A primeira experiência contemplou o sítio mais distante da sede, lá onde existiam casa grande, engenho, casa de farinha, localização típica do passado ainda de pé.
Data marcada com antecedência, desde cedo se conferiu o equipamento e arrumou o carro: uma televisão de 29 polegadas, vídeo da última geração, os cabos, as fitas e tudo o necessário para quaisquer emergências. Tão logo escureceu, partiram na missão conscientizadora.
Varrido com zelo, o terreiro estava na medida certa. Cadeiras bem distribuídas e gente muita pelas imediações. Até bandeirolas coloridas tremiam entre árvores, para ilustrar o evento raro.
Maca abaixo, o auxiliar instalou o som e, enquanto se providenciava apoiar os suportes da televisão, o senhor Secretário improvisou palavras preparatórias, justificando a nova programação graças ao ilustre Gestor Municipal, homem dinâmico e inteligente.
Dentro em breve, luzes reduzidas, se iniciava a função. Película de um diretor europeu, ninguém melhor escolhido para aquele momento. Bela história italiana do pós-guerra, Roma, cidade aberta, de Roberto Rossellini. É verdade que ainda em preto-e-branco, porém acessível ao público leigo. As atenções confirmavam a escolha, visto o silêncio que só foi rompido pelo guincho estridente do telefone celular. O secretário e seu auxiliar deveriam voltar à cidade, pois assunto urgente os solicitava junto à Prefeitura.
Com retorno garantido para daí a pouco, zarparam sem desfazer a exibição, que rodaria até o fim, quando chegariam a tempo de recolher o material.
Já quase inteirado o compromisso, o assessor municipal lembrou ter gravado na mesma fita que deixara rodando, logo após o filme principal, um pornô desses incendiários; fatalidade atroz. Visto o relógio, restava pouco tempo para acabar o primeiro filme em andamento.
Por maior que fosse, o impulso de chegar se mostrou insuficiente para desfazer o choque cultural em andamento, no que pesem os estragos deixados na poeira do caminho. A casa, antes acolhedora, se via agora de portas fechadas, o terreiro quase vazio, sem as cadeiras, nem vivalma no silêncio noturno; e a peleja libidinosa troava no mundo lá na telinha (filmezinho sujo chegara ali mesmo), com quase ninguém a testemunhar, não fosse o abilolado Zé Sabugo, que, meio escondido num escuro, esticava o pescoço feito galo indiano em fim de briga, assistindo as cenas por detrás de goiabeira distante, a expor só um olho de cada vez, indiferente à baba que lhe descia pelos extremos da boca.
Reunidos os destroços, terminava de modo melancólico a primeira, e, talvez, derradeira, sessão de cinema de arte daquelas bandas do município.
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