- Aquele não sei quem me disse que, não sei onde, feijão custa não sei quanto – das notícias do sertão.
Pacote amarrotado, ou carta boa, recheado dessas quaisquer coisas-surpresa. Há, sim, patentes, à espera, festas alegres, na força do otimismo, na saudade do feliz que passou e soube-se com o atraso de vários meses. Bonito. Esse mais bonito do que aqueles outros jogados fora. Achar, ou não, indica pouca mudança, entretanto.
O que sabia disso, contudo, alimentava seus sonhos o suficiente, esquemas e planos políticos favoráveis, na luz do merecimento das prendas positivas, escondidos sob as pálpebras ressequidas. Pois ninguém aceita resposta inadequada, ainda que pergunte do jeito que quiser, dizendo o que quer, sem querer ouvir o que não quer.
Tardes mormacentas sucedem manhãs de frias madrugadas, oferecidas nas noites silenciosas e promissoras. O inferno são os outros, afirmava Jean Paul Sartre. Todavia se ter no peito perfeição de realizações plenas, ideais.
O noticiário repete que os americanos invadirão o Iraque, à procura de Bin Laden. As fortes chuvas européias preocupam, nas cheias a confirmar graves transformações de clima na Terra, resultado das descargas constantes de gases poluentes na atmosfera. Lucro insano virou mania irresponsável das elites da raça. Imensa nuvem tóxica paira sobre a Ásia, com três quilômetros de espessura e milhares de extensão, a interceptar a claridade do Sol. As neves do Kilimanjaro agora no calor escorrem numa proporção estúpida. O mar sobe de nível. Pólos se desmancham na água salgada, sob o brilho da lua cheia de agosto, no céu. Números apontam segundo turno para as eleições no Brasil. Castas persistentes fitam o poder temporal, de lábios secos, olhos vermelhos. De garras afiadas, pêlo eriçado, vorazes candidatos observam atentos suas presas inocentes.
No rádio, velhas canções da infância. Perfume de flores secas no ar desse canto de quarto. Dez Anos, Linda Batista. Cigarro de Paia, Luiz Gonzaga. Cerejeira em Flor, Carlos Galhardo. Enquanto pulsa o tempo no relógio de plástico sobre a cômoda, ritmo cíclico, utópico, nas dimensões comovidas. Existe, sim. Ele existe, sim. Precisa-se conhecê-Lo de perto, o quanto antes. Mora dentro da gente, na casa das máquinas.
Em todos os lugares e nalgum lugar específico, Ele existe. Carece-se descobrir e chegar a esse canto dEle existir. Fora ou dentro das pessoas, ou nos dois lados de mundo. Há olhos de ver. Olhos abertos na luz ao meio-dia.
A cigarra não toca faz dias avisando o correio no portão. E essa carta que, chegando, nunca chega. Chegará. De algum modo virá. O caminho mais curto?... Não se sabe, não. Sabe-se, sim, que vem; até um passarinho contou a Chico Buarque que vem vindo... passos longos-breves no corredor interminável das horas...
Pela Internet, via satélite, telefone, avião, trem, navio, cavalo, bonde, a pé, de ônibus, no vento, nos livros, nas garrafas, nas cheias do próximo inverno, em editais, bancas, letreiros, cartazes, petições, jornais, no cinema, teatro, televisão, mercado, canaviais, praças, música alternativa, janelas, pregões, porres, escolas de samba, naves metálicas, jogos, comícios, telegramas, shoppings, panfletos, colagens, festivais, missas, cultos, etiquetas, cupons, reprises, universidades, reuniões secretas, poluição sonora, sessões, mototáxis, caminhões, curtas-metragens, passeatas, celulares, carruagens, andores, museus, agências de viagem, reembolso postal, quermesses, serestas, pichações, folhas corridas, fotografias, radiografias, faixas, pesquisas, catálogos, cordéis, decretos, metrô, mandados, revistas, discos, teses, locadoras, matinais, copos descartáveis, xerox, mobilizações, tevês a cabo, cardápios, conferências, telas, quadros, fitas, representantes comerciais, cd-rom, planos de governo, prostíbulos, carros alegóricos, de som, correntes, vitrines, programas de auditório, manuais, fogueiras, receitas, bulas papais, cadernos b, suplementos dominicais, trios elétricos, show de milhão, repartições públicas, loterias, correio mesmo (por que não?), solidão, realidade virtual ou coisa definitiva... Vem ela a caminho... Caetano viu numa música que virá... E descerá no Planalto Central...
Por conta
disso, olhos fixos nas movimentações do comboio, rua acima e abaixo, ouve
passar o caminhão do lixo; lembra ser sábado e que não passará correio nesse
dia. Então, assim também é bom, porquanto ficará mais tranquilo, noutra tarde.
Não chegará correspondência. Vai cuidar mais uma vez dos bichos, no quintal, do
banho, de si, lavar o carro; de novo, amar a companheira; duas, dezenas,
milhares. Sonhar, filmar, contar suas iguais fantasias eróticas; contemplar as
flores no jardim na praça, escutando pássaros, nos começos de noite. Quando
chegar, pretende recebê-la a caráter, braços abertos e modo melhor, essa tal
missiva, tantas vezes horas, meses, séculos, alimentada nos seios flácidos do
coração insistente; com os braços pregados em cruz na mesa do jantar, entre
xícaras, talheres, bolos e bules fumegando...
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