Vezes sem conta, lembro momentos dos tempos de criança, ali por volta dos três, quatro anos. Numa varanda do sítio em que vivíamos, revejo a cena de minha mãe costurando, eu sentado no chão, entretido com brincadeiras de menino, e escutava sua voz limpa a cantar canções daquela época (o peixe o pro fundo da renda, / segredo é pra quatro paredes. / Não deixe que males pequeninos / venham transformar os nossos destinos). Olhos fixos na profundidade do silêncio que metálico vagava no vento morno do sertão, tudo que podia de mim representava olhar as formas que as raras nuvens desenhavam no céu azul e borbulhava de imaginação as possibilidades do momento. Viajava lá por dentro de paisagens interiores. Bichos, gente, objetos, animação ininterrupta a manusear as imagens que, do barro de fiapo dos algodões soltos, compunha e recompunha mil histórias fantásticas nascidas nos verdes sentimentos que ferviam na percepção infantil.
Depois, aqueles acontecimentos de figuras livres reapareceriam nos abstratos dos lápis coloridos que encontraria na escola, dando chance à criação inconsciente através dos traços de tintas soltas, na superfície ilustrada.
Daquilo restou as possibilidades do gesto das recordações a fugir do desconhecido e encontrar os dedos que querem reter, nas palavras, nas fotografias, o fluir natural dos tais desenhos que escorrem nas gerações e se sucedem infinitamente, enquanto o valor do sentimento persistir, a coordenar tampos do que vivemos e preservar feitos nas relíquias de nós mesmos.
No espaço aberto das rotinas monótonas e burocráticas, depois obteria esses raros instantes de trabalhar o saldo bom daquelas horas inesquecíveis. Através da sombra de intensas lembranças, agora construo os antigos trajetos rumo aos santuários eternos, inesgotáveis, das tradições que conheci, celebrando assim rituais do sagrado que retive com a força da saudade, subindo as escadas de torres abissais das nuvens de criança e chegando fiel às moradas de belezas originais e puras.
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