quarta-feira, 27 de maio de 2020

Fiapos de nada

A existência daqui do Chão pede atitude organizada pela inteligência. Circular entre as farpas em meio às alegrias e continuar caminhando, eis o resumo do quanto persiste dentro do coração das criaturas humanas ao preço módico de viver. Querer fugir de si mesmo significaria, pois, abandonar o único sentido de encontrar o lugar logo ali ao lado, espécie de monumento aos pensamentos e sentimentos que borbulham sem cessar. Tal na Esfinge, o desejo de revelar felicidade, que tem, sim, razão de ser. 

Voltemos ao título, fiapos de nada, que representa essa disposição daqueles entes na firme intenção do desapego de um dia, enquanto que outros insistem à porta das dez mil coisas vagas, os elementos do desejo, que só ao nada levariam.

Buda expressava de jeito claro nascer o sofrimento do pensamento, a fonte de criar os desejos. O freguês anseia no prazer pelo prazer, esquecido das estações da insatisfação, porquanto impossível realizar tudo aquilo que vem na mente e se desmancha sempre. Exemplo disso, querer a perene realização do apego à juventude, à saúde e à imortalidade, quando apenas duram no decorrer de alguns anos. Em consequência, diante da irrealização do desejo, surge a dor. Até chegar a compreender isso demora vidas e vidas, na borda de uma Eternidade constante. 

Qual assim, os fiapos que nos prendem ao nada são frágeis amarras ao tempo que flui, fase contada de aprofundamento na compreensão que irá libertar das fagulhas e das horas vagas. Porém a conquista desse conhecimento exige maturidade individual e persistência.

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Nas epopeias das tantas oportunidades se deposita a evolução, estrada do progresso rumo ao eterno. Esse mergulho dentro da consciência desfaz a materialidade e desvenda o essencial, que alimenta vir à tona, sonho das gerações. A cada um a chance de aprimorar a caligrafia do Destino e escrever o código de todo mistério das filosofias e religiões, na alma da revelação de tudo quanto há que seja. 

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O eterno presente

Isso do movimento dos relógios e da Eternidade. Desse encontro do momento com a velocidade dos acontecimentos. Enquanto nas aparências estamos passando, o que passa decerto é o tempo, o mesmo tempo dos gregos de antigamente (Cronos), que pare e devora os próprios filhos. E nós permanecemos, aqui de dentro da gente mesma, invólucros do sonho. A voragem do tempo se retém tão só na memória destes eus que somos e que, de tanto susto, vertigem, medo, muitos fogem feitos condenados à coisa nenhuma, a um nada inatingível. 

Pois esse eterno agora permanecerá conosco, apesar dos inúmeros esforços de embriaguez e prazer material. Nem adianta desconhecer a que somos, seres condenados à perenidade, porquanto ninguém se arvore de querer mudar o imutável, leis bem de antes, lá de dentro do Infinito que nos envolve, silencioso, nos papéis inevitáveis.

Remar, remar, remar... O rio é único, vez deslizar no íntimo de nós mesmos feitos lâmina de mistério e o segredo de tudo.

Bem assim, a velocidade estonteante, incessante, dos objetos, lugares, incidentes que escorrem pelas veias da alma jamais fixará residência no solo escorregadio de que fomos enquanto pedaços do Destino, órbita taxativa no sentido da imortalidade. Quais meras testemunhas do que produzimos agora com a matéria prima da vida, seremos sempre sujeitos e objetos da construção a que nos destinamos, filhos diletos de Justiça inadiável.

Daí querer escapar disso eis missão impossível, razão insustentável de reverter os quadros da história pessoal e, consequentemente, da história de que fazemos parte. Apenas exercitamos normas previamente permitidas, os frutos do que iremos colher logo ali nas dobras do futuro, escravos e senhores das nossas ações, livres porém responsáveis pelo que delas fizermos. 

Fagulhas desta monumental fogueira das existências nos diversos níveis de consciência, elaboramos de nós o motivo face a face às maravilhas da Criação. Há sonhos e os sonhos valem uma realidade definitiva já agora em crescimento. 

(Ilustração: A persistência da memória, de Salvador Dali).

quinta-feira, 14 de maio de 2020

As luzes dos sentimentos

Imagino o quanto os animais demoram de saber que sentem, isso de elaborar lá de dentro das entranhas os sentimentos; alguns milênios, talvez. A gente sabe que eles sentem, pois nós também somos animais e sentimos feitos da mesma matéria que foram criados dentro do fenômeno da biologia da Terra. E quanto tempo essa gente que somos demorou até saber o que é ter sentimentos e por em prática o atributo que oferecem invés de apenas ser puros animais, agora que sabem o que seja sentir. Eles, os outros bichos, assim já agora exercitam o dote dos sentimentos; se gostam ente si, a não dizer que se amem, porquanto ainda não descobriram a real cartilha de criar palavras e dizer das ideias, que vagariam soltas lá de onde adiante sairão os pensamentos; e eles, os tais bichos, nem sabem falar o que sentem quiçá bem mais que os seres ditos humanos, estes a tanger de trechos esquisitos a Civilização, de fazer mais guerras do que amar e ser amado. 

Bom isto, de tanto pensar desse modo que nem nós sabemos de exato o que é ter sentimentos, conquanto os praticados até hoje não indicam que o saibamos no coletivo, por que lustramos botinas de pelotões e invadimos países, expulsamos populações e dominamos o subsolo? Bichos que descobriram que sentem, porém sob o efeito da relatividade dos séculos são lentos no aprender e lerdos no praticar.

Ao conhecer o princípio original de chegar à Consciência, o homem começa a cruzar o pântano da ignorância no sentido de libertar na alma um dispositivo que o transporta de vencer a matéria e chegar na Salvação, percurso indicado nas religiões e filosofias. Os místicos descrevem em detalhe a longa jornada desde o homem ao super-homem, resumo de tudo quanto há durante todo tempo. O fator essencial desse transcurso bem significa amar, o clímax dos sentimentos, e desvendar, enfim, os véus da Eternidade. 

sábado, 9 de maio de 2020

Sinais

O dia que haverá de chegar trazendo os sinais, de uma hora a outra, quando os pássaros silenciarem; cuidem, pois, de reunir o que resta e tocar adiante o barco dessas ilusões que gradualmente perdem força. Qualquer esquina servirá de ponto de encontro aos que terão de tocar adiante mundo de corações aflitos. Serão os líderes que restam do jeito deles que conduzirão os destinos da massa ignara, olhos postos no futuro ausente. Portas que abrem de par em par manifestarão do caminho à multidão enfurecida. Pais, filhos e netos, todos de mãos firmes no porta-estandarte da esperança, sobrevivem aos mistérios e vagam soltos entre os dentes dos arranha-céus abandonados; só filmes fantasmagóricos e solitários aonde antes foram veículos, festas e ruídos estonteantes dos trastes acesos na lama da carne.

Qual disseram, a que mundo fugiram os pássaros, eles que aqui deixaram tontos de melodias artificiais as bocas amargas da véspera. Espécie de angústia elaborada de tantos noticiários, a tradição desapareceu. Uma grande tribulação prepara a humanidade em forma de passageiros de tempos novos que nascem da brisa matinal. Ali todas as nações já ouviram o Evangelho. Haverá sacrilégio, morte e destruição; templos fechados e gente buscando as derradeiras notas do passado distante. 

As vozes gritam em movimento de acreditar nessas naves que virão colher os prometidos largados pelas calçadas do Universo. Tudo pedaços flutuantes de sonhos estranhos, juntos na hora do Arrebatamento. Por causa da maldade, o amor de muitos esfriará e pessoas ficarão perplexas com a agitação dos mares. Ocorrerão desavenças no seio das famílias e das nações. O Sol e a Lua deixarão de brilhar e as estrelas cairão do céu. Um tempo de sofrimento como nunca houve, mas que será abreviado em nome dos eleitos. Por isso, é importante estar preparado, vivendo de maneira que agrade a Deus (2 Pedro 3:14).

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Estado de oração

Esse nível de consciência em que o tempo se une à Eternidade, bem ali habitam seres silenciosos, às vezes de santos denominados, humanos tais misteriosos indivíduos que amadurecem rumo de uma supra realidade invisível. Além das previsões estabelecidas nos séculos, dormem agora sobre largas melodias e se vão; quase nunca voltam a contar o que descobriram lá fora que os resolveu para sempre.

A busca das religiões, das filosofias e dos sonhos, reúne isto de lá um dia abrir as comportas do mais íntimo da gente e despertar definitivamente aos olhos da Terra Pura, de que falava Buda. São passos ante passos diante do Infinito, portas abertas à Graça divina, o que de nada dependeu tão só dos místicos. Pouso da real felicidade, todos querem, porém raros desvendam o segredo universal a que vão por vezes de olhos fechados, quais mariposas à procura da luz desse Universo.

Tudo, afinal, resume o bem de clarear as próprias sombras, na certeza de haver lógica profunda no que viver nas pobres malhas deste mundo. Juntar gravetos de floresta escura numa fogueira que iluminará o trilho da percepção. Palavras ditas em momentos críticos, pensamentos de ânsia e sentimentos macerados nas dores da solidão, assim vamos nós os buscadores dessa luz mantida a sete capas no oceano da História das criaturas.

Face ao desejo de revelar a si mesmo aquilo que viemos achar pede oração de clamar aos abismos o sol da conformação, do perdão, da paz dos acontecimentos diversos e contraditórios. Aos olhos do momento, enquanto o coração treme de susto perante as dúvidas e dores, os parceiros dos fragmentos das coisas da vida, mesmo sabendo o quanto resta percorrer de sacrifício, vamos nessa linha estreita entre o Tudo e o Nada, o passado e o futuro, nas luzes dos elementos naturais. Guardadas, pois, em si as alternativas de renunciar aos apegos materiais, no deserto da alma existe a tal porta da Imortalidade. 

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Cuidados mínimos

Do dizer popular, sábio por demais, se ouve: Livra-te dos ares que eu te livrarei dos males. Frase simples bem aos moldes dos tempos dagora quando a Natureza apresenta desafio à sobrevivência humana através dos gestos mínimos de segurança a fim de reduzir os riscos de uma epidemia que se alastra mundo afora. 

Cabem, sim, providências individuais objetivas. Ainda que reclamem tanto do poder público, e é dever dele que cumpra seu papel de gestor social, no entanto aos indivíduos resta promover as ações particulares, evitar os riscos coletivos das multidões, passeios descabidos e outros, quando indicam recolhimento social. Sem contar as atitudes preventivas de máscaras e asseio.

Tem sido assim nesse tempo inesperado de virose, a recordar na história momentos outros de crises radicais e largos desaparecimentos na Humanidade. Chamar a si as orientações. Evitar fazer de conta que não é consigo. Erguer os olhos das vaidades tolas e alimentar o sonho plural de uma sociedade amiga, una, progressista. Porquanto isso tudo passa pela consciência dos componentes do grupamento social. 

Há como que um aviso suspenso nos ares, de respeito ao que propõem as autoridades, isto numa época de ampla divulgação das normas e livre circulação de materiais de aconselhamento por várias vias. São tempos escuros, sem discriminação de quem quer que seja. A vida nos cabe zelar a peso de ouro, entretanto existem aqueles que se acham acima do mal e do bem, expondo-se a desconhecimentos propositais, qual quem desafia o Universo a encontrá-los no tumulto dessa fase de tantos habitantes. Teime não, meu amigo. E lembro aqui uma citação de Pitágoras: Uma lei existe que jungiu implacável o dom da liberdade às garras do destino.

Por isso, quando nada lhe impõe sair de casa de bobeira pelas veredas do dia, permanece no lar, que boa romaria faz quem na sua casa está em paz.

Com o suor do teu rosto

Viver e trabalhar, eis o binômio da paz no coração das pessoas. Ser honesto diante dos desafios e responder à altura a responsabilidade perante a existência. Isto é, a bênção de exercitar a saúde e a coragem de respeitar a face do desconhecido que nos traz até aqui. O dever das criaturas humanas de cumprir, assim, as determinações ativas da própria Natureza, numa coordenação por demais justa, porquanto a cada um de acordo com o que mereça no afã de corresponder à justiça natural.

No transcorrer das gerações, contudo, a ganância impõe vícios tantos às relações humanas e que vemos são formas crescidas tais parasitas, no seio das sociedades, poucos detendo o muito da riqueza e inúmeros a padecer as injustiças ditas sociais; consequência disso, do descompasso das consciências nefastas. Daí virem lutas de classes e o complô das minorias em detrimento da grande população, espécie de conflito instalado invés das sonhadas soluções de harmonia, equilíbrio e progresso.

Esse raciocínio funciona perante a história da Civilização em largas fases de extermínio das massas tangidas que são aos mercados de trabalho apenas a título de peças de reposição da máquina cruel dos poderosos. Houve, sim, processos evolutivos e povos vivem turnos de relativo senso de organização do trabalho, porém a peso do esforço de líderes e largas iniciativas da coletividade organizada.

O desejo de paz nos grupos sociais há de imperar, quando a Justiça representa desejo de todos. Ainda que o ser humano apenas esboce ações quase incipientes de praticar a igualdade, o mundo das ideias ora representa as aspirações mais avançadas que os tempos de experiência ensinam. Trazer ao cotidiano os valores da liberdade e do justo desde sempre significa o objetivo do pensamento dos sábios, por vezes alimentado no exercício político demagógico.

Destarte, toquemos em frente o comboio da História e revivamos o quanto de empenho e sacrifício por que nossos ancestrais tiveram de passar na intenção de podermos desfrutar do mínimo de leis e juízos e possamos reduzir a exploração do homem pelo homem. Salve o Primeiro de Maio! Só estamos na primeiras letras do que virá... 

Ilustração: Manifestacion, de Antonio Berni.