sábado, 7 de junho de 2014

Roteiro

Nesta semana, desenvolvi prática de coragem que nunca antes pensara precisar ver acontecer.  Fiz da fraqueza a força e cumpri exercício que agora buscarei contar. 

É que me achei na condição de rever a casa de meus pais depois que eles haviam partido deixando vazio o lugar onde passaram 50 anos, mais um pouco. De cômodo em cômodo, circulei. Sem móveis, o interior das casas aumenta de ressonância, mostrando a carência de preenchimento das paredes afastadas do mundo lá de fora. 

Sozinho, desenvolvia o itinerário sentimental de tantas outras oportunidades que as pensava para sempre, verificando também por dentro de mim momentos vividos, ora espalhados no ar rarefeito da manhã. Vagaram notícias antigas, pensamentos, falas, risos, fisionomias, alegrias, apreensões, ações e reações das pessoas, horas difíceis, instantes felizes no seio da família, tudo no manto da transitoriedade que ficara tão só no instrumento psicológico que somos nós. O carinho de minha mãe. A disposição incansável de trabalhar de meu pai, anos a fio. 

Naquelas circunstâncias, pude resoluto examinar de perto o compromisso de andar o espaço que servira de morada à nossa família por mais de meio século, testemunhando o segredo da existência neste chão prenhe de ausências e presenças que se repetem no fluir das gerações. Algo viajara comigo no tempo deixado em fiapos ocultos das horas reais da família durante missão de receber os filhos e prepará-los na vida, e resistir até onde chegam os frutos do que gerou; às vezes, machucados; outras, sadios, realizados.

Dali, algumas cogitações ainda permanecem escarcaviando por dentro da alma na gente, feitas células, lanternas de sobrevivência da saudade contundente, nas histórias que ganharam formato de árvores imensas, espalhadas nas colinas verdes do Infinito. 

Olho, então, com respeito o mistério da fé, quais dizem os padres na celebração da missa. Há, bem naquele canto, uma fronteira nítida entre dois planos, o visível e o invisível, disposta a receber os que aqui vêm sob leis de mortalidade/imortalidade. A compreensão dos indivíduos representará, nessa hora, o nível de certeza, que cresce na medida em que adquire experiência de superar a dor e mergulhar nas condições dessa temporalidade só e inevitável.

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