domingo, 11 de fevereiro de 2024

Os abismos da memória


Desde as lombadas dos livros, passando pelas lembranças esparsas que dominam as horas, até chegar ao chão de cimento queimado da casa de meus avós, são viagens profundas a mim mesmo através de jornadas incomparáveis. Qual inextinguível eco de todo instante, vivo contido nas encostas dessas fronteiras do eu que sou e do eu que sente, e desconheço por completo o outro lado disso. Muralhas infindáveis se veem largadas na imensidão. Vez em quando me detenho a sobreviver face às tantas favas contadas que já conheço de tempos anteriores, gravadas em algum lugar de mim feitas cicatrizes. E nisso, nessa trilha persistente, transcorro do passado vivo que sou eu ao futuro do que serei.

Junto farelos de tudo o que vou achando pelos caminhos. Fisionomias. Falas. Emoções. Palavras soltas. Cores. Histórias lidas, ouvidas. Objetos. Muito disso na firme disposição de transcender as fábulas nas folhas das estações que chegam e vão a qualquer momento. Essa aflição de mim para comigo que significa existir. Reunir fagulhas de tempo, sobras de espaço, movimento, tradições, que nem de longe as contenho nas dobras das recordações e logo adiante insistem, apressadas, desaparecem a fim de reaparecer ali adiante.

Frações incontáveis das nuvens que chegam aos ouvidos na firme intenção de sustentar a essência de alguém que sei ser eu. Pesam, reviram, repousam, contudo qual falassem de outro que não esse que lhes esteja a prestar atenção, numa espécie de sonho quiçá em fase primitiva, e se escondem debaixo do silêncio.

São esses vácuos intermináveis de compreensão o que faz permanecer, quando somem os detalhes, o que vem e vai do que sou, pedaços perenes. Sei que restarão intactos nalgum ser, apesar da fragilidade da percepção do que imagino que fosse eu.

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