Aqui em frente dessa geringonça modernosa que acende apaga na ponta dos dedos, me pego falando sozinho, circunstância no mínimo preocupante; e me escuto a dizer: - Por isso, acredito em Deus.
- Por isso o quê? – devolvo a
pergunta.
- Por isso, por essas coisas
acontecendo nas latas de lixo dos mercados afora, nas ruas, nos guetos, nas
praças, nos expedientes oficiais. Gente matando gente para roubar coisas
inúteis, versão típica de baladas adolescentes de grupos tão cedo desiludidos,
na flor da juventude, período de sonhos e frustrações precoces.
Jovens delinquentes assassinando
casais, viúvas, aposentados, a troco de migalhas, na febre convulsiva de
responder o quanto antes testes de insanidade, para vencer os vestibulares da
miséria humana.
Acreditar em Deus, para não mais
acreditar em deuses de barro, de mata-borrões, de vidros enfumaçados, pó,
poeira, grotões. Acreditar em Deus, a fim de prosseguir na peleja natural de
viver em meio a histéricos gritos das rasga-mortalhas em noites escuras.
Acreditar em Deus, porquanto os seus substitutos viraram esteiras de gelatina
visguentas das vãs promessas interesseiras, cantilenas de lideranças fáceis,
demagógicas, purulentas.
Só quem não quiser saber não
saberá, porém as razões dos crimes vêm da pouca educação, desesperança curtida
no parto de seres secundários em mundos estúpidos. Egoísmos de grupos, ilusões
há séculos acumuladas em forma de instituições carcomidas de dogmas
particulares, nas gretas do coração das pessoas. Sombrias ilusões dominantes
nos versos pragmáticos dos ditadores das castas.
Acreditar em Deus, porque sabe lá
por quanto tempo ainda sonharão os tolos e dormirão as bestas nos currais
eletrificados, xadrezes imenso de peças fantasmagóricas fratricidas.
Acreditar no impossível das
virtudes santas, nos estreitos de veias entumecidas, marés de “flash-backs” das
velhas notícias horrorosas... Acreditar em si, Deus budista, de todas as
religiões do Bem, de presença constante no teto das almas agoniadas... Acreditar,
porque acreditar contém leves passos de longas caminhadas em volta dos dias...
E se pegar assim, falando
palavras soltas de versos indignados, vistas turvas de ouvir cantos vitoriosos
de marchas felizes, nas tardes calorentas dos rios estreitos que não pararam de
descer os cadáveres de gentes injustiçadas e acalentam sorrisos reanimados nas
horas seguintes.
Acreditar no Deus dos Exércitos,
Senhor dos Senhores, Pai dos Seres e Criador do Tudo e do Nada. Deus, só Ele,
que poderá responder às questões sapientes dos escravos em porões doloridos, no
deserto das nuvens infinitas.
Crer, bem aqui no âmago da alma,
eixo descomunal da ordem, quando o
princípio envolver estradas e invadir templos, em meio a dores e gemidos
das gerações assustadas.
Acreditar, crer, ter certeza...
Deus, a luz que nos resta na face dos ventos em fogo, luzes e as multidões...
Deus.
(Ilustração: O sétimo selo, de Ingmar Bergman).
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