele e a mulher deveriam apadrinhar o casamento da filha de uma amiga dos dois. - Xiiiiiii... - não deu noutra, restava desconversar os boêmios e cair fora do bloco dos prazeres fáceis.     

Arrepiou firme. Chegou em casa atrasado só o tanto. Esposa e filhas prontas, de caras amarradas, olhos fuzilantes, reclamavam mais do que bode embarcado. Rápido cuidou de se banhar, investir-se no paletó, juntar forças para recolher a sogra, que protestava a demora por meio do telefone que só parou de tocar quando trancaram a porta e seguirem no prumo da igreja, num tempo quase insuficiente.

Meio do caminho, lotação completa e resolveu de conferir se as coisas improvisadas funcionavam a contento, livre das surpresas de última hora. Nisso, olhando embaixo, à frente do banco dianteiro, notou a indesejada presença de uma sandália das que usavam as moças com quem andara. Frio intenso lhe percorreu todo o corpo, descendo e subindo a espinha dorsal, mistura de medo e preocupação. 

Não contou conversa. Desviou para o trânsito a atenção das passageiras, e, abaixando-se sutil, atirou pela janela a peça indesejável, atitude que lhe refez, de pronto, as energias. Esse conforto, no entanto, durou poucos minutos, até que percebesse a dificuldade da sogra, tateando no escuro, à procura do outro par de seu calçado para que pudesse descer do automóvel e chegar na obrigação.  Aí viu que nem tudo funcionara a contento.  

(Revisitando uma das histórias de Stanislaw Ponte Preta).

Saúde moral

Mero engano pensar em fazer fogueira sem pequenos gravetos, que darão o passo inicial de desenvolver o fogo. Isso significa a importância da transformação das pessoas no propósito de construir mundo melhor, mais justo e humano, de paz e prosperidade. Isolar bolsões de sucesso individual e esquecer os outros que ficarem de fora representa com expressividade a situação momentânea dos habitantes da Terra. O isolacionismo com que se trabalham os dias atuais deixa a desejar exatamente no que diz respeito à ausência quase absoluta de um pensamento coletivo, onde haja a preservação dos valores do grupo na forma de lideranças e políticas públicas.

Líderes que surgem de comum apresentam teor elevado de corporativismo, que quando postulam o fazem no benefício próprio particular, ou dos que os elegem aos muitíssimos cargos do interesse comunitário a que foram criados. Voltam-se a defender fatias reservadas, por vezes inconfessáveis, comprometendo o corpo inteiro da sociedade. 

Todo o esforço na história de aprimorar meios de evolução social através da ciência histórica virou massa de uso particular, numa gritante calmaria das forças vivas que pudessem gerar a evolução da humanidade, o que acontece nos lugares distantes e próximos, a exigir disposição dos raros que queiram mudanças em termos gerais no sistema instalado.

Daí poder avaliar que iremos tanger o rebanho dos sonhares idealistas ainda durante bom tempo até chegar às margens de um Mar Vermelho de sinceridade e apreço, por conta da má-fé que impera nas mentes egoístas guindadas à força das democracias incompletas espalhadas nesse mundo. Ainda de tal maneira há que se imaginar alternativas de trabalho coerente, sem perder o pé de apoio na esperança dos dias plenos de autenticidade que existirão na perspectiva de tantos habitantes no heroísmo do tempo.

Esta saúde da verdade predominará na disposição de quem realiza a honestidade no trabalho, isento das fraquezas e plenos de religiosidade natural.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O pedido

No Sertão distante, habitava pobre homem, sua mulher e três filhos menores, em casa simples de palha e barro. Nas épocas normais das chuvas, ali existiam suficientes condições de sobrevivência, dando-lhes a terra os gêneros.

Naquele ano, todavia, as condições se apresentaram desfavoráveis; o inverno não veio no tempo certo, esturricando o chão e despindo as matas. 

Logo cedo, o casal anteviu os riscos de longo período seco. Assim preocupados, rezaram com força pedindo misericórdia dos céus lembrando o futuro dos filhos, motivo maior de preocupação. 

A sucessão dos meses anunciava crise inevitável, quando consumiram os derradeiros mantimentos, aumentando a angústia. O que temiam se deu, pois a seca chegou intensa e possibilidades de escapar se mostraram poucas. No rosto das crianças, os primeiros sinais do abatimento.

Intensificaram ainda mais as orações, qual única alternativa. A fé gritava na alma daquela gente, que por dentro sentia emoções de que esperança viva. Queriam tão só descobrir de que jeito chegaria a salvação da família.

Certa manhã, no período mais escuro, quando abriram a porta, uma surpresa lhes aguardava, um boi gordo apareceu bem defronte da casa a bloquear o caminho dos que quisessem entrar ou sair. Tiveram de insistir a fim de afastar o animal, que retornava tantas vezes quantas saísse da porta.

Durante esse dia, a distração foi a presença do estranho visitante vindo de longe, dado inexistirem fazendas de gado na redondeza, e, menos que isso, pasto de manter vivos os bichos, há tempos desaparecidos.

No dia seguinte, foram iguais as circunstâncias. Os meninos puseram até apelido no bovino, enquanto tangiam querendo tirá-lo do terreiro. No outro dia, e êxito nenhum; o intruso permanecia bloqueando a porta do casebre, levando todos a estudar uma saída de achar pasto para alimentar a rês.

O caboclo conversou com a mulher e decidiu ir à cidadezinha perto, no propósito de saber encontrar o dono do boi.

Chegou à povoação e perambulou na busca das notícias, porém nada descobriu. Meio sem planos, viu do outro lado da praça a igreja, e lá se dirigiu. 

No templo, procurou o pároco. Explicou os detalhes da situação difícil que atravessava, falou da insistência do boi em ficar junto da sua família, que mudara a rotina em que viviam. 

Depois de alguns minutos em silêncio, o sacerdote perguntou ao caboclo se ele fizera as orações de pedir algum bem a Deus ou aos santos.

Nessa hora, chegou na lembrança do sertanejo a crise avassaladora que defrontava, a fome que sujeitava todos, as agruras do lar. Aflito, calado permaneceu como juntando os elementos do juízo. 

Em seguida, o padre aconselhou ao homem que retornasse e abatesse o boi para dar de comer aos familiares, que se tratava do beneficio pedido.

Diante do conselho, ciente de haver merecido as bênçãos, supriu a fome e venceu a privação, graças às orações que fizera a Deus. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Herança

Nas vastidões geladas do Ártico, em meio a naturais dificuldades, viviam pai e filho, únicos habitantes de cabana modesta, longe dos valores da civilização, num tempo em que pouco se sabia dos atuais degelos, quando se prevê outra glaciação na Terra. 


Era costume do povo do lugar a existência das pessoas restrita à capacidade individual para se sustentar do necessário através da caça e da pesca, sob os rigores do clima abaixo de zero. Após a decrepitude, as famílias agiam com naturalidade depositando nas planuras desérticas idosos ou doentes sem cura, qual cumprissem a lei da sobrevivência. 

Naquela casa, porém, o filho retardava a providência quanto ao pai já em fase que chegava na época do despejo, quando surgia no filho a disposição de constituir família e iniciar outro sistema de vida, restando-lhe apenas se livrar do genitor e liberar a vaga para noiva bela e intransigente.           

Mesmo admitindo aquele procedimento, o filho insistia manter em casa o velho pai, além até dos hábitos de grupo, pois não sabia justificar o que de vantagem propiciavam as tradições do lugar. Ao menos para si, no íntimo, achava certo querer consigo por mais algum tempo quem tanto sacrifício fizera na sua criação e na continuidade do lar.

Os dias prosperavam, no entanto.  A noiva nutria pelo sogro sentimentos agradáveis, os quais, todavia, diminuíam em face do instinto conjugal. Dotada de especial talento, tecera bela manta que pretendia ofertá-la quando da viagem definitiva do idoso aos penhascos gelados, em data sem muita demora, segundo planejado.

Nisso, não tardou a madrugada quando movimentos diferentes sacudiram a humilde choça. O filho atava os cães ao trenó, reuniu alguns poucos trastes, ligeiros mantimentos, e instalara o pai no meio da carga, fazendo-se a caminho. 

Depois de tempestuosa jornada, se viram numa longa planície branca circundada de montanhas sombrias e ameaçadoras. Tão logo o escuro da noite principiou envolver o mundo, cumpriram a parada definitiva. Naquele sítio cinzento, dar-se-ia o desfecho da longa espera. 

Sem trocarem palavras, de cabeça pendida no peito, os dois se olharam pela derradeira vez, num adeus quase primitivo, selvagem, assim podemos dizer. O ancião buscou tirar por menos, desviando-se para fora da trilha, de olhos presos na solidão, exercitando compreender o peso daquela hora. O filho refazia o que restava da bagagem; alimentou os animais e deu mostras de ter cumprido a missão, pronto para retornar. Após sacudir no espaço as dobras do relho com que tangia seus cães, de súbito ainda ouviu a voz do pai a chamá-lo:

- Filho, filho! - gritos ecoaram no vazio gelado e de suas mãos pendia a manta que a nora confeccionara. – Quero isso não, é desnecessário para mim. Prefiro que a conserves contigo e uses quando teu filho vier aqui, um dia, te oferecer ao desconhecido.

(Ilustração: Janaína Gomes).

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Uns imortais fetichistas

(Fetichismo, mania corrosiva de juntar coisas, sejam pequenas ou grandes. Culto de objetos materiais ou apego a eles.) Viaja-se e a bagagem vale pelas lembranças que se transporta para si ou para os outros. Morre-se e ficam relíquias, botijas, testamentos de bens materiais; os baús, as recordações dos amigos nas rodas; as histórias infalíveis, resgates insistentes.

Nisso, de contrapeso, somos hábeis em reunir motivos de fixação que nada fixam, desfeitos na paisagem móvel da existência, dias aquecidos de impermanências, lições infindas, perenes em tudo, por tudo, portanto. 

Anéis e dedos, que também não ficam. Caravanas, que passam aos cães que ladram, no mesmíssimo formato dessa ópera insólita, estridente, agônica, permeada de silêncios agudos.

Sonha-se no esquecimento das horas, companheiras de pêndulos que se movem impávidos. Nuvens suaves de outono, inverno, primavera, verão. Sol, que vem e vai e fica, e nós é que vamos. 

O esforço de cristalizar coisas se transforma em rochas fósseis, rochas cristais, marcas de espécies extintas no aço, no petróleo, nas enciclopédias, na lama dos guetos. Na história de bichos-alimária, cães de palha, todos, todas esfolados vivos, felizes bonecos de plástico e papelão. 

Energia infinda, essa, sim, que permanece no fluir universal, na busca de Deus das criaturas. O rugir dos ventos nas folhas que se balançam e caem. O som de eras milenares em muralhas que se desmoronam, dos monumentos carcomidos e reconstruídos de suor e impulsos desconectados. As imaginações retocando civilizações que se debatem nas páginas esvoaçantes dos reinos ilusórios. Tropas em conquistas estéreis, incógnitas dramas de quem padece as derrotas. Guardadas as lanças e proporções no terço dos armamentos enferrujados, nas praças cheias de gente vaidosa, nos festins descompassados... Castelos vazios, horas calmas, madrugadas de faustos e angústias.

Nos bolsos, a imunidade, seixos frios misturam as contas do rosário de lágrimas de saudades coaxando no peito, e malas pesadas nos braços da espera infinita. Olhos fixos na miragem de invernos desconhecidos. Firmeza na voz e pigarro na garganta seca. Fora, cantam pardais, efetivos a formar outra vez velhos ninhos teimosos nos beirais das construções; a paisagem fantasmagórica do extático, testemunha do encontro definitivo.

Esse dia, desse jeito de cenário, os artesões do depois vêm elaborar fios e tecerão longas auroras, nos cabos de luzes multicolores das marcas no seio das catedrais de pedra. Notas harmônicas envolvem as palmas de um tempo que deposita estrelas nos seus filhos diletos. Aqueles velhos fetiches guardados se somam em muitos de nós, apegos desfeitos nas velhas pessoas. Serão almas livres aladas, que pairam no além, aonde o Desconhecido aguarda de braços abertos.
 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Hellen Keller

Cega e surda, ela desenvolveu habilidades como escritora, conferencista e ativista social. Membro do Partido Socialista da América, batalhou com êxito pelos direitos das mulheres, pelos direitos sociais e trabalhistas e pelo voto feminino, dos pretos e pobres nos Estados Unidos. Seu nome ganhou destaque através da peça O milagre da Anne Sullivan, este o nome da professora que lhe abriria as portas do conhecimento e da comunicação. Depois a peça se transformaria em filme (1962), sob a direção de Arthur Penn.

Hellen Keller nasceu no Estado do Alabama EUA, na cidade de Tuscumbia, em 27 de junho de 1880. Com apenas 19 meses de idade ficaria perderia a visão e a audição em face de uma afecção no cérebro. Devido ao interesse que demonstrava em se comunicar, logo criança, até sete anos, desenvolveu uma linguagem de sinais.

Aconselhados pelo médico Julian Chisolm, seus pais procuraram o cientista Alexander Graham Bell que lhes encaminhou ao Perkins Institute for Blind, South Boston, quando conheceram Anne Sullivan, a educadora que passou a conduzir Hellen durante 49 anos, orientando-a como superar as limitações de que fora acometida ainda na primeira infância.

Por meio do tato, Sullivan ensinou a Hellen Keller o jeito de combinar os objetos às palavras, daí ampliando o código necessário à linguagem suficiente de conquistar repertório necessário a maior comunicação humana.

Publicaria em 1902 o primeiro livro, A história de minha vida, seguido de engajamento no jornalismo escrevendo artigos os quais produziria por toda a existência, daí elaborando novos livros.  Dois anos depois, em 1904, se graduaria em Filosofia.

Recebeu diversas comendas no mundo inteiro, inclusive no Brasil, a Ordem do Cruzeiro do Sul, e no Japão, o Tesouro Sagrado.

Pelos feitos memoráveis na superação dos limites físicos, Helllen Keller tornar-se-ia em legenda que persiste quanto ao poder infinito de se vencer os obstáculos de natureza corporal. 

Outro dia, ao conversar a respeito desta personagem tão especial, senti o quanto valeria divulgar dados a seu respeito, porquanto parece necessária a preservação dos valores positivos que conta a história de nossa humanidade, onde inexistem barreiras ao querer sincero.     

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O anjo libertador

Clima de extrema repressão dominara a Palestina após o sacrifício de Jesus. Com isso, narra capítulo 12 de Atos dos Apóstolos, um episódio marcante na vida de São Pedro, dessa época encarniçada, quando os primeiros cristãos padeceriam dores cruéis a mando de Herodes, filho do outro Herodes que perseguira o Mestre nos primeiros tempos da sua presença na Terra.

Após haver morto Tiago, este irmão de João, Herodes se voltara contra Pedro, mantendo-o no cárcere para quando viesse a Páscoa; então, o apresentaria ao povo, na intenção de barganhar sua confiança.

Grupos de quatro soldados se revezavam na vigilância ao apóstolo, mantido a ferros em cárcere de estrita segurança. Enquanto na igreja primitiva, sob o império do medo, os seguidores de Jesus se revezam, pedindo a Deus pelo prisioneiro.

Na noite de sua apresentação à turba, como prevista pelo monarca, acorrentado, no meio de dois dos soldados que lhe montavam guarda, dormia Pedro. À porta, as outras duas sentinelas reforçavam a prisão.

No meio de luminosidade intensa, adentrou o recinto escuro da cela um anjo, emissário da glória divina, e, silencioso, se aproximou de Pedro e lhe tocar o corpo a dizer:

- Ergue-te! Vamos embora! Recompõe as vestes, que agora sairemos deste lugar. Surpreso, livre das cadeias que caíram ao solo, o apóstolo atendeu às providências solicitadas, buscando obedecer ao inesperado visitante.

O episódio bíblico ainda registra que Pedro seguiu mesmo sem compreender que era real o que se fazia por intermédio de um anjo, julgando que era uma visão.

Juntos passaram pelas duas sentinelas que guarneciam a masmorra, cuja porta se abriu qual em passe mágico, sem precisar de ninguém nela tocar.

Seguiram para logo se verem no lado de fora, à luz fosca das ruas desertas da cidade.  Sob o impacto da ocorrência, Pedro apenas se deu conta de ver o anjo a deixá-lo e sair noutra direção.

Assustando com tamanho prodígio, falando de si para consigo reconheceu a providencial circunstância de sair inteiro das garras do perverso soberano em vista do poder inigualável do Senhor.

Em mais alguns instantes, parado à sombra das casas, considerou o melhor jeito de se livrar dos adversários. Lembrou a casa de Maria onde os irmãos de fé tantas vezes se congregavam, ali guiando os passos. Ao chegar e chamar no portão causou espanto invalidável.

Conta o livro que aos primeiros raios do amanhecer pânico descomunal se estabeleceu entre os guardas tomados de pânico, temerosos da reação que o desaparecimento do prisioneiro ocasionaria. Interpelados e não justificando a fuga, de imediato seriam executados.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Zé das Gasolinas

Rapaz um tanto lerdo no amadurecer da personalidade, José estabilizou meio paradão o processo de evolução mental. Com mais de vinte anos, agia como pessoa de dez ou doze. Usava no dia inteiro o hábito infantil de sustentar lata vazia de goiabada com as mãos, girando constante, na simulação do volante de automóvel, correndo acima e abaixo naquelas latitudes e longitudes, feito motorista na função de trafegar, produzindo com os lábios sons característicos dos transportes automotivos, disparado pelas estradas da fazenda.

Era bom de recado, como poucos. Rajado de grude, pés descalços, calças curtas e duas tiras à guisa de suspensório, ligeiro e fácil percorria distâncias surpreendentes, lépido ao vento morno do sertão. Vivia assim e auxiliava a família, mãe, avó e ele, com as poucas gratificações que lhe retribuíam os mandados e carretos. Esse nome de Zé das Gasolinas se encaixara nele qual se nunca antes outro houvesse, que ninguém lembrava mais.

Alguns feitos, porém, azucrinavam os moradores do lugar. Nos quase escuros de um fim de tarde, por exemplo, João Preto, o chiqueirador dos bezerros, se vira aperreado com o gado de volta à manga por conta de susto que levara no sombreado das oiticicas, causado pelo barulho esquisito de Zé das Gasolinas enganchado no areal, forçando o motor para desatolar seu carro imaginário. Os bichos encresparam com aquilo e se desuniram no mundo, dando trabalho para juntar já no começo da noite.

- Rrrrooooiiiiimmm! Rrrrrrooiiiiimmmmmmm! - o vaqueiro jamais pensaria se tratar do Zé preso até os joelhos na lama do riacho, acelerando a máquina querendo romper o lodaçal.

Depois, as coisas ficavam ainda mais complicadas inclusive dentro da casinhola onde se arranchavam o intrépido e os seus familiares. 

Certa vez, ao regressar das andanças demoradas, fazendo manobra enviesada forma de marcha a ré, Zé das Gasolinas daria rude trombada na própria avó, que catava feijão no alpendre da casa, jogando-a lá embaixo no chão do terreiro.

- Ai, meu filho, assim você acaba com a pobre velha - gemeu a vítima contrariada, ainda ajeitando os trajes empoeirados, firmando a ossatura doída no tombo.        

- Também, vó, bem feito! - reagia o desajeitado chofer, – podendo achar outro canto de sentar, criatura. Quem manda a senhora ficar em porta da garagem – e entrou apressado no barraco indo à busca do canto de encostar o transporte num canto da pequena sala.