terça-feira, 10 de junho de 2014
Ao sabor de palavras soltas
Quando se escreve para satisfação pessoal o texto flui do modo mais espontâneo possível, livre da obrigação dos gabinetes de quem teria de cumprir um compromisso, dar de conta de recado profissional, aos rigores do dever e sob condições quiçá adversas, conquanto cumpra o mister de apresentar resultado nas palavras que voam livres pelo ar, escorrem nas paredes da memória feitas resina de pensamentos e sentimentos, à razão intermitente das horas. Caem aos borbotões, que levam tantas vezes ao instinto avassalador de alguns deixarem brotar a rodo páginas e muitas páginas, excessos talvez, qualquer compulsão desenfreada dos que falam para acalmar a ansiedade interna, neuroses, questionamentos matemáticos de dominar o absoluto, pássaros de peitos doridos, movidos a saudade fervilhante, zumbis assustados nas meias noites do sertão, furor dos vendavais da natureza indômita. Escrever. Produzir. Gerar frutos. Parir. Guardar em forma de expressão particular aquilo que recorre ao sair de dentro das cavernas da alma ao sabor das batidas de corações apaixonados pelo pulsar do tempo nas caminhadas eternas dos bichos assustados. Filosofar no assunto, nos assuntos demasiados, o custo apenas do infinito vicejar nas veias, sem, contudo, garantir chegar a pouso certo, definitivo. Temas que não gastariam, em todos os quadrantes, o lugar da nostalgia, alegria, felicidade, afeição, bem ao sabor da vontade acelerada nos gosto de falar, febril alento derradeiro dos condenados, ou concatenando frases de puro efeito formal, ou pipocar de gestos sem nexo, só no prumo das pontes necessárias ao prazer das criaturas humanas se acharem nos seus postos individuais, testemunhas privilegiadas e variadas chances do ato de viver, permutar inevitável de fichas nascidas no útero largo das entranhas existenciais. Frases. Blocos. Botões. Piões que giram na civilização formada ao preço de transformações constantes, moendas e trituração da paz em nações, desde que gente é gente e descobre o poder do verbo partilhado, no meio de praças e mercados. Flanar entre palavras e emoções. Voar perto ou longe das verdades exercitadas nos grupos sociais, ou mergulhar nas cinzas de passados remotos desconhecidos, histórias dormidas de gretas e penhascos distantes, reticências e parágrafos, relevos e tradições da geografia abstrata do ser em floração nos pousos das solitudes nobres exclusivas. Tocar temas atuais, transmitir receitas prontas de comportamentos, coisa fácil de promover quanto significa mandar alguém exercitar o que o bom senso indica, além até do exercício inicial particular dos autores da lição. As dissertações inacabadas dos livros da moda, viagens ao mar desconhecido da teoria acadêmica, enquanto a vida desliza leve solta consistente no íntimo de todos, professores e discípulos, ao fio das oportunidades do moinho. Contar histórias, atitude boa enquanto paciência de organizar os quadros, ritmos e melodia, no humor justo dos andamentos costumeiros da compreensão. E as descrições do palco, onde o transcorrer dos dramas e das comédias alimenta o firmamento aberto dos holofotes intermitentes e suas centenas de detalhes repartidos no convés das circunstâncias. Querer conhecer a base do dizer das palavras, trocar mistérios antes guardados para si. Passar adiante versões comuns, dotadas do brilho único do jamais, convites à atenção dos presságios e nuvens calmas, vindas no vento, trazidas ao poente pelo tempo. Luzes, lápides, canções. Saber assim, nestas épocas mecânicas de versos em profusão. Escarafunchar as gavetas dos papéis desarrumados e trazer ao sol das estradas matinais flores escondidas nas estantes abandonadas dos porões. Fábricas de sonhos, máquinas de plenitude em elaboração.
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