sábado, 13 de abril de 2024

Jeitos de ver e contar


Quem escreve, ao reler o que publicou depois de algum tempo, nota o quanto de modificações se evidenciam no que lhe passava antes pela mente. Assim, de meus primeiros textos publicados, lá na segunda metade dos anos 60, no jornal A Ação, em Crato, vi um instinto diferente de encarar a realidade entre aquilo que hoje avalio do que vivi e ora vivo. Quando reuni a produção da época, em torno de 50 crônicas publicadas numa coluna (Páginas da Vida), encontrei espécie de intranquilidade febril que, de logo, hoje chegam quais reações aos valores e acontecimentos em alguém restrito só às incertezas políticas e à inexperiência de um adolescente desavisado. Daquilo até pensara editar em livro, porém contive a pretensão face ao quanto hoje vejo diferente, com outro sentimento, outras interpretações menos agressivas e dolorosas.

A escrita transmite bem esse querer dizer do que acontece dentro da gente, os impulsos, as percepções, sentimentos, lutas, pendores, a significar espécie de relatório da alma na vontade explícita de chegar a outros.

A propósito, também assim traduzem as cartas que trocávamos entre os amigos, único instrumento acessível de vencer as distâncias. No período, inclusive, prevalência apenas o correio, a manter os relacionamentos intelectuais e minorar as ausências. Entre aquelas pessoas próximas e de interesses semelhantes, contava, entre outros, com Tiago e Flamínio Araripe, Assis Sousa Lima, Pedro Antõnio Lima, José Esmeraldo, os mais aproximados. E em 2020, de São Paulo, Assis Lima, que conservara esse material, reuniu as correspondências desses amigos e editou bela produção, Cartas da Juventude, obra inesquecível para nós e documento vivo de uma fase daquela geração empedernida, contestadora, que teve o cuidado minucioso de conservar inteiro e a sapiência de publicar em rara iniciativa antropológica.

O texto alimenta, nisto, as relíquias incontestes dos tempos atuais. Tal qual as músicas e fotografias, representa monumentos valiosos da paleontologia das gentes, disso a importância dos livros e outras publicações durante as eras que fogem sem cessar. Sempre que me vem oportunidade, incentivo a quem escreve de reunir sua produção em edições, tão possíveis nestes dias tecnológicos de fácil acesso. Lá adiante irão agradecer a si próprios pela iniciativa.

(Ilustração: Escrita egípcia).

Um comentário:

  1. Valeu a lembrança, amigo! Memórias do ontem no hoje, a vida se fazendo no instante presente.

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