domingo, 11 de agosto de 2024

Apólogo III


Numa bela manhã do inverno sertanejo, eis que sapo dorminhoco se viu acachapado na lama, debaixo das patas de touro pachorrento, descuidoso, muito bem nutrido e indiferente, que se deliciava no pasto de uma represa dadivosa.

Aflitos momentos atravessava o pobre animal, debatendo-se no propósito firme de reaver a inestimável liberdade; reconhecia, no entanto, as dimensões restritas do próprio esforço, querendo, ainda assim, preservar a qualquer custo os benefícios raros de permanecer inteiro e sadio na face da Terra, desejo partilhado pela grande maioria dos muitos que moram neste chão. 

Via-se empenhado no trabalho circunscrito, quando, na mesma hora, uma sariema, que descia para beber água no alagadiço da vazante, passou pelas imediações e percebeu, dado o aperreio daquela situação vivida pelo inditoso batráquio, ocasião ímpar de prestar-lhe solidariedade, por se tratar de um outro irmão da Natureza, cuidando logo de tomar chegada para descobrir mais sobre o caso, e (quem sabe?) auxiliar, permitissem os meios disponíveis.

- Camarada Sapo - foi o modo como a sariema prestativa se dirigiu ao bicho encalacrado, - o que fazes nessas circunstâncias tão desconfortáveis, constrangido sob o peso descomunal de tamanho gigante bovino?

- Nada não, dona Sariema - respondeu o sapo, que, esforçando-se ao máximo para demonstrar sinais oportunos de espontaneidade, ainda  teve fôlego para acrescentar: - É que estou apoiando, seu Touro, no zelo de prevenir que ele não viesse escorregar e cair neste traiçoeiro lodaçal. Aí, sim, me faria sofrer muito mais além da conta.  

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