Nas coisas da Natureza existem ocorrências cujos aspectos se repetem sob ritmo constante, matemático, demonstrando lógica pouco avaliada, no entanto marcante sinal da exatidão interna de ordem nos sistemas. Como exemplo dessas verificações, a cada mãe viúva de comum corresponde nítida abnegação pelos filhos do casal, que, na busca de neutralizar a perda do marido, fatalidade atroz, expressa amor incomum, e sustenta a casa, orienta a prole, força compensatória inigualável.
Ditas quais considerações, vale narrar o episódio
seguinte.
Uma mãe, dessas viúvas extremadas, que dão a vida
pelos filhos, vivia com filho único, Adroaldo, seu nome, criança peralta que
testemunhara, logo no começo da infância, o pai seguir desta para a outra vida,
sem compreender direito aquela movimentação toda na casinhola da rua do
Cruzeiro, durante doença repentina e desfecho melancólico, a cobrir de
preocupação a face dos vizinhos.
Depois das horas atribuladas, na saudade cresceu
vendo a mãe emagrecer de lavar roupa, catar lenha e engordar galinha para
vender na feira e de casa em casa, nas ruas da cidade indiferente. Auxiliar,
auxiliava, pouco, contudo. Bom mesmo achava jogar pião, triângulo, soltar
papagaio, bater bola nos fins de tarde, pegar passarinho, roubar manga,
serigüela, cajarana, sapoti, etc., vadiar de noite nas quebradas com os outros
moleques, cavar botija com seu Aprígio, o padrinho, nas noites de lua, pros
lados do Corretim. Escola, ah, escola!... De canelas sujas no barro vermelho,
onde reinava, passava água nos cabelos e descia rumo às aulas, sentido fixo nos
pratos da merenda, almoço do meio da tarde.
Assim, veio a se tornar rapaz marrudo, maneiroso,
dorminhoco contumaz, desempregado na geração globalizada dos tempos dagora.
Enturmado de outros semelhantes, boné de aba longa para maneirar o sol do
sertão, desde cedo, dormia mais do que comia, sonhava mais do que trabalhava. E
a velha mãe, cedo acabava a beleza que restara nos batentes ingratos da
sobrevivência, antigo vigor da morena dengosa que fora no passado, nunca
perdendo, porém, de todo a esperança de presenciar o herdeiro transformado em
gente honesta, partido bom que lhe concedesse belos netos, senhores doutores da
sociedade dos ricos, famosos, poderosos.
Nesse quadro rotineiro, lá um dia, de madrugada, as
insistências da mãe ao filho:
- Acorda, Adroaldo, acorda, homê! São cinco
horas e tu continua dormindo a sono solto. Vai trabalhar, que teu pai sempre
fez desse jeito, e nós vivia bem nesse lugar.
Conselhos que ouvia inúmeras madrugadas, sem mostrar
serviço. Entrava num ouvido e, ligeiro, saia no outro. Cabisbaixo, acordava de
cara inchada, passando das nove, preguiçoso no corpo e na alma, pronto a fechar
outros cigarrinhos de fumo e folha.
Até que, outro dia desses, a mãe forneceu-lhe
argumento inarredável:
- Veja, meu filho, Zé de Sinhá Dina
ontem saiu cedo pro Mercado e, aqui perto, no meio do caminho, achou uma
nota de cinquenta, novinha, novinha... Fosse tu que acordasse cedo, e
nós passava uns dias sem os aperreios abusados da luta cá de casa.
- Sem essa, minha mãe. Diga então se não estou
certo: Mais cedo acordou quem perdeu de bobeira essa nota nova que Zé
achou na viagem – e se ajeitou querendo dormir mais um pouco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário