Dentre as tantas lendas que registram vidas passadas de Buda existe uma que conta a propósito de uma lebre jovem que habitava intrincada floresta nas encostas de montanha afastada, tendo por companheiros uma lontra, um macaco e um chacal.
Ela se alimentava de ervas, folhas e frutos, e tomava como prática de viver não prejudicar ninguém que fosse. Entre os outros animais, fazia por ministrar ensinamentos quanto a distinguir o bem do mal, através de longas lições as quais repassava com prazer.
No transcorrer do tempo daquelas paragens
silvestres, aproximou-se o dia de festa maior, época de receber visitantes
religiosos que peregrinavam pelas matas. De acordo com os costumes, preparariam
oferendas a eles destinadas, recolhidas nos encantos da natureza.
Enquanto os outros bichos dispunham dos meios de
produzir brindes valiosos, a lebre, contudo, defrontou-se com dificuldade
imensa, face dispor, na ocasião, apenas de ervas, coisa de somenos importância
a quem lhe visitasse.
Indagada pelos companheiros do jeito que responderia ao desafio, não mediu palavras e disse: - Caso alguém me procure, não oferecerei ervas comuns, de fácil localização no seio da floresta. Quero possuir dote mais precioso. Nisso, a mim mesma, ao meu corpo, o valor único que possuo, darei de oferenda, pois daqui ninguém retornará sem a devida atenção.
Chegado o grande dia, os tais visitantes, pessoas dignas de outros lugares, adentraram as matas, a fim de conhecer de perto os seus moradores. Um deles era o próprio Sakka, a personalidade suprema do Poder, que conhece todos os pensamentos que fervilha em todas as mentes, que veio investido na figura de um simples brâmane e dirigiu-se à toca da lebre.
Ao vê-lo, ágil e prestativa, mais do que depressa
a lebre disse fagueira ao visitante: - Fizeste o melhor vindo aqui à minha morada, pois
quem me visitasse neste dia a ele reservara o que de mais precioso guardo neste
lugar, e que isto te ofereço neste dia de festa.
Olhos atentos, o brâmane observava os raros e
pobres trastes que existiam na casa simples, interrogando no íntimo a que se
referia a lebre em suas acolhedoras palavras. Daí esta acrescentou: - O dom de que falo e que pretendo oferecer do meu
coração sou eu mesma, o meu corpo vivo que vês, e que mereces inteiro pela
nobreza de tua dedicação aos ditames sinceros do Bem nas tuas ações puras e
austeras.
- Vai juntar gravetos e acende o fogo necessário ao preparo do teu repasto.
Mediante a oferta decisiva, o brâmane logo se
movimentou, fazendo crepitar uma fogueira cujas chamas vigorosas iluminavam o
escuro da folhagem virgem. Num gesto impávido, ligeiro, a lebre lançou-se no
meio das labaredas aquecidas como quem se joga no seio de águas profundas,
acalmando consigo seus anseios e dores, atitude suficiente para resumir toda
uma vida sábia e afetuosa.
(Ilustração: Buda (reprodução).
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