Nas suas memórias, o escritor Dino Segre Pitigrilli conta que, certo dia, numa das visitas do explorador Alexander von Humboldt a Paris, este revelou ao seu amigo Dr. Blanche, conhecido pelo tratamento revolucionário que desenvolvia junto aos doentes mentais, o propósito de almoçar com um dos pacientes medicados pelo célebre estudioso, reconhecido precursor na arte da cura nervosa.
- Coisa nada fácil,
nesse momento, Humboldt – advertia o médico. – Mesmo assim, verei o que posso
fazer para atender-lhe o pedido.
Dessa forma, logo dia
posterior, ao meio-dia, encontraram-se à mesa da refeição Humboldt, Blanche e
mais dois outros senhores, um dos quais trajava longa casaca preta, abotoada de
cima a baixo, fechada por gravata escura, larga, que repontava no ambiente
longos olhares sombrios de homem taciturno e misterioso.
Durante todo o almoço, tal cavalheiro permaneceria fiel à
impressão que de início provocara no visitante. Ao chegar, dirigiu-se a Humbolt
cumprimentando-o com gestos eloqüentes, indo aquietar-se formal numa das
extremidades da mesa. Comeria moderado. Beberia algumas taças do vinho que
serviram, sem, todavia, nada pronunciar que lhe identificasse mínimos sinais de
personalidade.
O outro senhor, por sua
vez, ao contrário do primeiro, parecia um vulcão ativo, flamejante; de cabelos
desgrenhados, casaco azul e alguns botões fora da casa, depunha os cotovelos
impacientes sobre a mesa, que, a cada instante sob o seu peso, sacolejava de
meter medo.
Ansioso, comia em ritmo
acelerado. Engolia quase sem mastigar. Falava, falava, e perguntava muitas e
insistentes vezes. Impaciente, era ele quem se respondia, antes de receber as
respostas solicitadas. Cortava no meio as falas dos interlocutores. Despejava
palavras pelos os poros. Emendava assunto em outro, uma história na outra, o
presente no passado, e este no futuro.
Tempos após, à hora da
sobremesa, Humboldt chamou de lado o seu anfitrião para tecerem juntos alguns
comentários a propósito dos pacientes convidados, segundo imaginou.
Nessa hora, indicando
com os olhos o segundo personagem, aquele da casaca azul, eufórico, que se
multiplicava em palavras, chistes, anedotas e extensas tiradas filosóficas,
balbuciou-lhe ao ouvido:
- Muito interessante o
doido que me trouxeste. Seu paciente bem que nos diverte bastante, nesta
ocasião. Parabéns pela escolha apropriada do que solicitei.
Nisso, apressado, o
médico reagiu contrafeito diante da avaliação:
- O quê? Não, não,
senhor!
E insistiu a objetar: -
Mas, o doido que eu lhe trouxe não é ele, não, aquele que está pensando. É o
outro, o da casaca preta – acrescentou Dr. Blanche.
- O que nada falou e
ficou calmo o tempo todo? – indagou admirado o célebre alemão.
- Sim, sim! É ele o meu
paciente, em fase de bem sucedido tratamento. Vê-se no controle de
comportamento apresentado.
– E esse que pensei que
fosse ele, então, de quem se trata? – quis saber Humboldt.
- Esse é Balzac, meu
amigo Honoré de Balzac, o inigualável gênio da literatura francesa – com isso,
ambos, silenciosos, voltaram aos seus lugares a fim de concluir o repasto.
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