quinta-feira, 4 de abril de 2024

Lição bem guardada (tradição oral)


Certo dia, no meio do sertão onde habitava, quando às costas trazia fardos e mais fardos de cruéis decepções, ele encontrou a pessoa de compreender melhor as suas urgentes necessidades. A vida clamava por paz, transe que desde muitos dias lhe rasgava as entranhas. Nas poucas palavras que trocou com o maltrapilho empoeirado, vislumbrou a força de quem aprendera na escola do mundo, vagando nos territórios ásperos e ressequidos. Alguém temperado no tacho do sofrimento, desses mestres rudes que andam viajando, fugitivos das generalidades. Sábio simples, filho de gente rude. Doido sem eira nem beira.

Depois, atencioso, guardou os detalhes do ensino que recebeu no inesperado encontro. Na ocasião, uma energia diferente fervilhou-lhe as entranhas. Por tudo, pautou-se pelas condições indicadas de chegar na felicidade.

Tratou de aplicar no dia-a-dia os conselhos, desde a humildade até o trabalho honesto. Respeito. Paciência. Objetividade. Na conta disso, atravessou firme longos trechos de provação, seguro pelos valores sólidos adquiridos no estranho exótico com o ancião.

Após mais de quarenta anos envolto nos afazeres do viver ensolarado, belo dia o homem se reencontra o andarilho que tanto lhe impressionara no passado. E na sombra de frondoso juazeiro, à margem de um desses caminhos estreitos que cortam as matas sertanejas, o velhinho repousava de tarde escaldante. Nisso, ao avistá-lo, o visitante exclamou:

- Grande professor! Que oportuno achá-lo outra vez. Quero contar que segui à risca suas instruções daquela única vez que nos avistamos, há tanto tempo. Lembra da minha pergunta, o que fazer para viver bem e ser feliz sem precisar tirar dos outros a felicidade desejada?

A princípio, o ancião se fez de surdo, com olhos absortos no vôo distante de um gavião peneirador, lá bem longe cruzando a soalheira intensa dos brejos de buriti.

Mas, ante os apelos do interlocutor, resolveu escutar:

- Pois bem, o senhor me forneceu a orientação a qual utilizei para solucionar os meus problemas principais e realizar o sonho que muito procurava. Hoje posso dizer que cheguei à plena realização.

Passaram-se alguns instantes de completo silêncio varridos no chiar das folhas ao vento, enquanto o andarilho apenas olhava a copa das árvores como procurando as razões quebrar o seu distanciamento dali.

- Muito bom isso, meu amigo – num sorriso retrucou o peregrino, cofiando nos dedos a barba esfumaçada. – Muito bom alguém ter ouvido minhas palavras. Porém fique certo de uma coisa, com elas ou sem elas o senhor chegaria ao que chegou, ainda que nunca nos houvéssemos avistado. Pois, de um jeito ou de outro a gente sempre chega aonde quer chegar, se esse querer vier de dentro do coração – e de novo regressou ao silêncio, tal jamais dissesse qualquer coisa antes.

 

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