Um dia mais, amanhecera. Lançou olhar ao viço vegetal, enquanto escutava no rádio plantão noticioso. Outra guerra explodira nos lados orientais, no Iraque; bases bombardeadas, homens-bomba, Bagdá. Soldados estrangeiros perseguiam e eram perseguidos. Armas localizadas embaixo de ruínas. Apelos de paz das instituições representativas e sem qualquer poder político.
Levado pelos sentimentos, arquitetou na imaginação de quem buscava a beleza da flor um suposto diálogo entre ela, o mimo do jardim, e a guerra do mundo, monstro devorador.
Seria a guerra quem iniciaria a conversa:
- Como andas, companheira deste planeta obtuso?
- Vou tangendo a minha vida. Não tão vermelha de sangue quanto a tua, mas rósea como nascem ad manhãs – meio tímida, pudica, respondeu a pequena flor.
- Tu eternamente orgulhosa! Sou encarnada por que me tingem os heróis no líquido viscoso que corre dos vasos e veias abertos nas batalhas magistrais, na luta. A ti jamais dirigirão tanta glória e feitos estratégicos, futuro construído nas dores do parto.
- Também não pretendo tamanha burrice. Os homens nunca procuram a beleza quando querem matar ou morrer. São eles uns egoístas azedos, endurecidos, animais ferozes, de caracteres pouco elaborados.
- Deixa disso, frágil criança. Continuas a deter o homem titânico. Para ti, grandes são os bobos que passam pela vida a vagabundear e fazer versos inúteis, imprestáveis. Esses são quem mais aprecio durante o meu repasto de pó e fumaça.
- Poetas são os poucos que forjam homens verdadeiros, no sonho dos conceitos e palavras. Se todos agissem como eles, viveríamos em novo universo que não habitarias assassina!
- Contudo, graças à matéria infamante, esses cabeças-de-vento não mandam nos meus domínios. Não confiaria neles um só minuto, e estou a eliminar suas vidas através das hecatombes e seus efeitos monumentais e castigos, principalmente nos países atrasados, longe das conquistas esplendorosas do desenvolvimento, onde impero com êxito e dela comando a festa da morte.
- Tu és das piores pragas. Se soubesses alcançar com teus arroubos hipócritas e canalhas a ti mesma, desaparecerias com eles. A natureza recusa que existas. Quem sabe olhar a pureza dos momentos originais, domina o amor. A ti, amor é máquina, fuzilamento, granadas, que adora qual a deuses fatídicos.
- Eis por que existo – a guerra respondeu, enquanto lambia feridas sem conta espalhadas no corpo oleoso da Terra. No meu reinado não admito que falem no amor. Meu maior sonho é ver o dia em que o Sol desapareça, dia que vai chegar, assim aguardo confiante. Paz não existe, é abstração doentia. Os meus inimigos são fracos amorosos a que breve dizimarei.
- Pusilânime! Nojenta! - gritou sobressaltada a pequena flor. - Existissem homens de coração verdadeiro e não dominarias! O horror que prometes não virá, pois defenderei a vida e os seres de boa-vontade.
- Vamos parar com isto - exclamou contrafeita, impaciente, a guerra. - Tu não mereces viver. Vou te arrancar pela raiz e silenciar tuas audácias.
Pelo sim, pelo não, olhei o jardim, no dia seguinte, e a flor jazia esmagada. Tudo que sobrara dela se resumia em pétalas murchas de corpo inerte, despedaçado.
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