Festival de asas cruza o céu em plena tarde ao final, indicação da tendência do frio que trazia consigo a noite embalada sob as fraldas sombrias da serra, esmaecidas quando saí o Sol que fora embora, largando mais um dia à própria sorte da escuridão audaciosa, invasora de tudo.
Dentro do peito, esse vazio de
não ter tamanho, ausência de compreensão naquilo do fazer de cada minuto
seguinte nas pautas eternas. Pergunta frondosa encobria todo o terreiro da
alma, suavizava a razão na luta de encontrar resposta através das paredes
horizontais, no distante das coisas.
Viessem obrigações de cumprir
papéis, passos pegajosos afora pouco ou nada aumentariam da calma dominadora das
ânsias de engolir mágoas e caprichos. Vadios instantes engalfinhavam cinturas
de objetos abandonados pelos cantos iguais da casa vasta do Universo.
Contudo, as mesmas esperas de
lençóis revoltos jogados ao vento na manhã seguinte. Nuvens em forma de ilusão
escorregam nas frestas das possibilidades e janelas fechadas a sete chaves.
Sabores oleosos entre dedos calejados. Frases superpostas ao tempo, em velocidade,
nas luzes que clareiam o longe do vale nos relâmpagos aflitos das chuvas
insistentes.
Vezes sem conta, abraços cálidos
aqueceram o drama ininterrupto das feras perigosas no cio. Folhas secas
estalavam com isso. Troncos rolantes ladeiras abaixo, na mata cinzenta dos
restos de árvores e fiapos de lua escorrida nas gretas ressequidas dos galhos,
passada em meio à brisa gelada recém-chegada no véu das plantas nervosas.
Saudade ou bicho parecido quis
cravar velhas unhas enegrecidas de encontro ao pescoço da presença contundente
da vida em cada espectro circunvizinho. Apenas silenciosos vultos, recurvados
ao peso das existências inevitáveis, desfilavam sorrateiros, enquanto sensação de
tumulto interior realizava trabalho repetitivo de clamar por socorro aos berros
estridentes dos lobos entediados no alto das serras.
Quantos séculos transcorreram nas
entranhas da mata entre os vermes do húmus enegrecido, ninguém sabe, calcados
na força dos músculos de raízes vegetais. Saber ninguém jamais saberá, em face
das tantas negociações em aberto. Apenas a sensação de calafrio, as entranhas
da gente e os animais, seres desconhecidos em bando, jogados às gamelas untadas
de mel e seivas azuis. Mandíbulas de presas amoladas, hálito forte de garganta ressequida,
estertorosa, sabor de fome e sede, misturado na soma de restos jogados fora, fulgores
e fermentos.
Enquanto pedaços intercalados da
cena reconstituem o panorama secreto, pássaros noctívagos impõem tons salpicados
de chiado surdo. Corpos, um nada mais que tanto único, corpos atracados feitos
insetos-gente, suados e nus, âmbito dos fenômenos revoltos da natureza viva,
revolvem o barro avermelhado.
No alto, as primeiras estrelas
festejavam a concretização da mudança de seres entalados na terra, nervos,
artérias e veias. Dois entes esverdeados erguem os braços e tocam as faces
escorridas de visgo odoroso os narizes desafeitos. E abraçam um ao outro, nessa
primeira de inúmeras outras vezes.
(Ilustração: Grande núcleo de Magalhães (Wikipédia);
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