Na visita que fez ao Ceará no período da Bienal do Livro de Fortaleza (mês de agosto de 2004), durante palestra realizada no Salão de Atos da Universidade Regional do Cariri, em Crato, o escritor espanhol Manoel Rivas, ao contar algumas histórias do povo catalão, descreveu tratamento exótico praticado por célebre curandeiro, o maior de todos que existiu em terras da Espanha.
Para esse puçangueiro apenas se dirigiam aquelas pessoas
às quais nenhuma esperança de cura jamais existiria. Os doentes desenganados
buscavam o apreciado tratamento após percorrem infinitos lugares e, perdidos de
todo, aportavam no terreiro do tal xamã, alimentando a certeza do refazimento
completo da saúde.
Manoel Rivas, então, descreveu os detalhes do processo
adotado pelo homem, que vivia em um sítio afastado. Recebido o doente, ele
seria isolado em uma cabana de lugar ermo. Numa noite escura, conduziam-no ao
relento, tirados dele toda e qualquer vestimenta e adereços, posto em completa
nudez.
Nessa hora, o curandeiro lhe perguntava pelo nome, nome
dos pais e de onde viera.
- Chamo-me Manolo – a título de um exemplo que seja, pois
não recordo os nomes sugeridos por Rivas. – Meus pais se chamam Pablo e Maria.
E venho de San Piedro de Majorca.
Ouvidas as respostas, o curandeiro de pronto reagia para
dizer:
- Não, não, não! Seu nome é Marcelo. Seus pais são
Fernando e Alda. E vem de Santana de la Concepción.
Surpreso, o paciente reagia, confirmando, outrossim, suas
primeiras respostas. Ao que o curandeiro voltava a recusar as respostas, de
novo trazendo os nomes que dissera para substituir os do paciente.
O debate acalorava a conversação e estendia-se noite
adentro, durante longo tempo. Enquanto o paciente insistia na defesa da sua
identificação, pais e lugar de origem, o xamã sustentava as modificações dos
parâmetros levantados, nisso consistindo a base do consagrado e infalível
tratamento.
Horas e horas transcorridas naquilo de um afirmar e o
outro negar e substituir os dados levantados, reclamando a mudança da
personalidade primeira do paciente, exausto e abalado nas suas iniciais
certezas trazidas consigo, este recuava esgotado na manutenção das velhas
convicções, diante do mal que o destruía. Aceitava, em conseqüência, as
mudanças propostas pelo curandeiro intransigente, abrindo mão definitiva dos
valores que até ali conduzira, qual nascido outra vez. Nesse momento, a doença
deixava-o, sumidos os sintomas que demonstrasse. A força da saúde retornava
intacta já no outro que em si desenvolvera através método aplicado.
Por vezes, enfermos tanto se apegam aos achaques de males
físicos que desenvolvem afetos, assumindo os resultados da doença. Nessa
comunhão, sujeitam-se a promover apegos e dependências, causados de modo
inconsciente. Assim, a eliminação se daria ao custo da eliminação da existência
mental. Eis como interpreto o método do curandeiro da palestra de Manoel Rivas
no Cariri.
(Ilustração: O Pagamento, de Pieter Brueguel o Jovem).
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