Em horas determinadas, vem a sensação esquisita de estar sonhando acordado, e nisso ficar neste senso constante até aprender a viver. São muitas as ideias que disso circulam o vasto mundo em volta. Tais máquinas de pensar e sofrer, muitos apenas aguardam os próximos acenos da balança do Infinito. Mesmo dotados com alguma inteligência, preferem insistir na certeza que de algum lugar virá alguém trazendo a resposta de tudo aquilo que até então guardaram na intenção de lá um dia se apresentar querendo, quem sabe?, também participar mais de perto das obras da Criação. Numa espécie de vontade só parcial, aceitam, no entanto, permanecer assim, e aguardar o momento certo de se fazer presente ao movimento incessante dos astros pelos céus. Eles, que agora vagam sem rumo definitivo. Chegam nas estações e ali encontram o jeito de ficar anônimos, apenas observando os iguais a eles, também dissimulados, aparentando pouco interesse, na prática de pegar outros comboios que virão, e, de novo, sumir nas quebradas da inexistência, desinteressados que sejam nos destinos que virão.
Milhares, quiçá milhões, vivem de tal jeito abandonados de si próprios, restos de naufrágios às primeiras horas de quando esqueceram tudo a que vieram. Entretanto marcam presença, dalgum modo, nas atividades dos circos de interiores abandonados, onde nunca mostram de todo a verdadeira face que lhes trouxe aqui. Maquinam papeis arrevesados de palhaços, domadores de feras, equilibristas, enquanto, dissimulados, observam o entusiasmo da plateia delirante no transcorrer das cenas. Houvesse, porém, maiores motivos, alimentariam apegos e apetites; fariam, decerto, melhores encenações, e o ânimo dos expectadores far-se-ia em calorosas respostas. Eles persistem, outrossim. Às vezes até se reúnem depois dos espetáculos e fogem aos degraus distantes, ansiosos pelos dias quando falarem de novas civilizações até então desaparecidas. Conversam no escuro das horas mortas sobre os diversos meios que possam reacender-lhes o instinto de habitar este mundo. Padecem e somem, outra vez, nas madrugadas, feitos zumbis em noites de lua cheia, ilusões que se recuperam pouco a pouco de quando, sozinhos, vieram pousar neste chão.
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ResponderExcluirUm texto cirúrgico para os tempos hodiernos. Quiçá atemporal, pois amparado nas inspirações oníricas traz para nós versos sinceros do que precisa ser dito. Um exímio escritor, amigo!
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