O jogo é uma das paixões menos nobres que há. Falo assim como se houvesse paixão mais nobre do que outra. Na verdade, sendo paixão nunca deixará de ser instinto brutal. Contudo existem pessoas que se deixam levar nesses impulsos. Por qualquer ou nenhum motivo arriscam o coração, na febre das emoções incontidas do dito ganho fácil. Ilustro essas cogitações contando duas histórias populares que bem caracterizam a disposição lúdica do homem.
Certa vez, entre
apostadores contumazes, alguém afirmou que poderia morder um olho. A grita foi
geral, instalando-se acalorada discussão; no fragor dos palpites, os
circunstantes resolveram confrontar e casaram o dinheiro.
Em seguida, o
desafiante retirou uma das vistas, globo de vidro bem confeccionado, que mordeu
com naturalidade e ganhou a aposta.
Antes de cessar a
surpresa, o mesmo ganhador se ofereceu para novo embate. Desta feita, afirmava
que também poderia morder o outro olho. Murmúrio generalizado, pois estava
evidente que não se tratava de um cego completo. Carregar dois olhos de vidro
seria exagero. Deliberaram, em consequência, reaver o capital da primeira
aposta e juntaram os bigodes pela segunda vez.
O adversário, então,
retirou os dentes, chapa dupla, e mordeu com cuidado a outra vista. Ganhara,
destarte, as duas partidas.
Outro relato dá conta
de que, numa mesa de roleta, em noitada de corroer as reservas do cambista
tradicional, nenhuma parada lhe estava sendo favorável, caprichosa ocasião. Os
dados rolavam e caíam como quem zomba dos infelizes, conspiração imaginária da
sorte faceira.
Ele, dotado de rara
mutação da natureza, possuía, no lugar de dois, três testículos, o que lhe deu
margem a que apelasse e propusesse uma saída diferente para o jogo, talvez
buscando dessas oportunidades extremas para reverter a tendência do tabuleiro;
aí, como derradeira chance, resolveu mudar de tática e propôs:
- Quero agora fazer uma
rodada diferente; digo e aposto que eu e esse peru aqui do meu lado temos,
somados, cinco testículos - disse e apresentou-se com oferta suficiente a
recuperar tudo o que perdera naquela noite, pois trazia consigo a intuição do
que se chama de certeza certa.
Enquanto os vários
apostadores avaliavam as chances do tabuleiro, nisso ouviu-se nas imediações a
voz sumida de quem fora citado, dizendo aquilo que desenganaria os sonhos do
proponente e definiria a situação:
- O senhor aposte se
tiver quatro culhões, porque eu na verdade só nasci com um - tratava-se também
de um portador de anomalia. Não seria desse maneira que o homem conseguiria
recuperar seu patrimônio. Tais as coisas improváveis da jogatina.
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