Ah! Os bens materiais, quantas cogitações equivocadas podem ocasionar no bloco das vaidades humanas. Talvez, também, os comportamentos animais, acho que nas fases de preparação de outras vivências da natureza. Sei não, pois há tantos mistérios a desvendar, da Terra ao céu, que causa ânsias e vertigem.
O cachorro da minha casa, por exemplo, este apresenta manias bem típicas dos bichos da espécie, com o agravante das arrogâncias dos cachorros de raça, valentões, pretensiosos, dos que olham de cima as pessoas. Sempre que abro a porta para sair na varanda, ali está ele, o verdadeiro dono do pedaço. A segunda coisa que faz depois de balançar o toco do rabo, trazido assim mutilado, segundo explicaram, para manter o padrão da raça, a segunda coisa, mostrar a língua e lamber o focinho, tomando gosto, qual abríssemos a porta toda vez só para lhe levar alimento.
Acha-se o dono absoluto de toda a extensão territorial da casa e do muro que a cerca. Mija por todo canto, costume estudado pelos especialistas caninos que adotam para demarcar o espaço das suas pertenças. Nesse ponto, mora o título deste comentário, o motivo das ilusões dos cachorros, por pensarem possuir o mundo inteiro onde mijam descaradamente. Caso consiga escapar até a rua, sai mijando tudo que aparece à frente, semelhante ao que providencia cada vez que chego com o carro, renovando mijadas nos pneus, parachoques, lataria, reforçando o instinto que alimenta de proprietário exclusivo do transporte que adquirimos com relativa dificuldade. Ele nem de longe imagina o que de antipatia isso acarreta no dono, essa pretensão de garantir só para si um direito que corresponde à família inteira.
Os passarinhos que pastam pelas imediações em volta da casa, a seu modo, sofrem na pele essa inclinação possessiva do cão alienado em constante vigilância. Corre e late desesperado quando sanhaços, sabiás, anuns, garrinchas, griguilins, pardais, vinvins, lavandeiras, bentivis, aventuram catar insetos e sementes no chão. Vez em quando aparece pássaro morto na varanda, prática parecida com a dos humanos, únicos animais que matam e abandonam a vítima. Os outros assassinam apenas no propósito da sobrevivência.
As ilusões do cachorro chegam ao domínio de causar mais constrangimento aos seus donos. Caso saia a telefonar na varanda, quem aparece, ele, atento na escuta de toda a conversar, quebrando qualquer sigilo, semelhante aos agentes secretos deste mundo. Até hoje, porém, não descobrir de como se beneficia da escuta privilegiada.
Sua agressividade patrimonial, no entanto, restringe as visitas que de raro recebemos, seleção prévia que ele mesmo estabelece. Resultado, alguém bate no portão e eu corro apressado a prender dito chefe provincial, o que deixa a impressão do tanto de analogia dos bichos com os humanos, tão cheios de ilusões de honras e posses, durante a curta jornada desta vida, surpreendidos, inevitáveis, nas folhas que, secas, voam dos calendários.
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