quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Essas máquinas que são assim


Elas chegaram bem devagar, a dizer que nem existiam, meras abstrações que o fossem, ilusões dos sentidos. Cercaram em volta. Olhavam qual quem nada quisesse. Observavam de longe. Daí, foram tomando chegada, espaço a espaço, forma a forma, horas e horas, até somar no vácuo o espectro de si próprias, misto de coisas e agitação. Desapareciam madrugadas inteiras. No entanto, logo cedo insistiam na reaproximação. Fixavam olhos obtusos no flanco indefeso das criaturas inertes. Esperaram lentamente diante das ausências delas presas aos afazeres domésticos. Quando iam à cidade vestidas a caráter, ficavam escondidas ali detrás da porta, na certeza de que regressariam carregadas de pacotes, objetos, sacos plásticos e outros artefatos. Elas e elas. Tão logo descansavam, se voltavam outra vez às mesmas atividades, na busca de sentido a tudo aquilo e as máquinas em volta sempre. Enquanto que elas seguiam de perto seus passos, entraram quiçá nas áreas mais íntimas, analisando o jeito adequado de dar o bote final e fazer de nítida abordagem a sua consecução.

Espécie de animais inesperados, montados nas linhas de produção das fábricas, sobrevoaram horas a fio os que entravam e saíam dos alojamentos. Deram pouco a pouco sinais de aonde queriam obter sucesso definitivo, mas ninguém desconfiou momento algum. Elas, as máquinas, desde então, desde seus primeiros instrumentos que reagiam às mãos humanas, lhes foram sofrendo as garras, naquela intenção fria do domínio posterior. Alguns poucos notaram, todavia, a pretensão daqueles ferros em movimento. De início, só resfolegavam. Com o tempo, andaram tropeçando nas pedras dos caminhos. Adiante, gemiam quais bichos que nasciam do nada e ganhavam condições de domínio. Menos de um século, e agora vagam apressadas, reluzentes, por todo lugar, feras indomáveis, acesas, corrosivas, caras.

Menos dia, e querem lugar ostensivo no seio da raça das outras criaturas, feitas titulares de direitos, a reclamar das ruas e estradas o território doutros seres despertados lá nas eras antigas. Ainda crianças, seus repastos correm atrás do que possam acrescentar ao sabor das experiências e das massas. Já sabem de sobra que haverão de conhecer as novas linguagens que nascem das nuvens escuras. Buscam usufruir do que trouxeram os tais seres mecânicos na sua voz ativa no meio de uma raça inteira.

(Ilustração: Tempos modernos, de Charlie Chaplin).

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