terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Ao longo dos céus


Lá longe, ao que seja, logo ali, no infinito das eras. No Cosmo. Isso de imaginar, que os sonhos às vezes bem merecem continuar para sempre e deixam na gente esse querer guardar do que some agora a menor relíquia, facilitando, pois, segundo consta dos livros, à lua dobrar esquinas pela força da imaginação. Mas é isto que diz García Márquez, de ninguém trazer de volta o passado, ainda que se esforce. O que se conta é outra versão do que vivemos, de nossa própria lavra. Há uma vontade insistente, porém que passa ao largo de querer fosse trazido de volta aquilo vivido, contudo nalgum lugar desapareceu sem deixar vestígios a não ser nas lembranças do que contamos. A força da arte nasce disso, do intuito de reviver o que o Tempo levou consigo.

A fome de lembrar, sobretudo os momentos felizes, percorre a veia da multidão desde suas vestes, às falas, aos caprichos, sons, textos inumeráveis, filmes, rituais, numa gama infinita de fragmentos a preencher o vale dos sonhos numa cadência sideral determiante. Quando menos esperar e essa passado regressa, então, na forma de impressões, saudades, melancolia e dúvidas quanto a nunca haver desaparecido e sobrevive noutra dimensão. O mais tocante é poder de acessá-la na força dos desejos, e mergulhar nessas recordações vizinhas daqui tão logo querer e estirar o pensamento.

A literatura vive desse manancial que dorme junto de nós e abre suas portas à medida do impulso de pretender assistir outro tanto daquilo antes desaparecido. Espécie de sol da inexistência, uma clama clareia a noite do mistério e deposita nas páginas adiante esses pequenos retalhos que ora chega de novo a restabelecer existências onde o silêncio tomara seu lugar.

Daí, isso em tudo ao redor, nesse Universo esplendoroso da visão interna. Pontos de fuga inestimáveis, inalcançáveis, a não ser pela ciência do Amor que nos acompanha e oferece os instrumentos de salvar o Inconsciente das dores de nunca mais.

 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Busca da totalidade


Quando não podemos mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos. Viktor Frankl

 Assim, tal e qual o decorrer das existências, nós conosco próprios, no palco dos dias lá de fora aqui de dentro. Único plano de desafios; pouco, ou quase nada, a contradizer as circunstâncias, desde que somos seus autores e protagonistas nos dramas em que escrevemos as nossas histórias. Todos, um a um criaturas individuais em universos coletivos. Há isto, parcerias de relacionamentos e seres pessoais. Em cabeça uma sentença, no dizer da população. Neste mar ainda cheio de contradições é onde tudo acontece, a permitir as sequências incontáveis do que existe. Ninguém que seja equivale ao dono das horas, herdeiros da Criação, por si.

Aonde seguir, haverá outras interrogações. E somar isto, ser-se-á enigmas em movimento. Contudo eis que tal a perfeição de existir, detalhes desse todo multimilionário. Daí, o que contam os que chegam na frente, da perfeição dos contrários em ação na alma da consciência. E uni-los bem significa desvendar o mistério e exercitar a compreensão. Tantas versões vagam em volta a dizer do mesmo senso. A pauta do Tempo vive em todos, frações de eternidade que inteiram o motivo de continuarmos sempre. A gente ouve os códigos, reúne argumentos, perfaz o quanto vivido e caminha insólito neste palco imenso das imprevisões.

A neutralizar o desafio de seguir, virão as interposições provisórias, o desejo, o pensamento, os prazeres, a fama, vícios, o poder, os afetos, a sexualidade, apetites, viagens, religiões, filosofias, doutrinas, reuniões, jogos, adrenalina, sonhos, edifício monumental de apegos nascidos da matéria, a prender ao Chão vastidões incontáveis das visagens em profusão, segredos guardados em nós pelas visões do Infinito interminável que avassala.

Bem isto, de querer conhecer a que viemos, e as palavras chafurdam no íntimo quais micro organismos impacientes no intuito de revelar, inclusive, a que se destinam, elas, os pensamentos e sentimentos. Enquanto isso, nalgum instante desta solidão justificaria esquecer a que viemos e tocar adiante a caravana dos seres.

(Ilustração: Inscrições rupestres).

domingo, 29 de dezembro de 2024

Sonhos caririenses


Quando chegamos em Crato, eu e minha família, ano de 1953, no Centenário do Município, trouxemos malas e cuias, pois viemos afim de ficar aqui e fixar residência. Ficaríamos, nos inícios, situados na casa de meu Tio Quinco, à Rua José Carvalho entre a Santos Dumont e a Pedro II. A mim, só espanto, conquanto sempre vivera nos matos, longe de ruas e carros. Aos poucos, teria longos percursos pela frente: Conhecer de perto sorvete e picolé; aguentar as multidões e pessoas nunca vistas; desconfiar de quase tudo nas calçadas, no comércio; sair pouco e viver outra história jamais imaginada pela minha mente infantil na faixa dos quatro anos. Daí, vi acontecer, então, as minhas primeiras décadas urbanas.

Foram turnos variados. Passadas poucas semanas e fomos nos instalar no Bairro Pinto Madeira, em um chalé de dois pavimentos, construído por Pergentino Silva defronte ao Abrigo dos Velhos, na Rua Padre Ibiapina. Era uma residência recuada, de terreno amplo, cercada de mangueiras e outras poucas árvores. Ao lado, ficava a serraria da qual meu pai era sócio com Tio Quinco, isso bem no começo da atividade madeireira, onde investira seu capital trazido lá do Tatu, onde vivêramos.

Gradualmente, veria de conhecer a população daquele bairro um tanto afastado do centro da cidade, vários moradores daquele rua e das adjacências, algumas crianças de minha idade e adolescentes. Era um tempo com a energia precária da Subestação do Lameiro, um tochinha só nos postes, a marcar apenas o percurso das ruas.

No seguimento, vieram as escolas. Logo abaixo, na Rua Teopisto Abath, comecei a estudar na Escola Júlio de Carvalho, mantida pela Maçonaria. Dois anos e, na mesma rua, fui frequentar o Grupo Escolar Dom Quintino, de onde sairia para o Ginásio Pio X, na Praça da Sé, seguindo, após o Exame de Admissão ao Ginásio, ao Colégio Diocesano, onde concluiria o Terceiro Grau, hoje Ensino Médio, e faria concurso para o Banco do Brasil, sendo nomeado para trabalhar na Agência de Brejo Santo durante quatro anos.

Em 1971, pediria transferência para a agência Centro-Salvador BA, quando permaneceria por sete anos, regressando em 1977 ao Ceará, trabalhando na agência de Crato até a aposentadoria.

Nisto, vivencio a vida caririense, entre Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha e Brejo Santo, todo esse tempo, sem contar as idas a Lavras da Mangabeira, ao Tatu, no período das férias de julho, guardando comigo experiências e saudades, motivo, muitas vezes, do que gosto de escrever e provuro interpretar da história da Região e de seu povo, na intenção de preservar as minhas vivências e testemunhar alguns de seus acontecimentos que mais de perto me tocam.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Realidade e sentimento


O lado externo e o que ocorre dentro, as duas vertentes de uma mesma moeda. Durante o percurso dos acontecimentos há o abismo da percepção que a tudo presencia. Qual sendo aspectos distintos de um todo, casca e interior, eles dois viajam pelo Tempo, dois em um só. Hora assistem, hora protagonizam o sentido das histórias que contam a si e aos demais. Quem seja o autor dos roteiros e quem sejam os que o exercitam à medida do sentimento, espécie de vasilha de medir a tensão entre o céu e a Terra. Alguém que pudesse ocorrer diante da fluência inevitável desse panorama que desagua no abismo das eras, e nunca mais volta aqui. Enquanto isto, quantos lugares, multiplicados ao infinito, na realidade dominam os enredos face a face com a natural fragilidade dos seus interlocutores, que o somos, a cada momento.

Qual quiséssemos considerar, seríamos tais motivos de existir o ser real e dele retiramos as avaliações de novos aprendizados que, todavia, somem na essência de nós, o espelho de tudo quanto agora verificamos, pois. E nisto os sentidos, somados aos sentimentos e pensamentos, agem em contrapartida; chega-se a imaginar fôssemos a razão disso, do que acontece a todo instante, contudo sem força de determinar que seja assim ou doutra forma.

Daí os mitos, por exemplo, das muitas civilizações, ao estilo dos argonautas, na busca do Santo Graal. Aos indivíduos essa missão da descoberta do que seja estar e vivenciar toda procura, causa primeira e derradeira do enigma sob que mourejamos na raiz de tudo isto. A que viemos, aonde queremos chegar, destino e satisfação de experimentar a fragilidade aos nossos olhos passivos, retalhos constantes da única realidade comum e definitiva.

A sequência natural disso significa sobreviver perante o caos em que a realidade se transforma interminavelmente, e fugir de si e de nós próprios, seus parceiros e senso de interpretação em queda livre. Eis, portanto, o argumento das vidas e os componentes desse mar onde habitamos e juntos também desaparecemos.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

As contrições


Deixa que vejam a cicatriz do coração, pois pelas cicatrizes são conhecidos os homens que palmilharam o caminho do coração. Farid Ud-Din Attar 

Há-de ter que trilhar os desertos até o vale da Salvação; o resto seriam essas histórias contadas em noites escuras, a meio de dores e compromissos, pátria das renúncias e dos silêncios maiores. Nessa longa busca de si mesmo bem ali vivem as tribos esquecidas  a meio de sombrios obstáculos e aprimoramento. Conquanto todos nisso andem a passos diversos, chegar-se-á lá um dia quando divisarão as marcas do Destino e cumprirão o dever de caminhar, esses tais heróis da imensidão.

São soberbos os pelotões de persistência a conhecer dos dias seus mistérios, e guardá-los no íntimo, donde contarão pelas marcas achadas pelo corpo e nelas as luas que circularam neste céu, isso de um a um, cavernas individuais de sonhos impossíveis inscritos na palma das mãos. Desse tanto de aprender ficam, pois, as fístulas na própria pele, nem sempre vistas, no entanto doloridas, ao sol das circunstâncias.

Sejamos, portanto, aqueles que ora somos, rascunhos da Criação diante do Infinito, protagonistas de jornadas inevitáveis aos olhos do tempo, nessa epopeia de tantos. Certas vezes, painéis de belas visões; noutras, sórdidos parceiros das insanas aventuras por mares tempestuosos. Nós, talvez, a existência em forma de consciência em elaboração, provas vivas dos dramas e das religiões, e parceiros em movimento dos penhores e das individualidades.

Mais que sejam, todavia, que a nada exclui na força desse poder das criaturas no palco das ausências, a contemplar dos altares os sacrifícios nos dias de clarões monumentais. Depois, novos mistérios em meras formações no horizonte seguir-se-ão aos pequeninos seres de tudo quanto houve de ser, do nascimento aos rincões da plena Felicidade.

(Ilustração: Artesanato peruano).

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Acalmar o coração


Há que ter um motivo de domar impulsos e galgar o senso do Absoluto no decorrer das visões do Paraíso vistas em sonhos. Vontade extrema de dominar consta, no entanto, da pauta das condições humanas sob as quais persistem os seres. Esse instinto de ultrapassar a imaginação vem sendo assim desde longa data. A origem some no Infinito. Tantas espécies, quantas devoções e desejos em único princípio jamais esquecido. São eles testemunhas dessa construção monumental dos seres pelos séculos afora. Valores, cogitações, proezas...

Mais que impossíveis contrições, voam pelos ares nessa fome avassaladora de conhecer, a fim de desvendar o mistério que o somos. Busca incessante de resposta fez com que jamais houvesse alternativa de parar no tempo e rever o firmamento das horas. Todos, inevitavelmente, na mesma circunstância de encontrar a si e acalmar o anseio das definições que nunca chegam. Bem isto aquilo que resume o verbo das probabilidades e denota virtudes até quando fantasiosas e vagas.

Os cenários são vastos nas noites da Civilização. Apenas senhores da ficção e dos segredos, parecem compreender o nexo das História, porém presos aos grilhões do desencanto, de geração a geração, vadios de claros inavaliáveis logo a seguir desfeitos em longas narrativas abandonadas aos porões dos palácios.

Prudentes passageiros de naves desconhecidas, deixam de lado tudo quanto pudessem realizar e realizam o que jamais significaria, de verdade, o imenso coração dos dias escuros que ora vivem. Ainda que assim, lançam ao espaço milhões de planos e adormecem sob o crivo da solidão de paz. Eles, vestidos das variadas cores da dúvida, cobrem de sombras o resultado dessas buscas desarvoradas, a querer que tal as palavras invadem o território do silêncio e esquecem a que vieram aqui. Tão só, talvez, à cata de sobras das lutas insanas de outras aventuras vividas em florestas desconhecidas e distantes, aonde até então chegam poucos, ou nunca chegam, retalhos de longa descrição do quanto existe pelos céus.

(Ilustração: Hieronymus Bosch).

O ano que nos espera


Dentre as reencarnações vividas, ou por viver, a mais valiosa, que na verdade pesa com destaque e torna evidente a força do universo de todas elas, trata-se da vida atual, através de que nos vemos, face a face, perante as decisões do momento, no comando de nossos destinos, neste belo dia. Isso porque o passado deixou-se lá atrás nas suas experiências de estrada e o futuro apenas virá adiante; inexiste ainda como coisa palpável, por razões lógicas.

O presente, portanto, equivale a sabor de fria realidade, que responde a que se veio, no dispor das oportunidades constantes, nos dias. Haja considerações das outras horas, servem, pois, de citação, instrumento de estudo, lanterna de popa, contudo, a significar valor inestimável, porém fora do âmbito imediato.

Quais avaliações filosóficas utilizo para destacar a importância deste 2003 em que há pouco se chegou, nas nossas vidas, no foco da civilização de um tempo de raros desafios. Todo ano merece o máximo respeito. Alguém até escreveu ser este o derradeiro ano do resto de nossas vidas.

Quando as ocorrências exigem mudanças específicas na correção dos rumos da história, cabe aos responsáveis diretos, aos vivos desta geração, se mobilizar e redefinir as perspectivas desses rumos.

Pessoas ou países mostram as caras semelhantes. Coletividades inteiras multiplicam por muitas vezes o processo dos indivíduos de que as compõem. Cada pessoa soma no resultado. Se o mundo formou o que existe, todos respondem pelo todo produzido. 

Vive-se uma época de calmaria suspeita sobre inumeráveis barris de petróleo e ogivas nucleares. A Terra-mãe pena gemendo debaixo dos equívocos da raça humana, dona absoluta de tecnologias corrosivas. Milênios e milênios de trabalho e luta redundaram nesse filme antigo que, lagarto pegajoso, invade as nossas casas e cobre nossos sofás. O preço conduz os corações e as mentes, poder totalitário das bolsas a impor  normas e gritar ameaças de guerra.

Entretanto, novas respostas existem, no auge do império de medo e portas fechadas. Vêm através das íntimas consciências de cada uma das imprevisíveis criaturas humanas, fruto da luz transformadora, pela calha daquilo que se convencionou chamar de esperança e criatividade. Elaborar do espaço interior a renovação significativa de ampliar as atitudes para além das bases tão só materiais.

Há, por isso, níveis outros de apreensão da mesma realidade, tantas vezes inacessíveis a humanos, que surpreenderiam poetas e sonhadores. Testemunham essa possibilidade os cavaleiros andantes do espírito. Ano após ano, eles escrevem-se o discurso das eras.

Na dança, nações elaboram caminhos válidos. Turnos de idade se completam. Novas populações se sucedem. Nascem chorosas. Crescem 

Antígona

Milhares e milhares de anos antes e uma guerra civil devastaria a cidade de Tebas. Dentre as consequências do conflito, um dos guerreiros derrotados, Polinices, seria condenado à morte, face à sua condição de trair a pátria, vendo-se na sujeição de nem merecer o sepultamento do próprio corpo. O Rei Creonte, de pronto, decretaria a rude sentença, a ser logo executada.

No entanto Polinices tinha uma irmã, Antígona, que resolveu desatender a determinação de deixá-lo sem sepultura, assim providenciando suas exéquias e cumpriu o ritual proibido.

Nisso, Antígona seria levada à presença do rei e seria também submetida aos ditames do poder de ser executada sob as guantes da lei, ao que considerou que seu amor pelo irmão estava acima dos costumes de uma época. Segundo o poeta grego Sófocles, na peça de sua autoria que narra a história, isto quis dizer:

- Antes me submeter à lei maior do que à dos homens, que não significa muito, e atender ao que manda o meu coração, mesmo que com isso venha perder a própria vida. Doutro modo, passaria o resto dos meus dias a imaginar que deixara seu corpo ao relento, em contrário ao determinam os meus sentimentos verdadeiros.    

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A solidão das esferas


De tanto procurar um filme pelos aplicativos, e recordar os sonhos da noite que passou, bem que isto agora significa alternativa por demais. As quantas vertentes e as pessoas, espalhadas no firmamento, todas ao seu modo revertem o tempo e desvendam seus mistérios trazidos desde sempre. Circunstâncias variáveis, pois, que sejam, representam, faces de um mesmo espelho infinito a viajar lá longe pelos céus.

De imaginar consequências assim, viajam todos nesse patamar de histórias incompletas, soltas aos olhos fechados, enquanto os pássaros seguem seus trinados aprendidos diante da sorte necessária. Um a um, quais cápsulas, em esforço contínuo de compreender a si e transmitir o que lhes chega ao senso, os viajores ausentes invadem e somem noutras dimensões. Com isto, o esforço vivo das variações de humor toma de conta do mundo em volta, a contar as fantasias transformadas em longas narrativas, até quando, no entanto, ninguém sabe.

Essa tal exatidão dos objetos que o somos fala disso através do silêncio guardado no sótão das almas, lugar sombrio onde de tudo acontece na medida dos desejos individuais só então aprendidos no fluir das gerações. Sementes e frutos de nós próprios, rolam aos milhares diante do teto das horas, e o chão corre aos seus pés, por vezes lento, no inesgotável da velocidade dos amores e dos sonhos. O que representa, pois, existir a todo indivíduo, eis a pretensa e parcial resposta, presa na garganta passados que se foram e dos séculos de expectativa e novas oportunidades.

Porém nada além do possível das luas em movimento pelos corredores da visão, instantes e palavras largados nas calçadas do Universo, nascidos de personagens ainda cobertos de politeísmo e vontade estéril, à medida desse mesmo rincão donde aqui nos vemos a crescer e desaparecer; horizontes cobertos da lama dos períodos geológicos penam aos poucos nas entranhas e indicam de desejo o sentido inevitável de um encontro verdadeiro consigo e com o Sol.

sábado, 21 de dezembro de 2024

O poder infinito do Amor


Sabor de paz no coração da gente, que evolui em profunda transformação da consciência dos que andam vivendo pelo chão. Nessa extrema disposição de ver acontecer os sonhos das verdades maiores, as luzes acedem alegria que circula os panoramas da beleza universal. Sentimentos superiores de harmonia invadem os pensamentos e trazem de novo os momentos felizes da primeira infância, de quando havia inocência original. Ainda que sabendo o que depois chegaria, melhor assim, permitir renovar as possibilidades do espírito em forma dos fenômenos em movimento, a crescer o instante da satisfação de contar história cheia de solidariedade e respeito passados os pesadelos e equívocos.

A salvação vem, pois, no seguir da humanidade, quando concretizará as promessas dos místicos face ao desenvolvimento da sensibilidade humana, portas abertas a todas as respostas positivas que nos aguardam. Sentido da inteligência universal maior de todas, a força da vida eterna revelará o quanto de infinitude mora aqui do lado a falar da saída clara do final do túnel das contrações de parto que floresce no calendário das eras.

Falar com gosto da grandeza do detalhe que leva ao todo, o amor que em tudo impera e sobrevive, alimenta as chances de concretizar esperanças em forma de bênçãos. Conter a ansiedade das angústias, reter na fonte o desespero dos aflitos, reconstituir de modo sadio as tragédias do egoísmo antigo, produzir cena perfeita da tranquilidade idealizada pelas pessoas de boa vontade.

Qual não fosse de tal jeito e jamais a certeza das vitórias de depois da luta. Perdidos estariam os seres e desfeitos os cenários inteligentes da Criação. Argumento consistente, o tempo presente eternizará para sempre o pleno amanhecer das vidas que desenvolvem o plano de realização das almas, emissários da grandiosidade perene na luz esplendorosa das existências.

 

A realidade e as falas


Essa vontade extrema de não deixar ir o tempo e contornar o desaparecimento é o que impõe a fome em dizer, amealhar nas frases um sentido a todo custo disso que passa fulgurante aos nossos sentidos e some logo ali. Luzes acedem e apagam no limite das possibilidades, e mesmo assim, desesperadamente, as pessoas insistem dizer, querer narrar o que, na verdade, viveu no âmbito da alma. Contar, firmar padrões quase comuns a quantos, contudo fugazes imitações daquilo que veio e logo desapareceu no firmamento das horas, pedaços de momentos, fagulhas de sentimentos, cicatrizes, tatuagens da fama de seres e objetos, multidões doutros fatores, no entanto agora só imagináveis, talvez.

Disto, a insistência dos monumentos, das datas festivas, dos amores gastos dos romances históricos, das fachadas, dos mercados, os slogans, as feiras, estátuas, solenidades, até o fastio nos templos, nas ruas, nos bosques, tradições, cantares... Querer narrar dalgum jeito o vazio do que antes foi e agora ausente de tudo e de todos de uma hora a outra. Só então chegam as falas desde sempre, ainda nas cavernas, então.

Esse hábito por demais invade o senso das criaturas e, quais códigos secretos, daí vieram as falas, as escritas, os livros, jornais, revistas, dramas, cinema, televisão, numa insistência esquisita de vencer o silêncio e jogar ao limbo os sóis que existiram e deixaram aqui suas marcas no sótão dos acontecimentos trazidos à saudade, às melodias, aos céus das consciências individuais.

De tanto ser tal e qual, vagamos soltos nesse mar de pensamentos, espécies de sobreviventes sombrios das luzes que brilharam quantas vezes e criaram tantos sonhos e desejos feitos de carne a nos carregar nos próprios ombros do Mistério que hoje somos. As palavras, pois, ser-se-iam versões do passado que, nalgum lugar, seguirá existindo enquanto houve as recordações transformadas em letras, suspiros vivos da certeza do Ser.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Quadros anuais


A
inda que seja assim o panorama visto de mais um término das contagens anuais há que se sonhar diferente, menos cinza, mais cores vivas e sadias, porquanto as novas gerações carecem da coerência das sociedades, retrato da civilização que chegou ao novo milênio prenhe da vontade lúcida, cultura e verdades justas e sobranceiras.

Olhar o que passou no decorrer deste período anual deixa margem a muitas conclusões de preocupação. Isso tanto na vida nacional quanto no cenário mundial, ambos cheios de contradições e desprezo pela condição humana. De uma hora a outra tudo pode acontecer.

Já no panorama internacional, os titulares insistiram em domar pela força os mercados de capitais e prevaleceram da hegemonia nesse instante sob o risco de graves transformações na geopolítica mundial. O conflito de árabes e judeus, de preocupante memória, persiste a fazer vítimas e gerar pendências também fora das fronteiras da Ásia Menor.

O clima, depois das desavenças de rotina, volta à tona qual fator de sobrevivência das espécies, dentre elas a dos humanos. Estudiosos chegaram a cogitar de que a mão humana jamais abalaria a ordem do Planeta. Porém, na face das mudanças climáticas que avassalam temperaturas, o volume dos oceanos e o regime pluviométrico, ao que tudo indica, exigem providências urgentes e inevitáveis dos donos da riqueza. A utilização dos territórios e a produção de alimentos, além do uso monumental dos combustíveis fósseis, ocasionam conferências e tratados, longe, no entanto, da sinceridade das práticas corretas nas interpretações razoáveis. O acúmulo de lixo pelos mares e chãos significa a fragilidade da raça e a carência de critérios no uso das riquezas. Contudo, há que imaginar dias melhores e a certeza de um Poder Maior a tocar adiante o barco das realizações durante todo tempo.

Sob o signo do amor maior de Jesus, sempre é momento de lucidez na necessidade de sermos um só rebanho e um só pastor, quando todos viveremos em Paz e construiremos mundo novo e feliz.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

O somatório dos dias

 

Disto, do que somos feitos, pequenos cristais da mais imensa das tradições, místicos artefatos de uma sorte a tantas mãos em movimento. Tudo, enquanto isso, de formar os degraus da infinitude e tanger o rebanho do que seremos minuto a minuto. Nós, seres só então iguais ao minério da Criação depois dos trâmites das inconfidências, dos festejos e das dúvidas. Posseiros das tais tradições e dos tantos firmamentos, descemos, subimos, talvez num mesmo instante, naquilo que antes fomos, deixados ao limbo da matéria, (talvez), do pouco que hoje haveremos de ser em definitivo.

Transposto o céu das outras vezes, nesta hora, de novo, fixaremos imaginárias habitações a firmar nas saudades os refolhos da alma. Seres assim esquisitos até a si próprios, vagos, às vezes livres, transidos pelas ondas sucessivas das novas estações; sofridos, sorridentes, olhos fixos em toda soberania; seremos os parceiros das mesmas sombras, sequência das trilhas do sabor e das estruturas frágeis de que pensávamos ser feitos, no entanto.

Através dessas ruas cheias de quantos personagens semelhantes que conjecturam viver as histórias contadas nas telas deste mundo mecânico, veem-se uns aos outros e se acreditam nas certezas de milhões das estrelas a rebrilhar na noite das ausências lá adiante. Suportam existir, na esperança doutra realização além dos meros calendários escritos, enfim.

As casas, os edifícios soltos das estruturas urbanas, o movimento dos automóveis de muitas cores, motos, semáforos, vendedores ambulantes, lojas, painéis ilustrando a repetição dos conceitos, autoridades, praças, ruídos inesperados, microfones abertos, bancas de jogos, revistas, perguntas e respostas; entes misteriosos a percorrer os antigos chãos das cidades abandonadas, luzes que iluminam o enredo inesperado, porém suficiente de repensar o estreito espaço entre o sonho e a realidade.

Nisso, todavia, consistem os acontecimentos ocupantes dos dias, das multidões afora, neste mar das existências. Tantos a fustigar as ânsias fugazes do Destino, de revelar a compreensão na razão desse motivo original de estar aqui e alimentar o Tempo e suas presenças e plenitudes.


terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Artesões da Consciência


Quem olha para fora sonha; quem olha para dentro desperta.
Carl Jung

Na viagem do Ser persistem as possibilidades trazidas pelo Tempo nesse mar de imprevisões da existência. Há um eu dentro da gente que divide a fim de reinar, o ego. Enquanto isto, mergulhados na própria essência, ali consiste a busca de revelar a percepção do Absoluto, pois ser-se-á isso a existe de perante nos infinitos. Dessa busca tenaz virá o senso da revelação de Si Mesmo através do ter do Inconsciente, livro guardado de tudo quanto viemos ora fazer. Nisso, as filosofias, psicologias, religiões, lendas, revelações, matrizes do mistério que dorme no coração dos seres humanos.

Conquanto submissos às determinações da Natureza impessoal, habita no cerne da luz de que são dotados desde o princípio, razão do Universo original e um vário destino perfaz o senso das gerações. Então, neste intervalo entre a ilusão e a Consciência bem ali reside a presença do motivo de estarmos neste Chão.

Os mitos transmitem este sentido das existências, no entanto só perceptível pelos humanos à medida em que despertem ao real objetivo de trazer aos objetos o princípio do conhecimento de já estão previamente dotados desde sempre. Seres inteligentes da Criação, pois, vindo daí a decodificação dos segredos no milagre de merecer estar nesta missão e chegar à consciência da Unidade Divina, justiça de tudo.

...

Empenhados em rever as consequências funestas de nossos afazeres diários cheios de apegos e falsas realizações, palmilhamos o território da incerteza, caravanas perdidas em desertos imaginários, e nos detemos a sonhar com tantos outros descompassos. Deixamos afora raízes e séculos, numa solidão pessoal de causar desencanto a todo passo. Até quando... Assim, quais bichos da sede no afã de seu ofício, lá um dia tecemos de nós mesmos o linho da Salvação.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Cativos da memória


Folhas soltas quais jogadas ao léu, são os acontecimentos que circulam as trilhas das lembranças a todo momento, tais quisessem tomar de tudo o que nos restaria livre do tempo em formação. Isso de tal modo que nos parece dominar, invés de sermos os senhores das tais modificações de conteúdo que percorrem o pensamento e chegam quando nem menos aguardamos, em cargas e profusão.

A primeira impressão desse movimento secreto que percorre este ser que somos é de habitarmos um oceano de imprevistos a crescer dia após dia. Material ativo, vez em quando nos arrasta, entretanto, de volta a lugares inesperados, de histórias fartas, humores arrevesados, presas de titãs monumentais, pedaços de todos em retalhos de fitas e gravações inevitáveis daquilo do quanto ocorre nas malhas da existência. Datas outras, vezes notadas, impõe novas condições àqueles momentos sobre vindos nesses registros poderosos assim fixados noutros departamentos das eras que não sejam esses dagora onde percorremos a faixa do instante, a nunca mais desaparecer no acaso. Bem isso, a fábula das memórias guardadas nalgum altar da consciência e que trazemos a tiracolo nas vidas adiante.

Fôssemos distinguir a quantas viemos e as nossas destinações, ver-nos-íamos por isso prisioneiros desse aplicativo primoroso das maravilhas das recordações, prodígio da Criação. Ligar-nos-íamos, porém, ao tanto que produzirmos nas águas de nós mesmos, e daí poder-se-á compreender de perto a importância de ser e existir, num curso definitivo de nenhuma alternativa senão aceitar de bom grado o nosso passado e trabalhar a evolução em acordo com esse patrimônio irreversível do que fomos, lá numa vida, somatório precioso do que formos agora.

O mais fica por conta da conformação e do aprimoramento do que viermos a analisar, prováveis deficiências daquilo que não soubemos administrar, nas raias do Infinito. Eis nisto a missão de um e de todos, essas unidades em profusão no plano celeste.

sábado, 14 de dezembro de 2024

A lagartixa encantada

Que ela vivesse ali na floresta sem maiores preocupações, disso ninguém pode duvidar. Daí que, certo dia, no final da manhã, lá que vem um bando de meninos levados; voltavam da escola cheios de novidades e querendo chegar logo em casa a satisfazer o apetite. No entanto, eis que avistam a lagartixa, inocente animal cheio de confiança até em menino que saísse apressado da escola. Nisso, a notar o grau de periculosidade em vista, a lagartixa maquinou um dos seus velhos truques aprendidos com a avó, de se transformar em uma garatuja, bicho imaginário dos velhos sonhos de infância.

E assim ocorreu, a lagartixa vira uma garatuja quieta num canto, o que despertou nos meninos a vontade de levá-la consigo até em casa. Improvisaram, pois, um balaio de galhos e folhas e foram em frente.

Em casa, a temer que a mãe questionasse quanto àquele bicho esquisito que levavam escondido, trataram de entrar pela porta dos fundos e despejar a garatuja no depósito lá dos fundos, de quinquilharias da despensa. Foram comer, correr e agitar, nessa vida infantil que levavam a sério no sítio afastado.


Outro dia, antes de sair ainda foram olhar a garatuja entocada. Quieta no canto em que a deixaram, ninguém mexera com ela. E foram de novo às aulas. Contudo não contavam que a mãe desde cedo arrumasse a casa e desse de cara com o bicho no mesmo canto em que as crianças a deixaram.

Mais do que depressa, pegou de uma vassoura e uma pá e atirou a garatuja bem longe, lixo abaixo, da colina onde viviam.

Nessa hora, a lagartixa, então, acordou do encantamento e fugiu apressada, voltando à floresta, dessa vez mais desconfiada ainda de meninos levados e conhecedora dos riscos por que passam os animais neste mundo aqui do Chão.

(Ilustração: Secretaria de Meio Ambiente da UFC - Universidade Federal do Ceará).

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

O infinito da compreensão


Isso de comunicar que tem tanto capricho de um a outro de uma distância transcendental na ânsia de chegar ao coração das criaturas, porém certos de deixar na distância tudo aquilo que mais quisessem transmitir. Face às existências, guardar segredos nessa busca incessante de significados entre vidas e vidas que vagam soltas nos farrapos das lembranças a sacudir as árvores que ainda persistem nas cumieiras dos céus, e suas histórias sendo contadas a todo instante na alma das pessoas, na dimensão resistente do tempo.

No andar dessa igual ficção do que a memória consegue preservar, ali residem os dias do passado na relíquia de tantas saudades grudadas pelas paredes do ser, a dominar o desejo e permanecer onde estivera. Estáticos, pois, pisam de leva o solo dos instintos e recordam amores intactos que ainda existem nas dobras do pensamento, enquanto cá fora deixaram rápidas pinceladas, neste drama estéril da ilusão.

Mesmo que desejemos traçar o roteiro das luas a circular o céu, quantas noites silenciosas já deslizaram na crosta da solidão. Astutos entes misteriosos percorrem o firmamento quais novos verões, a nascer de dentro da vontade, contudo só em retalhos de nadas que lá de longe fogem do real motivo de estarmos aqui. Quer-se, todavia, imaginar outro sentido a tudo isto, e insistir naquilo que antes foi e se desfez aos primeiros raios das manhãs ensolaradas.

E sobreviver a si próprio desde sempre vem sendo tal e qual dizem as quantas melodias, os lampejos e a inspiração dos menestréis, a transitar na raia dos sentimentos. Nós, quem buscava descobrir a porta da Salvação e divisou o prazer imediato que tortura a todo momento. O sonho de amar dos deuses, o poder inevitável da humana criação, murmúrios dos cérebros abandonados nas florestas dos precipícios siderais, pequenos tesouros e paisagens furtivas, eis o que de novo insiste tocar a razão de continuar horas a fio.

Um casal quase perfeito


Eram conhecidos quais exemplo de harmonia, vivendo um para o outro, durante mais de 60 anos, sem o desconforto das briguinhas inconvenientes da maioria dos casais. Criaram nove filhos, espalhando-os pelo mundo. Na redondeza, ninguém conhecia o que lhes desabonasse tamanha afinidade.

Nesse clima de correção, mereceram o reconhecimento das pessoas do lugar. Receberiam medalha votada com especialidade para isso. As autoridades, numa noite memorável, numa homenagem sem igual, distinguiriam perante todos aquela vitória do bom convívio.

Um dos secretários da prefeitura se responsabilizou para fazer os contatos e numa tarde se dirigiu ao vilarejo onde moravam.

Ao chegar com os assessores, encontrou apenas a mulher, que lhe recebeu com muita satisfação. Depois de explicar o motivo da visita, detalhes da comenda, esperou chegar o marido que se achava na roça.

Mais tarde, quase ao escurecer, o homem retornou suado, maltrapilho, exausto. Notou ansioso a presença das novidades. Cabisbaixo, entrou meio desconfiado e ficou escutando as justificativas daquilo tudo, os motivos das ilustres presenças.

Ele logo desconversou. Queria saber de nenhuma homenagem, não! E fechou a cara. Aquilo dizia pouco de quem andava fora das festas; pouco gostava de lugar de muita gente; estava bem no sossego dos matos, etc., etc.

- Mas, marido, perder a vez de conhecer outras pessoas... Fazer amizades, tu que se agrada em ver cara nova... E o doutor prefeito foi quem escolheu a nossa família para isso... – era a companheira se desfolhando nas maiores explicações, disposta a convencer a qualquer custo o parceiro renitente.

- Não, não! Até hoje passamos sem isso – arrematou o marido.

Perante o impasse, num gesto cordial, a dona da casa levou as visitas até o terreiro, avisando-as baixinho que tivessem paciência, seguissem com a programação e, na data, tudo iria dar certo.

Quando lá dentro, de novo repetiu a carga. Justificava com intensidade as razões de aceitar a oferta dos seus conterrâneos. Somos nós os mais unidos dessa localidade. O casal que sabe viver melhor, marido – foi dizendo carinhosa.

- Olhe, mulher! Disse não, pois é não mesmo!

- Mas, marido...

- Nem mais, nem menos. Não, e pronto! Ouviu? – falou bruto, afastando ríspido o corpo frágil da mulher, que pendeu entristecida em face da resistência do companheiro.

Nessa hora, a mulher parou num canto, circulou os quatro lados da caixa dos pensamentos e viu ficar pouquinha a humilde resignação de tanto tempo. Bem ali conheceria os limites das décadas da extrema penúria que em segredo eles viveram. Pensou. Pensou um pouco mais... Quis chorar; ciente, no entanto, que pouco adiantaria derramar as lavas do vulcão das emoções a lhe sacudir o peito, proveniente das entranhas de um coração magoado. Daí, então, soltou a matraca, detonou cantilena de fala jamais imaginada pelo parceiro dos anos de casados:

- Quantos sonhos perdidos nos cuidados que agüento contigo – suspirou, alongando a voz. - Tu e teu carrancismo, nessa falta absoluta de amor comigo, sem querer atender coisa alguma, faz uma eternidade... Quanta noite passei sozinha, te vendo chegar das farras fedendo a cachaça, grudado que eras nos sambas de latada, bebendo, prosando, gastando o pouco que reunia... Voltavas dos braços das outras mulheres. E nunca eu disse tantinho assim. Segurei aquilo tudo, tudo, calada para manter as aparências do casamento que negara a mim mesma. Vezes e vezes amargurei tuas grosserias, em nome do lar, dos filhos que criei sozinha. E agora, nesta rara oportunidade de mostrar aos outros o que construí na renúncia do isolamento, tu demonstras intransigência, má-vontade, o que me ofereceu durante a vida inteira... Só lembras de ti e mais nada... Chega... Chega...

Após essa rusga ninguém soube da homenagem programada, pois logo adiante a velhinha se despediu de casa e mudou-se para São Paulo, onde viveu alguns anos na companhia de um filho, distante da terrinha que nunca antes pensara em abandonar.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Uma era de consequências

 

Mesmo uma vida feliz não pode existir sem um pouco de escuridão. Carl Jung

Tempos esses de quando se sabe que o prazer físico é o pecado original. Mesmo diante de tudo que aconteceu ninguém pode duvidar dos frutos até aqui depositados nas sementes jogadas ao chão da História, mil segmentos de tantas civilizações e quantas intenções vividas a ferro e fogo ao sabor da aparente inconsequência fruto da ignorância. No entanto, havia de ocorrer, portanto, razão primordial de uma inconsciente liberdade que fez da existência o motivo de estar e viver as possibilidades deste ser que o somos.

Daí os resultados produzidos aos valores propostos nas práticas, no furor dos instintos, e só agora trazidos à tona face ao que estar então significaria na própria pele. Minúsculos papeis que coube a cada um carregar em si na geração e no panorama em ação, a correr pelas veias das raças ao preço desta síntese disso resultante. Olhar no íntimo e saber daquilo a ser pago na bolsa do mistério, colheita por demais inevitável, pois.

Outrossim, matriz da humana consciência, aceitar consta de tudo, a sustentar a força de continuar perante os céus as lutas insanas de haver seguido em frente e desejar que assim houvesse de ter acontecido. Isto sem mágoa ou dor, soma de valores aos desejos guardados nas sete capas dos objetos utilizados numa confecção definitiva.

Admitir, por isso, a visão do êxito que compõe o quadro vindo aos dias numa justa aceitação de nossas limitações, encontro de sombra e luz desse enredo das vivências e dos sonhos. Reunir, aceitar e integrar ao sentimento as marcas de todos nossos passos, vejo nisso a resultante das epopeias e a letra fiel dos dramas e comédias onde exercitamos a experiência de viver e ser feliz.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

O império das palavras


Esse mesmo poder oculto que têm os pensamentos, também possuem as palavras, território livre entre os humanos, traços de personalidades, restrições, farpas, limites de tempo e espaço, a flutuar sobre o silêncio magistral, numa extrema determinação das circunstâncias a elas submissas. Querem vida própria a ponto de impor condições e confrontar a mesma realidade de onde nascem e desaparecem, independente da vontade dos seus usuários, a bem dizer seus submissos senhores.

Ser-se-iam meros objetos da humana criação, porquanto nada mais significam do que objetos de utilização em casos esparsos e celebrações de resultados parciais. Trastes velhos à medida de seu uso, tangidas aos estercos de currais abandonados pelos protagonistas até há pouco donos de si, porém virtudes sem maior compreensão. Daí que enchem farnéis imensos dos viajantes desse universo restrito onde habitam e fogem na medida do tempo em movimento. Seriam quase que apenas rastros deixados aqui no lodaçal da dúvida de onde vieram, marcando festivais de vanguarda e noites do total isolamento dos que vivem o abandono da Civilização.

Uns as desmerecem, porquanto idolatram o silêncio... Depois de tudo, no entanto, arrastam consigo as sórdidas lembranças de vestais que os admiraram até receber o custo inevitável do desaparecimento. Velem de marcos definitivos de eras sucessivas lá onde pautaram credos e reinados nas fulgurações de tantos reis esquecidos. Peças raras de relacionamentos, transpostos os instantes, definem outras visões nem sempre iguais ao que antes foram.

Vez que retribuem ao pé da letra esses conceitos de gerações, representam longas dores e prazeres inigualáveis de todos, a largá-las nesse mar ilimitado das horas pelas florestas dos corações em movimento. De resto, refletem quantos conceitos escreveram a História que ora some à medida em que aguardamos novas lendas e verdadeiros sonhos.

(Ilustração: Castelo de Brennand, Recife PE).

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

A sina do poeta


Dia desses, numa das ruas centrais de Crato, me avistei com João Roberto Coelho, que, na ocasião, me ofereceu uma pequena publicação de versos de sua autoria publicados pelo Serviço Social do Comércio – SESC, através dos projetos Armazém do Som e Performance Poética.

Os poemas enfocam temas variados, desde aspectos sóciopolíticos do planeta Terra, passando pelos valores morais de seus habitantes, atualidades gerais do sistema que domina as instituições, prenhes de demonstrações daquilo que impera no caráter das pessoas, sonhos e aspirações de épocas melhores, de sofrimentos transformados, sertão ameno e esperanças redivivas, às lutas existenciais dos aspectos de grupo, natureza humana, injustiças da ordem vigente, variação das personalidades, dúvidas e a arte difícil de palmilhar esse chão carente de uma reforma agrária substancial, tema da peça que conclui a coletânea do autor.

Escrever significa transcender a condição restrita de cada sistema individual no esforço da vontade audaz de chegar além, aos outros e dizer dos próprios pensamentos, aventuras intermitentes que varem o Universo, busca das respostas que a vida faz e se ler à medida dos olhos internos do coração.

No livro Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria Rilke resume com propriedade alguns aspectos da criação, aonde diz que uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade.

Queiram ou não as rotinas sociais, o poema impõe sua condição de gênero de primeira água, porquanto, qual as flores sem função alimentar definida, alimentam a alma até de quem duvida que alma existe. Todos viventes guardam em si as lembranças dos milhares de poemas que consumiram e esqueceram na consciência, porém que formam a trilha dos dias, através da memória inconsciente, audições do tempo, frutos da inspiração dos poetas os quais talvez nem lembrem o nome, as músicas de cada geração.

Mesmos os iletrados se alimentam desses poemas dispersos no transcorrer da vida, retendo na cabeça e sentimento as marcas cotidianas de amores e momentos, razão mágica das flores de beira de estradas, a ilustrar os passos, amenizando o peso da camada atmosféricas das fases cinzentas, ou das alegres quermesses de temporadas felizes.

Nos versos de João Roberto, nota-se uma intenção de interpretar a função de viver e, nisso, repassar ideias, senso crítico dos que guardam detalhes essenciais da peleja, focos e condições dos caminhos, nas emoções do poema. Recebe as influências de largas preocupações internas, das perguntas ao vento, respostas vagando na história.

Noutro momento de seu livro, Rilke, poeta tcheco que viveu entre os séculos XIX e XX, época de profundas transformações, afirma que as obras de arte são de uma infinita solidão; nada as pode compreender e manter e mostrar-se justo com elas. É sempre a si mesmo e a seu sentimento que deve dar razão contra toda explanação, comentário ou introdução dessa espécie.

Por tais motivos de quem sabe mais, silencio e admiro os poemas desse moço caririense que se pretende poeta e realiza seu sonho.     

domingo, 8 de dezembro de 2024

Intérpretes do Destino


Se podemos viver apenas uma pequena parte do que há dentro de nós, o que acontece com o resto. Amadeu de Almeida Prado (Trem noturno para Lisboa)

As quantas formas de considerar inclusive as lendas do que contam a propósito dessa estada junto dos objetos daqui do Chão. Vive-se de experimentar tantos momentos, quantos sentimentos, pensamentos, emoções. Sempre a ter o que dizer de tudo. Olhos fixos nem sei aonde, porém braços fortes de viver a todo custo as percepções variadas desta existência.

Por mais se tenha motivo, no entanto a longa estrada dá de cara com o desfiladeiro das sombras, das saudades, num vazio por demais, onde as horas viram séculos e os séculos viram coisa alguma, nada.

Enquanto isso, mantemos fixos no Infinito a dança das multidões, senhores absolutos das ausências incontidas. Daí, vêm fama, poder, relacionamentos, colcha de retalhos dos segundos que, apressados, cortam os sóis e, soltos ao sabor das imprevisões, nos deixam atônitos de tanta sede do amor verdadeiro.

Disso, contudo, restam as histórias, fermentos intactos do inesperado a trazer o conforto dos sonhos, das trilhas fantasiosas das ficções, razão de sonhar que o tempo mostra aos mais atentos. São eles os personagens intactos de tudo quanto houver lá algum dia nalgum lugar, nalguma varanda do Sertão, a meio das estrelas no céu e ao sabor de uma brisa aconchegante, depois de tardes calorentas. Olhar as memórias e reviver lembranças inesquecíveis das experiências e dos firmamentos. Bem longe, as músicas, os hinos, benditos, pássaros distantes, ecos avermelhados dos finais dos dias e uma força misteriosa a nos percorrer as entranhas.

Assim, presenciar a intensidade da longa noite desse universo e rever todos os conceitos, numa viagem esplendorosa de dentro da gente, cheia de indagações e respostas ainda vagas do que sejam, entretanto, persistir e encontrar a essência da jornada do inevitável. Sermos, pois, reais intérpretes desse transe que nos levará a perfeição do Absoluto e de achar, de uma vez por todas, a razão de estar aqui, causas e nexos do quanto existir durante o fulgor de todas as gerações.

(Ilustração: Paisagem da queda de Ícaro, de Pieter Brueguel, o Velho).

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Os degraus do Paraíso II


Ó tu, que não te deixas ver, embora nos faça conhecer-te, todo mundo é tu, e ninguém se não tu é manifesto. A alma se esconde no corpo, e tu te escondes na alma.
Farid Ud-Din Attar

Nisto, essa fome voraz de querer, que, no entanto, em tudo se manifesta, também aqui a todo instante tende a fazê-lo, ensinando às criaturas através da vastidão dos céus além visão e dos objetos, porém feita de sintomas soltos a meio de povos que se perguntam do quanto existe que possa constituir a causa primeira de tantos desejos em queda livre. Enquanto interroga a si, perpassa as dobras do mistério sem que possa deixar a luz dobrar o firmamento depois do mistério, e assim trazer o barco da existência ao seu destino.

Dúvidas não há depois dos quantos conceitos deixados nas respostas que ficaram do passado, porém longe que sejam das reais necessidades da prática fiel do Bem. A gente com isto reúne pelas palavras o que circula nas veias, e fala dessa distância quase infinita entre pensar e dizer. Conquanto tais acontecidos, todavia o mesmo instinto de falar em códigos persiste vidas e vidas, sabendo só de uma certeza vaga dEle que junto nós sob o manto de todas as cores.

Há pouco nada havia, nos meros fragmentos de ideias acesas a vagar dentro do caos e das ausências, outrossim cólicas de um querer insistente ao raiar dos sóis a contar dos universos de sonhos e visões. Nós, manifestação de algo insólito, a meio de conjunções e figuras de linguagem, frutos dos anseios a céu aberto na consciência de todos, impacientes de vir à luz e fazer do instante sua origem e ser-se-á por demais onipotente, apesar das ilusões e fantasias que nos acompanham os passos neste chão.

Nisto, essa fome de querer, que, no entanto... Hordas bárbaras, no jeito das realidades inexistentes, ainda que tanto faz a claridade e mora de junto, silenciosa, fazendo-nos astutos, e desaparecemos ao menor gesto de solidão.  

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Abstrações


Isso de andar lá dentro da gente quais habitantes das florestas pessoais até então desconhecidas, no entanto por demais palmilhadas no transcorrer do tempo de quando estivemos a viver e guardar no íntimo todas aquelas impressões, isto sem falhar, a bem dizer, em quase nada, tem significado de motivos eternos. São tantas lembranças desse outrora que ficou gravado na essência desde minha infância, no sertão de Lavras da Mangabeira, vindo em seguida morar com a família em Crato na infância; depois, trabalhando em Brejo Santo durante quatro anos e seguindo a Salvador, onde viveria sete anos de estudos e trabalho, com o regresso ao Crato em 1977, onde vivo desde então, essa trilha imensa contém milhões de recordações inseridas na consciência num tudo de experiências, amizades, namoros, moradias, viagens, enfermidades, ausências, saudade incontida que parece querer me dominar invés de serem peças só complementares do quanto ora sou.

Sempre reunindo, pois, fagulhas de uma fogueira imensa isto perfez meu ser, hoje, ao buscar dizer disso, desse intervalo entre realidades e figurações imaginárias, contudo ao sabor de meus momentos, de minha vontade. Fico a escutar, dalgum ponto distante, o que haveria de contar, espécie de confissão doutras existências de quando fico sozinho comigo mesmo. Nisso vão se passando as cenas das muitas vivências e as detenho na intenção de partilhar em mim tantas histórias dessas formações geológicas da alma a me fazer companhia todo tempo.

Um mundo dentro de outro, assim me parece existir, nuvens em movimento neste céu aberto das configurações reais que transitam no solo da presença. Enquanto isso, as ideias viram palavras, e as palavras formam as frases, neste dizer incontável da consciência, onde personagens de tantos filmes, romances, elaboram novos sentimentos que voam no decorrer das circunstâncias, apenas agora regidos pelo próprio autor e mesmo protagonista, a coincidir no mesmo barco do sem fim tudo o que haverá de sobreviver no subsolo da razão aonde for.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Há um céu na consciência


Distintos lugares agora compõem esse quadro das individualidades, num movimento constante delas consigo próprias à busca de um encontro por demais na fórmula única de acalmar de vez o juízo. São todos eles pedaços de uma só presença, no entanto desfeitos nas imagens dessa paisagem disforme, reunião de tudo quanto existe ou existirá. Fragmentos que enviesam pelas horas, todos, pois, se desvanecem ao contar a si tais versões daquilo a que vieram das viagens interplanetárias dentro da memória, na urgência de achar a resposta do teorema que lhes resolverá, nalgum momento, a equação dos destinos.

Seremos, por certo, feixes de perguntas a preencher as dúvidas no teto das virtudes, ainda que as respondamos da melhor maneira, consoante crises de amores invisíveis na teoria do caos. Máquinas de pensar, que trabalham astuciosas, refletem disso as verdades que vagam neste chão de bronze. Às vezes duram até além das garantias, contudo máquinas de astral então desconhecido, e por isso os levam adiante feitos interpretes de textos ilusórios, grãos de espigas e versos de canções inesperadas.

Esse mister de continuar a todo custo perfaz o coro dos contentes e traduz deveras as tantas histórias deixadas aqui e ali pelas folhas do Tempo atiradas na lama. Onde estejamos dormirá o mago da salvação, duende em mil trajes esquisitos de cores vivas. Uma hora a outra tudo muda ao sabor da impermanência, desde as marcas dos automóveis esquecidos nas ruas no recôndito das eras. E os mesmos personagens, olhos acesos, aguardam este despertar lá na essência, andarilhos da sorte no mar das quantas luas.

Ânsias e ausências bem refletem as épocas que ora existem na alma das criaturas imaginárias no palco de películas autobiográficas desse mundo no que transformaram os canais das possíveis soluções. Nisto, naves deslizam no universo dos desejos e insistem invadir os pátios abandonados, e traduzir em definitivo o mistério soberano.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Tempo, esse traço de união


Tem jeito, não. Escreveu nem leu e ele se manifesta nas consciências. Escada entre o nada e coisa nenhuma, daí promove a roda voraz de todos os acontecimentos largados no vazio do Absoluto, marcas deixadas pela Eternidade no abismo sem fim num sistema de completo anonimato. Nisto, a História, tudo enfim que lhe pertence. E as manifestações, suas lídimas virtudes que desprendem força inesgotável e em si mesma se destrói, qual de peças prontas fenômeno de uma pura e fiel decomposição.

Conquanto passos aparentemente presentes, é-se tão só fagulhas da fogueira descomunal do quanto existe, sem constituir em provas cabais, desfeitas à luz dessa justiça dos laços que desatam na mesma velocidade das elaborações, e que pare e devora na própria existência. Lá, no entanto, sob o manto da mais frontal das persistências, ele contorna a presença antes refeita, máquina voraz do quanto oferece esta face dos momentos em voga.

Algo assim, tal folguedo inolvidável, ele compõe seus quadros efetivos e os desfaz no âmbito das batalhas e das crianças que surgem nas janelas, a contemplar esse método definito das aventuras de um ser por demais proficiente e misterioso. Outros veem das bandas da cozinha a solicitar mangas e laranjas, cantando benditos agora desconhecidos.

Um determinante da ação do Tempo na nossa presença fica por conta dos rastros deixados na memória das criaturas humanas; daí seus tantos documentos espalhados pelo mundo em livros, músicas, filmes, lendas, profusão de causar espanto, revividos pelas mentes das pessoas no transcorrer das gerações. Nas lembranças e nos sentimentos. Largos resquícios de todas as histórias então vividas e contadas e as marcas que ficam no frigir das circunstâncias.

Há qual o que a previsão de tudo que permanece em registros cósmicos, a significar o processo da evolução no decorrer das tantas existências, uma constante transformação que soma essas emoções experimentadas e partilhadas entre todos nós, criaturas e formação imortal, efetiva, desse mistério desde outrora visto, porém fugidio e silencioso.

sábado, 30 de novembro de 2024

Na vastidão do Infinito


Só o amor se compara a isto, dimensão intraduzível nas palavras, conta desse mistério de tantas existências infindáveis lá além do quanto permite saber, pensar e até compreender. Ao aprofundar a vista a qualquer ponto dos céus eis que, num mergulhar, chegar-se-á ao Infinito, porquanto nenhum limite existirá na face das estrelas em movimento, algo assim por demais tocante, que demonstra a pequenez do que ora somos, apenas minúsculas testemunhas do Cosmos que nos envolve sempre do inalcançável durante todo tempo.

Nisto, seres que interrogam, angústia sem par, reclamam possibilidades, porém clamor silencioso responde o intangível. Vagamos, contudo, a saber de tantas dúvidas, cérebros ainda insuficientes de desvendar a real consciência do que de verdade sejamos, mesmo cientes de existir dalgum modo.

Em consequência de quanta interrogação, deslizamos no inesgotável das horas e nelas tecemos de esperança e fé todas as certezas que pudermos recolher numa única história, a transportar vidas e vidas pelas reencarnações adiante.

Deixar de lado os meros acontecimentos, fortuitas ocorrências e sórdidos pensares, após o que aceitar de bom grado viver, sobreviver e sorrir diante do Eterno. Nós sermos isto, alimárias que conduzem a História em pequenos cestos denominados indivíduos. Extáticos, percalços de mil aventuras errantes, contemplamos as maravilhas da Criação e desfazemos em contas de rosário imenso aquilo de presenciar as folhas do firmamento dentro da própria alma, tais intérpretes dessa magnitude a que pertencemos abismados.

Há essa trilha que nos percorre e dela sermos percorridos a todo instante, passageiros desse comboio em trânsito nos caminhos do Sol, seguidos de perto pelo desaparecimento em outras plagas, no entanto sequiosos de haver desvendado o senso da realização. Entre o ser e o existir, ali percorre inextinguível o barco do Destino, pé-ante-pé, a preencher de surpresas a imaginação da gente.

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Desconstruir o mistério


Face a face consigo, tais visões de um espelho circular, passam por nós as memórias numa velocidade constante, o que demonstra, de verdade, aquilo que nos interessa interpretar de nós mesmos nas suas mais diversas ocasiões. Portas abertas do Destino, assim o somos, retalhos da boa chita que se conformam conosco nas vidas e vidas. Até então foram percursos inesquecíveis, pois, uma vez que permanecem aqui de junto, a contar as ocasiões dos pensamentos e sentimentos e de nossas práticas naqueles instantes deixados nalgum resquício eterno, preso aos nossos seres quais farnéis de procura. Pessoas. Lugares. Momentos. Arcabouços das aflições e glórias imortais de quem e quando fomos seus autores, parceiros e viventes. Sei que existe, sim, a tal caverna de que falou Platão, donde se avista a tela escura nas profundezas, projeções da luz lá de fora em forma de sombras ativas a nos entreter toda hora. Desfilamos, tais atores de um cinema individual no quanto presenciamos daquelas ilusões imaginárias, a revelar só ficções do paraíso doutra essência que virá lá algum dia, de girar dentro da presença individual e resolver ser o que seremos em definitivo, na descoberta da Consciência. Guardada desde sempre, enquanto isso, só meros desenhos animados, esboços grosseiros do que vivemos ao sabor dos impulsos, tais diferentes aventureiros do prazer imediato. Famintos das horas, arquejamos ao sabor desse tempo e desfazemos a própria história nos fragmentos fulgurantes daqueles cotidianos provisórios doutros e antigos dias.

Depois, bem depois, de percorrer essa longa estrada no correr do firmamento, olhos acesos ao que virá, eis a caravana que antecede o trilho do Infinito. Existe de tudo no meio dessas figuras impacientes do que fazemos das lembranças; restam esses personagens que transportamos na mochila da sorte pelas existências adiante.

 

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Às tantas horas de toda manhã


E saber dessas cores que ora sobrevoam os séculos, numa soma igual à velocidade dos objetos que preenchem o espaço entre a gente e o resto do Infinito, isso que determina que sejamos, a qualquer custo, o sentido que arrasta esse trânsito magistral sem determinar a quê e quando. Noutras palavras, sejamos isto, instrumento das ações da Natureza, feitos de fragmentos de um mínimo lançado aqui neste solo das quantas interrogações. De uma condição haverão de admitir, porém, sermos sons, imagens e cores, latitudes e longitudes, limites e infinitos a todo quadrante, peças descomunais dos seres em movimento nessa crosta de um mundo a mais até então pronto a responder aos anúncios das redes, no entanto silencioso e distante, luzes que acendem e apagam, ecos do clarão dos novos sóis logo depois em movimento.

As paisagens vivas, cercadas de trastes inesperados, insistem, pois, continuar, diante do exótico desse tudo de que somos parte ativa, magníficos resultados das flores e dos animais abismados no vazio. Nisto, apenas observamos o fluir dos acontecimentos, certos de haver chegado ao lugar necessário a que viemos na busca de todas avencas sacudidas pelo vento. Termos os sentidos e deles trazer a resposta do quanto até agora quisemos encontrar de lucidez, todavia senhores de uma história arrevessada e seus mesmos autores, durante as vezes que reunimos tais conceitos, testemunhas de visões imaginárias ainda bem longe do que de real existirá perante os céus a todo segundo.

Esses tais que o somos formulam sua razão primordial, escondida sob o manto de vícios e virtudes que equilibram as existências, determinando justas motivações de andar feitos meros aprendizes, imitando clássicos de antigamente, numa escola sombria e clara, ao mesmo instante. Caminhar, sonhar, tocar adiante, a servir de motivo essencial do tanto que condiz às quantas horas em todas as manhãs, e termos isto o segredo guardado no coração, a ser interpretado na medida do sentimento, efeitos e causas dos fenômenos em nós, neste veloz carrossel de maravilhas, dentro em breve pedaços das horas e dos dias.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Dias inteiros


O movimento das ruas fala sua própria linguagem, deixando correr pelas calçadas lendas e lendas jamais trazidas ao papel, no entanto vivas, constantes, presentes nas casas, nas gentes, em carros, motos, animais, num afã de causar alvoroço lá dentro dos que vivem esse transe de ser gente nos dias de hoje. Nisso, aonde for, seja ao sol ou nas raras manhãs encobertas de nuvens escuras, tipos exóticos hão de percorrer a paisagem enfurecida e desenhar margens a compreender uma velocidade com que passa nos dias e nas pessoas, em um tempo por demais preenchido de tantas atrações desse espetáculo sem conta, envoltas no único som da multidão silenciada, esquecida de quantos.

Puséssemos de lado o que até aqui aconteceu debaixo das empanadas desse enorme circo das cidades e ver-nos-íamos espectadores dessa mesma humanidade e que talvez a fizéssemos livres das cigarras e seu cantar alegre aos finais de tarde lá nas encostas em volta. Longos foram os tempos em que já transcorreram as multidões antes habitantes dessa massa de aventuras e o resumo de epopeias escondidas nos prédios sombrios. Às vezes, a gente para entontecido dalguma lembrança das pessoas que aqui habitaram em séculos anteriores, e qual adormecessemos de sonhos antigos, época no entanto de que sobrevivemos nalgum mistério dos que ora imperam.

Vezes sem conta, isso acontece na memória de todos esses circunstantes  que ainda permanecem nas jornadas dias e dias, pedaços de si só que insistem sobreviver à custa do pensamento de quem agora ocupado noutros chãos que lhe pertence de herança. Nós, cada um desses, trocamos passos pelas noites e esquecemos as marcas largadas nos calçamentos toscos, nas lojas, nos escritórios, restaurantes, resquícios de agora que virão em seguida, apenas às costas dos segredos esquecidos. Há nisso tal intensidade a dizer tantas histórias e, queiramos ou não, seremos sempre personagens constantes das ruas e dos becos de uma cidade assim pelo mundo adiante.

domingo, 24 de novembro de 2024

Manhã de chuva II


Enquanto aqui deixo a Internet trazendo algumas músicas de Beethoven, aperto os olhos doloridos de computador e leituras, a ouvir caírem as goteiras da chuva que molhou a manhã de domingo, ruído alternado com o pio desengonçado de pardais na coberta da casa.

Nessas ocasiões, em vez de outras providências administrativas de viver em organização permanente, ouço as vozes de dentro, no corredor dos pensamentos e palavras, avisando aos dedos quais teclas tocar de leve, para não acordar Danielle que dorme ao lado, na cama.

Há poucas semanas escrevo os sonhos que retenho na memória, buscando facilitar a compreensão do inconsciente, área sombria do ser. Ontem, no meio de uma madrugada calorenta e tumultuada, mais por barulhos vindos da casa da frente, falas murmurentas, gargalhadas, arrastados de portão, entrada e saída de gente, refiz o sono quando deitei na rede por pouco tempo, despertando em pesadelo. Via Ciro chegar machucado de queda na moto. Situei os pensamentos, sem querer preocupações. Voltei-me os sentidos para o alto.

Quando cedo, após ordenar os encaminhamos do sábado cedo, liguei a ele, avisando que redobrasse os cuidados, porquanto havia sonhado com acidente, etc., etc.

Daí, compareci ao Hotel Pasárgada, numa palestra de entidade dos funcionários do Banco do Brasil, seguida de um almoço.

Começo da tarde, nas ruas do centro de Crato, onde passaria no mercantil a fim de algumas compras, chega Ciro na garupa da moto para me dizer que o sonho acontecera. Derrapara numa curva e mostrava a mão ainda sangrando, devido a se proteger pondo-a na frente e arrastado no asfalto.

Bom, isso de raro me ocorrer, no entanto. Na semana passada, ao relembrar detalhes de um sonho, anotei uma milhar. 0127. Por experiência, passei na banca do jogo do bicho e marquei um real palpite de nessa casa. Daria em torno de quatro mil, caso lograsse êxito, o que não se verificou.

Ler a propósito de sonhos nos leva a compreender que cada indivíduo por si mesmo se trata da melhor fonte para a interpretação dos próprios símbolos, tanto em sonhos quanto noutras comunicações originárias do inconsciente, seja pessoal, seja coletivo. Os significados existem no sentido da decodificação. A arte guarda esse código simbólico ao dispor de cada um, raízes da consciência despertada.

Vou ao Kazaa observar o status dos downloads das músicas. A velocidade, esta hora do dia, nos domingos facilita o recebimento dos arquivos. E de certeza os clássicos persiste como a garantia de músicas harmoniosas e suaves, coisa de que os compositores esqueceram, nesse tempo de tecnologia excessiva e pouca criatividade artística.

A chuva fastou e o claro do tempo avança pelas janelas. Daqui a pouco irei a uma reunião do Instituto da Cidade, órgão recém criado no intuito de acompanhar os passos administrativos da atual administração municipal. Contudo, durante alguns minutos retornarei à cama até despertar por completo.