sábado, 10 de fevereiro de 2024

Aqueles dias nublados


A parecença com o momento de agora fica por conta da dominação que sacode a área externa do mundo convulso em suas práticas de guerra. Naquela fase, em 1966, a bola da vez prenunciava escalada vietnamita de largas proporções, o que se verificou nos princípios da década de 70. O Brasil vivia o desânimo libertário, pois perdia espaço, nas ruas, praças, escolas, o ímpeto de transformação democrática, a sumir nos calabouços e na clandestinidade.

Em Crato, achávamo-nos à frente do Grémio Farias Brito, do Colégio Diocesano. Encenávamos a peça Um chalé à beira da estrada, sob a direção de Alzir Oliveira, nosso professor de História e amigo dos alunos. Declamávamos poemas modernos em pontos diversos da cidade, através do Jogral Pasárgada, formado de sete componentes do colégio: Zadir, Pedro Antônio, Gilva, Eros Volúsia, Clenilson, Bebeto e eu.

Resolvemos, então, publicar um jornal mural, O Bacamarte, depois ampliado em um órgão mimeografado (à tinta), o Nossa Opinião, do qual chegaríamos a tirar até 100 cópias e ficou só nos dois primeiros números, abafado logo no seu nascedouro pelas ameaças daquele trágico período político.

Nesse mandato, estivemos, ao lado de Aglézio de Brito, presidente da União dos Estudantes do Crato, e de José Terto, presidente do Grêmio do Colégio Estadual, em um congresso do Centro dos Estudantes Secundaristas do Ceará, em Fortaleza, realizado sob fortes conotações militares repressivas.

Espírito de contestação impunha atitudes rebeldes. À noite, após reuniões de acalorados debates e transmissão de informações desencontradas, saíamos, nas madrugadas, a pichar as paredes das ruas centrais com dizeres relativos ao momento de expectativa, fogo consumidor daquele turno de existência. 

É um tempo de guerra, é um tempo sem sol. É um tempo de guerra, é um tempo sem sol. Sem sol, sem sol, tem dó. Sem sol, sem sol, tem dó, eram alguns dos versos que cantávamos, em segundo plano, característica das apresentações do Jogral, enquanto Pedro Antônio, à frente, declamava em altos brados: - Só quem não sabe das coisas é um homem capaz de rir! – seguido de outras palavras da canção Tempo de guerra, de Edu Lobo.

Esses são alguns quadros da época em que partilhamos das experiências culturais de um Crato fervilhante de jovens promessas e movimentações apreensivas, lembranças que retornaram esta semana, ao rever José Esmeraldo Gonçalves, velho amigo desse tempo, quando juntos elaboramos o Nossa Opinião. Ele que veio ao Cariri na ocasião do aniversário de 90 anos de sua genitora, dona Maria La-Salette Esmeraldo. Mora no Rio de Janeiro, onde trabalha na revista Caras. Dispõe de raros intervalos semelhantes a este de voltar à Região; o promete, no entanto, repetir, noutras oportunidades. (Texto de 2003). 

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