Quéfrem, Quéops e Miquerinos, as três pirâmides do Antigo Império, em reprodução preto-e-branco, claras, no deserto cinzento, ele as retivera na visão interior, antes de agarrar o sono. Há dias, começara estudos de História pelos primórdios, desde tempos imemoriais distantes de bilhões de calendários. Transpusera os períodos geológicos, chegara na pré-história (Paleolítico, Mesolítico e Neolítico) e, agora, introduzia-se no Egito da pré-dinastia e dos três impérios de 3.400 anos antes de Jesus.
Dormira a sono solto. Pela
madrugada, meio encoberto no pano fino afastado das pernas, o sonho revelara
desejos recolhidos de valores sinceros.
A princípio, dançava na quadra do
colégio das freiras; ele, doutra geração, via-se caracterizado de bacamarteiro,
em mescla azul e lenço vermelho amarrado no pescoço, a segurar espingarda de
cartuchos e rodopiar entre jovens figurantes do folguedo imaginário, de longe
observados por multidão silenciosa.
Com ênfase, adotava no espírito os passos da dança, mais
talvez do que os outros. Sentia o ânimo daqueles movimentos animados. Num lapso
crítico, distanciara-se analisando os
companheiros de folguedo, quando visualizou a moça alva, cabelos aparados,
bela, feições reconhecidas, que observou o seu olhar masculino, penetrante,
logo abaixado, contido.
Via, por perto, outras moças, todas despidas, castas, de
cócoras ou sentadas no chão, de vaginas à mostra. Em relação às demais,
conseguira manter a distância regular de sincera contenção, a compostura, assim
dizem. Dela, porém, sentira vir força envolvente, a lhe amparar os sentimentos,
esquecidos exemplares de velhas paixões abandonadas, em posição defensiva, cura das dores inconsequentes.
Não sabe bem explicar porque; em seguida, percebeu-se ele,
os dois deitados, e ele de novo, amando com gana e alegria vitalizada. Seus
dedos ansiosos acariciavam prudentes o líquido viscoso escorrendo profuso da
junção das pétalas de uma vagina rosada, carnes receptivas, entumecidas e
perfumadas de suave frescor primaveril.
No auge dessa paixão vigorosa,
renascia-lhe o drama da infidelidade, qual premido nas unhas afiadas do
superego repressor, despeitado fiscal dos fulgores juvenis e da felicidade
física, coisas descartadas no processo de sublimação, distanciamento útil da matéria
densa, ensinos trazidos das escolas de
que aprendera os ditames da lei, corretivos de erros vividos.
Todavia, no sonho, na sequência
imediata, uma programação de tv mostrava herói americano enlaçando sua dama,
situação idêntica, veterano apaixonado em revivescências jovens, como quem
chamega as dobras de mornos lençóis festivos, desses de renovados sonhos. Algo
se acalmava por dentro e persistia feliz, legitimando as cenas multicoloridas
lançadas tela afora.
Depois, desconfiado, acordara
cabreiro, no entanto saciado, considerando na lista dos quadros passados as
infrações cometidas, por conta automática dos códigos morais sociais, no a fio
da procura da perfeição. Um misto de prazer e culpa rondava-lhe os corredores
do ser, profundas cavernas individuais.
Calmo, estimava cuidadoso o preço
da onírica aventura. Caçava apressado, no lençol da cama, as preocupantes poças
de esperma, no pijama, na colcha, flagrante delito. Leveza na alma de nenhum
sinal positivo: não ejaculara, coisa rara em ditas circunstâncias.
Ainda tocou a companheira, bem ali
do lado, quente, cheia de vigor, amor a oferecer, sem, contudo, aceitar-lhe os
carinhos constantes, frustrados. Somas de inúteis respostas indolentes.
Sozinho...
A imagem das pirâmides outras vezes quis voltar aos
pensamentos. As três. Os três. Mas quem? Onde? Quando? A quem perguntar? Em que
infinita dimensão fugidia? Concreta? A outra pessoa, terceira, límpida, alva,
amante, saborosa... No desejo solto, chegava as frestas de um dia luminoso,
querendo rasgar normas... Mistérios... Lupas cegas, capitães de tudo, na ordem
imposta, nas coisas doridas...
Rápidos instantes, após
despertados, ele e a mulher viram-se, indiferentes olhares, cúmplices do
triângulo secreto, mudos personagens de sonhos reais e irreais das vidas
mistas, incompletas, de mundos eternos... venturosos... Quéfrem... Quéops...
Miquerinos...
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