domingo, 26 de abril de 2020

Eu senhor de mim

Essa a única busca da real significação diante de tudo quanto se move. A razão derradeira de todos os princípios a que se destinam os dias. Vagos operários de construções imaginárias, cruzamos as linhas do Tempo diante do Destino. Incessante ausência de sentido porém nos bate à porta do momento e clama decisões. Saber na verdade aonde rumam as pulsações do Universo de que somos testemunhas e protagonistas. Buscar acima de tudo o objetivo essencial das aventuras humanas, eis o justo motivo de andar neste chão que desaparece aos nossos pés.

Enquanto as ações pedem resposta coerente face a tanto desafio, as criaturas por vezes apenas oferecem o pescoço na ceia dos prazeres e usufruem da ilusão tais máquinas num movimento alucinado. Ninguém, por si, quer admitir, no entanto, pura e simplesmente, que ainda desconhece a tal finalidade das horas a lhes triturar o corpo já perecível. Adormecem, pois, no calor das emoções. 

Bom, até que seria cômico, não custasse a consciência que se transporta cá dentro das entranhas, numa pergunta monumental de a que finalidade cumprimos os ditames desta vida em jogo. Como descobrir o enigma da carne e vencer a Esfinge do decifra-me ou te devoro? E o Tempo avança nas horas e nos viventes, a triturar os incautos feita mãe que devora filhos diletos após cevá-los no carinho das circunstâncias.

Isso a fim de justificar que tudo tem justa explicação, que nada passa impune perante o fruir das estações; e cá iremos todos, nesse mar de praticados que bem resume viver existências aparentemente ocasionais, quando temos em mãos o querer da liberdade. Tudo é justo, mas nem tudo me convém, segundo S. Paulo. Há, por isso, uma balança imaginária que pesa a exatidão dos acontecimentos pessoais.

Fôssemos meros joguetes da própria sina e passaríamos ao léu, espécies de coisas em queda livre. 

Vem assim o que queremos indagar: A que isto se destina? Viver por viver, ou descobrir a causa origem de si mesmo e desvendar o mistério dos destinos? Claro que implica numa resposta de valor inestimável, interpretação principal de um dia, dominar a barca do acaso e desvendar o código exato da Eternidade que manuseamos. Paremos neste ponto e deixemos que fale o silêncio do Absoluto em nós.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A manada de búfalos


Eles desciam as encostas de outra montanha gelada do Ártico, pé-ante-pé, às vezes deslizando apressados vendo a hora cair no abismo. Mas iam resignados, cabeça baixa, olhos atentos ao menor sinal de angústia. À frente, ele o senhor do rebanho, o ancião de todos, um chefe do bando cabisbaixo, sorumbático, espécie de nexo dos prados de antigamente quando o gelo derretia e saiam na ânsia do alimento que brotava das gretas das pedras. Aprendera no tempo, dileto amigo da sobrevivência. Nem ele, na verdade, sabia direito aonde seguiam depois da sequidão invadir mares e da insolação desordenada tomar de conta da natureza daquelas bandas do mundo.

Foram dias, semanas, meses, até chegar aos primeiros pastos. Quais andarilhos sem norte, viajaram à procura da Terra Prometida, instinto preso na vastidão esvoaçante de pedra e poeira. O líder, no entanto, bem sabia que sua missão logo estaria completa, desde que avistassem os primeiros sinais de esperança nas cordilheiras ali em frente. 

Assim se deu lá numa manhã de sol intenso, recostou-se na primeira árvore do novo continente e, quase sem colar direito as pálpebras, ofegou o derradeiro suspiro, contudo deixando já pronto o novo rei.

Ao ritmo cadenciado de quem busca escolher dentre tantas ilusões a fria realidade, o comandante arrastaria o bando longe, porém, sem saber o rumo certo dos destinos avançaria. E a manada prosseguiu. Chegava aos lugares todos devidamente preenchidos de gentes várias, desde humanos seres a cães, gatos, cavalos; ovinos, caprinos, bovinos; e a mesma rotina estafante dos dias quais aventureiros de quando foram presos no velho continente. Ninguém que fosse lhes pareceu fieis e circunspectos daquilo que vieram neste chão. Imensas maiorias de aflitos catadores de conchas nas praias do Infinito pediam paz e plantavam guerras de clãs. 

Tão ainda que insistissem morar nalguma lugar daqueles mais aprazíveis que avistassem, ali existiam donatários dos idos e vividos, escrituras e tradições. Prudentes, entretanto, seguiriam adentro do horizonte. Tangidos, pois, na sorte das aves em voo livre, cobriam distâncias estafantes a cada momento, afeitos ao drama/comédia eterma. 

Quando, por isso, avistarem um bando de búfalos largados nas variantes deste universo qual família de judeus errantes, vistas fixas nas curvas das planícies esquecidas, lembre que, lá uma madrugada esquecida, eles resolveram que as almas dormem durante o dia e percorrem, à noite, os céus, e trazem consigo a certeza de que haverá felicidade no íntimo do teu coração. Receba-os; são amigos do sonho e senhores da imortalidade sem fim.