sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Um Nordeste revisitado


Naquele 28 de setembro, numa das salas do Cariri Shopping, vi O caminho das nuvens, filme do diretor Vicente Amorim, que há coisa de dois ou três meses teve algumas cenas rodadas nesta Região, utilizando também mão-de-obra local.

Calcado na história real de um cearense de Penaforte, o argumento relata a epopeia de família pobre de nordestinos, pai, mãe e cinco filhos, que realiza percurso da Paraíba ao Rio de Janeiro, passando por Juazeiro do Norte, montados na sela de bicicletas.

Incidentes variados e encontros fortuitos marcam o itinerário, vistos sob ângulos subjetivos de cada um dos personagens, sem preocupações cronológicas, diante da trilha de canções do rei Roberto Carlos, a quem o filme vem dedicado, nalguns momentos interpretadas pelos próprios atores.

A meiguice de Cláudia Abreu suaviza os estirões ásperos da paisagem de sertão e periferias interioranas por onde o autor conduz a trama, por vezes sob lances extremos de tensão emocional, quais na abertura, quando o filho mais novo, esquecido no meio do asfalto, por pouco não causa trágico acidente, e na ocasião em que Antônio, o mais velho, defende a mãe das garras amoladas de capataz inescrupuloso. 

A luz da caatinga nordestina revela no cinema o fervor do sol ardente das  temperaturas elevadas como elemento fílmico, a lembrar o clima de O cangaceiro, de Lima Barreto; Deus e o Diabo na terra do Sol, de Gláuber Rocha; e Vidas secas, de Nélson Pereira dos Santos.

A marca da religiosidade promove o nexo causal do desenrolar dos acontecimentos, identificando personagens e existências com a busca extrema dos valores eternos. Vêm ao Horto do Padre Cícero na intenção de juntar forças de continuar até o Rio. E junto à estátua do Cristo Redentor, pedem coragem de seguir até Brasília.

O pai alimenta a certeza de achar um emprego que lhe remunere com R$1.000,00, valor que considera indispensável para a manutenção justa da sua família, motivo presente nas razões externas do projeto.

Um aspecto negativo desse trabalho, no entanto, prende-se aos resultados do patrocínio recebido da Cia. de Cigarros Souza Cruz, cujos créditos ficam logo na apresentação, ao lado de outras marcas conhecidas (Petrobras, BNDES, etc.). A contrapartida não poderia dar noutra: repetidas vezes o pai, além de fumar, coisa fora de moda e viciosa (vistas advertências legais dos anúncios de televisão), chega a oferecer cigarro ao filho mais velho, gesto nocivo, que nem para custear a heróica indústria cinematográfica brasileira se justificaria (os fins não justificam os meios).

No Alto do Corcovado, após todos os percalços da impossível viagem, quando o marido procura na paisagem os rumos da Capital Federal, o casal reatualiza seus planos, e a mulher quer resguardar a família, propondo a desistência da jornada. A isso, porém, contradizem os olhares cúmplices trocados entre ambos, na linguagem silenciosa do sonho de prosseguir com a aventura, nos moldes do título, de andar pelo imaginário do caminho das nuvens.      

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