domingo, 28 de março de 2021

Em tudo há duas rédeas


As circunstâncias e as escolhas, duas rédeas do destino, chegam às nossas mãos. Em tudo tais alternativas reclamam das nossas atitudes e providências. Ninguém se ache isento de resolver qual dos caminhos seguir senão o das próprias escolhas, marcas definitivas do nosso êxito. Somos quais autores/diretores das nossas histórias, criaturas privilegiadas no âmbito da natureza, senhores da semente que houver de plantar. Circunstâncias e escolhas, a realidade e seus protagonistas, cocredores do Universo em eterno movimento.

Muitas vezes, na correnteza das situações, chegam os meios às posições que temos de escolher, e quais plantadores, lá adiante adquiriremos o produto da lavoura que o tempo germinou com inevitável facilidade. Nisso, de comum, talvez por falta de conhecimento, quantos e quantos deixam de considerar os frutos justos das suas plantações, sofrendo horrores da inconformação, no entanto herdeiros inquestionáveis dessa justiça maior que dominar o Cosmos.

A ninguém, por isso, ignorar o desconhecimento da Lei, face à lente da consciência, voz geral em todos os humanos, que indica a presença dos dias e mostra os frutos das escolhas. Ainda que desfrutemos, pois, dos maiores benefícios das chances que tivermos na mão, cuidemos, carinhosamente, de acertar nos critérios de reciprocidade, e querer aos outros o que queremos a nós mesmos, norma essencial da lei que tudo rege.

Horas sem conta, a compreensão desses conceitos passa pelos nossos praticados, justos arqueiros das setas que disparamos. Claro que, no fervor das ocasiões, nem sempre adotamos as medidas de melhor convenientes, porém novas e verazes circunstâncias representam a existência, matéria prima da escola onde aqui aprendemos viver.

Consequência de vícios e virtudes, assim a vida segue, nos âmbitos coletivo e particular, cavaleiros que significamos desse plano daqui do Chão. Parceiros dos resultados, usufruímos as bênçãos plantadas e aprimoramos ossos dias mágicos da felicidade e da paz.

quinta-feira, 25 de março de 2021

Às vezes


Quando menos espero, me pego lembrando pessoas a quem poderia ter feito mais e disso não me apercebi naquele momento; hoje, vêm as cobranças lá de dentro, do que me cabia fazer e, na ocasião; fui desatento, ou insuficiente. Isso pesa um tanto (como pesa), pelos corredores da consciência tais desleixos, por vezes de consequências nada felizes. Enquanto eu, bem ali perto, talvez a pessoa escalada de cumprir tal desiderato, no entanto fora omisso por demais. Lembro alguns desses acontecimentos que fugiram dos meus domínios por comodismo, e sendo a causa da ausência de sentido, naquelas situações. Contudo agora vejo que há sempre um novo amanhecer, outras oportunidades, a depender tão só da disposição e da atenção dos que possam servir no cumprimento do dever.

São estas percepções que fazem da gente criaturas afeitas às missões no serviço dos demais. Esta a dialética entre egoísmo e caridade, palavras adotadas sobremodo nas religiões. Abrir o coração e servir ao próximo qual razão de ser das existências, no exercício da evolução. Abrir o coração ao sentimento de amar, a grandeza maior do Universo.

Toda dedicação corresponde, pois, a respostas iguais e em sentido contrário. Quem faz o bem é a si que o faz. À medida que evoluem, os seres compreendem e agem deste modo. Eis a lição principal da natureza em todo tempo. Linguagem perfeita dos que querem a sonhada felicidade; abrir mão de ganâncias individuais e ver os outros quais instrumentos de nosso crescimento moral, espiritual.

Daí quando, nas vezes em que chegam as lembranças daquelas oportunidades perdidas, sempre peço que retornem de outra forma e anistiem os passados infelizes. A isso, estejamos sempre ligados nas novas chances que venham refazer dos erros antigos e construir a paz da consciência, através de providências que as situações possam requerer. Só sabe o quanto de satisfação tem servir com alegria quem o faz de um jeito desinteressado.

quarta-feira, 24 de março de 2021

Tipo assim


A paz do coração, que tantos buscam todo momento, pedra de toque da história das pessoas, eis a necessidade do querer a felicidade, função de viver fundamental, desde sempre. Essência de existir, olhos insistem neste poder, lá um dia, de ter paz, a paz que tantos falam de sobreviver ao gesto de andar e lavar a alma nos trilhos da evolução. A razão de tudo, achar o pouso certo de assim permanecer diante dos dias, vontade por demais soberana que invade o tempo à nossa frente e traz de volta o motivo de tudo quanto há.

Nessa missão de revelar a si o ser verdadeiro que mora em nosso coração, por vezes muda o dia, leva pessoas a exercitar o desespero qual alternativa, porém infundada e, de longe, esquecer do quanto de acerto tem o mundo. Ampliar as normas de sabedoria e praticar novos meios de alimentar o sonho de viver bem, no seio infinito da paz. Usar as técnicas de querer aos outros o que quer a si mesmo. Quem quer paz, invista na paz tudo enquanto...  

Desse jeito, de modificar o instinto em meios de intuição, aprender na experiência e justificar os praticados pela intenção de tratar o mistério com a letra da justiça, gesto simples de fazer e receber o que seja bom. Ir ao lado da própria existência como amigo e ver com a lente da limpeza, ainda que nem tudo já esteja limpo em volta.

O valor da boa música, a harmonia, a melodia, o ritmo, que nos toque a sensibilidade no esforço de crescer durante as horas; trabalhar a existência tal matéria prima de aprimorar a consciência e ser feliz.

Este dia será sempre no agora, forma simples de aceitar as contradições e reparar nos tempos os recursos que se nos oferecem; exercitar a alegria pela alegria, pela saúde, no tribunal de nossa presença. Sei que há desafios, sendo este o principal, de conhecer a nos mesmos e utilizar as teclas ideais das nossas aspirações; poder inigualável, que vive intenso no ato de existir. Tipo assim...

terça-feira, 23 de março de 2021

Horas mil em um tempo de ficção

 


A condição de se saber aqui neste chão das almas implica nisso, de sobrevoar a existência e querer dela fugir, qual quem foge da realidade. E nada mais misterioso do que essa realidade fria, artificial, e seus instrumentos de voo, peças soltas no ar das florestas em movimento nas pessoas e nas coisas, módulos e naves que flutuam pelas artérias do destino. Quantos segredos assim são revelados a todo instante. Cores. Formas. Luzes. Pensamentos e sentimentos. Entre eles, duas extremidades inconstantes, corre este rio das evidências, no entanto isolado pelas sombras que as escondem, pessoas que fogem de si e, aflitas, mergulham na imaginação de ser só, ninguém, de atravessar a linha do horizonte e desaparecer lá além, na consciência intocada. Sonhos. Visões. Abstrações. Medo. Ficção.

Módulos, deixados no tempo que agora nem existe mais, fixam raízes na solidão, tais puros saltimbancos de verdades que a eles parecem representar o senso e mesmo assim as evitam, porque representam valores da essência e os transformam nos encapuzados vadios da escuridão, vilões do sol, e nisso adiam até nem poder ao encontro dessas linhas paralelas, pensamentos e sentimentos. Enquanto os primeiros carregam nas tintas de criar ilusões, os segundos amarguram o que poderiam de amar e não deixam isto acontecer, o sentimento maior, a fim de atender aos instintos originais e vencer de tudo os primeiros, titulares perdidos em noites antigas. Uma queda de braços, pois, desses dois personagens, que desejam dominar o ator principal no ser que o somos, no entanto pura criação de sentenciados ao nada desde sempre, e querem a qualquer custo tomar o lugar, fornecendo amores impossíveis nas paixões desenfreadas.

Portanto, há infinitas horas de mergulho nas profundidades desta ficção, no largo período de espera sem fim na casa da humana paciência. Durante o percurso do longo itinerário, nesse esforço de construir inexistências, aqui permanecemos lado a lado com nossos algozes, senhores ainda escravos dos próprios caprichos, na função soberana de aprender a amar os inimigos, meros coadjuvantes de um zigzague febril, experimentos da multidão de prometeus dos rochedos, nas horas mortas. Ali, no íntimo dos céus, riscam distantes estrelas, no coração dos que vivem e confiam.

(Ilustração: Aquiles, o herói por excelência, de Arnóbio Rocha).

Cartas da Juventude


Em mãos, exemplar do livro Cartas da Juventude, organizado por Assis Sousa Lima, edição da Confraria do Vento, Rio de Janeiro, 2020. São cartas que Assis recebeu de seis amigos, que as preservou com zelo e agora lança numa bem cuidada edição apresentada por Ana Cecília de Sousa Bastos e José Esmeraldo Gonçalves, com o subtítulo: Crônica de época. Recortes autoetnográficos (1968/1977). Autores das cartas: Emerson Monteiro, Eugênio Gomez, Flamínio Araripe, José Esmeraldo Gonçalves, Pedro de Lima e Tiago Araripe.

Obra de referência aos que buscam elementos largados no tempo mas que sobrevivem à sua ação. Cartas entre amigos num período humano de profundas contradições. Eram plena Guerra do Vietnam, rebeliões coletivas de estudantes nas principais cidades europeias, ascensão do rock tal instrumento de contestação, festivais da canção, movimento hippie, Guerra Fria, psicodelismo, regimes de exceção na América Latina e noutros lugares, tropicalismo, em suma, tempos de crise profunda em caráter mundial. Nisto, a expressão desses jovens em vias de elucidar o futuro e resistir aos desafios propostos aos que possuem o senso da criatividade artística, na música, na literatura, artes plásticas e, sobretudo, no afã de descobrir alternativas de sobreviver aos valores materialistas que dominam a sociedade contemporânea.

Nas palavras de Assis Lima: O objetivo não é teorizar sobre o que representam os anos finais da década de sessenta e da década de setenta com relação a costumes, comportamentos e ideologias. Mas sim, de algum modo, revisitar o período com o espelho de hoje. Um fio narrativo atravessa cada personagem. Um plano narrativo maior abarca o conjunto do material apresentado. Depende do ângulo da leitura. Aberto ao leitor.

Dito, pois, qual matéria prima de avaliar em profundidade o que acontecia à época, de dentro dos autores das cartas, o livro traz força de expressão, em estilo confessional, despretensioso, anônimo. São testemunhos de um tempo sombrio, de onde provêm os dias da atualidade.

Enquanto isto, Ana Cecília Bastos considera: Não é possível atravessar sem portas: que este livro – documento vivo de sonhos de liberdade – seja, também hoje, uma afirmação de abrir portas e dissipar sombras.

E José Esmeraldo resume: Este livro alcança a memória e resgata sentimentos íntimos de um grupo de amigos no momento em que, tais quais milhares de outros, faziam suas legítimas escolhas pessoais e profissionais.

Com isto, eis uma produção coletiva de cunho documental, editada décadas depois com esmero, acontecimento digno dos fieis credores das boas letras.

segunda-feira, 22 de março de 2021

O poder criador


Pela força da iniciativa, os humanos transformam o ato de viver numa ação renovadora, pela força do querer. Perto de si, no entanto vezes distante, essa capacidade inerente e tantas oportunidades largadas ao relento. Antes de tudo que sejam eles a fonte desse poder infinito de criar, desde as concepções da existência pessoal, motivos de viver, ou desistir, que precisam conhecer mais e mais das próprias possibilidades através dos aspectos positivos dentro de si. A mesma força que destrói ela constrói, qual dizem na Bahia, toda maré que enche, vaza. O valor inestimável da fé, potencial imerso de realização que usufruem todo instante, necessidade da visão aprimorada e do sentimento , que venha e domine as ondas de pensamento, campo vasto da evolução espiritual. 

Há nisso o dispositivo da concentração mental, instrumento que conduz o equilíbrio aos devidos lugares. Espécie de sensor dos mistérios da Natureza, a intuição capta ondas e as encaminha por meios invisíveis, porém presentes sem cessar no transcorrer das horas. Somos o que pensamos, pois. Criamos disso, do que produzem os pensamentos e os sentimentos. 

A que considerar, contudo, a relevância desse grau de compreensão individualmente. Assim é se lhe parece, no falar do povo. Durante as práticas de viver, diferentes formas de reagir ao desconhecido determinam os frutos da caminhada. Isso resume os estudos das abstrações durante as civilizações, gravado nos livros, nos monumentos, nas religiões, nas filosofias, etc. Um a um, transmitem às gerações até onde chegam os mestres, escritores, profetas, evidenciando a qualidade do pensamento e seu controle, sua condução, sua prática no cotidiano. 

Eis um poder infinito que se tem, de plasmar o que aperfeiçoa o âmbito da alma e exterioriza seus praticados. Poder de criar, a necessidade primeira, da qual procedem as demais. Disso o valor das histórias, das experiências... Ninguém possui exclusividade quanto a determinados conhecimentos. Mora em nós a revelação infinita de tudo quanto possamos conquistar durante as vidas e trazer ao nível da humana criatividade. 


domingo, 21 de março de 2021

Na escola deste universo

Talvez alguns imaginassem existir, e só existir. Largados aqui fossem aos segredos desse movimento constante, vagassem testando as barreiras do tempo na medida das suas necessidades, ou que fossem tão só sombras do vento, meros incidentes da natureza, abandonados aos caprichos dos acontecimentos ocasionais. Talvez...

Esses aventureiros dos céus, igualmente viajantes do trem das horas, sem cessar batem calçados nas estradas; comem, dormem, trabalham, navegam, viajam, descem e sobem nas costas uns dos outros; estiram pernas em lugares os mais indefinidos; manjam e saem pelas portas dos fundos quais protagonistas de cenas que viraram fumaça na medida em que perdem a força de viver, e tudo. No esforço de responder aos tais testes, todavia, reúnem do pouco que aprendem e acalmam o instinto de continuar olhando no passado, quais quem não desejasse perder o trilho e continuar sempre a sina de ganhadores espertos.

Quadro esse, no entanto, que exige largo esforço dos protagonistas, de saber disso quase nada, a que não ser que chegaram de não sei onde e irão a lugar algum, vêm e vão aonde ir, e muito dessa jornada rumo às estrelas lhes parece ficção. Livros e livros, professores, funcionários, edifícios, multidões, nesse rio que flui de dentro e de fora das criaturas que nascem e rolam no azul das claridades. Todo esse tempo, que vibra nas conversações, aulas abertas, experimentar e sofrer, e amar, e conhecer, luzes dos olhos das manhãs, e desaparecem lá longe, no final das tardes silenciosas. 

Há que estar aqui... Eu sei. Sobreviver aos escombros das saudades, ao escarcéu dos conflitos, à fome das ilusões, nas quedas aos braços da inexistência deste chão temporário e delicioso várias vezes. Salões enormes e peças largadas inúteis, porém na razão de ser dalguma superfície que existirá no íntimo das montanhas da consciência. Vontade maior de sustentar o mistério de que são elaborados eles encontram entre tempo e espaço, doces repastos das ausências que de si carregam no peito.

Vários até se aventuram querer revelar o que lhes dizem os pensamentos, os sentimentos, meditações, sonhos, imaginação; contudo meras palavras que apenas traduzem o instinto desse dizer sem conta, e esperam das pessoas o que nem podem dar a elas, a real transformação naquilo em que ouvem os sons do coração de uma Eternidade esplendorosa.

(Ilustração: O vazio, de Daniela Agostini).

sábado, 20 de março de 2021

As rédeas do destino


Um jeito de firmar os caminhos pelos quais têm de viver durante a história das criaturas, qual segurar os animais que os carregam às costas, nesse chão de transportar o tempo e divisar as alternativas imagináveis... A força ideal de sustentar o comando desses animais, que fervem no senso das pessoas em forma de instintos, apetites por vezes acelerados, na secura de preencher os dias nas iras do prazer, dos desejos, quiçá insanos, de satisfazer as feras que percorrem soltas, selvagens, os corredores dessas entidades que andam fugidas nas florestas do sol... Meios de conter o medo, a culpa, o formato das ações desses sorrateiros adversários de si a andar vadios nos desvãos do firmamento, vultos exóticos das sombras que eles mesmos arrastam diante das incertezas desta galáxia do imprevisível de tantos resultados e pouca ou nenhuma consciência absoluta da plena sorte... Que fazer, no entanto, aonde desvendar essa fórmula ideal do gesto eficaz...

São isso as rédeas do destino, providências sublimes de vencer as barreiras do anonimato e do conhecimento das reais transformações pelas que deverão passar as tais alimárias que percorrem essas encostas do inesperado. Luzes que alumiam as estradas inexistentes das horas, contudo disso ninguém haverá de fugir face ao método com que aqui elaboramos as entranhas dos seres inteligentes relativos que o somos. Máquinas pensantes, as mais perfeitas feitas até então, parceiras das dúvidas durante certo prazo de existir na razão das descobertas das suas reais finalidades. Bem isto, peças de uma engrenagem maior que conquista gradualmente o equilíbrio do Universo através desses entes que enchem as trilhas sem, ainda, conhecer, na verdade, o significado destes valores que as conduzem à Salvação. 

E domar as alimárias que os arrastam ininterruptamente no barco dos instantes eis bem a que vêm todos eles, exército de buscadores de luz e aves de arribação do espaço rumo de resolver o próprio destino com as raras notícias que recebe das esferas superiores. Cápsulas presas na alma da existência, equações de possível solução.

(Ilustração: Elijah and chariots of fire).

sexta-feira, 19 de março de 2021

Mundos simbólicos em movimento

 

Seres esses que se imaginam todo momento, que dormem e acordam sob o signo das figuras do pensamento, cercados das impressões que lhes trabalham à velocidade da luz; os seres humanos. Vivem postos nos cercados de símbolos constantes. Longe de si o desejo de jamais sonhar, conquanto vivem disso, dos sonhos inevitáveis, máquinas de produzir filmes no juízo da consciência; às vezes, em forma de palavras; às vezes, nos sons, imagens, visagens, impressões, desejos, amabilidades, saudades, planejamentos de anseios novos, viagens, afrontas e visões, o que nem sempre corresponde só a bem-estar das suas necessidades, pois deitam margem aos longos desertos de esperança e de fé ainda afastados.

Mas bem isto, essa espécie de criaturas bizarras vagando pelas sombras das próprias apreensões, antagonistas de si mesmos em atividade incessante; peças de quebra-cabeças desencontrados, sublimes. Riem por dentro; choram por fora; exercem papéis duplos, estruturas metálicas feitas de autores fantásticos, marcas largadas aos campos de batalha e que festejam a paz quase nunca duradoura. Eles, animais de sorte incerta, que jogam ao mar da vida pequenos botes que se desfazem num segundo e nas visões esquecidas na praia. Seres, antes de tudo, seres.

Houvesse alternativas de construir outras arcas da aliança, lançar-se-iam aos céus em naves silenciosas, à procura das almas dos que se foram no alvorecer, escafandristas do tempo traduzidos nessas lâminas de imagens feitas nas oficinas do mistério. Vagariam soltos pelo espaço dos dias, olhos postos em vencer apegos e egoísmos, entretanto máquinas de possessividade a todo preço. São isto os habitantes da solidão que balbuciam e suspiram ansiedades face ao inesperado que os envolve.

Menos que tudo, pequenas fagulhas deste Todo grandioso que os domina e experimenta, passo a passo, tais calçados de oficina improvisada nas barras do Infinito. E buscar a essência desse conhecimento significaria tais possibilidades, instrumentos que somos de paciência em elaboração, a trabalhar a força da humildade nos rios do coração.

(Ilustração: A palavra, de Hieronymus Bosch).



quarta-feira, 17 de março de 2021

Jano, um deus de dupla face


A figura de Jano aparece em muitas mídias contemporâneas, como no filme
O turista, de 2010, quando Elise explica a Frank o significado de seu bracelete: "É o deus romano Jano. Minha mãe me deu quando eu era pequena. Ela queria me ensinar que as pessoas têm dois lados". Wikipédia

 Isso que bem caracteriza a existência humana pelas figuras dos deuses, nas mitologias, quando guardam estreita relação com os fazeres das pessoas, suas oportunidades a praticar, e que na filosofia recebem o nome de arquétipos (as ideias como modelos originários de todas as coisas existentes).

Porquanto, a cultura nasce da história das civilizações e os mitos que retêm; o deus Jano, a propósito, vem das lendas romanas antigas, e representa a dupla face da personalidade, dualidade esta que permeia nossos atos no transcorre das experiências circunstanciais. Enquanto isto, ele oferta os meios das decisões; por menos que desejássemos, tantas vezes, possuir a inteira liberdade de ação diante de tudo, a ser os inventores de nós mesmos, no entanto somos submetidos às determinações da natureza original de obedecer ao poder inevitável de leis maiores que única nossa vontade.

Temos, sim, a liberdade dos inícios das ações, qual representa Jano, esse deus romano dos inícios. Seremos eixo central em torno de que giram constantemente os dois polos, ou duas faces, o passado e o futuro, em movimento contínuo (a vida), neste eterno presente aonde ora estabelecemos nossa consciência e aqui plantamos o momento seguinte. Assim, também, adiante, nossas atitudes, quando significaram no passado o plantio do futuro. Grosso modo, seremos espécie de cativos de nós mesmos, dos próprios atos, entes a se fazer de suas decisões e escolhas, causas e consequências.

De comum, quando escrevo, busco revelar a mim o que bem gostarei de transmitir perante as vivências que chegam aos pensamentos. Presencio nisto chances de conhecer um pouco mais das palavras e falar das andanças internas do ser que sou. Conquanto, as duas polaridades, aonde distingo aquilo que pretendo dizer, representam, por isto, as escolhas de que disponho e determinam os resultados, também a toda ocasião, nas práticas de vida.

 

terça-feira, 16 de março de 2021

Era de Aquarius


No meu segundo ano de Bahia, 1972, vivendo em Salvador, ali seria montado, no Teatro Castro Alves, o musical Hair, isto depois de sucesso excepcional, entre São Paulo e Rio de Janeiro, desde a primeira apresentação, no ano de 1969. Lançada em Nova York dois anos antes, a peça de Gerome Ragni e James Rado chegava ao Brasil numa fase politicamente repressiva ao tempo do movimento hippie, que se expandia pelo mundo inteiro; tempo de Guerra do Vietnã e da contracultura. Lá adiante, ganharia também uma versão cinematográfica de destaque.

Dotada de nomes que depois tornar-se-iam a base dos elencos brasileiros do cinema, da televisão e do teatro, a exemplo de Ney Latorraca, Antônio Fagundes, Altair Lima, Aracy Balabanian, Sônia Braga, Armando Bogus, José Luiz de França Penna, Helena Ignez, José Wilker, Nuno Leal Maia, Neusa Borges, Luiz Fernando Guimarães, Antônio Pitanga, Ney Latorraca, Denis Carvalho, dentre outros não menos cotados, eram dirigidos por Ademar Guerra, numa montagem considerada pela crítica internacional como a melhor editada de todos os países aonde viera a público. Dos aspectos mais emblemáticos da produção, ao final do primeiro ato, a peça apresentava um banho coletivo, ato era marcante, em que todos os atores ficavam despidos durante 30 segundos, uma das motivações a muitos dos espectadores que lotavam o teatro.

Eles saiam de cena, as cortinas fechavam e abriam com todos sem roupa de mãos dadas e jogavam margaridas pro público.

Muitos iam ver por causa dessa cena, mas a peça era excepcional, pelo movimento dos atores e pelas músicas maravilhosas.   

...

Nesse tempo, aos finais de semana, eu, sempre, visitava uma família de amigos no Bairro do Rio Vermelho, na Rua Fonte do Boi, o casal Gérson Penna e Ieda França, sendo ela originária de Crato. Com eles passaria momentos inesquecíveis, de atenção e fraternidade. Moravam próximo da praia, defronte ao Morro do Conselho, cercados de dez filhos, alguns de minha idade, dentre eles José Luiz Penna, atual Presidente do Partido Verde no Brasil. Nisto, numa daquelas visitas, ofereceriam um jantar a todos que trabalhavam no Hair, em Salvador, a maioria desses nomes citados acima. Tive, pois, a oportunidade de vê-los de perto, motivo de rara emoção, a conhecer tantos profissionais de escol no início de carreiras brilhantes, dos principais elencos da cena brasileira, dentre os quais o caririense José Wilker.

Quis, assim, registrar aquela ocasião, um dos pontos altos de minhas vivências na Boa Terra, enquanto escuto, com saudade e carinho, músicas da trilha sonora do espetáculo, tais como Let the Sunshine In e Good Morning Starshine, que, quase cinco décadas passadas, permanecem vivas na lembrança de nossa geração de tantas e valiosas experiências culturais.


segunda-feira, 15 de março de 2021

O mistério da Fé II


Quando encontra, quem não sabe o que é, nem sabe que encontrou o quê. De tal modo são os valores espirituais. Entes de outro universo, eis que haveremos de procurar até encontrar a razão de estarmos aqui. Lembro a cena do filme 2001, Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, no momento em que os macacos avistam um monólito (lápide polida) e ficam abismados, pois desconhecem completamente aquela pedra diferente das outras. Naquele instante, a película funde a cena de um osso atirado ao espaço pelos macacos, com uma nave sideral, isto logo no início da história. A dedução faz compreender a revolução que dali se verificaria, milênios à frente, nas ciências, o homem largando seus tempos de viver antigos aos níveis tecnológicos desta atualidade que agora conhecemos.

A revolução da Fé tem seu correspondente na história das criaturas humanas. O avanço milenar do ser materialista ferrenho em outro, de origens transcendentais, contudo vindo de dentro do próprio ser, a dominar os dois hemisférios e a natureza que transporta nas existências. Um mistério, porém, fruto da consciência em movimento; revela a potencialidade que transportava sem mesmo ora conhecer. De tanto tatear pelos corredores da dúvida e da dor, desperta no enigma do Ser e impõe possibilidades novas em tudo por tudo. Nesse esforço de dominar a fera dos desassossegos, certa feita desvenda o senso da virtude e acorda à realidade.

Isto requer vidas de largas experiências, a chegar ao desapego no que estivera escravo nos milênios de incontáveis dúvidas. No empenho dessa busca incessante que lhe caracteriza, toda criatura sonda a essência de si, transportando fardos de apegos, detido ao imediatismo em decomposição. No entanto, a exigência desse encontro de solidão incomparável será propício pela harmonia da inteligência com o sentimento, algo nítido de genialidade e amor pleno. Quais desbravadores da floresta do eu, tateiam passo a passo nos mistérios onde vivem, predestinados que estão às luzes da Verdade nas malhas do Universo.

domingo, 14 de março de 2021

Ler no tempo


São sinais... Quando perguntam a Jesus o que virá no futuro, ele diz que o futuro a Deus pertence. Mas cita os sinais... Ora, quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima. / E disse-lhes uma parábola: Olhai para a figueira, e para todas as árvores; / Quando já têm rebentado, vós sabeis por vós mesmos, vendo-as, que perto está já o verão./ Assim também vós, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o reino de Deus está perto. Lucas 21:28-31

Nisto, Silvino me pergunta, na manhã chuvosa deste domingo, as profecias preveem ou determinam?

...

Seremos, pois, tais figueiras, que, incontinente, produzirão seus frutos. Há dois frutos, os coletivos e os individuais, ao que os místicos orientais classificam de carma, ou aquilo que for plantado terá de ser colhido por quem houver plantado, diante das leis inderrogáveis da Natureza. Porquanto, significamos peças dessa engrenagem sempre em movimento; as sementeiras da existência aqui no Chão. 

Perante visão dos seres eternos, autores, portanto, das profecias, que veem tudo, o tempo e a história, o futuro já está determinado pelos atos dos seus protagonistas; e desde então sabem o que a Humanidade elabora, nos procedimentos, aquilo que resultará nos frutos logo à frente. Imaginemos um filme gravado nessas máquinas atuais; dele se pode ver quaisquer das partes a qualquer momento. Assim, o Poder visualiza e alerta dos tempos vindouros, de qualquer das fases, por ser conhecedor universal de Tudo e nos amar incondicionalmente. Quer que acertemos, mas permite que adotemos o que nos convier.

Isso, independente de serem uma previsão, as profecias demonstram o que ora fazem do futuro as criaturas perante os desígnios que lhes foram entregues na História, a gerar os frutos, ou carmas. Qual, certa vez, ouvi de suas palavras, temos liberdade a fim de acertar; se errar, nos sujeitamos à escravidão, tanto do ponto de vista coletivo, pela participação na sociedade humana, quanto em nossos praticados particulares. 

As profecias apenas revelam isso, o que virá nas dobras dos tempos, síntese do que fazemos da liberdade, no pensar, falar e agir: Vigiai, pois, em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar todas estas coisas que hão de acontecer, e de estar em pé diante do Filho do homem. Lucas 21:36


sábado, 13 de março de 2021

Limites da resistência humana


Há momentos por demais extremos, quando escurece o tempo e se procuram as mínimas alternativas, no entanto ausentes. Situações, a bem dizer, de absoluta solidão interior. Desafios à sanidade. Extremos limites da possibilidade desses seres que somos. Olhares em volta e total condição da pequenez de tudo quanto os cerca. Nessa hora, chegam respostas do que fizemos até então. O que reunimos de conforto dentro da alma. A fronteira da resistência. Nenhum apego mais daquilo que tanto alimentou vaidades, pretensões, orgulhos, arrogâncias, superioridades, vontades de poder...

Só de preservar sonhos ninguém vive. Acreditar no impossível e deixar correr o barco, atitudes sem bases reais, serve de convicções intelectuais de fugir ao sagrado das religiões; nenhuma consciência, porém, suficiente de sustentar teses materialistas e sofrer com dignidade, somente. Restam laivos de viver a coragem, o destemor no desespero, temeridades, a força de reconhecer a existência qual valor substancial de tudo, sobremodo nesses animais que pensam, tais somos nós.

As situações-limite dessas vivências com que nos deparamos sustentam a força da evolução; a alguns, a fé, os credos, as raças; da firmeza nas crises. Ainda que de fugir houvesse meios, nem disso haver certezas, porquanto o território da presença neste chão dispõe das barreiras do instransponível. 

Nessas ocasiões, a inevitabilidade da sobrevivência fala mais alto e pede coerência, paciência, meios de negociar com a sorte dos destinos. Contar outros valores trazidos lá de longe. Talvez da inocência da infância, do amor dos pais, de irmãos, amigos. Do amor, afinal, que revive histórias felizes e sustenta teses de salvação. Palavras de conforto daqueles que narram episódios de vitórias e curas fora de qualquer cogitação, mas acontecem. 

Aceitar o inevitável, eis o que ensinam os mestres, os filósofos, as vidas e vidas que gravaram seus nomes na História. Sejam que testemunhos de esperança, haver-se-á de servir aos que padecem os dramas daquelas ocasiões extremas e clamam dalgum universo a luz da conformação, e aceitam em paz o que tenham de padecer, mesmo face aos dias ingratos deste mundo.


Idas e vindas


Pensar é assim, movimento de seres exóticos a percorrer os corredores de si mesmo, por vezes na escuridão de horas infindas; noutras, apenas pedaços de corpos que se desfazem nas dobras desse lugar silencioso. Uma pátria enorme de alternativas no pensar, porém às vezes sem qualquer finalidade, tão só apelos a novas possibilidades, que também somem apressadas diante dos eternos segredos do Tempo.

Nesse frisson de tantas luzes que apagam e acendem a todo minuto, os pensamentos invadem o território da imensidão cobertos de lâminas metálicas aquecidas pelos sóis de cada manhã. Vagas soltas pelo ar, aqui avançam passo a passo nas palavras, que nada mais serão que novas sementes na forma de pensamentos que chegam a outras criaturas humanas. Apenas isto, desejos informes de revelar aquilo que jamais será conhecido a não ser que germine aonde vai. Hálito forte de visões adormecidas que sobem ao deserto dessas horas e refazem as probabilidades que desaparecem nas brumas do vento. Quantos sons diluídos, pois, no instante, e que dormem no eito dos inanimados, quais serão nada logo ali no abismo do Infinito.

E perguntar pelos sonhos, as histórias adormecidas que despertaram a meio da noite e embalam almas de memórias insistentes, esquecidas falas de um mundo que vive dentro da gente e que dele quase nada conhecemos além de saber que existe. Toca o espaço dos pensamentos e diz desse universo assombrado das cavernas escondidas, no íntimo da natureza, enigmas necessários a todo o momento, rescaldos e respostas da humana Consciência em gestação.

Enquanto isso, acontecem os refolhos do indivíduo; alguém mexe consigo mesmo em face da busca incessante de fugir do encantamento que a tudo envolve. Reviram as páginas do instinto feito de palavras que renascem debaixo dos pensamentos e percorrem as veias dos sentimentos; olham extasiados os clarões de luas, elas que falam de certezas próximas e deslizam suavemente pelas fibras do coração, formam lagos de esperança e paz, e desmancham os apegos do chão no Amor à liberdade. 


quinta-feira, 11 de março de 2021

Ainda não...


Nas minhas andanças com Gabriel, meu primeiro neto, aos finais de tarde do Grangeiro, sempre vêm temas que motivam maiores aprofundamentos, a exemplo deste: as Fases da Globalização, que, segundo falou, são estágios dessa civilização em que a gente vive. Numa primeira fase, a das Grandes Navegações, houve a expansão pelo mundo de nações que viriam colonizar os povos mais distantes utilizando navios a vela, pesquisas e as cartas de navegação, espécie de síntese de um tempo e saturação da raça humana só nalguns territórios da Europa e da Ásia.

Adiante, viria segunda fase, a da Revolução Industrial, fruto do desenvolvimento dos teares mecânicos e do uso de novos combustíveis fósseis, a propulsionar o crescimento do monopólio capitalista e o predomínio do capital sobre o trabalho.

Até surgir uma terceira fase, a da Guerra Fria, no pós-Grandes Guerras, na consequente partição ideológica das nações, consequência da divisão entre os exércitos vitoriosos da Segunda Guerra, os russos e os americanos.

Bom, até então, foram dados estabelecidos pelos seus estudos de Geografia e História, que transcreve com facilidade, matéria dos livros em que aprende. Porém acrescentou que estamos em vias de uma quarta fase, a da Era Cósmica, isto já resultante das cogitações de quem vive estes tempos contraditórios, pandêmicos, de tanta informação e tecnologias refinadas, ao dispor das idades, computadores, celulares, filmes, contatos pessoais, imaginações aguçadas, apreensões várias, etc. 

Nisso, puxei pelos seus conhecimentos, somados a viagens dos que querem interpretar os sinais desta hora de suposições e expectativas, quando me falou o seguinte: 

No início da quarta fase, a gente tem que evoluir nas tecnologias portáteis, celulares, relógios digitais; daí, chegaremos às tecnologias espaciais, por conta de acontecimentos que possam ameaçar a vida na Terra. Também iremos evoluir nas tecnologias ambientais, face à necessidade de criar ciclos naturais quando chegar na colonização de outros planetas aonde habitaremos a fim de sobreviver. Haveremos de aprimorar os supercomputadores de hoje, que podem até traduzir o DNA humano, pois agora temos essas máquinas, mas que são enormes, e precisamos reduzi-las a tamanhos menores, para que transportar conosco a esses outros lugares do espaço e levar daqui todo esse conhecimento das civilizações que aqui viveram.

Perguntei, nessa hora, se a Humanidade tem condições de realizar tal objetivo (reduzir esses equipamentos), que os possamos transportar nessas colonizações, carregando toda a informação que existe aqui na Terra. É possível fazer isto?

Ele rápido simplificou a resposta: - Ainda não...  


terça-feira, 9 de março de 2021

Um Eu maior


Tendência que seja de alguns, de muitos, talvez, achar, no lado negativo, a humana condição que predomina; entretanto vejo diferente, porquanto sou, a bem dizer, um otimista crônico. Sim, sei da insistência depreciativa de quantos julgam apressados a raça de que somos. Argumentos sobre guerras, misérias, injustiças, perversões, desassossegos, paixões, desigualdade social, desonestidade, perseguições, irrealizações várias, porém esquecidos, em tudo, que existe o lado da luz, claridade inevitável da unidade fundamental dos sistemas, durante todo tempo. 

Desde dentro da gente, existe um mundo novo a ser revelado passo a passo, na medida de nosso crescimento da consciência, ampliação da visão do quanto desfrutamos de existir, os seres inteligentes da Criação. São vitórias sem conta espalhadas neste espaço onde viajamos vidas e vidas. Multidões de conquistas, sobretudo no campo da tecnologia. Nas artes, ciências; avanços administrativos dos grupos sociais; aprimoramento das leis, dos estudos e pesquisas; descobertas e aperfeiçoamento dignos de seres desenvolvidos, que assim possamos ser. 

Entrementes, há necessidades urgentes no aspecto moral, psicológico, emocional. Batemos cabeça de encontro a nós mesmos quando a matéria é o conhecimento da essência espiritual, vez ainda engatinhar nesses assuntos. Quais esquecidos de si próprios, humanos abandonam a segundo plano as revelações da alma, fonte e origem da harmonia e da paz.

Ao que consta do tanto que as ciências do espírito vêm conhecendo, inúmeros exemplos de grandes luminares demonstram as possibilidades de evoluir no sentido do autoconhecimento, de vidas sucessivas, do Subconsciente, da concentração mental, da ioga, da meditação, oração, práticas de fraternidade, solidariedade, divisão da riqueza; um campo infinito de demonstrações transformadoras e sustentáveis de viver coerentemente, instrumentos que virão, por certo, indicar o real objetivo a que viemos e, afinal, constituir justo motivo das existências. Só, deste modo, então, conheceremos a verdadeira natureza humana face aos mistérios universais de que fazemos parte integrante.


Olival Honor


Sempre é bom lembrar os amigos, máxime quando eles também gostam do que a gente gosta. Livros, gostar de livros; um deles, Olival Honor de Brito, poeta e cronista de Crato, pessoa votada às letras e de largos serviços prestados à cultura caririense. 

Desde bem antes, conheci Olival, nas démarches de 1964, ele funcionário da agência de Crato, do Banco do Brasil, e que seria transferido a outras terras por conta das reações verificadas na ocasião, em face das suas posições políticas. Trabalharia longo período em João Pessoa, onde plantou largas amizades, lá mais adiante (década de 80) regressando, já aposentado, ao Cariri, pátria que tanto ama.

De volta ao Crato, só então tive a oportunidade de nos aproximar, agora através dos nossos interesses literários. No Instituto Cultural do Cariri, do qual participo de 1983, realizamos o rescaldo da biblioteca, ao tempo vitimada por rigoroso período de chuvas que atingiu o prédio que ocupávamos, à Praça 3 de Maio (São Vicente), destruindo larga quantidade das obras raras e dos documentos que tão bem preservamos. Olival tomaria a capricho salvar o que restara do acervo. Por sua iniciativa, alugaria duas das salas do edifício em frente ao Colégio Pequeno Príncipe e transferiria todo o material restante a novas e provisórias instalações. 

Nessa fase, aprovaríamos junto ao governo do Estado, no mandato do governador Lúcio Alcântara, o projeto de construir uma sede própria da instituição, local atual do ICC, na Praça Filemon Teles, em terreno doado pelo prefeito Ariovaldo Carvalho. Encabeçaria a construção o presidente Manoel Patrício de Aquino, que realizou trabalho primoroso, razão de hoje termos nossa sede num lugar privilegiado, em frente ao Parque de Exposições do Crato.

Enquanto isto, Olival seguiria sua produção de poeta e cronista, também a editar seus próprios livros, ora em torno de uma dezena, com textos valiosos que retratam com fidelidade momentos de nossa história regional e apresenta seus pontos de vista, inclusive na visão sócio-política que professa a favor da justiça social e dos novos tempos que construiremos com trabalho e dedicação no decorrer da História. 

Ele é advogado militante e toca firme a sua caminhada beletrista, sendo ex-Presidente, ex-membro do Conselho Superior e atual ocupante da cadeira nº 7 (patrono: Antônio Barbosa de Freitas), da Seção de Letras do ICC – Instituto Cultural do Cariri, e um dos destaques da rica literatura cearense.  


segunda-feira, 8 de março de 2021

As transformações que a vida impõe


Dentro de alguns instantes tudo muda em um jeito de renovação diante dos impasses naturais à nossa vontade, nos caminhos deste chão. Quer-se o impossível, porém leis do desconhecido impõem determinações que mexem com a gente na faixa estreita das decisões, e, mesmo que assim não quiséssemos, permite ver poucos meios de achar os rastros e sinais do Infinito que prevalecem. Força soberana, pois, avalia o que de melhor deva acontecer, proveniente das condições e de ordens intransponíveis que controlam as escolhas das criaturas humanas.

São essas ocorrências fortuitas que fazem aquilo que resolveram chamar Destino, e nem de longe representa vontades individuais; oferece o mínimo necessário a que pudesse ser de outro jeito. Bem aquilo que Nietzsche diz ser incrível a força que as coisas parecem ter quando têm de acontecer. Motivos invisíveis, pois, andam livres à frente dos acontecimentos, e nada resta senão adaptação e  conformação. Muitos, tantos, desses registros preenchem a História. Quais, no entanto, os meios de participar da condição inevitável, procuramos seguidamente, todos desejando transformar essa condenação ao inesperado, e que alimentássemos de poder as lutas humanas.   

E quando menos se espera, que nem um vendaval imprevisível, tudo fica diferente do que era antes. Aparentemente haveria outra forma de conduzir o barco, mas existirá muito pouco a fazer frente aos desejos insatisfeitos. Espécies de seres experimentais, vemo-nos tais instrumentos de ordens superiores. Alimárias do acaso, agimos sempre submissos a forças universais. 

Quanto aos poderes relativos que desenvolvemos, de concentração mental, meditação, oração, sociedades organizadas, instituições; profetas, sábios, sacerdotes; tangemos dias sucessivos de expectativas, fruto de códigos e manuscritos achados nas cavernas da tradição. Ainda que ansiemos vir a predominar sobre a natureza determinante que rege a existência, baixamos os olhos aos sonhos e de lá, certa feita, haveremos de dominar o impossível e viver de vez as reais transformações que ora só presenciamos, apesar da força valiosa do querer que possuímos.


domingo, 7 de março de 2021

A liberdade de ser e a pulsação do Universo


Esses elementos que compõem o todo que tudo habita, produtos acabados vagando pelos intervalos entre futuro e passado, minúsculos seres ainda inocentes dos princípios originais, são eles os instrumentos que produzem o ritmo do coração das circunstâncias. E somos partículas acesas desses acontecimentos. Dotados da extrema perfeição que vem dos Céus, tocamos tais intervalos quais autores de nossos mesmos destinos; fervilhando mil possibilidades, tratamos as atitudes e recriamos os momentos através de nossa percepção ao movimento dos barcos nas ondas do Infinito. Quiséssemos identificar o trajeto dessa nau, ouvíssemos o marulhar das ondas de encontro ao nada desses cais, escutaríamos, então, o crepitar ofegante das fagulhas das florestas em decomposição; reuniríamos num único fôlego as dores e os prazeres que se derramam pelas gretas pardas de que existe. Atravessaríamos a extensão da alma da gente nas inundações dos céus, sempre a permitir ser possível reconhecer onde as estrelas luzem no firmamento.

...

As palavras, quais blocos de significados, preenchem, pois, o silêncio das cores de imaginação, enquanto vezes sem conta adotamos providências de viver à nossa maneira; assim praticamos a força dos desejos que sacodem horas e horas dos anseios de ser feliz. Astros do próprio céu da vida, usufruiremos da liberdade até aprender e exercitar esse poder sobre os instintos, e desvendar os sentimentos, quando, mais à frente, descobriremos a plena felicidade, ao encontrar, dentro do coração, a força estonteante do Universo. Essa conquista maior se chama o Amor, pomo das certezas e de tudo quanto há em nós.

Instrumentos, por isso, da sorte de nós mesmos, desfrutamos a essência dos seres mergulhados na solidão das existências, vez ser os juízes de nossas ações no âmbito sagrado que só agora conhecemos no decorrer das histórias heroicas de existir. Destarte, trabalhamos segredos que toda hora recebemos, nisso abrindo a claridade que envolverá todas as gerações, bem aventuradas de ter, enfim, consciência de ser filhas de um Ser maior que as conduzirá à luz da Plenitude.


sexta-feira, 5 de março de 2021

A vontade do pensamento de ser o autor da Criação


Se possível fosse, criaria, quem saber?, mas no passado, outro reino, porquanto essa é a sua matéria prima, o passado cheio dos elementos deste chão em movimento. Andar no sentido inverso dos acontecimentos, assim que anda o pensamento; claro que mecanismo necessário e poderoso, tanto que domina o mundo material, sem, contudo, dominar o mundo espiritual, sendo este o mundo em que, talvez, permanecerá, quando tudo ficar no passado distante. Mesmo de tal modo, esforço ele faz de cumprir a sua vontade extrema de ser o autor da Criação, e nos arrostar consigo de encontro às estradas fora de rumo a que chegamos, deixando atrás, no caminhar dos séculos, as experiências carnais. Lanterna que clareia, pois, atrás, porquanto precisou adquirir conhecer dos dias e, nisso, querer imitar o tempo, o pensamento usufrui das cadeias da ilusão e, de dentro das pessoas, imita longe o rio que significa o definitivo constante.

Bom, isso de vivermos a fluência das circunstâncias, dotados da vontade ainda postiça do pensamento, que também somos nós, existimos juntos dele, o que representa o transcorrer das vidas humanas neste plano. Num esforço inglório de controlar o incontrolável, o pensamento rompe os tempos, luta funesta de querer ser o autor da Criação. Milênios a fio, ele deslizará pelas encostas das civilizações, impondo valores limitados e colhendo decepções, porém deixando sempre à margem a responsabilidade em querer construir, nas nuvens que vagam, o que exige rochedos de realidade a fim de alçar voos de plenitude.

Igualmente, há nisto o fruto do aprendizado, raiz de encontrar a porta da revelação, dos segredos do Universo que carregam no âmago os seres humanos, até perderem, de uma vez por todas, o desejo insano de impor suas inquietudes diante das funções originais. O campo de provas somos nós, sim, em nossa essência de existir. Conhecer detalhes do funcionamento desse mecanismo que transportamos vem acalmar a angústia de viver e, com isto, permitir uma nova consciência de que precisamos, no objetivo de adquirir a ciência e desvendar os mistérios dessa floresta escura onde agora traçamos nosso destino.


quinta-feira, 4 de março de 2021

O gol


Início dos anos 70, tempos blindados e sonhos lotéricos também na Miranorte, cidadezinha do atual Estado de Tocantins, onde Alemberg viveu parte de sua infância e guardou muitas histórias como esta que vamos contar.

Numa tarde de domingo, após a feijoada do meio-dia, na sala de visita de seu Luiz Torneiro, os amigos, reunidos, acompanhavam os jogos da Lotria Esportiva pelo País a fora. Na verdade era essa a maior diversão da semana.

Dona Iracema bem que se esforçava para dar de conta dos tira-gostos improvisados. Uns poucos aperitivos quentes e a festa enchiam todas as medidas, depois dos buchos cheios do feijão preto e da dobradinha do almoço.

Lá pelas cinco e meia, a maioria dos placares já atendiam ao cartão das apostas de Seu Luiz, que, eufórico, muito se alegrava na transmissão da partida principal: no Maracanã. Jogavam Flamengo e Fluminense. Excluídos dois vascaínos da roda, os outros sete torciam pelo rubro-negro da Gávea, opção cravada, sem sombra de dúvidas, no sonho dos treze pontos.

A noite se definia calorenta, apesar da ligeira brisa que entrava pela janela da sala abafada. Sofá e poltronas pareciam mais aquecedores do que um conforto, quando a soma dos pontos principiou a esfriar o sangue da turma na hipótese do sucesso integral dos palpites. Nove jogos completados e o gramado ficara pequeno para caber tanta expectativa.

Seu Luiz chamou um dos filhos e passou as instruções:

- Vá na venda e pegue, adiantado, três brahmas geladas. - Percebeu que denunciava a certeza na suada vitória, mas disfarçou, acrescentando: - Traga também duas latas de quitute, que as coisas vão melhorar mesmo.

Compadre Zé Pedro administrava a contabilização dos pontos, de ouvido ligado no receptor de válvulas, lápis e papel na mão. Outro resultado favorável, e a sorte se oferecia dadivosa.

Veio o material requisitado na bodega e a notícia se espalhava pela redondeza, arrebanhando os primeiros perus, que engrossaram o grupo e agitaram a casa. No meio do labacé apenas uma figura permanecia quieta, desconfiada, impaciente da sala para a cozinha. Dona Iracema parecia concentrada mais na devoção ao santo para o empurrãozinho que faltasse. Ainda assim, cuidou com zelo de esquentar as conservas numa vasta travessa, combinadas de tomates e farinha, que dessem para atender a todos.

Outros jogos se completavam e emoção grande estava do décimo primeiro ao décimo segundo. Houvesse saldo, teriam espocados os primeiros rojões. No entanto ouviam-se apenas os gritos estridentes da numerosa torcida. Restava aí tão só o garboso Fla X Flu. E tomem choro e gemidos.

Pelo visto, a fortuna sorriria naquela casa, naquela tarde. Daria Flamengo na cabeça, pois a partida pendia para seu término e o time garantia com facilidade o 2 x 1 do primeiro tempo.

Daí, generalizou a tensão, parecido como se os circunstantes sentissem a gravidade daquele momento. Por certo, cada qual se punha no lugar da família de Seu Luiz, em vias de grande transformação. Passaria de pobre a rico, num único golpe do destino. E escutaram, vindo de dentro do quarto, pungente a reza da Dona Iracema, devota venerável na frente do santuário. O locutor tremia a voz, como se vivesse, lá distante, o drama do pessoal. Mãos suadas. Atenção redobrada nos lances de pequena área. E o tempo cooperando. 

43 minutos do segundo tempo. 44. 45, e os descontos. Nessa hora, uma falta na cabeça da grande área a favor do Fluminense. Barreira formada; derradeiro cartucho; escaramuça debaixo das traves; e o tricolor converte:

- Gooooooooooooool! - de dentro do quarto, a explosão de alegria da fiel companheira de Seu Luiz, estrondou cá na sala, braços aos céus, num gesto de sincero agradecimento. 

A princípio, calculou-se ter a mãe da família desvairado, produto da frustração que de todos transparecia, isso para susto de Seu Luiz, que foi dizendo:

- Mas Iracema, o gol foi do time adversário, e nós perdemos os treze pontos. Por que essa manifestação de tanta alegria? - indagou receoso.

- Não é isso, não, Luiz. É que antonte faltou tempero em casa e com o dinheiro que me deste para fazer o jogo eu comprei foi os legumes e a perna de porco que vocês comeram, hoje, no almoço, homê.  

 (Do livro Cinema de Janela, Terceira Margem Editora, São Paulo, 2001).


quarta-feira, 3 de março de 2021

As fases cíclicas da Humanidade


Vivem-se épocas. Tempos desde sempre correspondem a circunstâncias, por vezes favoráveis, noutras de extrema dificuldade. A História transcreve esses momentos largando-os ao passado, nas tantas narrativas que preenchem livros e livros, deixando claro que os dias oscilam diante das causas e consequências, e também face às ocorrências além até das possibilidades humanas. Por isso, muitas histórias existem que servem de motivo a que tenhamos força de continuar à busca dos novos tempos que inevitavelmente chegam, de comum, testemunhados pela maioria das pessoas. 

A tendência disso é que uns podem reagir com desânimo e deixam as ondas escuras inundar seus dias, enquanto outros sustentam disposição favorável a resistir aos impactos da tempestade e vencem extremas adversidades; crescem e reconstroem dos escombros seus sonhos e perspectivas. Isto é bem a face da raça humana durante todo passado. Lições são aprendidas, respostas trazem evolução e as gerações seguem seu curso quais protagonistas invencíveis de lendas e tradições.

Nesses dias de agora, por exemplo, o Planeta atravessa um daqueles períodos desafiadores; pessoas sendo submetidas às ameaças biológicas de um vírus letal ainda fora de controle. Todas as nações padecem mesmos riscos nefastos, apesar dos largos avanços da Ciência; sombras de medo percorrem sinistros os territórios antes saudáveis, numa flagrante contradição à sobrevivência da espécie, gerando perdas sucessivas de vidas, algo fora do domínio das instituições.

Eis o quadro que divisamos, isto indiscriminadamente, a ferir pobres, ricos; países subdesenvolvidos e promissores; de todos os quadrantes contam de nuvens que marcam os céus de um drama que parece superar o conhecimento acumulado, vindo exigir a esperança de melhores momentos da saúde e da paz. 

Desta forma, persiste o desejo de a Civilização encontrar outros instrumentos que ofereçam valores saudáveis às nossas condições de habitar a Terra, um tipo de exigência que temos de responder. Quer-se, mesmo, crer no potencial da inteligência de vencer situações adversas, recontar a epopeia da história de modo diferente, com o tempero da boa sorte nos sucessos a favor do bem maior da vida.

Desejemos, portanto, com urgência, sustentar a utopia e derrotar os inimigos através da criatividade e da firmeza, refazendo condições de harmonia, fraternidade e sonhos bons, nesta hora, demonstração inequívoca da força do querer positivo, depois de mais essa fase da grande Humanidade.    

(Ilustração: O sétimo selo, filme de Ingmar Bergman).


terça-feira, 2 de março de 2021

O pião do Tempo


Os dervixes rodopiantes, também chamados de
mevledi, receberam esse nome de seu fundador, o místico sufi Vevlâna Celaleddin Rumi. Rumi foi um dos mais importantes pensadores do misticismo turco-islâmico. A cerimônia dos dervixes rodopiantes é chamada de Sema e vem se realizando desde a morte do místico, em 1273. Menphis Tours

A propósito desses místicos turco-islâmicos que rodopiam, os vi, certa vez, numa das Mostra SESC de Artes, realizada há uns dez anos, evento este verificado na Praça da Sé, em Crato. Dentre as movimentações daquela tarde, essa apresentação de um desses dervixes girantes me causou admiração, num desempenho que duraria por volta de 35 minutos de volteios ininterruptos. Sempre quisera conhecer algo assim, desses dançarinos religiosos do Oriente. 

Nos estudos psicológicos, existe o conceito de que vivemos à busca do nosso centro, da nossa essência primordial, pressuposto que leva a considerar o corpo qual instrumento que propicia esta evolução individual até o encontro definitivo com esse foco central, a nos trazer no equilíbrio do Si Mesmo e no Universo em nós.

Segundo pesquisas meteorológicas, o centro dos furacões é região de calmaria, em contrate com o intenso movimento em volta. Também os seres humanos podem achar esse ponto geodésico dentro da consciência e desenvolver, deste modo, graus elevados de percepção. 

No Zen Budismo, isto é definido como o Ponto de Quietude. Até encontrar a essência fundamental da evolução, ocorrerá existir o Tempo, nexo condutor da movimentação em que vagamos soltos pelo espaço da mente, do jeito que fazem os furacões em torno do próprio eixo. Força descomunal que a tudo perpassa, o Tempo move em si a realidade, contudo sem dela fazer parte integrante, porquanto flui e refluem os fenômenos, porém neles não permanece, dando nítida a impressão de que quem passa somos nós, os indivíduos, os seres e os objetos; no entanto jamais esgotará a sua função determinante, fio condutor de todas as existências e fator por demais intocável das ocorrências. 

Bem definidora essa abordagem do valor que tem o Tempo de permanecer além dos acontecimentos os quais sustenta, ser manifesto da Natureza, senhor de poder absoluto, raiz de existências e inexistências, a matriz da Eternidade... 


segunda-feira, 1 de março de 2021

Meus primeiros heróis


Desde cedo que Tia Vanice falava conosco em Jesus; contava sua história e ensinava as orações que compõem o Terço, isso bem lá na primeira infância. Senti logo em Jesus a presença viva do herói, que significa modelo de tocar os caminhos da experiência humana neste chão e encontrar resposta lúcida e consistente. Depois de algumas décadas, mesmo que distante daquelas primeiras orientações religiosas, retornaria ao modelo cristão na idade adulta e hoje o mantenho constante. 

Nesse meio tempo, outras presenças me vieram através do chamamento das culturas. Conheceria literatura de cordel nos folhetos que os operários de meu pai adquiriam nas feiras do Crato. Surgia nas minhas identificações afetivas personagens tais José de Sousa Leão, Os doze pares de França, Lampião, João Grilo, Pedro Malasartes, Ricardo Coração de Leão, dentre outros. Daí seria apenas um pulo até os contos de fadas, quando me depararia com Robin Hood (um herói folgazão que desafiava o reino da Inglaterra), Aladim e Lâmpada Maravilhosa, o Ladrão de Bagdá e vários outros dos componentes das Mil e Uma Noites. 

No andamento dessas leituras, viveria o booom agressivo da cultura de massa dos anos do pós-Segunda Guerra. Meus pais guardaram os números das Seleções do Reader’s Digest e seus registros dos principais episódios do conflito. Lia a valer esse material. Outro universo bem diferente da vida no interior, um mundo a parte. Até que chegaram às minhas mãos as revistas em quadrinhos, verdadeiro fascínio da adolescência. 

Seriam os principais personagens dessa fase os mocinhos do cinema que imperavam também nos desenhos e seus balões bem produzidos, uma febre nas portas dos cinemas, onde a gente permutava, comprava, vendia exemplares das aventuras do Príncipe Valente, Roy Rogers, Hopalong Cassidy, Flash Gordon, Tarzan, Zorro (não o Zorro mexicano depois trazido pela televisão, mas Zorro do Oeste americano e seu amigo Tonto), e também Robin Hood, Bill the Kid, Jesse James, Gene Autry, Durango Kid, Buffalo Bill; uma extensão dos filmes, que víamos com atraso de dois, três anos das capitais, e dos seriados de duas da tarde no Cine Cassino. Viagens incríveis, pois, através das criações vindas dos Estados Unidos, que invadiram o País inteiro, cheias de nomes esquisitos e feições diferentes da do brasileiro típico. Havia naquilo espécie de reverência velada aos heróis da Grande Guerra, capitaneados que foram pelos americanos à frente dos exércitos aliados. Mais na frente, vieram Super-Homem, Capitão América, Homem Aranha, Hulk, Batman, nas vertentes da Marvel e da DC, isto já pelos inícios da idade adulta. Mesmo assim ainda persistiriam por bom tempo a preencher minhas atenções, tanto que, em Salvador, na década de 70, no Curso de Comunicação, abordaria os quadrinhos em trabalho da disciplina Introdução à Comunicação, ministrada pelo professor Florisvaldo Matos, que admirou meu interesse pelos comics.  

Juntamente com a religião e os cordéis, as revistas em quadrinhos foram minhas primeiras abordagens do mito do herói, depois acrescidas de mergulhos aprofundados na literatura tradicional.