sábado, 30 de junho de 2018

As fronteiras do Paraíso

Nesta condição donde mourejamos impera o vil desejo de dominar o destino. Quantas doses de frustração ainda nos aguardam nesse caminho de sonhos soltos, impossíveis, torpes. No entanto a isto aqui nos haveremos; planejar os destroços do próximo barco, na próxima tempestade do próximo inverno. Até parece que desisto de sonhar, contudo. Nada disso, todavia. A dor exige determinação de acreditar nos desejos, mesmo vis desejos que eles o sejam. 

Portas abertas às probabilidades humanas, vivemos quais quem dorme e sonha com o instante solene do Sol na janela a restituir o dia e nos despertar dos antigos sonhos da noite. Vontade soberana faz de nós meros joguetes de alternativas fugazes, porquanto eis ser assim o que resta aos mortais em voo livre, de uma a outra solidão. Parceiros da destruição do que prossegue a indicar os meios de encontrar a resposta, pomos nossos pés nas fronteiras dos valores da perfeição. Afinal a que viemos se não a ser pretensos candidatos à imortalidade?

Foram tantas oportunidades que os dias ofertaram graciosamente, e as largamos perdidas nas contradições deste ser que somos nós, que persistimos a continuar na missão de encontrar o que nos resta de equilibrar sonhos e a realidade, e salvar o conceito de sermos entes eternos, desejo último de quem morre. Beiramos, pois, a toda hora esse poder infinito de revelar o mistério de que somos. Artífices da preservação na existência por todos os séculos dos séculos, toquemos o furor de ampliar o desejo do infinito e promulgar a libertação da finitude. Cabe, portanto, só a cada ser consciente o sinal que nos chama do outro lado da Eternidade, que aos poucos conhecemos de dentro da nossa própria pessoa. Aceitar a condição de precursores da salvação há nisso o motivo único de andar face a face com os acontecimentos que transformarão a dualidade em instrumento de aceitação no mundo real, verdadeiro.

(Ilustração: Vincent van Gogh, em Noite estrelada).

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Naquela madrugada fria


Isso se deu nos idos da Segunda Grande Guerra, em Crato. Era de ter escrito tal história que marcou profundamente os que ali viveram à época. Uma madrugada inesquecível de angústia de que falava minha mãe. 

Sei não ainda porque, sempre que me lembro de recomeçar, os episódios das histórias humanas, ali me avisto na Praça Francisco Sá, defronte à Estação Ferroviária, hoje desativada, ora sem os trens. Morei acima, no Bairro Pinto Madeira; na infância e na adolescência pisei por demais o chão daquela praça, nas idas e vindas ao centro da cidade. Pois foi ali que isto se deu.

O que conto revive uma madrugada durante aquela triste guerra. Já transcorriam por volta de cinco anos, de quando a Alemanha invadira a Polônia e dera início à maior das conflagrações armadas até hoje. Chegara, naquela hora, a vez de os atiradores do Tiro de Guerra de Crato ser convocados integrar as tropas expedicionárias brasileiras que lutavam nos campos da Itália. Meu pai era um desses atiradores.

Imaginemos a comoção dos habitantes do rincão interiorano face aos seus jovens na idade militar irem arrastados a tão longe, na guerra que abalava o mundo inteiro, sem perspectivas que fosse de terminar.

A tropa perfilou devidamente orientada pelos superiores. As derradeiras instruções foram dadas. Em seguida, à hora definitiva, marcharam pelas principais ruas escuras da cidade ao troar de tambores e caixas, e clarinadas, em marcha cadente, a revirar toda a alma do lugar. Horas frias. Missão estúpida rumo da morte. Lágrimas em todas as faces; ninguém dormira na noite. 

Logo os vagões do trem lotaram de soldados transidos na dor dos corações que iam e dos que ali ficavam. Distanciamento heroico dos pracinhas em horas cratenses. Esse trauma ocorreu, portanto, certa vez. 

Ao chegar em Fortaleza, onde navios aguardavam os contingentes, poucos dias depois seriam surpreendidos com os derradeiros telegramas da Europa de que as tropas aliadas ganhavam território e breve obtinham a vitória sobre o totalitarismo do Eixo, alento de paz que dominaria o mundo alguns anos daí desde então.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Isso de escrever

Meros sonhos da impaciência dos humanos. Desejos feitos de palhas. Folhas soltas ao vento, quando há o vento por perto. Bom, fome de fazer face ao desalinho, não do Universo, que o sabemos perfeito, mas daqueles que agem assim no dizer quais instrumentos do nada e coisa nenhuma. Contudo insistir no mister de cruzar as horas e voltar com os pensamentos que sumiam na ausência. Ou tomar conta deles, ou dominar de não ter tamanho as influências que exercem incontidas os contadores de casos, artífices de dramas, preocupações, constrangimentos da gente com a gente mesma. 

Lá um dia, no entanto, inventariam de criar, juntar palavras e montar frases. Nos começos, em formas de barro, tabuinhas, tijolos largados nas encostas dos morros dessas ruínas que o povo gosta de visitar nas saídas que dão pelo mundo. Adiante, numas folhas de plantas aquáticas, nas bandas do Egito. Marcar, assinalar de imagens restos de troncos secos e trabalhar os papiros. Até que chineses inventaram o papel e os tipos móveis. Desde então resistem ao silêncio e querem fomentar noutros aqueles pensamentos velhos, aflitos, que sabiam perder no embate entre as ondas e os rochedos inanimados. 

Virou isso de untar letras nessas máquinas sofisticadas e mexer a compreensão das outras criaturas, espécie de vontade petulante e figuras gráficas, as páginas luminosas de chegar aos outros mais distantes. Postulados volumosos enchem, pois, as estantes, bibliotecas inteiras, de volumes encaixotados debaixo de sete capas, livrarias, bancas, lixões, museus e revistas. Largos tetos formam a herança do que disseram as lâminas de escrever. Sonhos, profecias, valores filosóficos, tumultos históricos, memórias impacientes, construções monumentais de lendas de tudo quanto é autor, do zero ao infinito, horas a fio trazidas cá fora, do instinto de contar do desespero e passar o momento, e lembrar-se de guardar o mínimo das relíquias boas de viver e ter consciência disso. Enquanto letras existirem, ali de junto haverá escribas que lutarão aflitos na intenção de preservar o sangue que escorrer nas veias e invadem os pensamentos a escrever.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Paisagem lunar


Desde sempre lembro as noites de Lua Cheia, que elas transformam o que seria a noite em uma festa de beleza e sonho. Enquanto dentro da gente as histórias acontecem noutra velocidade, essa força de poder inigualável acorda a verdadeira realidade na gente. Dos tempos remotos, as sombras das noites de lua estendem visões que reclamam dimensão entre a percepção visual e as sensações espirituais inestimáveis. Vezes sem conta, nessas noites revivem os espectros de nós mesmos que se foram a reclamar participação neste mundo concreto de formas e fardos. Um eu inesperado assim regressa de armas em punho e exige espaço de consciência, a determinar que recolha os blocos de matéria largados na sala principal da personalidade, e impõe códigos de honra e dignidade amorosa. Constrange até, a superar as leis do país, a influenciar os sentimentos vulgares. Nessas horas, lá vem de novo saudades antigas, arcaicos tremores que bem pensávamos haver desaparecido nas brumas das madrugadas de séculos amarelecidos. Mas, não, essa força estranha chega virando cangaço e caustica a indiferença das personagens esquecidas no além do passado. 

São quais nessas tais noites de Lua Cheia que correm os animais da criação do imaginário. Eles vagam soltos fazendo assombração e susto às pessoas. Reviram o cisco dos olhos da escuridão dos amantes solitários e fazem chorar os incautos que dormiam sob as recordações abandonadas. Porquanto esses animais da penumbra possuem escritura de nós que nem sabíamos existir nos cartórios do mistério. Vale quais documentos de valor indiscutível perante os tribunais da Eternidade. Que fizeram dos amores intensos perdidos? Em que gavetas esconderam as dores das paixões desenfreadas? Aonde marcaram os encontros das ausências com os desejos impossíveis?

Exército silencioso de guerreiros fiéis invade a alma da gente e prega peças, a convocar o que somos nós, farrapos arrastados no comboio do adeus, a dizer das responsabilidades negligenciadas e o preço a pagar de saudade. Isso tudo nas noites plácidas da Lua Cheia, pouso dos pássaros das noites esplendorosas que sempre regressam inexpugnáveis, quando pensávamos nem existirmos mais, no entanto tão estamos eternos quanto essas noites mágicas e belas preenchem o vazio do coração.

Escutar o silêncio

...

Moramos bem dentro dessa fronteira do instinto com a intuição. Todos têm aqui um alojamento que chamamos de eu, e fazemos as ações inevitáveis de sobreviver às intempéries de tocar os barcos da individualidade num mar de ondas intermináveis. Comer. Dormir. Sonhar. Conhecer. Trabalhar. Essas providências que enchem os dias e gastam o tempo precioso de que testemunhamos passar. Nem sempre utilizamos o movimento do Sol em torno da gente do modo mais exato, de acalmar a paciência e dormir em paz. No entanto viver é isso, cruzar inúmeras vezes essa tal fronteira entre o instinto e a intuição, diariamente.

Por vezes, a gente se alegra e cresce nos cascos, feitos filhotes inocentes da servidão. Noutras, pesam os fardos e o instinto força desejos de comodidades pessoais, certezas ocasionais desfeitas, porém. Vale isto, equilibrar os dois pratos da balança, além de aguentar o esforço dos demais humanos de também sustentar ânimo e resistência aos instantes e às dúvidas. Viver, entretanto. Conduzir o rebanho de si mesmo através dos desertos dos humores, das ansiedades, dos vícios, e nunca perder o pé de apoio na alegria.

Espécies de experimentos da própria consciência, viver batendo nos rochedos dessa praia imensa do Infinito, num procedimento às vezes instintivo, às vezes intuitivo. Da intuição nascem os sonhos, as premonições, as promessas, as religiões, os confortos espirituais. 

Já dos instintos, contudo, sobram experimentos vagos, incertos, de fome de prazeres, ânsias de dominação dos outros e dos objetos, furores das dimensões egoístas do animal que ainda somos, todavia. Quais máquinas embriagadas nos seus metais, os quadrantes das notícias falam desses fatores da inexperiência humana em forma de dores e mágoas. Estações especiais da sorte ocasional, nalgumas ocasiões acertam, outrossim visando tão só qualidades e vaidades, monstros de novelas espúrias, estranhas, mórbidas.

Ainda que seja assim, este é o melhor dos mundos possíveis, imagináveis, em que construiremos a renovação de nós, em que persistimos a caminho da transformação de sujeitos em senhores, máquinas em verdade absoluta.

domingo, 24 de junho de 2018

O momento de viver

Que tenha um mínimo de sabedoria... Que seja bem mais de sentir do que de pensar essa prática de crescer de verdade, que seja do ser interior da gente. Invés de só repetir, que esse momento contenha o pudor da sinceridade. Amar de alma e tudo; envolver na consciência o desejo de cumprir os sentimentos na força que possuem e alimentam de vida a existência. Saber identificar o poder da verdade nos detalhes dos dias. Isto de usufruir da força de que dispõe o querer das gentes. São fluídos os instantes que transcorrem feito lufadas de vento, na beleza das luas, a sacudir de ciciar as árvores nas manhãs de sol intenso. Apreciar o sorriso das pessoas nas ruas. A tranquilidade santa do movimento dos corpos nas caminhadas do tempo. 

Viver o presente, pois seja ele o único que persiste no fluir das emoções. Escutar com o coração as canções da natureza nos pássaros, nas flores, nos dias. Horas a fio, a certeza das oportunidades sem conta. O calor das tardes, o frio das madrugadas, o alimento e a satisfação de conhecer o novo de todas as ocasiões. O prazer da saúde, dos amigos, da família. O respeito à seriedade; o valor da honestidade; o gosto das viagens, dos sonhos, livros, filmes, músicas; bons assuntos e extrema satisfação de conhecer as novidades e os mistérios.

Isto que bem cabe na nossa presença diante do Universo; desenvolver as possibilidades do infinito, no sentido de concretizar a transformação a que somos destinados. Amar de alma e tudo; envolver a consciência no dever de cumprir os sentimentos... Transcrever os sonhos nos passos que dermos no correr dos quadros que se superpõem aos nossos pés. Boas emoções, virtudes, plantios de sementes deliciosas no solo fértil da felicidade. Amar de alma e todo; construir o amor na luz da Eternidade em nós próprios, partículas de todos e cada um de que somos. Vou sair a ver a Lua, que hoje é Cheia.

sábado, 23 de junho de 2018

O templo do coração

Empenhe-se para adorar no templo do coração.
Oh! Mendicante, o paraíso é apenas uma tentação;
o objetivo real é a própria casa de Deus.

                                                                  Abdullah Ansari

Quando tudo terminar, restará apenas o ser íntimo face à dor das existências. Esse ser de que falam os místicos e que vive na essência mais interior de tudo, nas pessoas, no princípio e no fim das manifestações e função única a que Jesus denomina o Reino de Deus. Significa a liberdade para dentro de si, o pomo dos segredos universais. As vagas do tempo nem de longe obtêm chegar a isso, daí a existência da consciência nos humanos, os seres inteligentes da Criação. Vieram nessa determinação de encontrar o caminho da Salvação, a isto foram criados. Os esforços coletivos e individuais buscam, pois, o sentido de dominar o momento e transcorrer nas fibras da Eternidade a morada do definitivo. Uma mutação a que viemos todos. Permutar a perecividade da matéria pelos campos de luz da Perfeição. 


A intenção de revelar os sóis da Consciência cabe, portanto, aos senhores da razão, sujeitos das intempéries e das provas. Eles somente compete realizar a superação dos limites e vencer a perdição que os deteria tão apenas em fenômenos físicos, assim não fosse. 

Enquanto isto, no espaço das vidas, ocorre o embate dos dois aspectos da presença. Dois em conflito das gerações, dramas da fusão dos elementos de que somos senhores. Por vezes restritas à visão das ilusões nas aparências, sucumbem multidões aos fatores dessa experiência prática de estar aqui e transcender. O herói vencerá e chegará ao templo, invés dos aliados da banda adormecida na inconsciência.

Carecemos dos favores da renúncia, da concentração e do destemor. Cruzar as barreiras do impossível sem desistir da luta. Territórios da alma da gente, sobreviver a todo custo diante de restrições e vaidades, pressas e comodidades. O método, as existências nos ensinam.  

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Os jogadores

Examino há muito esse afã dos jogadores em transe. O apego deles aos tabuleiros, ao som dos dados, o sacolejar dos palitos, o estalar das cartas. Os olhos acesos nos lances dramáticos denotam a hipnose que os prende à inteira atenção nos naipes, nos momentos das partidas, no troar dos bozós; das mesas; no girar das roletas. Quais habitantes vindos de outras dimensões, aqui chegaram de malas prontas de ilusão no rumo do desconhecido, instantes fugazes do Infinito, espécies extras de sobreviventes de naufrágios impossíveis desconhecidos no comum das horas. 

Passo ali na Praça Siqueira Campos e vejo os tantos parceiros das mesas que viajam nas manhãs, perdidos nas horas que transcorrem e lhes abandonam, desfeitas na indiferença delas ao fluir daquelas condições absortas. 

Sempre lembro as noitadas de que se têm notícias da decadência de fortunas, em chácaras, terraços e quintais; pessoas que tudo lançaram num único lance de sorte e viram sumir das mãos o que juntavam décadas a fio em outras noites de sucesso. Embriaguez, febre, temeridade, tão bem contadas por Dostoiévski na sua obra O jogador.

Desde que me entendo de gente, nas terras do Cariri, sei de nomes que perderam as posses nas mesas de jogos, além dos que as obtiveram em sucessos, e estabeleceram patrimônios. As cidades possuem suas bancas de jogo, tradicionais lugares que consolidam a herança das décadas passadas. Eles, os jogadores aficionados, alimentam o costume e, em torno de si, chegam os tracionais perus, torcedores silenciosos e clássicos. Vivem as intensas emoções desse furor que os domina, espécie de vício misterioso, dotado de contrições e desesperos, dependência e charme, quedas e ascensões. 

O hábito do jogo por vezes ganha âmbitos coletivos, nos estádios, nas quadras, nas pistas, invadindo raias de normalidade e nutrindo de circos na função de acalmar a fúria das multidões. Estudiosos estimam serem catarses coletivas, aonde populações desaguam frustação, carências e impossibilidades, transformadas em competição pública, expressão das limitações e motivo de paixões e júbilos dos grupos sociais. 

Na sua pequenez, os humanos descaem à busca de respostas junto aos oráculos das sinas, os jogos e as guerras. Acesos ao fervor dessas aventuras do invisível, apostam com o Tempo o direito de ser feliz, ainda que seja só durante poucos quadrantes dessas migalhas e a mais transitória das felicidades.

(Ilustração: Thedor Rombouts, em Os jogadores de carta).

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Algumas palavras III

Este horizonte de nós mesmos vem a pedir que cheguem as cores da Felicidade. Força descomunal arrasta os acontecimentos aos lugares santos. Ninguém que fuja do determinismo das leis eternas. Ordens e equilíbrio, tudo enquanto, a fixar normas de ação nem sempre reconhecidas de todos, e aceitam pela maioria. Daí a angústia, desesperos e ansiedade que machucam de gestos impensados o gesto e fazem de sofrimento a estrada dos incautos. 

Olhares vagos, pois, no caminho da Eternidade deixam livres sentimentos de leveza que, decerto, lá um dia mostrarão o quanto restava a percorrer. Esquecer a própria existência e sair solto entre os astros do Universo, a braços com a sequência natural de tudo. Largar as amarras que prendiam aos derradeiros meteoritos vagando na gravidade do vento, olhos fixos no término daquilo que jamais terá fim, a ordem dos céus. Ouvidos na música das estrelas, a meio das inspirações que voam absortas no firmamento infinito, e permitir sonhar sonhos de esperança e paz. Luz no coração. Ciência na alma. 

Quantas vezes tantas o desejo intenso de largar os rochedos e abandonar às ondas o furor da liberdade, guardadas saudades, esquecidas as histórias de quando o Sol ainda jazia escuro nas trevas e os barcos a sós deixavam rastros nas notas das canções. Flores. Distantes laços deixados abandonados. Sombras. Luzes.

Nisso, o pórtico aberto dos destinos que aguarda a vontade dos que permitem descobrir a si na forma da obediência. Livres dos caprichos individuais e das atitudes abomináveis, reconhecem nas horas a força que tudo determina. Quedam, assim, nas folhas secas das experiências o fascínio dos acontecimentos e aceitam tudo de bom que lhes espera, à medida do conhecimento adquirido e praticado. Acalmam os penhores da força bruta e aceitam de bom grado desvendar o íntimo perfeito da orientação. Isto sem aflição, fiel e contrito, sono dos justos.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Sucatas humanas

E seres tão parecidos... Tão iguais... Iguais? No entanto nunca foram de distância tamanha, porquanto nos livros antigos eram bem menos os habitantes da Terra. Uns, cheios de ladrilhos e flores; outros, bactérias de beira de esgoto, debaixo das pontes largados fora, quais inúteis, enferrujados, extremas de uso, desiguais. Os velhos humanos, os homens-objeto desta era de tecnologia inigualável, exatidão matemática da produção meticulosa e farta, porém fouxa na fé, insegura na sinceridade; monturos de lama na moral e nos costumes; de ética impossível, improvável na correlação de forças da imperfeição desvairada. Eles, nós, mais uma vez, ais dos apocalipses em elaboração, apenas baixamos a cabeça e seguimos os apetites da sorte.

Indignação de quando vemos o abismo que circula as histórias narradas com indiferença. Vemos as pobres alimárias voltadas adentro e esquecidas do final que lhes aguarda; do jeito que aguarda os que são atirados nos campos abandonados lá longe. As limitações dos tais valores morais que praticamente sumiram nas curvas das doutrinas. Fusão de necessidades com o egoísmo, os homens deste momento, salvas raras exceções, trabalham no sentido das vaidades e dos apegos. Desejo pelo desejo. Prazer pelo prazer. Ilusão pela ilusão. Máquinas de angariar sobrevivência a todo custo, vestem zumbis de quatro patas que vagam nas noites, soltos nas nos institutos e sensações. Reis dos planos funerários, adoçam de fel os pastos no suor do rosto alheio. 

Autores desta série, carnívoros obesos da fama e dos penhores, a si pouco importa o preço do que venham obter nos mercados em brasa. Querem chamas, querem fervor, sem saber do mar e da temperatura. Bom, parar, ficar quieto e esperar. Existe, contudo, o setor interno, lugar próprio dos indivíduos; a liberdade, no seio de quem fermenta a salvação. Na Natureza, desde sempre, o procedimento do Poder sobre poderes menores, isto também em nós qualquer um. Há nova história, a contar as folhas desta floresta, o infinito das existências.  

(Ilustração: Pieter Bueguel o Velho, em A dança dos camponeses).

domingo, 17 de junho de 2018

Ilusão e realidade

Não viemos aqui para aprisionar, / Mas sim para nos entregarmos cada vez mais profundamente à liberdade e alegria./ Não viemos a este mundo extraordinário / Para nos mantermos reféns apartados do Amor.   Hafez

Maya, assim os hindus denominam a ilusão. 

Certa feita presenciei uma palestra do filósofo Huberto Rodhen, nos idos de 1978, em Salvador. Abertas as perguntas, da plateia alguém perguntou: - Se a ilusão não existe, por que nos preocuparmos com ela? De logo veio a resposta do palestrante, de que a ilusão existe, sim. Que se manifesta no mundo físico e causa suas marcas no processo das existências. Se não, o que nos permitiria conhecer a sua presença junto das cogitações humanas? No entanto, ela não tem perenidade, esvai no tempo donde viera, deixando tão só consequência e rastros pelos caminhos dos que lhe sejam vítimas.

Tal qual fogo fátuo, rebrilha nas noites da ignorância dos que carecem da Luz, a fascinar incautos, fantasiar atitudes, demonstrar possibilidades inconsistentes, arrastando consigo almas mil aos laços das fragilidades, do fastio. Nada parece tanto com a verdade quanto a mentira, dizem os sábios. Iscas de perdições, alimentam efeitos e sensações e consome incautos naquilo de mais precioso, em que aqui permanece na intenção de evoluir.

Enquanto a Realidade significa o caminho das transformações, sentido único do aprimoramento dos espíritos mediante empenho e dedicação, fruto da busca incessante da Eternidade. Deus não castiga ninguém. As pessoas saem do caminho e encontram o castigo, este sendo o instrumento de desencanto e de regresso ao sentido da realização do Ser. 

Nisso eis as leis essências da Natureza a que tudo e todos obedecem. Perante a sujeição da ilusão, há limitações temporais, ensejando meios de revelar em si a Consciência. Formas perfeitas desta evolução, nesse claro/escuro das percepções lá um dia descobrimos que o mal é a ausência do Bem. Da desilusão nascerá o vazio a preencher com a libertação das paixões ilusórias. Da escuridão virá a Luz na consciência.


sexta-feira, 15 de junho de 2018

Contingências

Só dizer que está tudo escuro, caótico, é pouco, inútil. Nada, ou beirando a quase nada; pouco. Protestar, mandar mensagens derrotistas, revoltadas, de descrença, o escambau, é pouco, ou quase nada. Perder noites de sono, derramar lágrimas saudosas, deprimir, reclamar do vizinho ao vento é irrisório. Pura perda de tempo, talvez. Que chegamos perto da tal desesperança, disso ninguém tem dúvidas, sobretudo em países antes ditos emergentes; hoje, atrasados mesmo. Crise de valores éticos de sérias proporções, eis o diagnóstico deste momento. 

Acontece que ninguém chegou a passeio. Sorte significa oportunidade e jamais entrega aos mares bravios da descrença. Tem que lutar, persistir, acreditar; fazer com que acontecem os sonhos do certo, desde o berço. Refazer a paisagem que encontrar. Trabalhar os instrumentos; aprimorar as agruras e utilizar a matéria prima dos milagres e produzir milagres. 

Se difícil, nunca impossível. Resta a todos mostrar a cara, ou escondê-la em definitivo na areia da perdição. Usufruir o direito de existir, produzir o futuro desde o que sobrar dos escombros. A liberdade é isto, o que temos a exercer depois das limitações impostas pelos outros e pelo mundo.

Se de todo o corredor ficar estreito, as luzes apagarem, os meios rarearem, tudo fechar a balanço, e nós, os que moram dentro dos personagens que isso testemunham, o que faremos? Uma vez ser ingrato, nem de longe este motivo representa o caos na própria pessoa. Há o agir internamente. Fazer nossa parte no jogo. Ninguém possui nossa capacidade, nossa iniciativa. Se o mundo não mudar, mudemos nós, seus habitantes. Se outros querem assim, que eles o façam. A nós cabe ser diferentes, no mar de lama que restar disso lá fora. 

Erguer olhos e ganhar fôlego; a Natureza não tem pressa e oferece todo dia poder infinito aos que pretendem usá-lo com garra, disposição e coragem. Os tecidos necrosados serão extirpados e a vida vem na intensidade que sustenta o Universo. As sementes nascerão cheias de vida. Que sejamos herdeiros da fiel realização do Ser diante desta Realidade em movimento.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Segredo das ruas

Temos três histórias diferentes nesta cidade, de quando aqui cheguei ainda criança pequena, de depois adolescente e inícios da fase adulta, e de hoje, na maturidade. Costumo sair a caminhar pelos mesmos lugares dos instantes dessas horas. As casas, lojas, diagramações, agitações, e eu a percorrê-las de olhos abertos entre as mudanças, transições do calendário. Nisto, regressam as imagens e emoções dos antigamente. Incrível como entranhadas permaneceram, talvez grudadas nas paredes, calçadas, nos calçamentos, ou por dentro da gente (quem sabe?!). Cenas nítidas, claras. Horas inteiras de aflições, alegrias, emoções as mais pujantes, que compõem os quadros do ser interno que insisto em persistir. 

Foram, então, tempos vivos que, intactos, continuam. Pessoas. Comércios. Ruídos. Festas. Coletividades. A urbe completa, só que agora multiplicada tantas vezes quantas vidas vividas no seu universo de memórias. Chego até esperar encontrar de novo os personagens que pontilhavam as esquinas, os bares, as praças. Lembro fisionomias, gestos, trajes; no entanto assusta não lhes rever em matéria à medida dessas lembranças tão fortes quanto as mais recentes ora lhes enriquecem.

Paro, às vezes, a contar a mim episódios presenciados, as doutrinas sociais trazidas a público naquelas ocasiões, os dramas que percorriam as fibras dos acontecimentos. Nelas, nas ruas, vivenciara as quermesses, os turnos eleitorais, as procissões, desfiles de 7 de Setembro, apreensões políticas nacionais e internacionais, shows, comícios, equívocos, tragédias e comédias comunitárias bem ali espalhadas no vento das transições dos dias que escorrem. 

Largas películas a céu aberto repetem o presente quais sejam eternas, e o presente, este, sim, precisando sobreviver a qualquer custo, ao correr das gerações. Mexe comigo, nos metabolismo das ideais, esses passeios diários através dos lugares iguais e diferentes da velha cidade. As energias que voltam a se encontrar, agora nos céus da consciência, e as transporto nos caminhos, nesses passos em que mourejo. 

Certa vez, li que, nas costas do Pacífico, num país da América do Sul, haviam captado sinais de televisão emitidos há mais de quinze anos, que vinham aos pedaços e desmanchavam sem qualquer razão de ser, o que estipularam permanecer circulando no éter até ninguém sabe quanto tempo. Destarte, chego a imaginar a força das emoções e das pessoas, propagada através dos corações e vivendo até quando só ninguém há de saber.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

O mistério de Deus

Sentara a fim de escrever, mas nem sempre a inspiração ronda por perto. Desliguei a máquina e fui ler, ações imediatas. Logo nas primeiras frases do livro, lembrei, então, dalgumas conjecturas que fizera pela manhã. Realizava balanço corriqueiro de saber até onde chegara nessa vontade dominante de conhecer as razões principais do tal processo vida. Carrego lá comigo, desde bem longe, o instinto, certa feita, qualquer dia, de revelar a mim mesmo os motivos deste tempo de existir. Qual quem sabe do prazo de resolver isso, dias contados, medidos, insisto responder a questão fundamental, ponto de honra de toda a minha história.


Dizem ser transcendente, além da física, entre o tempo e o espaço, esse lugar em que impera a Eternidade; que quem passa somos nós, não o tempo, este solo definitivo de tudo. Que a duração dos seres e objetos se desmancha constante, combustível em favor das descobertas da consciência individual.

Vejo sem maiores esforços quanto ainda careço de concentrar meu empenho na aceitação das premissas filosóficas que nascem da religiosidade, depois revertida no âmbito das religiões sociais. Sei, também, do tanto de limitações que sustentam o saber humano, raiz de erros e acertos, porém instrumento único de demonstrar os teoremas da sonhada felicidade.

Conquanto restrito, pois, aos conceitos das tradições religiosas, filosóficas, antropológicas, me nego a permanecer tão só ignorando as possibilidades infinitas das respostas que quero, porquanto sinto nisso a lógica essencial de pisar aqui. Relíquia eterna do sonho na inconsciência, trabalho feito espécie de aventureiro, errante na sorte, a mergulhar as entranhas do ser que sou e ouvir os ecos persistentes de achar a causa de tudo durante todo tempo.

Deus, centro do Universo, Pai e Criador, o cerne da revelação do quanto investigar nas cordilheiras do conhecimento, este o Justo valor das buscas, acalma meu reconhecimento nalguma partícula do ente a que dou cor, tom e movimento, exemplar da espécie e pomo de paz e compreensão; a alma do Cosmos e luz da Consciência.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Gostar de viver

Ninguém quer voltar a desaparecer, nem os outros animais da escala evolutiva. Imaginar o que representa viver passa longe do que seja viver realmente na essência de tudo, experiência ímpar. O sensacionalismo dos tempos dagora, no entanto, abusa de mostrar quantos sofrem, quantos somem a todo momento, das formas mais esdrúxulas, friorentas, abjetas, que enriquece a tumba dos faraós da mídia. Virou vulgaridade noticiar quantos beltranos e sicranos são assassinados a cada noticiário, forma cataléptica de abandonar os irmãos nas latas de lixo dos dias que escorrem feitos fiapos perdidos. 

Houve um jornal no Rio de Janeiro, Notícias Populares, de quem diziam espremesse e correria sangue. E agora, que jogam nas derradeiras páginas os extermínios, as chacinas, os desesperos das famílias que veem seus entes queridos simplesmente largados no fundo das covas, espremer o que, se quase sumiram os jornais? Mais parecem esses tempos com aqueles velhos filmes de ficção onde transformavam pessoas em proteína a título de oferecer os paraísos artificiais nas derradeiras horas de vida. 

Troço grosseiro o tempo em que aportamos. Falam dos representantes do povo, de que povo, de que representantes? Uma escatologia de causa náusea, isto sim virou o panorama desses finais de era. Quais instrumentos de inconveniência, de insegurança, esfacelam corpos nos bairros infectos das periferias sem lei, sem nexo, sem dó, nem piedade. Pobres humanos que viramos cruzadas as guerras de conquista, tantos paredões de isolamento, tantas agruras e desventuras. 

Sou meio adocicado muitas vezes, contudo a medida transborda e quero ser sincero aos poucos que leiam essas garatujas que jogo nos ares da existência, guardo comigo sede dos dias melhores de que ouço desde que iniciei ouvir o que prometem os oráculos de poder. Gosto de viver, de sonhar com felicidade, honestidade, harmonia, solidariedade, justiça, paz, fraternidade... Nunca desisti, nem irei desistir jamais, porquanto isso alimenta a equação dos elementos sob que habitamos diante do imprevisível. Desenvolvo largos esforços de viver e ter sabedoria, pois nenhuma razão que fuja disso cativa meus sentimentos. 

(Ilustração: Pieter Brueghel o Jovem, em O pagamento dos títulos Bonhams). 

segunda-feira, 11 de junho de 2018

O ritmo do tempo

... Nas batidas do coração da gente, bem aqui dentro dessa caixa esplendorosa do ser que passa, que o tempo arrasta pelas escadas do firmamento, a deixar as marcas profundas nas carnes. Ele, o Tempo, senhor dos exércitos, máquina de transformações e vetor das glórias do mundo. Ele, a quem os gregos denominavam Cronos, que paria e devorava os próprios filhos. Nós, seus filhos diletos, sorridentes.

Quantos séculos, e vamos a tanger esse barco de cordas rumo do Infinito, à espera dos três gênios que lá certo dia salvarão o mundo. Nós, testemunhas privilegiadas da humana criação, autores dos versos que sagraram a Primavera. Menores, entretanto do tamanho exato dos sonhos largados fora, e habitantes que preenchem de cascalhos as paragens mais distantes do Universo à procura de outras espécies que talvez mostrem a cara aos céus. 

Quais intrusos das noites temporais, nascemos a toda manhã, feitos almas que anseiam desvendar o enigma da libertação invés dos finais melancólicos, e alimentamos festas que jamais começaram, na alegria das gentes. Esses autores de si mesmos, contudo cientes de conhecer quase nada dos astros que nos imperam e conduzem às trilhas do desespero. Pobres ricos mortais de valia duvidosa, valentes e sórdidos, mocinhos de outras películas esmaecidas no tempo. 

Saber do tanto de poder que há na sintonia desse ente, eis a que viemos e nisso deslizamos a superfície da solidão individual. Paladinos da justiça, entretanto vingativos anti-heróis de melodramas inacabados. Grosseiros amantes, outrossim galãs das óperas de antigamente, na saudade e no desejo.  Que ouvir, portanto, dessas horas e expectativas, depois de provar que conhecemos a velocidade dos movimentos da Terra e pouco fazemos a mudar as trajetórias do vento. Entregues na monotonia do escuro que envolve o conhecimento, roemos os objetos quais quem se apega e os abandona com a maior facilidade. Somem, sumimos, nas voltas do parafuso, a construir as histórias de que ele ri, e apenas jogamos seu jogo de esquecimento no velho tabuleiro das velhas contradições.

(Ilustração: Salvador Dali, em Momento suave da primeira explosão).

domingo, 10 de junho de 2018

Saber pelo sentimento

Existem diversas formas de apreender a Natureza em nós, pelos sentidos, donde vêm as sensações; pela mente, ou racionalidade, donde vêm os pensamentos; pela intuição, donde vêm as inspirações; e pelo coração, ou emoção, donde vêm os sentimentos. Qual diz o poeta, Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas. (Olavo Bilac). Nesse processo de adquirir o conhecimento, há, pois, tais alternativas. E dos sentimentos, o maior de todos é o Amor, a Luz em nós. 

Escolas várias desenvolvem suas formulações e já concluem saber que somos um composto de sombra e luz. Das tantas pesquisas das individualidades, se conhece que viemos a fim de iluminar a sombra com que chegamos e precisa de claridade no sentido de revelar a natureza verdadeira do ser ciente, transcender a materialidade e revelar de si a verdadeira essência do Ser, função da existência. 

Tal itinerário significa a distância entre as duas vontades, que representam o eu inferior e o Eu maior, campo esse onde perfazem os humanos a busca incessante da sonhada Felicidade. Esse intervalo das duas vontades representa o nível espiritual das criaturas. Nalguns, abismo mais profundo, transposto através nas vidas sucessivas, ou reencarnações, reencontros das existências em novos corpos. O que os místicos consideram ignorância é o fruto do desconhecimento dos valores do espírito, voltados que se prenda às ilusões daqui do chão, passageiras e perecíveis. 

Afirmações, portanto, ora pertencentes à Metafísica, este conhecimento, que iluminará as trevas nos humanos, bem define o tanto a percorrer até chegar aos planos definitivos da Realidade. Nisso, desvendar os véus que encobrem o desenvolvimento à medida quando se adquire novos níveis de percepção e supera os estágios primitivos, em demanda do esclarecimento. Requer esforço, coragem de superação; vencer o medo da luz e transpor os desafios destes mundos transitórios. Aceitar de bom grado vencer a dor e conhecer os mistérios do Amor nos solos férteis do coração.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Observações do dia

Nalgumas vezes, intenções e ações andam juntas, juntinhas, coladas no couro. Noutras, no entanto, que haja prudência a fim de sustentar o comando original e os resultados que restem. Quais como que duas vontades encangadas numa só, eis o panorama. Uma vontade que determine e a outra desobedece, na maior sem cerimônia, maioria das vezes, tais houvesse duplo comando, ou nenhum. A maior cara de pau de nós próprios acontece nessas horas: - Eu quero, mas não quero mais. Quero, mas não faço (Nem existe oportunidade de mudar de roupa e lá está a segunda vontade no lugar da primeira, contradição interna do sistema que formamos entre querer e fazer, choque de lideranças de causar espanto e prejuízos).

Que assim não fosse, e seríamos donos de nós mesmos. Exerceríamos a função principal de transformar situações equivocadas e reverter quadros vexatórios, tanto na vida individual quanto na coletiva. As imagens do drama humano revirariam em festa. O foco desses dois elementos nesse jogo de claro/escuro bem significa o tema da história de muitos. O freguês deseja ser feliz, contudo age no sentido contrário aos seus propósitos. Reúne com uma das mãos e desmancha com a outra, ou com as duas, no conflito das lateralidades. 

Destarte, sobremaneira, somos vítimas da nossa incúria, adversários dentro de casa da personalidade e do caráter. Conhecêssemos o suficiente de sofrer menos, devido as experiências nossas e dos demais, trabalharíamos com sapiência a lei da contradição, de danos incalculáveis no transcorrer das eras. Daí dizer que a distância entre saber querer e saber agir demanda o infinito, pois a teoria na prática é outra. O mapa não ser o território, segundo consta dos estudos.

Que mudar em si, porém, a que transformar esse hábito de ser o cachimbo que põe a boca torta? Invés de duas naturezas, duas vontades, a proposta real de cura das psicologias será compreender que o primado da Consciência tem de lenitivo integrar os dois aspectos acima em única disposição interna de força, porquanto amar os vossos inimigos e amar a si (Jesus). Amai. Amor, a raiz fundamental de harmonizar aspectos que não são opositores, e sim complementares. 

(Ilustração: Rembrandt, em Cristo na tempestade no Mar da Galileia).

quarta-feira, 6 de junho de 2018

A real convicção

Aqui estou, Senhor. Em um gesto a entrega absoluta dos místicos. A aceitação do mistério qual sentido infinito das existências chegaram ao lenitivo. Após formuladas à razão dos motivos de silenciar os pensamentos, e deixar de lado a busca frenética dos valores temporais; receber as ordens da certeza. 

Enquanto duraram as tentativas de superar a condição dos humanos, cinema aparentemente inesgotável de possibilidades transcorria pelas paredes da mente, mesclado a prazeres fáceis e embriaguez constante. Esforço enorme conduzia a raça que chegasse aos demonstrativos da superação dos limites, ainda que tantos beirassem, talvez, o teto das genialidades. No entanto ali sempre surgiam as barreiras e fragilidades. 

Registros sem conta mostram até onde seguir, porém a indicar o ponto de passar adiante o bastão, a que outros pudessem preservar os sonhos das antiguidades clássicas. Havia mil pesos à frente. O tempo físico, as distâncias, a duração dos materiais. Quiséssemos isto superar, outros padrões impunham à resistência o quanto de reconhecer a fragilidade dos séculos. 

Assim, dia chega quando impera a rendição daquele ente só físico, princípio do reconhecimento do princípio da religiosidade no íntimo. Nisso, a calma. A esperança. O sentido das vidas. Bem de dentro virá o quanto lhes aguardava ao final das ilusões. As paredes ruem, os apegos desfazem, os caprichos viram pó. Nesta hora de realidade extrema, único pouso da ave mágica dos amores, dia, menos dia, a todos se abre o portal da plenitude e da essência do Ser.

Nesta ocasião, refeitos das refregas e preocupações, eis o norte das construções da Natureza através dos seres pensantes. Nisso, já passaram profetas, curandeiros, poetas, artistas, autores, penhores, vigores, aspirações, viagens, lugares, visões, tudo enquanto. Virá à tona o pudor de todas as buscas numa e mesma vitória, nítida e sincera, fruto do plantio universal das multidões. Há que acalmar os instantes em momento silencioso e lúcido, destino das vezes tantas das verdades que, interiormente, lhes fustigavam o sentimento maior da Salvação.

terça-feira, 5 de junho de 2018

A experiência mística


Ou o salto definitivo à Eternidade ainda neste mundo ainda, rumo à Luz, caminho da Purificação, pátria de alçar voo aos Céus. Nisto a simplificação dos fins diante das imprevisões da matéria. Desde longe, muito longe, eras remotas, que os humanos batem cabeça no intuito de solucionar o enigma principal das existências. De onde viemos, o que estamos fazendo aqui e aonde iremos. 

O campo onde esse embate acontece fica no íntimo do próprio ser que o somos, no território das consciências em elaboração, espaço interior da história individual. Luta diária face aos desafios e contradições, tangemos adiante o animal que exercitarmos, assim aprendendo em nós mesmos o exercício dos desígnios do quanto acontece e denominamos vida. Síntese de todos os credos, das filosofias, antropologia, psicologia, escolas que esbarram bem no âmbito da elevação das almas aos páramos celestiais. 

Conquanto persistam dúvidas inextrincáveis aos incrédulos, alternativa que haja esbarrará no desconhecido do inexplicável. Isso de apenas negar por si só demanda insuficiência de compreensão. Daí o nível limitado do senso individual, pois o todo único que tudo significa lhes foge à percepção de que matéria e espírito representam os lados indivisíveis da universalidade plena.

Por isso, perante as impossibilidades da transcendência para os que aceitam a ilusão a título de realidade, restam meios físicos de sobreviver durante o aprendizado, até obter a revelação conclusiva, vez que o infinito do tempo e as normas da Natureza isto permitirão logo mais. No entanto, à medida do amadurecimento, os indivíduos, numa espécie de rendição a forças inevitáveis, aprendem que os dias significam deveres e obrigações, motivos de conformação e apostolado nas ações da religiosidade original.

Causa primeira e resolução definitiva dos dramas da sobrevivência do Ser, resta-nos, por isso, tocar em frente o comboio desta Iluminação assim prevista e reconhecida pelos tantos heróis do Espírito que cruzaram a fronteira das limitações, felizes de conhecer a Deus.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Poeira de tempo

Sobejos da destruição. Monturos das estrelas. Sucatas de civilização. Várias, várias palavras que juntas significariam esse fastio de si mesmo de que ora padecem os humanos. Avançados intelectualmente, orgulhosos de não caber mais dentro das latas estreitas que criaram, viajam feitos morcegos ao sabor dos guinchos que emitem. Escarcaviam, mergulham fundo a piscina da incapacidade de amar que os alimenta aos albores das vaidades, no entanto, vadios largados nos séculos, transcrevem na alma as escrituras dos bens que lhes prendem ao chão, e aqui permanecem, a deixar pouco a pouco este mundo de saudades. Máquinas de vazar superfícies, resvalam no passado o quanto souberam e descobriram; inventaram e plantaram de pés nos apegos, contudo seres cientes de regressar algum dia às asas do mistério e habitar o chão dos insensatos, e ainda querem continuar antigas tradições de intrigas e pecados. Motores de egoísmo, dominam a exatidão das matemáticas sem controlar as paixões. Realidade forte, porém que arranca da fome do desejo os mochileiros das encruzilhadas em fim.

...

De vagar entre palavras soltas, certa feita resolvem largar as amarras que os mantinham até então prisioneiros, e alimentam agora projetos outros de produzir os instrumentos com que eliminarão, nalguma dessas madrugadas latino-americanas de filmes jogados fora, a sede do perfeito. Eles, os aventureiros das dores, que desconhecem, passeiam na faixa estreita entre o tempo e a Eternidade, escravos dos dois e da ignorância que os fizeram presas fáceis do destino. Choram. Lamentam. Padecem as dores do próprio parto junto às malhas de solidão inigualável. Ninguém há de ser, igualmente, conhecedor absoluto de toda realidade durante todo tempo, enquanto as lágrimas secam ao sol, por momentos em que as naves já circulam nos céus, raramente avistadas entre nuvens escuras, porquanto, vítimas das ilusões passageiras, ainda que avistassem jamais acreditariam no que vissem, envoltos que estiveram nos segredos do Deus desconhecido.

(Ilustração:A nau dos insensatos, de Hieronymus Bosch).

sexta-feira, 1 de junho de 2018

A rainha do Cine Roma

Neste mês de maio, vim de conhecer em Crato duas pessoas que me trouxeram bons momentos de convivência e renovação, Alejando Reyes e Luciana Accioly. Ambos dotados de força e ânimo diante das circunstâncias deste momento histórico,  propiciaram reflexões de ordem espiritual e nova disposição de viver e alimentar esperanças nas pessoas humanas. Ele, um escritor mexicano, autor de contos e do romance A rainha do Cine Roma, e que viveu durante nove anos entre Rio de Janeiro e Salvador junto dos bolsões marginais dessas cidades. Ela, jornalista e pesquisadora acadêmica no âmbito da cultura e da sociedade, baiana de nascimento, inteligente e culta.

O livro que citamos no título deste comentário, que pretendemos venha a lançá-lo no Cariri ainda este ano, retrata de forma exponencial a vida dos moradores de rua da Capital da Bahia sob a ótica subjetiva de uma jovem e personagem,  drama legítimo do que isso significa, de força surpreendente e numa linguagem espontânea. Alejando retrata a crueza das populações largadas à sarjeta e joguetes da sorte adversa, qual testemunha consciente das limitações praticadas de o homem até hoje não ter a força de solucionar seus próprios furores e males. Segue os passos dos adolescentes largados nos vícios, na promiscuidade, na ingratidão de valores atirados ao lixo e criaturas vítimas de mundo dantesco, adverso. Autor de qualidades exemplares, em uma realização de tocar corações mais endurecidos, faz o roteiro sentimental das dores e práticas correntes naquele universo ingrato da civilização urbana impiedosa, indiferente. 

Esses amigos vieram ao Cariri cearense na intenção de conhecer a memoria do movimento messiânico aqui verificado no Caldeirão do Beato Zé Lourenço. Em seguida, viajaram às localidades baianas de Pau de Colher e Canudos, aonde entrevistam pessoas e recolhem o que perdura das notícias e e dos documentos. Argutos, esclarecidos, analisam alternativas as implicações civilizatórias registradas nos grupamentos que experimentaram meios outros de coexistência, no desafio dos séculos da imperfeição e busca das realizações coletivas.

Alejandro Reys é natural da cidade do México, jornalista e escritor. Viveu nos Estados Unidos e na França; mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade da Califórnia e doutor em Literatura Latino-Americana, cuja tese enfoca a literatura marginal. Escreve em órgãos alternativos que abordam movimentos sociais no México e nos Estados Unidos. Entre outras obras suas merecem destaque também Vidas de rua e Contos mexicanos. Organizou a antologia Vozes dos porões, de autores da literatura periférica/marginal do Brasil, referência básica aos professores e estudiosos do segmento, nas universidades brasileiras.