sábado, 27 de julho de 2024

O alpendre


Na frente da casa grande do Tatu havia uma calçada alta com uma varanda coberta de telhas situadas sobre alguns balaustres de madeira e ponto de alguns bancos sem encosto, ali defronte ao quarto do meu avô com janela que dava para o terreiro principal. Dessa varanda, levantando a vista, estava, na paisagem, a bagaceira e, num outeiro, a capelinha de Nossa Senhora da Conceição, próxima de onde morara minha família.

Ao lado, o engenho. Entre este e a casa grande, o que chamavam de beco, passava a antiga estrada de Lavras da Mangabeira a Caririaçu, que incluía no curso a estreita parede do açude grande, avistada logo que transcorria o beco.

Nas noites escuras do sertão, assim que o firmamento abria o manto das estrelas, começava a movimentação no terreiro. O alpendre se tornava uma festa a cada noite. Vinham os moradores da fazenda, que visitavam os da casa grande, sentavam nos bancos, pegavam lá de dentro as cadeiras, ou permaneciam sentados no chão, com pernas penduradas para fora da calçada.

Meu avô costumava ficar numa cadeira de couro apoiada nos dois pés traseiros e escorada de encontro à parede. Punha as mãos cruzadas por trás da cabeça e arriava o corpo no mesmo sentido vertical da cadeira. Ele falava só o necessário. As conversas rolavam nas falas dos demais, os puxadores de assunto. Vinham, então, perguntas, notícias de longe, de perto, comentários, anedotas, histórias de Troncoso, intercaladas pelos sons distantes das imediações, trilado de grilos cantadores, latidos afastados de cães, pios noturnos de corujas e outros pássaros noctívagos, chocalhos de gado no curral, berros de animais. Nenhuma iluminação, a não ser a lua, nas suas noites, ou as estrelas, no céu. Luzes da casa clareavam apenas a sala, com um farol a querosene. Isso às vezes compensado pelo riscar de fósforos e cigarros brabos dos caboclos, querendo também espantar as muriçocas que mordiam insistentes, combatidas na fumaça do estrume incandescente do gado, que acendiam nessa finalidade.

No interior, os cômodos permaneciam às escuras e fechadas as portas e janelas que davam para o quintal. Os viventes todos achavam motivos de sobra no alpendre.

Naquelas noites, que iam, no máximo, até 21h, jamais faltavam lendas e contos mal-assombrados, atiçando a imaginação dos presentes. As partes mais assustadoras apareciam quando o sono começava a descer asas sobre as crianças, dispondo-as a procurar, na claridade dos dormitórios, o conforto de pessoas adultas. Eram a atração principal das noites, essas histórias. Os narradores consagrados se reservavam para a ocasião e apimentavam os enredos da matéria prima recolhida, sobretudo, na tradição das localidades em volta. Forçados pelo tema de almas e visagens, os saraus como que cumpriam o papel de levar a garotada às redes e aos lençóis, os quais, nas noites mais frias, acabavam ensopados de susto e mijo. Aos poucos, em bandos, os visitantes, partiam rumo aos ranchos de taipa, que lhes refariam o ânimo do trabalho de bem cedo, no dia seguinte, nos afazeres do campo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário