domingo, 21 de julho de 2024

O curandeiro espanhol


Na visita que fez ao Ceará no período da Bienal do Livro de Fortaleza (mês de agosto de 2004), durante palestra realizada no Salão de Atos da Universidade Regional do Cariri, em Crato, o escritor espanhol Manoel Rivas, ao contar algumas histórias do povo catalão, descreveu tratamento exótico praticado por célebre curandeiro, o maior de todos que existiu em terras da Espanha.

Para esse puçangueiro apenas se dirigiam aquelas pessoas às quais nenhuma esperança de cura jamais existiria. Os doentes desenganados buscavam o apreciado tratamento após percorrem infinitos lugares e, perdidos de todo, aportavam no terreiro do tal xamã, alimentando a certeza do refazimento completo da saúde.

Manoel Rivas, então, descreveu os detalhes do processo adotado pelo homem, que vivia em um sítio afastado. Recebido o doente, ele seria isolado em uma cabana de lugar ermo. Numa noite escura, conduziam-no ao relento, tirados dele toda e qualquer vestimenta e adereços, posto em completa nudez.

Nessa hora, o curandeiro lhe perguntava pelo nome, nome dos pais e de onde viera.

- Chamo-me Manolo – a título de um exemplo que seja, pois não recordo os nomes sugeridos por Rivas. – Meus pais se chamam Pablo e Maria. E venho de San Piedro de Majorca.

Ouvidas as respostas, o curandeiro de pronto reagia para dizer:

- Não, não, não! Seu nome é Marcelo. Seus pais são Fernando e Alda. E vem de Santana de la Concepción.

Surpreso, o paciente reagia, confirmando, outrossim, suas primeiras respostas. Ao que o curandeiro voltava a recusar as respostas, de novo trazendo os nomes que dissera para substituir os do paciente.

O debate acalorava a conversação e estendia-se noite adentro, durante longo tempo. Enquanto o paciente insistia na defesa da sua identificação, pais e lugar de origem, o xamã sustentava as modificações dos parâmetros levantados, nisso consistindo a base do consagrado e infalível tratamento.

Horas e horas transcorridas naquilo de um afirmar e o outro negar e substituir os dados levantados, reclamando a mudança da personalidade primeira do paciente, exausto e abalado nas suas iniciais certezas trazidas consigo, este recuava esgotado na manutenção das velhas convicções, diante do mal que o destruía. Aceitava, em conseqüência, as mudanças propostas pelo curandeiro intransigente, abrindo mão definitiva dos valores que até ali conduzira, qual nascido outra vez. Nesse momento, a doença deixava-o, sumidos os sintomas que demonstrasse. A força da saúde retornava intacta já no outro que em si desenvolvera através método aplicado.

Por vezes, enfermos tanto se apegam aos achaques de males físicos que desenvolvem afetos, assumindo os resultados da doença. Nessa comunhão, sujeitam-se a promover apegos e dependências, causados de modo inconsciente. Assim, a eliminação se daria ao custo da eliminação da existência mental. Eis como interpreto o método do curandeiro da palestra de Manoel Rivas no Cariri.

(Ilustração: O Pagamento, de Pieter Brueguel o Jovem).

 

 

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