quinta-feira, 28 de março de 2024

Sons da solidão


Na ocasião de encontrar consigo mesmo, face ao desconhecido em movimento, ali dentro da consciência dos instantes surgem os traços de mundos até então ignorados. Massa informe de séculos que percorreram a floresta das ausências, nesse lugar bem entranho ressurgem os vestígios de antes quais seres independentes, vivos, ativos. Isso por conta de terem vida própria, de continuarem presentes mesmo depois que de lá me afaste e eles permaneçam, pois contarão sempre a minha história, não sendo eu seu autor. Regressam numa intensidade que fará susto. Escascalham bem no íntimo aquilo que pensara fosse desaparecer passados uns dias, na amnésia imaginária do inconsequente. No entanto agora sei que retornam com força superior à que aplicara quando no auge de tudo aquilo. Talvez nisso e disso persista a vontade inteira de haver sido outro se não este que ora sou. Porém nem de longe existirá tal ficção, restando unicamente devorar o gosto do fugidio e alimentar de palavras e pensamentos a casa do sem jeito. Creio seja esse o motivo dos tantos sonhos virarem livros, filmes, fábulas, lendas, confissões e credos.

Os ecos do inesperado de antigamente do que fora certa feita de novo ocupa o mesmo lugar no espaço da gente, dessa vez através de cicatrizes largadas na memória, querendo ou não sermos isto, pedaços toscos do que fomos e aparentemente do havíamos de sucumbir na calada de noites, festas e viagens (quando assim pensávamos). São luas que fogem silenciosas no céu das almas e adormecem pouco a pouco nas friorentas madrugadas de saudades e distâncias. Conquanto falem nesses registros que jamais sumiram, aqui tangemos a nave de nós mesmos pelas quebradas do Destino, sendo este nada um ser em elaboração, de certo o que quiséramos imaginar. Quantas batalhas e a sobrevivência inevitável que habitará o senso de todos, aos pés do altar desta catedral de pedra da humana solidão.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Universo pessoal



Território das aventuras individuais, o ser em si contém o quanto de tudo seria possível conhecer numa só dimensão. Ainda que conste sermos partes do grande todo entrelaçados de energias, no entanto dentro desse quadrante onde vive ali essa criatura dotada dos conceitos do Poder e das resoluções absolutas. Ainda que, tantas vezes, haja de cruzar oceanos de tormentas, contudo princípio e final dessa mesma dimensão é o que tanto pode atormentar quanto alegrar num mesmo setor de alma qual seja isto que somos a todo instante. Daí o valor soberano às nossas mãos, fruto da consciência de existir que carregamos aonde quer que nos desloquemos face aos acontecimentos inesperados em volta.

Qual numa viagem ininterrupta, vagamos ao léu tais senhores de quantas aventuras, contradições imensas, arrastos de natureza própria, a questionar a nós mesmos diante dos fatores em vista. São memórias fatiadas, visões, pensamentos, experiências inesquecíveis, detalhes em movimento no seio da presença que equivalemos passo a passo. Nisto a importância de viver com intensidade credos e cores os quais nos deparamos face ao eterno de que temos parte integrante e responsabilidade inevitável.

Quiséssemos possuir dom de exclusividade no comando de nossa existência e ser-nos-ia cobrado o tributo da inexperiência que atormenta no correr das dúvidas. Sabe-se da vivência que dispomos de herança transcendente, misteriosa, sagrada, vinda de origens soberanas, de um início sacrossanto. A ninguém cabe duvidar, ainda que desejos persistam na angústia de estar neste chão sem maiores explicações.

Esse donatário da individualidade viverá assim até quando este drama atroz de refletir e desvendar o segredo a isto aqui viemos. Durante todo tempo, porém, há de conduzir-se no seio das vidas em um jeito que permita contornar o Infinito e mergulhar nas verdades que transportam nas folhas de jornada inigualável rumo aos Céus.

(Ilustração: Paul Gauguin).

domingo, 24 de março de 2024

Prospectos


Em plena Era Cósmica que se vive, quando ninguém mais precisa de ler bula de remédio, que vem tudo on-line e ao som de leituras mecânicas, o mundo virou isso, uma caixa de surpresas eletrônicas. Deslavadas impressões de antigamente perderam a razão e hoje chega tudo no mercado livre, desde as ponteiras dos piões até a expectativa dos primeiros extraterrestres que desembarcarão lá qualquer dia numa dessas praias desertas do catálogo de turismo da imaginação. Tudo, ou quase tudo, aos mutirões dos apegos das gentes e suas ânsias incontidas de viajar a qualquer canto, morar, sorrir, pensar, transmitir, destinar, dormir e sonhar.

Quanto aconteceu desde então, dos livros de ficção da década de 70, de O despertar dos mágicos a 1984; dos filmes assustadores e das previsões fantasiosas dos anos posteriores. Qual o quê, ninguém sabe, ninguém viu. Espelharam neste Chão das almas versos e cantigas, romances e contos, visões assemelhadas ao inesperado que nunca mostrou sua cara nos eventos temporários. Os dramas continuam, enquanto as noites seguem seu curso rumo ao mar do desconhecido. A fome de poder e os métodos de alcançá-lo mudaram só no papel, que agora são algoritmos e fantasias elaboradas.

As limitações dos humanos persistem, vez em quando uns largando aos céus princípios e valores, nas idas sucessivas de seres que apenas aceitam existir, comer, morar, trabalhar e dormir.

Quanta vontade esquecida nos braços do Tempo. Largos telescópios seguem na busca de abrir os olhos da multidão, que apenas aplaude seus ídolos nos espetáculos feéricos das bandas que sumiram das lojas.

De dentro de todos nasce o rio da vida que transcorre nas telas mentais das humanas criaturas, nas praças dos detalhes valiosos de compreensão às vezes das jornadas inesquecíveis. Porém, autores de si, que aguardam o momento exato da transformação pura e simples. Houvesse de ser diferente, de há tempos os sinais apareceriam nos instrumentos de orientação do Destino e a festa jamais teria fim.

sábado, 23 de março de 2024

A era dos malassombros reais


De antes, bem antes, havia visagens noturnas, caiporas, mulas sem cabeça, sereias, gnomos, fadas, duendes, tais assim. E suas histórias preenchiam as palestras nas varandas dos rincões afastados, a encher de medo aqueles que voltavam sozinhos aos seus lugares. Lendas e lendas, que encheram a literatura pelo mundo inteiro. As mitologias das civilizações que sustentaram demorados estudos, inclusive, que avaliaram os temas, os considerando frutos do medo, da imaginação, da fantasia, das paranoias e demências. Eram às vezes contos místicos, heranças sagradas doutras dimensões a fora. Preservaram com o devido respeito e fizeram com que chegassem até hoje, alimentando as literaturas, crenças e os sonhos...

Porém que passaram incólumes, viventes apenas do imaginário popular, das artes, dos circos. No entanto outros malassombros seguiram adiante e dominariam a mentalidade dos povos em formas de resultados perversos, trágicos, e que receberam amparo tais mitos válidos, motivos de práticas e costumes. Quais sejam a considerar? Os vícios de modo generalizado ser-se-iam exemplos disso. A receptividade do comércio às vendas de substâncias danosas à saúde e que recebem status sociais e respeitáveis, numa inversão que persiste desde os tempos mais antigos e que destroem gerações e gerações a pretexto de lazer e distração.

Noutro aspecto, a indústria da morte através das armas, monstro devorador das gentes, que significa, nada além, do exercício do poder maligno dos países que os utilizam na sofisticação da indústria e das tecnologias, a serviço da eliminação das gentes e sua dominação e conquista, longe que seja de conter a sanha feroz que reveste, num despudor de catástrofes sucessivas e motivos de admiração dos continentes. São milhares, milhões de mortos e desaparecidos à guisa desses instrumentos letais e seus resultados assombrosos.

Enquanto isso, a mídia tão só divulga até esgotar o interesse dos que acompanham os noticiários, na semelhança daqueles antigos que se reuniam em volta dos picadeiros e das fogueiras, a contar das histórias dos fantasmas e das feras que vagavam pelas noites. Agora eles são reais, os campos de batalha oriundos da selvageria da própria raça dos humanos, algozes e vítimas de si próprios no sentido das consequências que nem de imaginar estejam em condição.


quarta-feira, 20 de março de 2024

Sonhos em movimento


A persistência de continuar vidas e vidas, seres livres que o somos, bem isto significa visões do senso da certeza absoluta de quando haveremos de obter, em termos de revelação, a visão desse universo que transportamos dentro da gente até este poder. De valor estonteante dos mais variados símbolos, histórias inolvidáveis, momentos de rara beleza em tudo por tudo, isso equivalemos apenas ao correr das luas. Um a um, carregamos na alma o deslumbramento das eras esquecidas lá dos começos. Sussurramos as lendas, os mitos, as diversas compreensões de todo tempo, no entanto. De valor inestimável, seres aparentemente insignificantes e mortais, dispomos do sentido pleno do quanto existe e existirá no transcorrer de tudo isto.

Conquanto por vezes nos angustiemos de não identificar a clareza dos momentos vividos, apenas desfrutamos do intervalo de chegar ao instante definitivo de transpor a fronteira da imaginação e sobreviver do desfalecimento dos objetos desse mundo insano por demais. Pequeninos seres de espécie inesquecível nas dobras do firmamento, eis o que contém as luzes da Consciência. Noutras horas, talvez nem disso tenhamos tido a expectativa. Postulamos altos voos em volta de nós, porém rarefeitos nas vivências dos sóis em movimento. Outrossim, mais dias, menos dias, a semente sobreviverá a todos os transtornos da escuridão e restará viva, e germinará ao Infinito. Portanto, retalhos de perfeição, aos poucos juntamos as partes desse todo esplêndido e concretizaremos a essência do Ser que ora fermenta no espectro das criaturas.

Nisto, o resumo das maravilhas acesas ao meio-dia dos séculos nos nossos olhos ainda fechados pelo fervor do mistério. Diante das leis que regem o enigma, tateamos tão só o deserto vazio das experiências. Miragens. Oásis. Servidão. Quase que abstrações uns dos outros, circulamos em volta os dias no afã de existir a qualquer custo nesta busca da Felicidade, pois.

Caminhos da natureza


Nesses tempos de pouca água nas torneiras e temperaturas ferventes no mundo aceso, mesmo quem antes nunca pensou em conservacionismo das coisas na Natureza, corre o risco sério de parar pensando nas conseqüências dos tantos e tantos séculos de abandono a que relegaram as fontes da vida na Terra.

São muitos para destruir e poucos para plantar e construir, eis a verdade principal do nível de preocupação com florestas, mares, rios, ar e animais, todos fixados em descobrir meios de lucrar, no procedimento predatório herdado e multiplicado pelos senhores coloniais.

Vive-se na atual geração o ponto extremo da transição entre o homem extrativo e homem sustentável, fase por demais periclitante, em que o menor deslize poderá colocar em xeque a natural sobrevivência de todas as espécies.

As ações do Greenpeace, por exempo, bem demonstram a conscientização desse grave momento, nas atitudes reprovativas do que os mercenários da hora promovem nos mais diversos lugares.

Bem pensassem os líderes dos países e os acontecimentos, por certo, estariam noutros patamares. No entanto, seguem as políticas visando tão só frutos madeireiros de fria destruição de florestas, estiolando solos milenares e sacrificando a fauna, em acelerada devastação inconsequente, posições inclusive do Brasil atual.

Existem órgãos estruturados a combater ditas ações, contudo a responsabilidade cabe a todos os segmentos da população, através dos esperançosos conselhos municipais de meio ambiente, de raro em raro funcionando a contento. A crise moral, que fere outras instituições, fere sobremodo as causas da natureza, justificando no lucro a fome de resultados nas balanças de pagamento dos juros externos.

Tarefa hercúlea conduzem esses órgãos responsáveis pela preservação das fontes da vida em países atrasados, de mentalidade mais atrasada ainda. Muito se fez até agora, e mais resta a fazer, dagora em diante. Ninguém se diga indiferente aos modos de manter a qualquer custo os nacos de mata virgem, água limpa e ar puro que restam em volta do globo, a pretexto de nada lhe dizer respeito. A coisa chega de jeito radical porque esqueceram de que o Planeta é ser vivo e merece cuidados imprescindíveis aos que respiram e obedecem às idênticas leis universais dos sistemas integrados.

Cidades do Nordeste vivem hoje dramas de rarificação de água potável impossíveis de imaginar poucas décadas atrás. O São Francisco, denominado o rio da integração nacional, por percorrer vários Estados, desde Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, a Sergipe, alimentando de iluminação e trabalho inúmeros rincões, vê-se minguado do quanto desmataram nas suas origens, sem que houvesse medidas pertinentes a conter os crimes cometidos a olhos vistos e discursos abertos.

Ainda existe tempo a providências ao gosto de todos para se começar no intuito de conter a voracidade predadora da humanidade que devorou as minas e o povo do continente africano, e cresce, neste princípio de milênio, as garras metálicas contra as terras latino-americanas, bola geopolítica do capitalismo faminto da vez. Só assim, pois, descobria-se que tudo com tudo tem a haver.

terça-feira, 19 de março de 2024

Literatura efêmera

 

Nestes tempos virtuais, algumas conclusões se mostram pulando faceiras na nossa frente, aguardando apenas que alguma criatura disponível pegue das teclas e comece a formar o quebra-cabeça das mensagens para mandá-las adiante através dos tantos meios que a comunicação hoje oferece nas telas de máquinas extraordinárias.

Noutras ocasiões menos dadivosas, escrever impunha riscos incalculáveis até de sobrevivência. Agora, no entanto, nada de queixas quanto ao direito da informação. Esse engenho aperfeiçoado leva longe o que se pensa ou sente e dispõe das normas de passar à frente em palavras. Os “blogs”, por exemplo, democratizaram a oportunidade da fala a patamares de suprema facilidade no manuseio e transmissão. Num passado recente, isto seria mera coisa de sonho, ficção de ciência.

Perante ditas considerações, resta saber o que dizer. Desocupar os guardas roupas de ideias e criações, formular as propostas e remeter aos prelos imediatos do sacrário de Pandora, o oráculo moderno da “web”.  

A única pergunta necessária que persiste vem por conta de saber disso os frutos, quais as consequência na qualidade das vidas, no investimento de tempo e saúde nas produções e na interpretação do que mandar aos demais habitantes do mundo virtual, na outra extremidade da linha. O que acrescentar ao pacote das expectativas reinantes no império da dúvida humana existencial.

Vão dias, veem dias, na esperar de melhorar as condições sociais, livrá-las das imposições dos dissabores do ordenamento.

Nesse passo, as possibilidades criam a perspectiva do fazer intelectual. Ninguém justifica a ausência de vitrine no gesto de mostrar suas peças íntimas de geração, no território livre da palavra em que se transformou a tecnologia de vanguarda. Resta, contudo, reverter o quadro de mediocridade em que se espoja o animal selvagem da sociedade moderna.